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Processo n.º 419/99
2.ª Secção Relator: Cons. Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. Nos presentes autos, o relator, por despacho de 1 de Outubro de 2003, determinou a junção de cópia da Decisão Sumária n.º 127/2003, proferida no Processo n.º 101/03, e, considerando que do trânsito em julgado dessa Decisão Sumária – que decidiu não tomar conhecimento do recurso interposto do acórdão do Tribunal Central Administrativo, de 20 de Agosto de 2002, que negou provimento ao recurso da sentença de 18 de Junho de 2002 do Tribunal Administrativo do Círculo do Porto, que julgara caduca a providência de suspensão de eficácia do acórdão de 26 de Outubro de 2001 do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, que confirmara a aplicação ao recorrente, pelo Conselho Distrital do Porto da mesma Ordem, da pena disciplinar de dois anos de suspensão
– resultou o trânsito em julgado das mencionadas decisões judiciais e a efectividade desta decisão punitiva, determinou a notificação do recorrente A. para, no prazo de dez dias, constituir advogado, sob pena de o recurso não ter seguimento (artigos 33.º do Código de Processo Civil e 83.º, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional).
O recorrente foi notificado desse despacho, em 8 de Outubro de 2003. Constatando que o mesmo não constituíra, no prazo aí assinalado, advogado que o patrocinasse, como é imposto pelo artigo 83.º, n.º
1, da Lei do Tribunal Constitucional, o relator proferiu, em 31 de Outubro de
2003, despacho a julgar findo o presente recurso, nos termos do artigo 33.º do Código de Processo Civil, determinando a remessa dos autos ao tribunal a quo. Mais se consignou nesse despacho que, face à decisão nele tomada, ficava
“prejudicada a apreciação do requerimento de fls. 77 [apresentado em 21 de Outubro de 2003, no qual o recorrente solicitava a suspensão da instância até à decisão final da reclamação para a conferência deduzida no processo n.º 26/02], que, como é óbvio, não tem a virtualidade de interromper ou suspender o prazo fixado para a constituição de mandatário”.
Notificado deste despacho, o recorrente dele vem reclamar para a conferência, aduzindo o seguinte:
“I – QUESTÃO PRÉVIA
Na decisão reclamada, depois de «julga(r)-se findo o presente recurso» pelo facto de que o recorrente «não constituiu, no prazo aí assinalado, advogado que o patrocinasse», dá-se a final por «prejudicada a apreciação do requerimento de fls. 77», com base no argumento de que tal peticionado, «como é
óbvio, não tem a virtualidade de interromper ou suspender o prazo fixado para a constituição de mandatário».
Salvo o devido respeito, todavia, essa argumentação epilogativa não pode proceder. Com efeito, aos requerimentos de parte – tal-qualmente às decisões judiciais, aos contratos, às leis – aplica-se de igual modo, necessariamente, a jurisprudência do Acórdão de 28 de Junho de 1994 do Supremo Tribunal de Justiça justamente citado, ab initio, na peça processual reproduzida como Doc. I em anexo àquele requerimento anterior do ora também aqui reclamante: terá que ser devidamente interpretado, «no seu contexto legal e processual, na sua lógica», e não apenas lido (muito menos, nem sequer lido!). E, como é bom de ver, devidamente interpretado o requerimento em causa – integrado o seu teor, criteriosamente, pelo do citado documento anexo –, forçoso será concluir que do que aí, muito concretamente, se trata é de invocar a nulidade ipso jure do normativo, adrede indicado, determinante da constituição obrigatória de mandatário judicial, invalidade essa que – em virtude do estatuído no artigo 3.º, n.º 3, ex vi do 204.º, ambos da Constituição – é de conhecimento oficioso, mormente em sede de administração de justiça constitucional. Ou seja: perante a arguição, de modo implícito porém inequívoco, da inconstitucionalidade material da norma, inclusive, do artigo
83.º, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, não é lícito ao ente judicante declaratário escusar-se casuisticamente à apreciação dessa magna invalidade normativa no contexto geral do requerido alegada, nem tampouco, como é óbvio, ater-se acriticamente ao prazo assinalado para o cumprimento do acto pessoal por essa alta via impugnado.
A questão, de todo inescusável, da apreciação do requerimento anterior do ora reclamante converte-se, assim, na da própria questão de fundo decidenda.
II – A QUESTÃO DE FUNDO REEMERGENTE
O signatário dá por integralmente reproduzido a seguir o teor dos capítulos II e III do requerimento de reclamação para a conferência junto como Doc. I ao seu requerimento anterior nos presentes autos, permitindo-se entretanto registar apenas que a tese por si defendida na exposição-requerimento reproduzida como Doc. II em anexo àqueloutro, relativa ao primado do direito comunitário sobre o nacional, designadamente em matéria de direitos processuais fundamentais como os in casu controvertidos, acaba de ser publicamente sufragada – em artigo de opinião publicado na edição de 15 de Novembro de 2003 do diário «Público», sob o título de «Constituição europeia e Constituição nacional» (reproduzido em anexo, como Doc. A) – pelo jurista português antigo Juiz-Presidente do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias. III – CONCLUSÃO
Tudo visto, por conseguinte, esse Alto Tribunal finalmente:
i) declarará – nos termos do artigo 277.º, n.º 1, da Constituição – a inconstitucionalidade material das normas legislativas preceptivas do patrocínio judiciário obrigatório, especialmente as do artigo 33.º (ex vi do
32.º) do Código de Processo Civil e do artigo 83.º, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional adrede invocadas,
ii) consequentemente revogando o despacho reclamado,
iii) pronunciando do julgado os competentes efeitos legais.”
2. O despacho reclamado contém duas proposições fundamentais: (i) decorrera o prazo para o recorrente constituir mandatário, sem que o tivesse feito; e (ii) a apresentação de um requerimento de suspensão de instância não tem a virtualidade de interromper ou suspender o prazo fixado para a constituição de mandatário.
O recorrente reclamante não impugna a correcção de nenhuma destas proposições.
Sustenta, porém, que o requerimento de suspensão da instância tem implícita a arguição da nulidade da obrigação de constituição de mandatário. Este entendimento é claramente insustentável. Se o reclamante entendia que não estava obrigado a constituir mandatário, o que era lógico que fizesse era que suscitasse directamente essa questão, cuja eventual procedência determinava o encerramento do incidente, não se compreendendo, nesse contexto, que viesse requerer a suspensão da instância.
Como é sabido, este Tribunal Constitucional tem-se pronunciado, reiteradamente, no sentido da não inconstitucionalidade quer das normas que estabelecem uma genérica obrigação de patrocínio judiciário quer das que reservam o exercício da advocacia a advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados (vide Acórdãos n.ºs 497/89, 252/97 e 578/2001; cf. ainda o Acórdão n.º 498/99, e, por último, o Acórdão n.º 582/03, proferido justamente no processo n.º 26/02).
Não há, porém, que, no presente caso, reexaminar a questão, mas antes constatar que o reclamante não contesta nenhuma das duas proposições em que assentou o despacho reclamado, que, assim, é de manter.
3. Em face do exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em
10 (dez) unidades de conta.
Lisboa, 13 de Janeiro de 2004.
Mário José de Araújo Torres
Paulo Mota Pinto
Rui Manuel Moura Ramos