Imprimir acórdão
Proc.177/03 - 1ª Secção Relator: Cons. Carlos Pamplona de Oliveira
ACORDAM NA 1ª SECÇÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
O Ministério Público interpõe o presente recurso obrigatório, nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho proferido no Tribunal Judicial da Comarca de Mafra que julgou inconstitucional a norma constante do nº 2 do artigo 49º da Lei 30-E/2000 de 20 de Dezembro e, consequentemente, da Portaria 1200-C/2000 de 20 de Dezembro, na parte aplicável aos processos de jurisdição de menores.
Neste Tribunal Constitucional, o Representante do Ministério Público conclui da seguinte forma a sua alegação:
1º- Não viola o princípio da igualdade, nem qualquer outra norma ou princípio da Constituição, a opção legislativa, traduzida em fixar abstractamente o valor dos honorários do advogado oficioso em função da espécie ou natureza do processo, prescindindo da intervenção judicial na concretização do valor de tal remuneração, estabelecida através da respectiva graduação entre uma máximo e um mínimo, em atenção à complexidade e extensão do trabalho efectivamente realizado em cada processo.
2º- Termos em que deverá proceder o presente recurso, em conformidade com o juízo de constitucionalidade das normas desaplicadas na decisão recorrida.
Cumpre decidir.
O despacho de que ora se recorre alicerça-se na seguinte fundamentação:
“Em nosso entendimento, a norma que prevê a criação de uma tabela de honorários que fixa, sem margem de distinção, os montantes consoante o tipo de processos em que ocorreu a intervenção é inconstitucional. No fundo, serão dois os princípios constitucionais violados pela opção legislativa: o da retribuição e, indirectamente, o da igualdade (artº 13º e
59º/1 al. a) da Constituição da República Portuguesa). Uma vez que, ao falarmos dos honorários dos patronos oficiosos estamos a apreciar a retribuição do seu trabalho, a fixação de valores únicos numa tabela, sem margem de diferenciação, viola este direito económico constitucionalmente garantido.”
(...)
“É nesta falta de possibilidade de distinguir o trabalho de acordo com a quantidade, natureza e qualidade que entendemos existir uma violação da Constituição da República Portuguesa.”
E conclui:
“por violação do artº 59º/1 al. a) da Constituição da República Portuguesa declaro a inconstitucionalidade do nº 2 do artº 49º da Lei 30-E/2000, 20.12 e, consequentemente, da Portaria 1200-C/2000, de 20.12.”
A norma constante do artigo 49º da Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro, cuja aplicação foi recusada na decisão recorrida, prevê que nas tabelas relativas aos honorários devidos pelos serviços prestados por advogados no âmbito do apoio judiciário, seja fixado o respectivo montante ou se estabeleçam limites – mínimos e máximos – dessas importâncias, competindo neste último caso ao juiz a sua determinação, face às características do caso concreto.
Relativamente aos processos de jurisdição de menores, o legislador acabou por fixar exactamente o montante dos honorários, sem dar a possibilidade de graduar a respectiva fixação.
Ora, ao contrário do que se afirma na decisão recorrida, não se vislumbra em que medida é que esta opção do legislador é incompatível com a Constituição.
A propósito do invocado princípio da igualdade já este Tribunal se pronunciou inúmeras vezes.
Fê-lo, nomeadamente, no Acórdão nº 583/00, publicado no Diário da República, 2ª série, de 22 de Março de 2001, em que se afirma:
“Segundo jurisprudência uniforme e constante do Tribunal Constitucional, o princípio da igualdade reconduz-se a uma proibição de arbítrio, tornando inaceitável quer a diferenciação de tratamento sem justificação razoável quer o tratamento igual para situações desiguais. A proibição do arbítrio constitui um limite externo da liberdade de conformação do legislador, actuando o princípio da igualdade como princípio negativo de controlo. O Tribunal tem afirmado uniformemente que a fiscalização da constitucionalidade não pode pôr em causa a liberdade de conformação do legislador, que goza de uma razoável margem de discricionariedade (cf. neste sentido, o acórdão nº 150/2000 (...) ”, publicado no Diário da República, 2ª série, de 9 de Outubro de 2000.
“Cabe assim, ao legislador ordinário definir ou qualificar as relações da vida a tratar igual ou desigualmente, dentro dos limites constitucionais, devendo os tratamentos diferenciais ser fundamentados através de critérios constitucionalmente relevantes e ser censurados apenas os casos de desrazoável desigualdade, mas sem que o julgador possa controlar se, num caso concreto, o legislador encontrou a solução mais adequada, razoável ou justa (cf. Acórdão nº
186/90, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 16º Vol., p. 383).
Sendo assim, a opção feita pelo legislador de fixar o montante dos honorários do advogado oficioso nos processos de jurisdição de menores, afastando desse modo a intervenção casuística do juiz na sua fixação – solução igualmente não isenta de dificuldades –, não pode considerar-se violadora do princípio da igualdade, entendido como a proibição do arbítrio legislativo.
E, além do mais, nada na Constituição impõe a intervenção do juiz na fixação concreta e casuística do montante dos honorários do advogado oficioso.
Por outro lado, como assinala o Recorrente “a solução que se traduz em fixar o valor dos honorários em função da natureza do processo não se configura como violadora da alínea a) do nº1 do artigo 59º da Constituição da República Portuguesa, já que tal solução implica apenas que – como ocorre em muitas outras situações – a remuneração do trabalho assente essencialmente num critério
“formal” – e não numa concreta e casuística avaliação e ponderação das tarefas efectivamente realizadas por cada trabalhador.”
Não existe, em suma, qualquer parâmetro constitucional que possa considerar-se violado pelas normas questionadas.
Pelo exposto, decide-se conceder provimento ao recurso, devendo a decisão recorrida ser reformada em conformidade com o juízo de não inconstitucionalidade que ora se formula.
Sem custas.
Lisboa, 11 de Novembro de 2003
Carlos Pamplona de Oliveira Rui Manuel Moura Ramos Artur Maurício Maria Helena Brito Luís Nunes de Almeida