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Processo n.º 370/12
2.ª Secção
Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, A. veio interpor recurso, para o Tribunal Constitucional, em 22 de novembro de 2011, nos termos do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC).
Não tendo tal recurso sido admitido no tribunal a quo, o recorrente apresentou a presente reclamação.
2. Para apreciação da matéria da reclamação, torna-se pertinente reconstituir a tramitação dos autos.
O reclamante recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa da sentença que o condenou, pela prática de um crime de falsidade de depoimento ou declaração, previsto e punido pelo artigo 359.º, n.os 1 e 2, do Código Penal, na pena de seis meses de prisão substituída por igual período de multa.
Por acórdão de 23 de junho de 2010, o Tribunal da Relação de Lisboa julgou improcedente tal recurso, decidindo igualmente de outros dois recursos interpostos de despachos interlocutórios.
Inconformado, o arguido, aqui reclamante, recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça.
Por decisão de 30 de setembro de 2010, o Tribunal da Relação de Lisboa não admitiu tal recurso.
O arguido reclamou para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, tendo a sua reclamação sido indeferida.
Desta decisão, o arguido recorreu para o Tribunal Constitucional e, não tendo tal recurso sido admitido pelo tribunal a quo, reclamou nos termos do artigo 76.º, n.º 4, da LTC.
Por acórdão de 12 de abril de 2011, foi indeferida a reclamação.
Em 6 de junho de 2011, foi proferido novo acórdão, julgando não verificada a nulidade que o arguido veio suscitar, relativamente ao aresto precedente.
O arguido interpôs, então, recurso para o Plenário, que, por despacho do Relator datado de 29 de junho de 2011, não foi admitido.
Inconformado, o arguido reclamou de tal despacho e, notificado do acórdão que indeferiu a sua pretensão, requereu a aclaração do mesmo.
Por acórdão datado de 8 de novembro de 2011, o Plenário do Tribunal Constitucional considerou que “através da suscitação de sucessivos incidentes pós-decisórios manifestamente infundados, o recorrente vem fazendo uma utilização abusiva dos meios processuais, destinada a obstar ao cumprimento da decisão que indeferiu a reclamação contra o despacho de não admissão do recurso de constitucionalidade e, reflexamente, ao cumprimento da decisão proferida pelo tribunal recorrido”. Em consonância, ao abrigo do artigo 720.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, e 84.º, n.º 8, da LTC, determinou a extração de traslado e a imediata remessa dos autos ao Supremo Tribunal de Justiça, considerando o acórdão, alvo do pedido de aclaração, transitado nessa data de 8 de novembro.
No traslado do processo, o Tribunal Constitucional proferiu acórdão indeferindo o pedido de aclaração e, posteriormente, novo acórdão indeferindo pedido de retificação.
3. Em 22 de novembro de 2011, veio então o reclamante interpor novo recurso para o Tribunal Constitucional, “sobre a matéria de substância dos autos criminais”, referindo que “só agora [se encontram] esgotados os recursos ordinários”.
Delimitando o objeto do recurso, diz o reclamante que pretende “ver apreciada a inconstitucionalidade interpretativa das normas contidas nos art.º 340.º, n.ºs 1, 3 e 4, alínea a), 407.º, n.º 1, e 408.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, em concomitância com os seus art.º 120.º, n.º 1, alínea d), art.º 354.º, art.º 359.º, n.ºs 1 e 2, e art.º 368.º, n.º 2, alíneas a) e e)” reportando tais interpretações à decisão da 1.ª Instância e ao “acórdão superior”.
Concretiza, após, os critérios interpretativos referidos, nos seguintes moldes:
“a) a tese da supremacia do poder discricionário do juiz de instrução na aferição da relevância, pertinência ou necessidade dos meios de prova requeridos por um arguido em sua defesa, aquilatadas elas a montante do momento processual da sua conjugação com as demais provas e das dúvidas probatórias que subsistem no apuramento da verdade material, supremacia essa que tem sustentação no princípio da celeridade processual também tutelado pela lei fundamental;
b) a interpretação normativa de que a regra processual dispõe apenas sobre o procedimento deliberativo e não já sobre critérios que devam presidir aos juízos probatórios;
c) nada se sabendo sobre o entendimento dos tribunais recorridos quanto à especial ligação desta tese interpretativa e a concreta especificidade da norma incriminante da lei substantiva e particularidade do tipo de crime correspondente.”
Refere o reclamante que as interpretações aludidas violam os artigos 20.º, n.os 1, 4, 5; 26.º, n.º 1; 27.º, n.º 1; 32.º, n.os 1 e 5; 202.º, n.º 2, e 203.º, todos da Constituição da República Portuguesa, bem como ainda os artigos 8.º, 9.º, alínea b) e 18.º, n.º 2 da mesma Lei e as Convenções Internacionais sobre Direitos Humanos.
Mais esclarece que tais questões foram suscitadas no “recurso intercalar” e no “recurso final” ambos dirigidos ao Tribunal da Relação.
4. Por acórdão de 11 de abril de 2012, o Tribunal da Relação de Lisboa considerou que o comportamento processual do arguido legitimava a utilização, mais uma vez, do expediente previsto no artigo 720.º do Código de Processo Civil, pelo que determinou a extração de traslado e a baixa dos autos à 1.ª Instância, para imediata execução da pena aplicada ao arguido.
Em 18 de abril de 2012, foi proferido despacho do seguinte teor:
“(…) não só foram já interpostos recursos para o STJ, como para o T.C., a propósito da mesmíssima questão e decisão, como o acórdão condenatório do arguido se mostra já transitado em julgado.
Assim, rejeito o recurso ora interposto, por intempestivo e por a decisão não ser já recorrível.”
É sobre este despacho que incide a presente reclamação.
5. Em 23 de abril de 2012, o reclamante interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça da decisão proferida em 11 de abril do mesmo ano.
A reclamação, incidente sobre o despacho de 18 de abril que não admitiu o recurso de constitucionalidade, deu entrada em Juízo em 27 de abril de 2012.
Para fundamentar a sua tese tendente à revogação da decisão reclamada, refere o recorrente que apenas com a decisão definitiva do Tribunal Constitucional, sobre a não admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, se esgotou a tramitação ordinária, “podendo então – e só então – ser apresentado ante o mesmo Tribunal Constitucional o recurso sobre a matéria de substância”.
Ora, ao contrário do que se refere na decisão reclamada, não está em causa no presente recurso a mesma questão, que foi sujeita a apreciação do Tribunal Constitucional, anteriormente, nem se pode dizer que o “acórdão condenatório” se encontre transitado em julgado.
Assim, conclui que o recurso de constitucionalidade que interpôs deve ser admitido.
6. O Ministério Público, pronunciando-se sobre a reclamação, pugna pelo seu indeferimento, referindo que “ a acrescer aos fundamentos da decisão reclamada, verifica-se a existência de mais um: não vem enunciada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, única que poderia constituir objeto idóneo do recurso de constitucionalidade”.
Convidado o reclamante a pronunciar-se sobre o teor do parecer apresentado pelo Ministério Público, em cumprimento do disposto no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 69.º da LTC, veio o mesmo reafirmar a tempestividade do recurso e asseverar que as questões colocadas são normativas, tendo sido identificadas as normas reputadas inconstitucionais e os preceitos da Lei Fundamental violados.
Cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentos
7. Independentemente da questão da tempestividade, como refere o Ministério Público, sempre o recurso interposto seria inadmissível, por inidoneidade do respetivo objeto.
De facto, o recurso de constitucionalidade apenas pode incidir sobre a constitucionalidade de normas ou interpretações normativas. Assim, recai sobre o recorrente o ónus de enunciar a concreta norma ou interpretação normativa, cuja sindicância pretende, de forma clara e inequívoca, identificando certeiramente o preceito ou conjugação de preceitos, em que tal critério normativo assenta, de forma a que seja reconhecível no mesmo um mínimo de correspondência à literalidade dos preceitos em causa. “Mais ainda: esse sentido (essa dimensão normativa) do preceito há de ser enunciado de forma que, no caso de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua decisão, em termos de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os operadores do direito, ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, desse modo, afrontar a Constituição” (cfr. Acórdão n.º 367/94, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Ora, no presente caso, além de os preceitos legais não surgirem autonomizados e reportados ao enunciado de cada uma das questões colocadas, resulta do mesmo enunciado a ausência de dimensão normativa de tais questões que, sintomaticamente, não encontram qualquer reflexo na literalidade dos preceitos indicados como suporte das mesmas.
Pelo exposto, improcede a reclamação deduzida.
III – Decisão
8. Nestes termos, decide-se:
- julgar improcedente a reclamação deduzida.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
Lisboa, 26 de setembro de 2012.- Catarina Sarmento e Castro – João Cura Mariano – Rui Manuel Moura Ramos.