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Processo n.º 86/03
2ª Secção Relator - Cons. Paulo Mota Pinto
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional,
I. Relatório
1.A., requerente na acção de adopção plena de B. instaurada no Tribunal de Família e Menores de -----------------, após ter sido notificado do despacho de indeferimento liminar da petição inicial, datado de 11 de Abril de 2002, recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, nos seguintes termos:
“I. Em virtude da alteração legislativa do art.º 168º do OTM (DL 120/98, 8/5) na PI, com vista à adopção, têm de ser oferecidos todos os meios de prova, bem como deve ser junto o certificado comprovativo das diligências relativas à prévia intervenção dos ‘organismos previstos na lei’, intervenção esta que, essencialmente, tem por fim a averiguação e comprovação dos requisitos gerais de adopção previstos nos Art.º 1974º do CC. II. Sendo obrigatória aquela intervenção, esta nunca poderá traduzir-se numa restrição ao direito de um menor (mesmo com idade próxima dos 18 anos) constituir família, como consagra o Art.º 36º da CRP. III. Por isso, com aquela alteração legislativa, o requisito da menoridade tem de estar preenchido aquando da intervenção administrativa, devendo-se considerar preenchido tal requisito aquando da interposição da acção quando acompanhado do mencionado inquérito. IV. Ao decidir de forma diferente o Despacho Recorrido violou o Art.º 168º do OTM, o Art.º 1980º do CC e o Art.º 36º da CRP.”
Por acórdão de 18 de Dezembro de 2002, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu negar provimento ao recurso, com os seguintes fundamentos:
“(...) Do preceito citado [artigo 1980º do Código Civil], apura-se que pode ser adoptado plenamente quem, à data da propositura da acção de adopção, tenha menos de 18 anos de idade e seja filho do cônjuge do adoptante. Os termos da lei são claros quanto à especificação do momento da verificação da idade para ser adoptado, nomeadamente ao referir-se ‘data da petição judicial de adopção’. A interpretação enunciada é a que melhor se harmoniza com as regras estabelecidas a tal respeito pelo art.º 9.º do CC.
(...) A exigência legal, ao contrário, do que alega o recorrente, não traduz qualquer restrição ao direito de um menor constituir família. Com efeito, com a adopção não está propriamente em causa a constituição de família, mas, antes, o estabelecimento de um vínculo semelhante ao da filiação. Por outro lado, quanto à adopção, a Constituição refere apenas que é regulada e protegida nos termos da lei, a qual deve estabelecer formas céleres para a respectiva tramitação (art.º 36º, n.º 7). Daqui decorre, sem mais, não existir no caso presente qualquer limitação ao direito fixado na Constituição, estando por isso excluída qualquer inconstitucionalidade, que o recorrente parece ter pretendido sugerir. Acrescente-se ainda que entre o art.º 168º da OTM, na redacção dada pelo art.º
2º do DL n.º 120/98, de 8 de Maio, cujos termos essenciais vêem já do DL n.º
185/93, de 22 de Maio (cfr. o então art.º 162.º da OTM), e o art.º 1980º do CC não há qualquer incompatibilidade, nomeadamente considerando a interpretação feita quanto ao último.
2.2. Neste contexto, não tendo o adoptando, à data da propositura da respectiva acção, menos de 18 anos de idade, já o mesmo não podia ser adoptado, face ao disposto no art.º 1980º do Código Civil, sendo, por isso, a acção manifestamente improcedente. Com este pressuposto, havia fundamento legal para o indeferimento liminar da petição inicial, tal como se decidiu no despacho decorrido. Nesta conformidade, com esse despacho não foi violada qualquer disposição legal, nomeadamente as enumeradas pelo recorrente, não merecendo o agravo obter provimento.”
2.Desta decisão judicial foi interposto, pelo requerente, o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo do artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da constitucionalidade “da norma do art.º 1980º do CC na interpretação de que o requisito da menoridade deve existir no momento da propositura da acção e não do pedido feito ao organismo da segurança social, por violação do art.º 36º da CRP, na medida em que se exige que a acção com vista à adopção seja acompanhada da prova daquela intervenção.”
O recorrente concluiu as suas alegações do seguinte modo:
“I. O recorrente alegou em sede de recurso a inconstitucionalidade da norma do art.º 1980º do CC, na interpretação de que o requisito da menoridade deve existir no momento da propositura da acção e não do pedido feito ao organismo da segurança social, por violação do art.º 36º da CRP, na medida em que se exige que a acção com vista à adopção seja acompanhada da prova daquela intervenção, o que foi considerado improcedente, nomeadamente, por ‘não existir no caso presente qualquer limitação do direito fixado na Constituição, estando por isso excluída qualquer inconstitucionalidade, que o recorrente parece pretende sugerir’ II. Refere o Art. 36º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa que ‘Todos têm o direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena igualdade’ acrescentando o n.º 7 do mesmo artigo que ‘A adopção é regulada e protegida nos termos da lei, a qual deve estabelecer formas céleres para a respectiva tramitação’. III. Com a alteração legislativa do art.º 168º da Organização Tutelar de Menores, operada pelo DL 120/95, de 8 de Maio, a lei passou a exigir a necessidade de que a acção, com vista à adopção, seja acompanhada da prova da averiguação e comprovação dos requisitos gerais da adopção previstos no art.º
1974º do CC, sendo o inquérito previsto no art.º 169 do OTM e art.º 1973º, n.º
2, do CC o documento mais relevante para o mérito da decisão. IV. A lei prevê que caso a p.i. não seja acompanhada daquele inquérito o tribunal oficiosamente requer a sua junção aos autos, nos termos do art. 168º da OTM, o que pressupõe que o mesmo teria de estar elaborado aquando da entrada da p.i. V. Sabendo que, por lei, é obrigatório ‘ter estado o adoptando ao cuidado do adoptante durante prazo suficiente para se poder avaliar da conveniência da constituição do vínculo’, antes de ser requerida a adopção e sendo obrigatória aquela intervenção, esta nunca poderá traduzir-se numa restrição ao direito de um menor (mesmo com idade próxima dos 18 anos) de constituir família, como consagra o art. 36º da CRP. VI. Assim, com a recente alteração legislativa supra referida, o requisito da menoridade tem é que estar preenchido aquando da intervenção administrativa, dos
‘organismos previstos na lei’, intervenção esta que, essencialmente, tem por fim o inquérito previsto no art.º 169º do OTM e art.º 1973º, n.º 2, do CC, sob pena de outro entendimento, nomeadamente, o do douto acórdão, significar uma restrição ao direito constitucional previsto no referido art.º 36º da CRP. VII. Se assim não se entendesse, um menor a um dia de fazer 18 anos nunca poderá ser adoptado, o que contraria, na prática, o direito constitucionalmente consagrado no art.º 36º da CRP. Termos em que deverá ser proferido douto acórdão que, julgando inconstitucional a norma do art.º 1980º do CC na interpretação de que o requisito da menoridade deve existir no momento da propositura da acção e não do pedido feito ao organismo da segurança social, por violação do art.º 36º da CRP, revogue o Douto Acórdão recorrido, baixando-se os autos para que, em conformidade com a interpretação deste Tribunal, prossiga com vista ao conhecimento do mérito da causa.”
Nas suas contra-alegações, o Ministério Público veio suscitar a questão prévia do não conhecimento do recurso, concluindo nos seguintes termos:
“1 – O recorrente não suscitou, durante o processo e em termos procedimentalmente adequados, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, o que torna inadmissível a interposição de recurso fundado na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82.
2 – Não viola manifestamente qualquer norma ou princípio constitucional o regime que condiciona a adopção plena à menoridade do adoptando, aferida à data da apresentação em juízo da petição inicial, estando assegurado que as diligências administrativas prévias àquela pretensão não podem exceder 3 meses e cabendo ao tribunal requisitar oficiosamente os elementos administrativos pertinentes, no caso de o requerente o não ter feito.
3 – Termos em que não deverá conhecer-se do recurso interposto.”
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentos
3.O presente recurso tem por objecto a apreciação da constitucionalidade da norma do artigo 1980º do Código Civil, “na interpretação de que o requisito da menoridade deve existir no momento da propositura da acção e não do pedido feito ao organismo da segurança social”, tendo o recurso sido interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
Nas suas contra-alegações, o Ministério Público veio suscitar a questão prévia do não conhecimento do recurso, por, na alegação produzida ante o tribunal recorrido, o recorrente não ter especificado a norma ou segmento normativo que considerava violador da Constituição da República, e, assim, não ter suscitado, em termos adequados e convincentes, uma questão de constitucionalidade normativa.
Como se sabe, um dos requisitos específicos do recurso de constitucionalidade intentado ao abrigo do artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional é a suscitação durante o processo, de modo processualmente adequado, da questão de constitucionalidade, em termos de o tribunal recorrido estar obrigado a dela conhecer (cfr. o artigo 72º, n.º 2, da citada lei). E, na verdade, perante o tribunal recorrido não se imputa directamente ao preceito do artigo 1980º do Código Civil (sem se individualizar sequer o n.º 1 ou 2 deste artigo) uma desconformidade constitucional.
Todavia, afigura-se resultar do teor das alegações que o recorrente impugna ainda uma dada solução normativa – isto é, aquela que consiste em exigir o requisito da menoridade do adoptando à data da propositura da acção de adopção, e não de início do procedimento junto dos organismos da segurança social, o qual
é obrigatório. E, seja como for, o acórdão recorrido tratou (v. fls. 53 dos autos) da questão da constitucionalidade da “exigência legal” da menoridade ao tempo da propositura da acção – isto é, da questão da constitucionalidade da norma impugnada.
Afigura-se, assim, que, tendo esta questão de constitucionalidade sido abordada pelo tribunal recorrido – e ainda que se pudesse considerar não ter sido a sua suscitação efectuada em termos inteiramente adequados a obrigar o tribunal recorrido a pronunciar-se sobre ela –, se encontra preenchida a razão de ser do requisito do recurso de constitucionalidade: obter uma pronúncia do tribunal a quo sobre a questão da conformidade constitucional da norma impugnada, que possa ser reapreciada ou reexaminada neste recurso.
Tomar-se-á, pois, conhecimento do recurso, tendo por objecto a apreciação da constitucionalidade da norma contida no artigo 1980º do Código Civil, segundo a qual o requisito da menoridade deve existir no momento da propositura da acção e não do pedido feito ao organismo da segurança social.
4.O vínculo da adopção constitui-se por sentença judicial, proferida no termo de uma acção própria.
O regime jurídico da adopção contém, porém, em primeiro lugar um procedimento administrativo destinado a avaliar se determinada pessoa tem condições para adoptar um menor. Assim, desde o Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro, prevê-se, no artigo 1973º, n.º 2, do Código Civil que o “processo será instruído com um inquérito, que deverá incidir, nomeadamente, sobre a personalidade e a saúde do adoptante e do adoptando, a idoneidade do adoptante para criar e educar o adoptando, a situação familiar e económica do adoptante e as razões determinantes do pedido de adopção”.
O processo de adopção foi regulado pelos artigo 162º e segs. da Organização Tutelar de Menores (aprovada pelo Decreto-Lei n.º 314/78, de 27de Outubro), na qual se regulava igualmente o inquérito referido. Segundo o artigo 162º, n.º 1, desta, na petição o requerente devia alegar os factos tendentes a demonstrar o preenchimento dos requisitos gerais da adopção, bem como as demais condições necessárias à constituição do respectivo vínculo.
Pelo Decreto-Lei n.º 185/93, de 22 de Maio, veio prever-se que, “com a petição serão oferecidos todos os meios de prova, nomeadamente certidões de cópia integral do registo de nascimento do adoptando e do adoptante e certificado comprovativo das diligências relativas à prévia intervenção dos organismos previstos na lei” (artigo 162º, n.º 2), e que, quando o inquérito previsto no n.° 2 do artigo 1973° do Código Civil “não acompanhar a petição, o tribunal solicitá-lo-á ao organismo competente, que o deverá remeter no prazo máximo de
14 dias, prorrogável por igual período, em caso devidamente justificado” (artigo
163º, n.º 1 – segundo o n.º 2, “[s]e não for junto o inquérito no prazo fixado, o tribunal ordenará que seja realizado pela entidade que considere adequada”).
Por sua vez, o Decreto-Lei n.º 120/98, de 8 de Maio veio novamente alterar a Organização Tutelar de Menores, mantendo a solução consagrada no citado artigo
162º (agora 168º), n.º 2, e prevendo, no artigo 169º, que, se “o inquérito previsto no n.º 2 do artigo 1973.º do Código Civil não acompanhar a petição”, o tribunal o deve solicitar “ao organismo de segurança social competente, que o deverá remeter no prazo máximo de 15 dias, prorrogável por igual período, em caso devidamente justificado.”
Quanto ao procedimento administrativo, o Decreto-Lei n.º 185/93, de 22 de Maio, na redacção alterada pelo citado Decreto-Lei n.º 120/98 (que é a que aplicável no presente processo), veio prever, no que ora importa, que o candidato a adoptante “deve comunicar essa intenção ao organismo de segurança social da área da sua residência” (artigo 5º, n.º 1), procedendo então o organismo de segurança social ao estudo da pretensão no prazo máximo de seis meses. Este estudo da pretensão do candidato a adoptante “deverá incidir, nomeadamente, sobre a personalidade, a saúde, a idoneidade para criar e educar o menor e a situação familiar e económica do candidato a adoptante e as razões determinantes do pedido de adopção” (artigo 6º, n.º 2). Nos termos do artigo 6º, n.º 3,
“[c]oncluído o estudo, o organismo de segurança social profere decisão sobre a pretensão e notifica-a ao interessado”.
No casos em que, como o presente, se trata de uma adopção de filho do cônjuge do adoptante (artigo 13º do citado Decreto-Lei n.º 185/93), à comunicação da intenção de adoptar ao organismo de segurança social da área da sua residência segue-se imediatamente o período de pré-adopção, “que não excederá três meses”. Este período, e a realização do inquérito referido no artigo 1973º, n.º 2, do Código Civil, encontram-se regulados no artigo 9º do referido Decreto-Lei n.º
185/93: durante ele, o organismo de segurança social procede ao acompanhamento da situação do menor e à realização do inquérito a que se refere o n.º 2 do artigo 1973.º do Código Civil.
Quando considerar verificadas as condições para ser requerida a adopção, ou decorrido o período de pré-adopção, o organismo de segurança social deve elaborar, em 30 dias, o relatório do inquérito e notificar o candidato do resultado, fornecendo-lhe cópia do relatório. Apenas depois desta notificação, ou decorrido o prazo de elaboração do relatório, pode ser requerida a adopção
(artigos 9º, n.ºs 2 e 3, e 10º do Decreto-Lei n.º 185/93).
5.No presente caso, o adoptando nasceu no dia 18 de Dezembro de 1983, sendo filho da esposa do requerente. O relatório social referido, em sentido favorável
à adopção, foi remetido ao requerente em 6 de Abril de 2000, mas a acção de adopção plena foi interposta apenas em 18 de Janeiro de 2002, quando o adoptando já tinha, portanto, completado 18 anos.
Ora, dispõe o artigo 1980º do Código Civil (na redacção alterada pelo Decreto-Lei n.º 185/93, de 22 de Maio, e, quanto ao n.º 2, pelo Decreto-Lei
120/98, de 8 de Maio – por último, v. as alterações introduzidas pela Lei n.º
31/2003, de 22 de Agosto, que não é já aplicável ao caso), para a adopção plena:
“Artigo 1980º (Quem pode ser adoptado plenamente)
1 - Podem ser adoptados plenamente os menores filhos do cônjuge do adoptante e aqueles que tenham sido confiados, judicial ou administrativamente, ao adoptante.
2 - O adoptando deve ter menos de 15 anos à data da petição judicial de adopção; poderá, no entanto, ser adoptado quem, a essa data, tenha menos de 18 anos e não se encontre emancipado quando, desde idade não superior a 15 anos, tenha sido confiado aos adoptantes ou a um deles ou quando for filho do cônjuge do adoptante.”
Segundo o recorrente, esta norma (que, aliás, vale também para a adopção restrita, por força da remissão do artigo 1993º do Código Civil) violaria o artigo 36º da Constituição da República Portuguesa, na medida em que se não conte o requisito da menoridade à data do pedido feito à segurança social, e apenas à data do pedido judicial de acção. Mais precisamente, violaria o direito do adoptando a constituir família, nos termos do artigo 36º, n.º 1, da Constituição, por representar uma ilegítima restrição a este direito.
6.O Tribunal Constitucional não teve ainda ocasião de se pronunciar sobre a constitucionalidade desta dimensão normativa.
O Acórdão n.º 320/00 (publicado no Diário da República, II série, de 18 de Outubro de 2000) recaiu, porém, sobre questão próxima, num caso em que estava em questão o preenchimento do requisito da menoridade para efeitos de conversão da adopção restrita em adopção plena – a questão da constitucionalidade da norma do artigo 1977º, n.º 2, do Código Civil, conjugada com parte do n.º 2 do artigo
1980º, segundo a qual é requisito da conversão da adopção restrita em adopção plena a menoridade do adoptado à data da propositura da respectiva acção judicial). Concluiu-se aí pela inexistência de inconstitucionalidade, por confronto com os artigos 26º, n.º 1, e 36º, n.º 7, da Constituição da República
– preceito, este último, que, especificamente sobre a adopção, dispõe que a
“adopção é regulada e protegida nos termos da lei, a qual deve estabelecer formas céleres para a respectiva tramitação.” Para tanto, escreveu-se no citado aresto:
“4. Como salienta o Ministério Público nas alegações apresentadas neste Tribunal, não se vê como possa esta norma infringir o artigo 26º da Constituição, ou seja, como possam ser atingidos ‘os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, ao bom nome e reputação, à imagem,
à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação’, como sustentam os recorrentes.
(...)
5. Finalmente, diga-se que também não ocorre qualquer infracção ao n.º 7 do artigo 36º da Constituição, que inclui, entre a tutela constitucional da família, do casamento e da filiação, o princípio da protecção da adopção, deferindo para o legislador ordinário a definição dessa protecção. Ora, não se encontra razão para que se considere que não cabe na discricionaridade do legislador exigir, como requisito da conversão, a menoridade do adoptando, tendo em conta as diferenças profundas existentes entre os efeitos da adopção plena – na qual o adoptando se integra na família dos adoptantes, cortando em princípio os laços familiares com a sua família natural, modelando a lei a relação que se constitui sobre a relação de filiação natural
(cfr., em especial, o artigo 1986º do Código Civil) –, e os da adopção restrita, em que esta ligação com a família biológica se mantém (artigo 1994º). Manifestação desta manutenção, aliás, é justamente a diferença do regime definido para a composição do nome do adoptado: na adopção plena, o adoptado perde os seus apelidos de origem, e o seu nome é constituído com aplicação das regras definidas para a filiação natural (cfr. artigo 1988º, n.º 1, do Código Civil); na adopção restrita, o adoptado mantém os apelidos da família natural; o juiz pode, todavia, atribuir-lhe apelidos do adoptante, que se não substituem
àqueles, apenas se lhe acrescentam. Não é, pois, arbitrária a exigência da menoridade; na verdade, não sendo já incapaz o adoptado, a conversão não produziria o efeito principal pretendido pela lei com a adopção plena, a criação de laços semelhantes aos da filiação natural; antes se projectaria sobretudo, na prática, no domínio sucessório; não se pode, assim, considerar que a norma em causa viole a protecção constitucional conferida à adopção.”
Estas considerações podem ser reiteradas no presente processo, desde logo, para concluir pela inexistência de violação dos artigos 26º e 36º, n.º 7, da Constituição.
7.O recorrente invoca como parâmetro de constitucionalidade o direito do adoptando a constituir família, consagrado no artigo 36º, n.º 1, da Constituição, segundo o qual todos têm o direito de constituir família em condições de plena igualdade.
Não pode, porém, concordar-se com a conclusão de que a exigência legal em questão importa uma restrição a esse direito de constituir família.
Antes de mais, pode duvidar-se de que, no âmbito de protecção deste direito, previsto no n.º 1 do artigo 36º da Constituição, se enquadre também a constituição do vínculo familiar resultante da adopção.
É certo que esta é considerada fonte de uma relação jurídica familiar pelo artigo 1576º do Código Civil, e que, pela adopção plena, o “adquire a situação de filho do adoptante e integra-se com os seus descendentes na família deste, extinguindo-se as relações familiares entre o adoptado e os seus ascendentes e colaterais naturais” (artigo 1986º, n.º 1, do Código Civil). O Código Civil refere-se, porém, quer na definição de adopção (artigo 1586º: “o vínculo que, à semelhança da filiação natural, mas independentemente dos laços do sangue, se estabelece legalmente entre duas pessoas nos termos dos artigos 1973º e seguintes”), quer no artigo 1974º, n.º 1, ao estabelecimento de um “vínculo semelhante ao da filiação”.
Por outro lado, a adopção foi prevista autonomamente, pelo legislador constitucional, no n.º 7 do artigo 36º (assim, também no citado Acórdão n.º
320/2000 se considerou que o parâmetro constitucional indicado para sindicar a norma em causa era o artigo 36º, n.º 7, e não o do artigo 36º, n.º 1, da Constituição, invocado pelos recorrentes). Neste artigo 36º, n.º 7, da Constituição impõe autonomamente a disciplina legislativa da adopção, e remete a regulamentação e protecção deste instituto para os “termos da lei”, parecendo, pois, com esta “garantia institucional”, pressupor que não estará em causa propriamente o direito à constituição de família nos termos do n.º 1, mas, antes, o estabelecimento de um vínculo semelhante ao da filiação.
A constituição do vínculo da adopção inclui-se, pois – como se diz também na decisão recorrida –, na hipótese do n.º 7 do artigo 36º da Constituição, e não na do seu n.º 1, pelo que a invocação do direito consagrado neste n.º 1 não pode ser considerada procedente.
8.Seja, porém, como for quanto a este enquadramento constitucional, não pode sequer dizer-se que resulta da norma em causa verdadeiramente uma restrição ao direito a constituir família.
Na verdade, o legislador – na sequência, aliás, de uma solução tradicional, que vem já da redacção originária do Código Civil – limita o instituto da adopção a menores, por entender que é em relação a eles que a constituição de um vínculo semelhante ao da filiação se justifica, e pode ser necessária e benéfica para o adoptando. No presente caso, a dimensão normativa em causa não é, porém, impugnada na medida em que estabelece o requisito da menoridade – cuja conformidade constitucional o recorrente não questiona –, mas apenas na medida em que tal requisito não deve ser aferido logo no momento do início do procedimento administrativo que tem de anteceder a adopção, sem cuja conclusão se não pode iniciar a acção judicial.
Ora, da exigência da menoridade no momento da propositura da acção judicial, e não no do início do procedimento administrativo – a comunicação da intenção de adoptar aos organismos competentes – poderá resultar, no máximo, uma curta dilação, designadamente nos casos em que, como o presente, se trata da adopção de filho do cônjuge do adoptante, em relação ao qual o período de pré-adopção não excede três meses. Tal curta dilação não configura, certamente, uma solução constitucionalmente inadmissível, mormente quando, por um lado, ela resulta da necessidade de averiguar, em inquérito próprio, a personalidade e saúde do adoptante e do adoptando, a idoneidade daquele para criar e educar este, “a situação familiar e económica do adoptante e as razões determinantes do pedido de adopção”, e quando, por outro lado, o candidato a adoptante pode precaver-se, perante o texto claro da lei – que exige a menoridade à data da propositura da acção –, e comunicar aos organismos da segurança social a intenção de adoptar com a devida antecedência.
Não se afigura, aliás, relevante a argumentação do recorrente, no sentido de que resulta da norma em causa que “um menor a um dia de fazer 18 anos nunca poderá ser adoptado”.
Para além das considerações que a invocação de tais verdadeiros casos-limite possam suscitar (e outros opostos se poderiam configurar), incluindo a convocação de outros parâmetros constitucionais, é certo que não é seguramente um destes o caso dos autos – e recorde-se que, no recurso de constitucionalidade, estamos no domínio da fiscalização concreta e incidental, em que a questão de constitucionalidade surge num determinado caso concreto. Neste caso, o relatório favorável à adopção foi notificado ao ora recorrente em Abril de 2000 – quando este não tinha ainda sequer completado 17 anos –, tendo, porém, a acção de adopção sido interposta apenas em Janeiro de 2002, isto é, quase um ano e nove meses depois.
Aliás, mesmo para tal caso-limite invocado pelo recorrente, aproximando-se a maioridade, e resultando a solução normativa em causa claramente da lei, o adoptante poderá, desde logo, acautelar-se e comunicar com a antecedência necessária a intenção de adoptar aos organismos da segurança social. Ainda quando o não tenha feito, todavia – e para um tal caso-limite, que não é o dos autos, repete-se –, não parece de excluir que a lei precluda totalmente a adopção numa tal situação, impedindo que o requerente proponha imediatamente a acção e comunicar a intenção de adoptar aos organismos competentes, mas protestando juntar o respectivo relatório quando lhe for notificado.
No presente caso, porém, como se disse, o procedimento administrativo estava concluído, e o relatório favorável à adopção foi notificado ao ora recorrente quando este não tinha ainda sequer 17 anos, tendo sido o recorrente que aguardou um ano e nove meses para propor a acção, num momento em que o adoptando já era maior.
A norma em questão não se afigura, pois, violadora da Constituição da República, e, por conseguinte, deve ser negado provimento ao presente recurso.
III. Decisão Pelos fundamentos expostos, decide-se negar provimento ao recurso e condenar o recorrente em custas, com 15 (quinze) unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 12 de Novembro de 2003 Paulo Mota Pinto Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres Benjamim Rodrigues Rui Manuel Moura Ramos