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Processo nº 432/00
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. O Ministério Público veio, 'ao abrigo do disposto no artº 280º nºs 1 a) e 3 da CRP e artº 70º nº 1 a) da Lei do Tribunal Constitucional, interpor recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional', da sentença do Mmº Juiz do Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto (2º Juízo), de 27 de Fevereiro de 2000, que
'recusou a aplicação do artº 5º da Tabela de Emolumentos Notariais, redacção do DL 397/83, de 2/11, com fundamento na violação dos artºs 106º nºs 1 i) e 2 e
168º da CRP'.
2. Nas suas alegações concluiu assim o Ministério Público:
'1º - A Directiva 69/335/CEE – e a jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias sobre a interpretação das normas que a integram – está exclusivamente coligada ao tema da liberdade de circulação de capitais no espaço comunitário, não tendo qualquer ligação com as taxas devidas pela realização de actos notariais que consubstanciam alienação por particulares de imóveis sitos em Portugal.
2º - Os emolumentos notariais devidos pela realização pelos serviços notariais de uma tarefa de administração pública do direito privado têm, de um ponto de vista estrutural, carácter inquestionavelmente bilateral ou sinalagmático, já que traduzem a prestação de um serviço aos utentes, consubstanciando na fé pública e segurança associada à outorga em escritura notarial de compra e venda de imóveis.
3º - O carácter bilateral da taxa não implica uma estrita correspondência económica entre o valor da prestação imposta ao particular e o custo do serviço que constitui contraprestação do ente público – podendo, porém, no caso de ocorrer 'desproporção intolerável' entre ambos, resultar violado o direito fundamental que, porventura, seja actuado ou realizado mediante a prestação do serviço público em causa.
4º - O carácter bilateral da taxa não impede que no seu montante possam ser repercutidos os custos globais de instalação e funcionamento dos serviços que visam a administração pública do direito privado, fazendo partilhar pelos utentes (e não pela generalidade dos contribuintes) tais custos globais, em função da relevância económica dos actos que praticam.
5º - Na específica situação dos autos, não constitui 'desproporção intolerável' a liquidação de emolumentos notariais no valor de cerca de 31 mil contos, quando está em causa a celebração de uma escritura, envolvendo negócio jurídico complexo, por traduzir alienação de numerosos imóveis e fracções, no valor global de cerca de 10 milhões e meio de contos.
6º - Termos em que deverá proceder o presente recurso, em consonância com o juízo de constitucionalidade da norma desaplicada na decisão recorrida'..
3. Apresentou contra-alegações, a recorrida S..., S. A., concluindo deste modo:
'1ª A fixação do montante dos emolumentos deverá obedecer a uma justa proporção ou a um justo equilíbrio entre a prestação do particular e a contra-prestação de natureza pública fornecida;
2ª - A pretexto de uma relação bilateral, o Estado não pode cobrar receitas calculadas de acordo com os critérios próprios que presidem à quantificação das receitas unilaterais.
31 - A justificação para a cobrança de quantias tão díspares a título de emolumentos por ocasião da celebração de uma escritura pública de compra e venda de imóveis, de acordo com o disposto no art. 5º da ‘Tabela dos Emolumentos do Notariado’, com a redacção que lhe foi dada pelo D.L. nº 397/83, reside na circunstância de o legis1ador ter erigido como critério para o pagamento do serviço prestado pelos notários a capacidade contributiva dos interessados, capacidade essa que é medida através de um índice revelado: o valor dos imóveis negociados;
4ª - As receitas públicas calculadas desta forma, de acordo com os critérios próprios de uma receita unilateral, devem ser abrangidas pelo princípio da legalidade tributária, previsto no arts. 106º, nº 2, e 168º, nº 1, al. i), da Lei Constitucional nº 1/92 (aos quais correspondem, actualmente, os arts 103º, nº 2, e 165º, nº 1, al. i);
5ª A utilização do método ad valorem para a fixação do montante de uma receita pública é exclusiva dos impostos (nomeadamente, dos impostos indirectos) e não poderá, em caso algum, ser aplicada às taxas dado que, o quantitativo destas não poder andar ligado aos valores dos bens;
6ª A fixação da taxa de justiça obedece a uma lógica de redução da procura que não pode ser transportada para a fixação dos emolumentos cobrados pelos notários a título de serviço público que estes prestam;
7ª - Nos serviços do notariado, ao contrário do que se passa com o serviço da administração da justiça, não interessa ao Estado limitar a procura, dado que o recurso a este serviço é obrigatório, importa sim, fixar taxas que assegurem as receitas suficientes para cobrir os custos do serviço;
8ª - O negócio jurídico em causa nos presentes autos é idêntico aos demais contratos de compra e venda outorgados por outras escrituras públicas e a prestação do notário é idêntica em todos eles: certificação de forma legal e de fé pública aos actos jurídicos extrajudiciais;
9ª - Verifica-se uma desproporção intolerável entre a prestação da recorrida e a contra-prestação fornecida pelo ente público, pois pelo mesmo serviço os cidadãos pagam montantes bastante diversos, consoante o valor dos prédios negociados;
10ª - A S..., S.A., pagou pelo serviço público a que recorreu um montante a título de emolumentos notariais bastante mais elevado do que teria de pagar um particular que recorresse ao mesmo serviço público mas adquirisse os imóveis por um valor diferente;
11ª - A desproporção entre o tributo cobrado e o serviço prestado é tal que se pode afirmar que aquele se desligou completamente deste último, tornando-se, assim, uma receita abstracta;
12ª - O carácter abstracto da receita em causa é ainda reforçado pelo facto de o produto da sua cobrança reverter não apenas para os custos directos e globais do serviço do notariado, mas para uma série de despesas que nenhuma conexão com ele apresentam;
13ª- A norma contida no art. 5º da ‘Tabela de Emolumentos do Notariado’, com a redacção que lhe foi dada pelo D.L. nº 397/83, de 2/11, prevê uma receita pública de natureza fiscal, sujeita ao princípio da legalidade estabelecido no art. 106º, nº 2, e art. 168º, nº 1, al. i), da C. R. P., pelo que apenas poderia ser criada por lei da Assembleia da República ou pelo Governo no uso da competente autorização legislativa emanada daquela assembleia;
14ª - O D.L. nº 397/83, de 2/11, não foi emitido ao abrigo de qualquer autorização legislativa, pelo que o art. 5º da ‘Tabela de Emolumentos do Notariado’ enferma do vício de inconstitucionalidade, sendo ilegal a liquidação de emolumentos praticada pelo notário na situação sub judice'
4. Cumpre decidir, sem vistos. A propósito da norma do artigo 5º da Tabela de Emolumentos Notariais, na redacção do Decreto-Lei nº 387/83, de 2 de Novembro, decidiu o Tribunal Constitucional, em plenário, pela não inconstitucionalidade, concluindo 'pela caracterização do emolumento previsto no artigo 5º da Tabela de Emolumentos Notariais, segundo a redacção do Decreto-Lei nº 397/83, de 2 de Novembro, como taxa, não exigindo, por conseguinte, prévia credencial parlamentar, por não se tratar de matéria abrangida pela reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República, nos termos da alínea i) do nº 1 do artigo 168º da Constituição da República, na versão então vigente' (fê-lo no acórdão nº
115/2002, publicado no Diário da República, II Série, nº 123, de 28 de Maio de
2002). Aplicando a doutrina desse acórdão ao presente caso, há que repetir aqui o mesmo juízo de não inconstitucionalidade, com o consequente provimento do recurso.
5. Termos em que, DECIDINDO, concede-se provimento ao recurso, com a consequente reformulação da decisão recorrida, em consonância com o presente juízo de constitucionalidade. Lisboa, 3 de Julho de 2002- Guilherme da Fonseca Paulo Mota Pinto Maria Fernanda Palma Bravo Serra José Manuel Cardoso da Costa