Imprimir acórdão
Proc. nº 88/2000 Plenário Rel.: Consª Maria Fernanda Palma (Cons. Mota Pinto)
Acordam em Plenário no Tribunal Constitucional
I Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que figura como recorrente A. e como recorrido o Estado Português, representado pelo Ministério Público, o Tribunal Constitucional proferiu o Acórdão nº 148/2004, no qual foi decidido: a) não tomar conhecimento da questão de inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 18º, nº 2, e 28º da Lei nº 80/77, de 26 de Outubro; b) não julgar inconstitucionais as normas constantes dos artigos 1º a 6º do Decreto-Lei nº 528/76, de 7 de Julho, dos artigos 1º a 8º do Decreto-Lei nº
332/91, de 6 de Setembro, e dos artigos 18º, nº 1, 19º e quadro anexo, 21º e 24º da Lei nº 80/77, de 26 de Outubro; c) Negar provimento ao recurso.
2. O recorrente vem agora arguir a nulidade do Acórdão nº 148/2004 nos seguintes termos:
A., tendo sido notificado do aliás douto acórdão que negou provimento ao recurso, vem arguir a nulidade do mesmo, nos termos e fundamentos que passa a expor:
1. Nas alegações de recurso para este Tribunal, o recorrente apresentou as seguintes conclusões:
(a) Da matéria de facto fixada no processo pelas instâncias jurisdicionais competentes (Tribunal Colectivo de 1ª Instância e Tribunal da Relação), que aqui se dá como reproduzida, resulta que, por aplicação dos critérios estabelecidos nos artigos 18º, 19º (e quadro anexo), 21º, 24º e 28º da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, nos artigos 1º a 6º do D.L. n.º 528/76, de 7 de Julho e nos artigos 1º a 8º do D.L. n.º 332/91, de 6 de Setembro, as indemnizações atribuídas aos ex-titulares de participações sociais nacionalizadas em 1975 são inferiores a
10% dos valores reais dos bens nacionalizados.
(b) Na verdade, os mencionados dispositivos legais fixaram o pagamento das indemnizações através de dação em cumprimento com Obrigações do Tesouro amortizáveis a longo prazo e com taxas de juro muito inferiores às taxas de inflação verificadas, e estabeleceram critérios de avaliação que conduziram à atribuição pelo Governo, às empresas nacionalizadas, de valores muito inferiores aos valores reais das mesmas.
(c) Assim, os preceitos legais citados estão feridos de inconstitucionalidade material, por ofensa dos art.ºs 62º e 83º da C.R.P..
(d) Os mesmos preceitos referidos da lei ordinária ofendem ainda os princípios do Estado de Direito consagrados nos artigos 2º, 17º e 18º da CRP;
(e) Ofendem ainda o disposto nos arts. 8º e 16º da CRP, por não respeitarem o direito de propriedade e o princípio da justa indemnização por nacionalizações, consagrados no Direito Internacional vinculativo para Portugal, como a Carta das Nações Unidas e os Pactos de 1966; a Declaração Universal dos Direitos do Homem; as Directivas do Banco Mundial de 1992; a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (e designadamente o art.º 1, n.º 1 do 1º Protocolo Adicional).
(f) A decisão recorrida considerou erradamente que não é aplicável o disposto no art.º 62º da C.R.P. à indemnização por nacionalizações, e que as indemnizações por nacionalizações não têm de ser equivalentes, nem sequer próximas, dos valores dos bens transferidos forçadamente para a titularidade do Estado.
(g) Desse modo, a decisão recorrida considerou, erradamente, que os citados preceitos legais não ofendem as normas e princípios constitucionais apontados.
(h) Deverá, assim, dar-se provimento ao presente recurso, declarando-se a inconstitucionalidade material dos preceitos citados, com todas as consequências decorrentes”.
2. Como decorre claramente da alínea (a) das conclusões acabadas de reproduzir, o recorrente assenta o seu juízo de inconstitucionalidade das normas em causa no resultado indemnizatório a que se chegou por aplicação de tais normas, como compensação pelas nacionalizações de 1975. Na verdade, com base na matéria de facto apurada pelas instâncias, conclui-se que o valor efectivamente recebido pelo Autor representa cerca de 8,4% do valor dos bens nacionalizados. Com efeito, das respostas do Colectivo aos quesitos 1° a 9°, resulta que o valor das acções do Autor nacionalizadas era, à data das nacionalizações, 90.826 contos. Como contrapartida da nacionalização, o Autor recebeu do Governo a indemnização de 29.673 contos; as restantes Obrigações do Tesouro recebidas pelo Autor referem-se a juros (vide doc. de fls. 455). Assim, o valor nominal recebido pelo Autor em Títulos do Tesouro (29.673 contos), representava apenas 32,6% do valor atribuído às participações sociais pelo Tribunal Colectivo. Conjugando a menos valia financeira dos títulos, em função dos prazos de amortização e taxas de juro (25,8%), com a menos valia que resultou da deficiente avaliação feita pelo Governo (32,6%), concluímos que o Autor recebeu, efectivamente apenas 8,4% do valor dos bens nacionalizados (25,8 x 32,6). Como se escreveu na alegação do recorrente para este Tribunal,
“É a partir desta base de facto que importa discutir a questão fulcral do processo, que é a de saber se as normas que conduziram àquela “indemnização” ofendem ou não os princípios constitucionais” (pág. 23 da alegação), Sobre a matéria objecto do recurso, para além das longas citações da jurisprudência anterior deste Tribunal, o acórdão limita-se a afirmar o seguinte:
“11. O Tribunal Constitucional reafirma, no caso em apreço, o pensamento da sua anterior jurisprudência, sublinhando os seguintes pontos, decisivos, na solução do problema de constitucionalidade que é proposto, quanto às normas dos artigos
18º, 19º e quadro anexo, 21º e 24º, da Lei nº 80/77:
1º A lógica subjacente à indemnização das nacionalizações não é idêntica à das expropriações dada a natureza do acto de nacionalização, a sua específica justificação política e constitucional em confronto com a expropriação;
2º A indemnização por nacionalização não tem de se pautar por uma justiça absolutamente indemnizatória podendo tomar em conta critérios especiais justificados de necessidade política e social, numa lógica de justiça distributiva, em que são ponderáveis interesses sociais e políticos estruturais;
3º Tais critérios serão constitucionalmente justificados se o grau de prevalência do interesse colectivo sobre o interesse particular que manifestam não implicar sacrifício dos direitos dos particulares manifestamente desproporcionado e desnecessário;
4º Limite de sobreposição do interesse colectivo ao particular é aquele a partir do qual as indemnizações se tornem irrisórias ou manifestamente desajustadas relativamente ao valor dos bens nacionalizados, tendo em conta a realidade económica do momento em que ocorreu o acto de nacionalização;
5º Aquém deste limite são constitucionalmente admissíveis critérios concretos de indemnização justificados por ponderações de necessidade política, económica e social. Ora, como se reconheceu no Acórdão nº 85/2003 a verificação de que estaríamos para além da fronteira do que é constitucionalmente justificável, “careceria de ser demonstrada do ponto de vista do interesse público e da situação real da economia, tendo ainda em conta que a situação dos cidadãos que deveriam receber as indemnizações através dos títulos de dívida pública não é diferente da dos outros cidadãos que eram titulares de títulos de dívida pública de juro fixo, no mesmo momento”. Concluiu-se, assim, ante o exposto, pela não inconstitucionalidade de tais normas.
12. Quanto às normas que estabeleceram os critérios de avaliação das empresas nacionalizadas, para efeito de indemnização, fixados, primeiro, pelos artigos 1º a 6º do Decreto-Lei n.º 528/76, de 7 de Julho e, depois, pelos artigos 1º a 7º do Decreto-Lei n.º 332/91, de 6 de Setembro (bem como o artigo 8º deste último diploma), também existe já jurisprudência do Tribunal Constitucional, que agora se reafirma, remetendo para os respectivos fundamentos.”
Segue-se a citação do Acórdão n° 39/88, a propósito dos artigos 3° e 4° do Decreto-Lei N° 528/76. Quanto aos artigos 1° a 8° do Decreto-Lei N° 332/91, o acórdão remete para o acórdão N° 452/95, que se debruçou não só sobre as normas que fixavam o prazo para cálculo do valor de cotação e do valor de rendibilidade das acções das sociedades nacionalizadas mas também sobre todos os artigos 1 ° a 8° do Decreto-Lei N° 332/91, concluindo pela não inconstitucionalidade das normas em questão. Termina o acórdão afirmando:
“Finalmente, quanto ao artigo 8° do Decreto-Lei n° 332/91, relativo à fixação do valor da indemnização, o Acórdão n° 452/95 concluiu igualmente pela inexistência de inconstitucionalidade, reafirmando-se, também quanto a esta norma, como atrás se disse, aquela jurisprudência.”
É patente que o acórdão de que se reclama não apreciou a questão fundamental do recurso que é a alegada (pelo recorrente) inconstitucionalidade derivada do efeito combinado e conjunto das várias normas impugnadas: os artºs 1° a 6° do D.L. N° 528/76, de 7 de Julho, os artigos 1° a 8° do D.L. N° 332/91, de 6 e Setembro e os artºs 18° N° 1, 19° e quadro anexo, 21 e 24° da Lei N° 80/77, de
26 de Outubro; efeito que se traduziu na atribuição ao A. de uma indemnização equivalente a 8,4% do valor dos bens objecto da nacionalização. O acórdão apreciou as várias normas separadamente, abstraindo em absoluto do resultado a que conduz a sua aplicação conjunta, resultado apurado em sede da matéria de facto dada como provada nas instâncias.
3. Note-se, de resto, que o recorrente já se tinha permitido chamar a atenção do Tribunal para a necessidade de se apreciarem as diversas normas impugnadas em conjunto e não isoladamente. Vale a pena reproduzir o que então disse o recorrente quando se pronunciou sobre as questões suscitadas pelo M.P.:
“O recorrente deixou bem claro que as indemnizações por ele recebidas se têm de considerar irrisórias, pela conjugação dos vários critérios estabelecidos na Lei N° 80/77 e no D.L. N° 332/91, que estabeleceram as regras de avaliação das empresas, composição e fixação da indemnização e a sua forma e modo de pagamento. Admitir que este Tribunal apreciasse isoladamente cada uma dessas questões, seria escamotear o problema crucial que consiste, exactamente, em avaliar da conformidade constitucional de todos os elementos e critérios legais, que, conjuntamente, conduziram ao resultado final da efectiva contrapartida paga pelo Estado aos titulares de empresas nacionalizadas.
... este Tribunal não pode limitar-se a tecer considerações teóricas e genéricas acerca dos preceitos constitucionais referentes à matéria de indemnizações por nacionalizações. O que se espera deste Tribunal é que, concretamente, decida se os critérios legais de apuramento do montante indemnizatório e da forma e prazos de pagamento do mesmo, estão ou não em conformidade com os princípios e normas constitucionais. E para esse efeito, não pode este Tribunal, obviamente, deixar de tomar em consideração os resultados da aplicação dos preceitos legais que, no entender do recorrente, estão feridos de inconstitucionalidade material. Se se abstrair desses resultados, então a discussão nem tem qualquer sentido; como pode este Tribunal saber se os critérios legais ofendem as regras e princípios constitucionais atinentes à matéria das indemnizações por nacionalizações, se não souber o que resulta da aplicação de tais critérios?
...
... no Acórdão N° 425/95, o Tribunal apreciou isolada e exclusivamente as normas do D.L. N° 332/91, respeitantes à avaliação do património e do goodwill das empresas nacionalizadas e às cotações das respectivas acções, a tomar em consideração no apuramento das indemnizações. Ora, o âmbito do presente recurso é outro e mais vasto. No presente recurso, está em causa a apreciação conjunta das normas legais que determinaram a efectiva indemnização atribuída ao recorrente e à generalidade dos accionistas de empresas nacionalizadas. E, note-se, é fundamental que essa apreciação se faça em conjunto, uma vez que a inconstitucionalidade torna-se patente da conjugação das diversas normas e afecta-as a todas.”
4. Não tendo apreciado os efeitos combinados das normas impugnadas, o Tribunal não respondeu a esta questão muito simples, que é, afinal, a questão fundamental do recurso e que consiste em o Tribunal declarar: se as normas reguladoras das indemnizações – pelo método de avaliação dos bens nacionalizados, pela forma do seu pagamento, pelos prazos de pagamento e pelos juros pagos pelo diferimento desse pagamento –, conduzindo a indemnizações equivalentes a 8,4% do valor dos bens nacionalizados, são ou não conformes à Constituição.
5. É esta questão que, salvo o devido respeito, o Tribunal Constitucional não deve furtar-se a responder com a clareza que se impõe. Com todo o respeito pelos ilustres Conselheiros que votaram o acórdão, dir-se-á que esta resposta não pode, nem deve, ser iludida com considerações genéricas e abstractas que nada elucidam quanto a saber se o Tribunal acha que as normas que conduziram a indemnizações correspondentes a 8,4% do valor dos bens são ou não
“susceptíveis de conduzir ao pagamento de indemnizações irrisórias ou manifestamente desproporcionadas à perda dos bens nacionalizados, nem a pagamentos tão diferidos no tempo que equivalham a indemnizações irrisórias ou absolutamente desproporcionadas”.
6. Para além de ser dever do Tribunal apreciar as questões que lhe são colocadas, sob pena de nulidade, será importante para os cidadãos e os investidores conhecer a interpretação e alcance que o Tribunal Constitucional confere às normas e princípios constitucionais que garantem o direito de propriedade. Se vier a ser essa a sua decisão, será útil e clarificador que o Tribunal Constitucional assuma, sem sofismas nem malabarismos formais, que o Estado pode nacionalizar bens por razões políticas mediante uma compensação inferior a 10% do valor dos bens.
7. Ao não apreciar a questão referida, o acórdão cometeu a nulidade prevista no artº 668° N° 1, d) do C.P.C., aplicável ex vi artº 69° da Lei do Tribunal Constitucional, que ora se argui para todos os efeitos.
O Estado Português, representado pelo Ministério Público, pronunciou-se nos seguintes termos:
1 - É manifesto que o douto acórdão proferido nos autos não padece de nulidade por omissão de pronúncia, já que apreciou e decidiu - em conformidade, aliás, com a precedente jurisprudência constitucional - as questões de constitucionalidade normativa delineadas pelo recorrente.
2 - Como, aliás, se notou na contra-alegação apresentada, não pode perder-se de vista que o presente recurso tem carácter normativo, não podendo perspectivar-se como um “recurso de amparo”, visando sindicar da conformidade à Constituição tão somente dos critérios normativos plasmados nos preceitos legais cuja constitucionalidade era controvertida pelo recorrente.
3 - E tal resposta é dada, de forma cabal e perfeitamente concludente, no acórdão proferido - que, deste modo, dirimiu inteiramente as questões de constitucionalidade suscitadas.
4 - Termos em que deverá naturalmente improceder a pretensão deduzida pelo recorrente.
Cumpre apreciar.
II Fundamentação
3. O recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, tem por objecto a apreciação da conformidade à Constituição de normas jurídicas. Desse modo, não pode constituir objecto do referido recurso a apreciação da compatibilidade com a Constituição de actos administrativos ou de decisões judiciais. Apenas são susceptíveis de integrar o objecto de tal recurso normas ou dimensões normativas, isto é, critérios emanados de fonte normativa susceptíveis de generalização que consubstanciem o fundamento da decisão recorrida e que tenham sido adequadamente suscitados no recurso de constitucionalidade. Por outro lado, a omissão de pronúncia geradora de nulidade da decisão, nos termos do artigo 668º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, apenas se refere a questões que o tribunal “devesse apreciar”. Não existe, portanto, omissão de pronúncia geradora de nulidade da decisão quando o Tribunal não se pronuncie sobre questões que se encontrem fora dos seus poderes de cognição. É dentro destes parâmetros que deve ser analisada a presente questão.
4. O Tribunal Constitucional apreciou a conformidade à Constituição das normas indicadas no recurso de constitucionalidade interposto (o que é, aliás, reconhecido pelo recorrente). Refere o recorrente, porém, que não foi apreciado o “resultado a que conduz a sua aplicação conjunta”, isto é, que não se apreciou o “resultado apurado em sede da matéria de facto dada como provada nas instâncias”. O recorrente pretendia, assim, que o Tribunal Constitucional se pronunciasse sobre a conformidade à Constituição do que considera serem as
“normas” que, conjugadamente, conduzem ao efeito de uma “indemnização equivalente a 8,4% do valor dos bens nacionalizados” e ainda à possibilidade de o Estado “nacionalizar bens por razões políticas mediante uma compensação inferior a 10% do valor dos bens”.
É ao Tribunal Constitucional que compete fixar o objecto do processo, não sendo este determinado pelas representações do recorrente. Naturalmente, o Tribunal fá-lo-á de modo fundamentado nas questões objectivamente suscitadas pelo recorrente perante as instâncias e perante o próprio Tribunal Constitucional e que versem sobre a ratio decidendi da decisão recorrida. Ora, a delimitação do objecto nos termos descritos incidiu, no caso sub judicio, nas normas que efectivamente vieram a ser apreciadas, relativamente às quais o Tribunal Constitucional proferiu um juízo de não inconstitucionalidade.
5. Não é de admitir que o efeito conjugado de normas não inconstitucionais viole a Constituição, sem que seja identificável e autonomizável uma nova dimensão normativa. Ora, no caso em apreço, tal dimensão nunca foi explicitada pelo recorrente durante o processo [o que é exigível por força do disposto nos artigos 280º, alínea b), da Constituição e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional]. Assim, o Tribunal Constitucional fixou, em plenário, o objecto do recurso como sendo constituído por um certo conjunto de normas, quase todas elas já tratadas em anteriores arestos. Os aspectos que o recorrente vem caracterizar como questões de constitucionalidade por si suscitadas e não integradas pelo Tribunal no objecto do recurso não são sequer dimensões normativas mas aspectos da aplicação do Direito ao caso concreto. No entanto, mesmo que se pudesse admitir, no limite, que o são, sempre estariam contemplados pelas normas apreciadas pelo Tribunal. Com efeito, a argumentação da presente arguição de nulidade faz apelo a uma dimensão normativa a partir do efeito conjugado das normas que o recorrente invocou. Mas tal dimensão normativa nunca foi, como se deixou dito, identificada perante as instâncias e perante o Tribunal Constitucional como era exigível, limitando-se o recorrente a referir um resultado ou efeito concreto relacionado com o valor da indemnização respeitante aos bens nacionalizados. Sendo claro para o recorrente que esse efeito era um mero resultado concreto dos critérios normativos individuais conjugados, não é razoável, no plano lógico, que seja configurado como critério normativo autónomo. E se de alguma forma se pretendia que o Tribunal Constitucional se confrontasse com um critério normativo diverso dos que estão compreendidos nas normas analisadas, era ónus do recorrente formulá-lo como tal pelo menos desde a interposição do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Deste modo, onde o recorrente lobriga uma omissão de pronúncia sobre uma questão de constitucionalidade normativa, só pode existir uma de duas coisas: a não análise de um resultado da aplicação de normas, que é um problema de efeito concreto da decisão e não uma questão de constitucionalidade normativa, ou a análise efectiva dos critérios normativos que conduziram àquele resultado, contrariamente ao que o recorrente afirma.
6. O Tribunal Constitucional entende, pois, que o recorrente ou pretende algo que é alheio às competências do Tribunal – a avaliação dos efeitos concretos de um acto administrativo e de uma decisão judicial – ou pretende que o Tribunal analise os critérios normativos contidos nas normas que efectivamente apreciou – o que, no entanto, já aconteceu. Fora deste dilema, só é ainda concebível que o recorrente pretenda focar um critério normativo autónomo cuja inconstitucionalidade não chegou a suscitar em qualquer momento do processo. Sendo assim, não é sustentável qualquer omissão de pronúncia. Com efeito, o Tribunal pronunciou-se, no aresto reclamado, sobre as normas que permitiram fixar os critérios de indemnização, sustentando sempre que a fixação de uma indemnização pela nacionalização de bens “não tem de se pautar por uma justiça absolutamente indemnizatória podendo tomar em conta critérios especiais justificados de necessidade política e social numa lógica de justiça distributiva, em que são ponderáveis interesses sociais e políticas estruturais”. Acrescentou que “tais critérios seriam constitucionalmente justificados se o grau de prevalência do interesse colectivo sobre o interesse particular que manifestam não implicar sacrifício dos direitos dos particulares manifestamente desproporcionado e desnecessário”. Esclareceu que o “limite de sobreposição do interesse colectivo ao particular é aquele a partir do qual as indemnizações se tornem irrisórias ou manifestamente desajustadas relativamente ao valor dos bens nacionalizados, tendo em conta a realidade económica do momento em que ocorreu o acto de nacionalização”. E, por fim, acrescentou que a verificação de que estaremos para além da fronteira do que é constitucionalmente justificável “careceria de ser demonstrada do ponto de vista do interesse público e da situação real da economia, tendo ainda em conta que a situação dos cidadãos que deveriam receber as indemnizações através dos títulos de dívida pública não é diferente da dos outros cidadãos, que eram titulares de dívida pública de juro fixo, no mesmo momento”. Consequentemente, o que o Tribunal tinha competência para apreciar, apreciou, reafirmando a sua jurisprudência anterior; o que não lhe cabia apreciar não apreciou. Em substância, todas as questões formuladas de modo perceptível e processualmente adequado foram analisadas, sendo manifesto, sob todos os ângulos interpretativos, que o recorrente pôde ver respondidos os problemas de constitucionalidade por si suscitados. Por conseguinte, a presente arguição de nulidade não procede.
III Decisão
7. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente arguição de nulidade.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 UCs.
Lisboa, 14 de Abril de 2004
Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres Carlos Pamplona de Oliveira Bravo Serra Paulo Mota Pinto Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Maria Helena Brito Benjamim Rodrigues Vítor Gomes Artur Maurício Rui Manuel Moura Ramos Gil Galvão Luís Nunes de Almeida