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Processo n.º 430/03
3ª Secção Rel. Cons. Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. - Nos presentes autos de fiscalização concreta de constitucionalidade, instaurados ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que é recorrente A., e recorridos CÂMARA MUNICIPAL DE B. e C., todos ali melhor identificados, foi proferida, em 8 de Julho último, decisão sumária (fls.
236 a 243), nos termos do n.º 1 do artigo 78º-A daquela Lei n.º 28/82, que se passa a transcrever parcialmente:
«[...]
3. - O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 23 de Abril de 2003, concluindo que o recurso em causa se deve ter como interposto em 18 de Novembro de 2002 e que o prazo limite para o efeito expirava em 15 do mesmo mês e ano, e que, por isso era intempestivo, em face do disposto no nº2 do artigo 3º do Decreto-Lei n.º 134/98, de 15 de Maio, confirmou a decisão recorrida que rejeitou o recurso ao abrigo do §4 do artigo 57º do RSTA.
4. - Deste aresto interpôs o recorrente recurso para o Tribunal Constitucional, com fundamento na alínea b) do nº1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, pretendendo a apreciação da constitucionalidade da norma do artigo 35º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, na interpretação que dele é feita no acórdão recorrido, no sentido do afastamento da aplicação, para os mandatários com escritório na sede do Tribunal Administrativo competente, do artigo 150º do Código de Processo Civil. Entende o recorrente que o resultado dessa interpretação, com o afastamento do artigo 150º do Código de Processo Civil e a consequente aplicação do artigo 35º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, “é gerador de desigualdades de meios processuais entre os mandatários forenses (e portanto entre as partes por estes patrocinadas), conforme tenham ou não escritório na “comarca da sede do Tribunal” competente”, “submetendo os mandatários com escritório nessa comarca aos horários de funcionamento do Tribunal” e proporcionando aos mandatários com escritório fora de tal comarca a possibilidade de praticar os mesmíssimos actos processuais de interposição de recurso até às 24,00 horas do mesmíssimo dia do fim do prazo, por correio ... por telefax, ou por correio electrónico ...”, “o que constitui [afirma], uma clara violação dos princípios fundamentais da igualdade e da tutela jurisdicional efectiva” (cfr. artigos 13º, 20º e 268º, nº4 da Constituição da República Portuguesa).
5. - Importa, porém, proceder à delimitação do objecto do recurso, na medida em que a questão, tal como o recorrente [pelo menos aparentemente] a coloca, pressupõe a interpretação do artigo 150º do Código de Processo Civil e a discussão do processo interpretativo utilizado pela decisão recorrida no sentido de saber se ao caso concreto eram aplicáveis as normas do artigo 35º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos ou as do artigo 150º do Código de Processo Civil, questão que não se insere no âmbito do recurso de constitucionalidade. Assim, o presente recurso tem por objecto a apreciação da constitucionalidade do artigo 35º, nº 1 e 5, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos
(Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho), nos termos do qual a petição de recurso só pode ser enviada sob registo à secretaria do tribunal ao qual o recurso é dirigido quando o respectivo signatário não tiver escritório na comarca sede desse tribunal, devendo o signatário que tiver escritório nessa comarca entregar directamente a petição de recurso na secretaria do tribunal, sendo que o afastamento da norma do artigo 150º do Código de Processo Civil constitui um dos suportes fundamentantes da questão de constitucionalidade suscitada.
6. - Não se encontrando o Tribunal Constitucional vinculado pela decisão que admitiu o recurso – n.º3 do artigo 76º da Lei n.º 28/82 – entende-se não poder conhecer do objecto do recurso, sendo caso de proferir decisão sumária, nos termos do n.º1 do artigo 78º-A do mesmo diploma.
7. - Na verdade, o Tribunal Constitucional já teve a oportunidade de se pronunciar sobre a questão de constitucionalidade aqui suscitada, o que sucedeu através dos Acórdãos n.ºs 462/2000 (inédito) e 46/2003 (publicado no Diário da República, II Série, de 7 de Maio de 2003), que não julgou inconstitucionais as normas em causa, sendo que no primeiro apenas estava em causa a alegada violação do princípio da igualdade. Assim, escreveu-se no Acórdão 46/2003:
“5. O Tribunal Constitucional já julgou inconstitucionais normas que impõem encargos ou estabelecem restrições destituídas de fundamento material (cf. Acórdãos n.º s 145/2001 – D.R., II Série, de 9 de Maio de 2001; e 161/2000, D.R., II Série, de 10 de Outubro de 2000). No entanto, em situações em que a diferença de tratamento legal assente num razão apreensível objectivamente e que não revele arbitrariedade ou privilégio injustificado, o Tribunal Constitucional tem considerado não haver violação de princípios constitucionais, nomeadamente o da igualdade (cf. Acórdão n.º 381/91 – D.R., II Série, de 6 de Outubro de 1993).
O artigo 35º, n.º 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, estabelece que os recursos contenciosos são interpostos pela apresentação da respectiva petição na Secretaria do Tribunal competente. Esta é, pode dizer-se, a regra geral, também acolhida no Código de Processo Civil (cf. artigo 150º, n.º
1, primeira parte, do Código de Processo Civil). O n.º 5 do mesmo artigo 35º consagra, porém, uma excepção a essa regra, permitindo que a petição seja enviada sob registo quando o signatário não tiver escritório na comarca da sede do tribunal. Trata-se, naturalmente, de uma solução que visa minimizar os inconvenientes decorrentes da distância entre o domicílio profissional do signatário da petição e o tribunal no qual deve ser apresentada a petição de recurso.
É verdade que o Código de Processo Civil consagra, a par da entrega da petição na secretaria, a possibilidade de envio da petição sob registo postal para o tribunal, independentemente da localização do escritório do signatário. Esta solução tem evidentes vantagens, uma vez que diversifica e simplifica os modos de entrega das peças processuais nos tribunais competentes. Contudo, a solução da questão de constitucionalidade objecto do presente recurso não assenta numa mera averiguação da existência de regras mais adequadas do que aquela que é apreciada. Com efeito, uma dada norma pode não conter a melhor solução configurável, não tendo de ser por essa circunstância necessariamente inconstitucional. Ora, a diferença de tratamento conferido a quem tem escritório na comarca sede do tribunal ao qual a petição é endereçada (que pode enviar a petição via postal) tem um fundamento objectivo: os advogados domiciliados fora da comarca sede do tribunal encontrar-se-iam numa situação de desvantagem, dado a entrega da peça processual na secretaria implicar uma deslocação que, em alguns casos, poderia ser significativa e redutora do próprio prazo processual. Por outro lado, o envio sob registo postal da peça processual coloca os advogados domiciliados fora da comarca sede numa situação de paridade em relação aos domiciliados na comarca, limitando as necessidades de deslocação às instalações dos correios. Apesar de outras soluções poderem ser concebidas, a verdade é que quem tem o domicílio profissional dentro da comarca não é, em geral, excessivamente onerado com a deslocação à Secretaria do Tribunal. Não se verifica, pois, qualquer violação do princípio da igualdade.
6. O direito ao recurso também não é violado, uma vez que o dever de entregar a peça processual na Secretaria do Tribunal em nada afecta o poder que o sujeito tem de utilizar os mecanismos processuais que a lei coloca ao seu dispor. Com efeito, a entrega das peças processuais constitui encargo do respectivo sujeito, sendo manifestamente improcedente sustentar a violação do direito ao recurso pela norma que estabelece que a entrega se faz na Secretaria do Tribunal. O artigo 268º, n.º 4, da Constituição, que consagra a garantia da tutela judicial efectiva também não se encontra violado pela norma que consagra o encargo de a petição de recurso ter de ser entregue na Secretaria do Tribunal quando o respectivo signatário tiver escritório na comarca da sede do tribunal.
É que esse encargo é absolutamente razoável e justificado, uma vez que corresponde ao modo normal de relacionamento entre os causídicos e os tribunais. A circunstância de existirem outros meios, nomeadamente tecnológicos, mais confortáveis não torna ilegítima a solução que pode considerar-se tradicional.”
8. - Importa, pois, reiterar estes fundamentos, com quais se concorda, e concluir pela não inconstitucionalidade das normas em apreço. E, não se diga, como alega o recorrente, que o Decreto-Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, que aprova o novo Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que [previsivelmente] entrará em vigor no próximo dia 1 de Janeiro de 2004, ao mandar aplicar nesta matéria o que dispõe a lei processual civil, o faz “atenta a flagrante inconstitucionalidade do artigo 35º da LPTA”, já que uma tal regra ao passar a conferir inegáveis vantagens a todos os sujeitos processuais na entrega das suas peças, em nada contende com o juízo de não inconstitucionalidade acima formulado.»
2. - Notificado desta decisão veio a recorrente reclamar para a conferência, de acordo com o preceituado no n.º 3 do artigo 78º-A da Lei n.º
28/82, discordando do decidido, defendendo a inconstitucionalidade do preceito do artigo 35º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, ou da
“interpretação dele feita no acórdão recorrido com o citado afastamento da aplicação do disposto no artigo 150º do CPCivil, por violação dos ... artigos
13º, 20º, nº5, 204º e 268º, nº4, todos da Constituição da República Portuguesa”, com os seguintes fundamentos:
“[...]
3 – (...) o artigo 35° da LPTA, designadamente quando interpretado no sentido de afastar a aplicação do artigo 150° do CPCivil, viola os princípios da igualdade
- artigo 13 ° da Constituição da República Portuguesa -, “pro actione”, antiformalista, e propiciador do acesso à justiça pelos particulares (cfr. preâmbulo do Decreto-Lei n° 134/98, de 15 de Maio, Ac. STA de 1999/06/02, n°
44.498, Santos Botelho, “Contencioso Administrativo”, 3ª ed., Almedina, págs.
348 e segts. e Vieira de Andrade 'A Justiça Administrativa', Almedina – 3ª ed., págs. 273 e segts), bem como o direito fundamental à tutela jurisdicional efectiva (artigos 20°, n° 5 e 268°, nº 4, da Constituição ).
4 - Precisamente porque deixou de se verificar o alegado fundamento objectivo para a situação de desigualdade de meios processuais ao dispor das partes na interposição dos recursos contenciosos, em função da localização dos escritórios dos seus mandatários relativamente à área da comarca do Tribunal em concreto competente,
5 - Antes constituindo tal norma uma fonte injustificada de desigualdades nos prazos de interposição dos recursos, que são nalguns casos e conforme tais circunstâncias geográficas, até às 16,00 horas na Secretaria do Tribunal, até às
18,00 horas em algumas estações de correios, ou até às 22,00 horas noutras estações de correios, veja-se Lisboa (antes até às 24,00 horas), Porto, e Faro, do último dia do prazo de interposição; e,
6 - Impossibilitando esse preceito a igualdade de todos poderem aproveitar dos mesmos meios processuais, sem discriminações de carácter geográfico, como resulta das regras hoje generalizadas noutras instâncias - cfr. artigo 150° do CPCivil,
7 - Gerando, também sem justificação, a impossibilidade de aproveitamento completo do prazo que decorreria da niveladora hipótese de utilização de outros meios processuais ao alcance de todos, independentemente da sua localização geográfica, em Portugal ou até no estrangeiro, de procederem à interposição dos recursos contenciosos por telefax ou correio electrónico, propiciador da igualdade de todos o puderem fazer até às 24,00 horas do último dia do prazo, como é de resto princípio geral de direito - veja-se o artigo 279°, alínea c), do Código Civil -, e que já decorre do artigo 150° do CPCivil, que a decisão reclamada e a decisão recorrida entendem não ser aplicável, ou pelo menos incompatível com o alegado carácter especial das regras do artigo 35° da LPTA.
8 – Não se encontra razão para tal desigualdade entre os meios processuais ao alcance das artes nas diversas instâncias mormente na cjyil e na administrativa,
9 - Nem se diga que estamos perante uma questão de somenos importância, de carácter tecnológico ou de maior ou menor conforto, que não tem a dignidade de direito fundamental.
(...)
10 - Ora, adaptando esta última formulação, os mecanismos previstos no artigo
35° da LPTA dificultam e prejudicam sem fundamento e de forma desproporcionada
'o direito de acesso dos particulares aos tribunais em geral e à justiça administrativa em particular'
11 - Constituindo presentemente e objectivamente uma forma de discriminação e desigualdade vedada pelo artigo 13° da Constituição, uma vez que essa norma, que na sua origem (LPTA aprovada pelo Decreto-Lei nº 267/85 de 16 de Julho) se destinaria a equilibrar desigualdades de meios decorrentes de acessibilidades geográficas dispares relativamente aos Tribunais Administrativos, transformou-se numa discriminação 'ao contrário', no sentido em que, tendo surgido e tendo-se generalizado depois da criação dessa norma meios tecnológicos de comunicação mais eficientes e democratizados, no sentido de que são detidos pelos particulares e não pela empresa dos D., veja-se o telefax e o correio electrónico, que tornam inócuas e indiferentes as barreiras geográficas, a negação da utilização de tais meios por via da interpretação do artigo 35° da LPTA no sentido de afastar a aplicação do artigo 150 do CPCivil, passa a prejudicar quem antes estava beneficiado por estar mais perto do Tribunal competente,
12 - Veja-se aliás que esse preceito constitucional - artigo 13°- prescreve que Ninguém pode ser (...) prejudicado, privado de qualquer direito, (..) em razão de (...) território de origem (...)”, o que, apesar da maioria das vezes pretender visar quem esteja situado no interior do País ou nas regiões Autónomas, não deixa de abranger, como se demonstrou, por exemplo um central e citadino Advogado lisboeta.
13 - A desigualdade é patente na injustificada diferença de soluções e encurtamento de prazos que resultam da aplicação da norma em causa: se o Advogado é de Faro pode interpor sempre o recurso pelo correio até às 22,00 horas do último dia do prazo, se é de Lisboa mas o Tribunal competente não é o dessa comarca, ou até se o Advogado daqui se enganou no Tribunal competente e o intenta o recurso contencioso no Porto ou em Coimbra, também o pode fazer até às
22,00 horas (até há bem pouco tempo e no caso 'sub iudice' ainda, até às 24,00 horas) e por aí adiante.
14 - Não pode ser constitucional a norma que conduz a tais injustos resultados, ou não será conforme aos preceitos constitucionais invocados a aplicação, não aplicação e interpretação que o Acórdão do Tribunal Central Administrativo e a decisão sumária aqui reclamada fazem dos preceitos legais em causa, ou sejam, do art. 35° da LPTA e do art. 150° do CPCivil.
15 - Em suma: conduzindo a tais resultados, é inconstitucional o preceito contido no artigo 35° da LPTA, ou é inconstitucional a interpretação dele feita no Acórdão recorrido com o citado afastamento da aplicação do disposto no art.
150° do CPCivil, por violação dos também já citados artigos 13°,20°, nº 5, 204° e 268°, nº 4, todos da Constituição da República Portuguesa.
16- Fundamentos pelos quais se apresenta a presente reclamação da Decisão Sumária proferida no recurso de constitucionalidade em referência reclamação a que, em conferência, Vossas Excelências devem por isso dar provimento mais decidindo que se deve conhecer do objecto do mesmo recurso e ordenando-se, consequentemente, o prosseguimento dos autos.”
A recorrida Câmara Municipal de B. respondeu pugnando pela confirmação da decisão sumária.
Cumpre decidir.
3. - Conforme se salientou na decisão sumária, e importa aqui reafirmar - uma vez que a recorrente continua a aludir à questão interpretativa do artigo 35º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, feita no acórdão recorrido, no sentido do afastamento da aplicação do artigo 150º do Código de Processo Civil -, que a interpretação deste preceito da lei processual civil e a discussão do processo interpretativo utilizado pela decisão recorrida no sentido de saber se ao caso concreto eram aplicáveis as normas do artigo 35º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos ou as do artigo 150º do Código de Processo Civil, não se insere no âmbito do recurso de constitucionalidade.
Não está em causa saber se a opção interpretativa do direito infra constitucional precipitada na decisão recorrida foi ou não a mais correcta, mas tão só indagar se essa interpretação é ou não conforme a Constituição.
Entendeu-se, assim, ter o recurso como objecto a apreciação da constitucionalidade da norma que a decisão recorrida extraiu do artigo 35º, nº1 e 5, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho), nos termos do qual, em contencioso administrativo, os advogados com escritório na comarca da sede do tribunal não têm a faculdade de aproveitar, como data da prática do acto processual, a data do registo da remessa postal da petição a juízo.
4. - Ora, as questões suscitadas pela recorrente na sua reclamação já foram tratadas nos Acórdãos 462/2000 e 46/2003, em que se fundamentou a decisão ora reclamada, que transcreveu parcialmente este último aresto.
Entretanto, idêntico entendimento foi seguido nos Acórdãos n.ºs
285/2003 e 318/2003, ambos inéditos, e no Acórdão n.º 542/2003, este proferido no processo 374/03, da 1ª Secção, em que era recorrente a aqui reclamada.
Importa, assim, reafirmar estes fundamentos e, consequentemente, não se atender a reclamação.
5. - Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 unidades de conta
Lisboa, 17 de Dezembro de 2003
Vítor Gomes Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida