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Proc. nº 810/2003
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que figura como recorrente A. e como recorrido o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, o recorrente requereu o pagamento de ajudas de custo e despesas de transporte alegadamente devidas pelo exercício da função de inspector. O Presidente do Supremo Tribunal Administrativo negou tal pretensão ao requerente, pelo que este deduziu reclamação, na sequência da qual foi instaurado um processo disciplinar, por ofensas ao destinatário da reclamação. A A. foi aplicada a sanção de dez dias de multa, substituída por igual tempo de perda de pensão de reforma.
2. A. requereu a suspensão da eficácia da deliberação que lhe aplicou a sanção disciplinar. O Supremo Tribunal Administrativo indeferiu a pretensão do requerente, tendo este interposto recurso para o Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo por oposição de julgados. O Pleno da 1ª Secção, por acórdão de fls. 214 a 222, considerou não verificada a oposição de julgados, julgando, consequentemente, findo o recurso, condenando o recorrente em custas. A. requereu a reforma quanto a custas, nos seguintes termos:
A., nos autos de suspensão de eficácia do ACTO em que é requerente, sendo requerido o CONSELHO SUPERIOR DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS, e nos de RECURSO DE DECISÃO JURISDICIONAL POR OPOSIÇÃO DE JULGADOS, notificado do douto acórdão de 14.11.2002, e da condenação em custas nesta douta decisão, vem, nos termos do art.º 669°-1-b) CPCiv., ex vi dos art.ºs 1° e 102° LPTA, arguir a sua reforma quanto a custas:
1. A douta decisão condenou o Rte. em custas e procuradoria, fixando ainda a taxa de justiça em 200 euros e a procuradoria em 100 euros. ORA:
2. O Rte. está isento de custas estabelecida para os Inspectores por via do exercício das suas funções pelo art.º 17°-1-g) EMJ, na redacção do DL. n.º
143/99, de 31.08.
3. A presente lide, como vem sustentando, é consequência de acto praticado no exercício da sua função de Inspector e por causa dele - nem parece possível discutir situação tão óbvia como esta.
4. Isto é, a isenção não é o resultado de o Rte. ser Juiz, nem alguma vez isso sustentou, pelo que não lhe tem aplicação a jurisprudência (abundante) que se reporta exclusivamente a isso.
5. A situação que consta dos autos principais tem a ver, como deles resulta, com o facto de o Rte., como inspector, se considerar com direito a receber ajudas de custo e despesas de transporte,
6. cujo recebimento e processamento o Ex.mo Presidente do STA lhe negou,
7. o que levou o Rte. a reclamar para o mesmo Presidente, órgão autor do acto, nos termos do art.º 161°-1 CPAdm..
8. Foi esta reclamação que deu origem a processo disciplinar, cujo resultado deu motivo às reacções contenciosas legais que o Rte. legitimamente usou.
9. Tudo, pois, se inscreve, e não é alheio, no e ao exercício de funções do Rte. como inspector.
10. Por estes motivos se requer a reforma quanto a custas da decisão.
TERMOS EM QUE deverá ser a decisão reformada quanto a custas, sendo o Rte. isento de custas.
O requerente apresentou ainda um complemento ao requerimento de reforma do seguinte teor:
A., nos autos de suspensão de eficácia do ACTO em que é requerente, sendo requerido o CONSELHO SUPERIOR DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS, e nos de RECURSO DE DECISÃO JURISDICIONAL POR OPOSIÇÃO DE JULGADOS, notificado do douto acórdão de 14.11.2002, e da condenação em custas nesta douta decisão, vem, nos termos do art.º 669°-1-b) CPCiv., ex vi dos art.ºs 1° e 102° LPTA, completar o seu requerimento de reforma quanto a custas com o seguinte:
1. Reitera tudo o que deixou dito no seu anterior requerimento.
2. Em sucessivas decisões está a pretender-se que as invocadas normas não teriam aplicação quando estivesse em causa um processo disciplinar, surgido no decurso e por causa do exercício das funções de inspector judicial designado a nível do Supremo Tribunal Administrativo, e quando ocorria a reclamação sobre remuneração no exercício dessas funções.
3. Uma interpretação assim restritiva das referidas normas de isenção tributária, sempre estaria inquinada de inconstitucionalidade, contra o princípio constitucional inviolável da igualdade (CRP, art.º 13°).
TERMOS EM QUE se reitera que deverá ser a decisão reformada quanto a custas, sendo o Rte. isento de custas.
Por outro lado, o recorrente havia apresentado um requerimento do seguinte teor:
A., nos autos de suspensão de eficácia do ACTO em que é requerente, sendo requerido o CONSELHO SUPERIOR DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS, e nos de RECURSO DE DECISÃO JURISDICIONAL POR OPOSIÇÃO DE JULGADOS, vem, com o devido respeito, apresentar o seguinte REQUERIMENTO:
1. A matéria aqui arguida põe em causa a competência do douto Tribunal, a nível de incompetência absoluta, pelo que é de conhecimento oficioso e sem dependência de prazo (CPCiv. art.ºs 66°, 101° e 102°).
2. Sempre sem perda de respeito, torna-se cada vez mais claro aquilo que sempre seria matéria de conhecimento oficioso, se bem que seja desnecessário evidenciar isso em actos concretos dos processos, ou seja:
3. o presente processo não poderá ser decidido - nem nos autos principais, nem no apenso de suspensão de eficácia, nem nos incidentes vários - pelo Supremo Tribunal Administrativo.
4. Pela natureza da relação, funcional e não só, entre o Recorrente (e Requerente), JUIZ DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO (embora jubilado, mas em relação funcional no caso concreto), a entidade Recorrida (e Requerida), CONSELHO SUPERIOR DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS, seu Presidente comum e seus Membros, e o Tribunal julgador, SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO, não é possível, objectivamente (por si só, repete-se, sem necessidade de verificar os efeitos subjectivos, existentes nos autos), garantir ao Recorrente (e Requerente) um efectivo «acesso ao direito» e a uma decisão «mediante processo equitativo»,
5. garantias essas exigidas, e exigíveis, pelos art.ºs 2° e 20°-1 e 4 da Constituição e pelo art.º 6° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem,
6. sendo consequentemente inconstitucional a norma dos art.ºs 26°-1-c) e 24°-a) e b) do ETAF (aprov. pelo DL n.º 129/84, de 27/04), na parte em que atribui a este Tribunal competência para ajuizar os actos do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais e seu Presidente.
7. Tudo isso, por si mesmo, torna nulas as decisões proferidas nos presentes autos, em especial também aquelas cuja nulidade vem sendo arguida e as que as antecederam - como expressamente se suscita e argui, para todos os devidos efeitos.
8. É obrigação do Estado Português a de criar meios judiciais que permitam as aludidas garantias do cidadão, no caso o Recorrente (e Requerente).
9. Mas é seguro que, no caso, a situação e solução até está prevista, pela conjugação das normas dos art.ºs 2°-2 CPCivil, 4°-1-g), 2 e 3.
TERMOS EM QUE se requer conforme se deixou expressamente suscitado e arguido, com todas as consequências legais.
O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 30 de Abril de 2003, decidiu a questão da alegada incompetência nos seguintes termos:
Assim, a primeira questão de que cabe conhecer é a da alegada incompetência absoluta do Supremo Tribunal Administrativo para apreciar o presente processo, suscitada no requerimento do recorrente de fls. 288 a 290 inclusive. Sustenta o recorrente que o presente processo 'não poderá ser decidido - nem nos autos principais, nem no apenso de suspensão de eficácia, nem nos incidentes vários - pelo Supremo Tribunal Administrativo'. Argumenta, a este propósito, que pela natureza da relação, funcional e não só, entre o Recorrente (e Requerente), Juiz jubilado do Supremo Tribunal Administrativo, a entidade Recorrida (e Requerida) Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, seu Presidente comum e seus Membros, e o Tribunal Julgador, Supremo Tribunal Administrativo, não é possível, objectivamente, garantir ao Recorrente (e Requerente) um efectivo 'acesso ao direito' e a uma decisão 'mediante processo equitativo', garantias essas exigidas, e exigíveis, pelos artigos 2° e 20° - 1 e 4 da Constituição e pelo artigo 6° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Seria consequentemente inconstitucional o preceituado nos artigos 26°, n° 1, alínea d), e 24°, alíneas a) e b), do ETAF, aprovado pelo Decreto-Lei n° 129/84, de 27 de Abril, na parte em que atribui a este Tribunal competência para ajuizar os actos do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais e seu Presidente.
É obrigação do Estado Português criar os meios judiciais que permitam as aludidas garantias do cidadão, sendo que, no caso 'a situação e solução até está prevista, pela conjugação das normas dos artigos 2° - 2 do Código do Processo Civil e 4°- 1 g), 2 e 3'. Não tem razão o recorrente, pois, ao invés do que defende, as normas do ETAF que atribuem à Secção de Contencioso Administrativo competência para apreciar os recursos e as suspensões de eficácia dos actos em matéria administrativa do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, não são incompatíveis com as disposições da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e da Constituição da República Portuguesa que visam garantir a independência, imparcialidade e isenção dos Tribunais. Sobre esta matéria já se pronunciou, de resto, o Tribunal Constitucional no acórdão n° 483/2000, Processo 670/98, publicado no Diário da República, II Série, de 8-5-01, em recurso da decisão no acórdão da 1ª Secção deste S.T.A., de
13-5-98, recurso n° 43745, a qual foi confirmada pelo citado aresto do Tribunal Constitucional quanto ao juízo de não inconstitucionalidade das alíneas c) e g) do artigo 26°, n° 1, do E.T.A.F., na redacção do Decreto-Lei n° 229/96, de 29 de Novembro. Escreve-se, com efeito, no citado acórdão do Tribunal Constitucional, em termos perfeitamente aplicáveis à situação dos autos:
'12 - Em relação à invocação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem como parâmetro de constitucionalidade das leis (e uma vez que não está em causa um recurso de legalidade), já este Tribunal teve ocasião de considerar que não se justifica uma consideração autónoma» dos seus preceitos onde estes nada acrescentem às «normas ou princípios constitucionais pertinentes» (cf. os Acórdãos n.ºs 75/99, 935/96, 186/92 e 124/90, publicados, respectivamente no Diário da República, 2.ª série, de 6 de Abril de 1999, de 11 de Dezembro de 1996 e de 8 de Fevereiro de 1991, em que se invocava, justamente, o n.º 1 do artigo
6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem). De resto, o que tal disposição contempla é que qualquer pessoa tem o direito a que «a sua causa seja examinada equitativa e publicamente, num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá [...] sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra si» (itálico aditado). Ora, não estando em causa, nos presentes autos, acusação em matéria penal - nem quaisquer outras, já que o presente recurso de constitucionalidade emerge de um processo de suspensão de eficácia de uma deliberação proferida no termo de um processo disciplinar - é patente, além do mais, a falta de correspondência do caso à previsão da norma invocada.
13 - Em relação à invocação do princípio do Estado de direito, referiu o recorrente nas suas alegações (artigo 54.º, citando um artigo de M. Galvão Telles na Polis - Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado) que só há verdadeiramente Estado de direito quando «se encontrem reconhecidos e efectivamente assegurados os direitos fundamentais do Homem, a independência dos Tribunais e a legalidade da administração' (itálico aditado). A ofensa ao Estado de direito dependeria, portanto, da invocada violação do direito a tribunais independentes, que se considerará a seguir. Do mesmo modo, a alegada violação da separação de poderes (artigo 4.º das alegações) aparece dependente da existência de «um tribunal que não é independente nem imparcial» (artigo 4.º bis das alegações), pelo que também a violação deste princípio seria um efeito da violação invocada de outro princípio constitucional. O que, aliás, corresponde ao ensinamento comum da doutrina segundo a qual, «tendo essencialmente uma função aglutinadora e sintetizadora, a regra do Estado de direito democrático, em princípio, não produz normas de per si, ou seja, normas que não encontrem tradução em outras disposições constitucionais» (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed. Coimbra, 1993, p. 63, anotação V ao artigo 2.º). O próprio princípio da separação e independência dos órgãos de soberania encontra, como se sabe, consagração autónoma no texto do artigo 114.º da Constituição. Porém, mesmo abstraindo da referência ao artigo 2.º da Constituição, e erigindo o princípio da separação de poderes em parâmetro de constitucionalidade, em resultado do seu acolhimento no texto do artigo 114.º, dele não se poderia concluir, sem mais, que o pleno uso dos poderes de gestão e disciplina da magistratura administrativa e fiscal por parte do seu Conselho Superior, previsto como está no n.º 2 do artigo 217.º da Constituição, fosse lesivo de tal princípio. Tal só poderia ocorrer, justamente, se com isso ficasse afectada a independência dos tribunais - mas isso é o que se irá apurar a seguir. O que acaba de dizer-se permite concluir que as invocadas violações dos princípios do Estado de direito e da separação de poderes não irão mais longe do que a alegada violação da independência dos tribunais, razão pela qual a eventual verificação de que a regra impugnada não contende com a independência dos tribunais levará ao afastamento destas pretensas violações, tal como a eventual verificação de que a regra impugnada põe em causa a independência dos tribunais já implicará, só por si, inconstitucionalidade, tomando redundante a invocação daquelas.
14 - Os artigos 7.º a 60.º das alegações do recorrente neste Tribunal elencam situações das quais resultaria a falta de independência dos juizes que integravam o tribunal recorrido em relação à entidade ré (artigos 7.º a 43.º), a não imparcialidade do tribunal nos casos em que intervém a entidade ré (artigos
44.º a 49.º), a não imparcialidade do processo de suspensão de eficácia do acto administrativo (artigos 50.º a 53.º) e a não independência e imparcialidade do tribunal (artigos 54.º a 60.º). Em relação à invocada sujeição dos juízes que integram o tribunal recorrido aos poderes da entidade ré, há que dizer que tais juízes atingiram já o patamar máximo das suas carreiras, pelo que, no que toca à progressão na sua carreira, já não dependem do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, e, decisivamente, que este nenhum poder tem de condicionar a sua intervenção processual concreta. Aliás, mesmo em relação a outras matérias - designadamente disciplinares - em relação às quais os juízes que integram o tribunal recorrido se encontram sujeitos às decisões do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, estas decisões são sempre susceptíveis de reapreciação jurisdicional pelo Supremo Tribunal Administrativo. Como referia o artigo 3.º, n.º 2, da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais (Lei n.º 38/87, de 23 de Dezembro), citado na decisão recorrida (e que corresponde ao actual artigo 4.º, n.º 2, da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro), «a independência dos tribunais é garantida pela existência de um órgão privativo de gestão e disciplina da magistratura judicial, pela inamovibilidade dos respectivos juízes e pela sua não sujeição a quaisquer ordens ou instruções, salvo o dever de acatamento das decisões proferidas em via de recurso por tribunais superiores». E depois desta citação concluía o acórdão do tribunal a quo: «Assim, os conselhos superiores visam precisamente garantir a independência dos juízes, jamais lhes podendo dar quaisquer ordens ou instruções sobre a função de julgar, não podendo interpretar-se o seu poder de gestão e disciplinar como interferência relativa àquela função.».' E mais adiante, escreve-se no aresto em referência:
'Na medida em que se ponha em causa a independência e a imparcialidade dos tribunais em questões que envolvam como uma das partes o respectivo Conselho Superior, o que se põe em causa é o próprio figurino constitucionalmente estabelecido para as relações entre os tribunais e os seus conselhos: é que cabendo a estes a nomeação, colocação, transferência, promoção e exercício da acção disciplinar, a inexistência da reapreciação jurisdicional das suas decisões implicaria violação dos princípios constitucionais. A questão há-de pôr-se, portanto, mais que no plano dos princípios (uma vez que nesse plano já houve opção constitucional), no da concretização de tais princípios. Será que a Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, em subsecção não especializada, não dá garantias de isenção, independência e imparcialidade nas causas em que uma das partes seja o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais? Note-se que esta mesma questão se pode colocar, mutatis mutandis, em relação às causas em que uma das partes seja o Conselho Superior da Magistratura, a propósito do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 168.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (Lei n.º 21/85, de 30 de Julho, na redacção da Lei n.º 10/94, de 5 de Maio), normas essas que, no entanto, já foram tidas por não inconstitucionais nos Acórdãos deste Tribunal n.ºs 687/98, 64/99, 234/99 e 373/99, ainda inéditos, e 40/99, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 14 de Maio de 1999. De resto, a própria alínea c) do n.º 1 do artigo 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais já foi julgada não inconstitucional por este Tribunal
(Acórdão n.º 235/2000, ainda inédito, mas proferido num outro processo do mesmo recorrente) que considerou, designadamente, que: «referentemente à composição da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, a mesma se deve considerar, sem equívocos, como estando sujeita a um critério objectivo e estritamente vinculado, sendo de realçar que, perante os transcritos normativos dos artigos 14.º, 15.º e 27.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, não poderá o Presidente daquele Supremo Tribunal que, afinal, também é o Presidente do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, movimentar os juízes daquela Secção e das subsecções senão nos precisos termos constitucionais e legais». Naturalmente, atenta a redacção da alínea g) do n.º 1 do mesmo normativo, o que se estabeleceu para a alínea c) vale aqui nos mesmos exactos termos, podendo concluir-se, de igual modo, pela não inconstitucionalidade.'
É esta orientação, de que não se vê razão para divergir, que aqui se reitera, pelo que improcede totalmente o requerido a fls. 288 a 290 dos autos.
O Supremo Tribunal Administrativo nesse aresto não se pronunciou sobre a questão suscitada relativa às custas e condenou, por seu turno, o recorrente em custas. A. requereu a reforma do acórdão de 30 de Abril de 2003 quanto a custas, afirmando o seguinte:
1. A douta decisão condenou o Rte. em custas e procuradoria. ORA:
2. O Rte. está isento de custas estabelecida para os Inspectores por via do exercício das suas funções pelo art.º 17°-1-g) EMJ, na redacção do DL. n.º
143/99, de 31.08.
3. A presente lide, como vem sustentando, é consequência de acto praticado no exercício da sua função de Inspector e por causa dele – nem parece possível discutir situação tão óbvia como esta.
4. Isto é, a isenção não é o resultado de o Rte. ser Juiz, nem alguma vez isso sustentou, pelo que não lhe tem aplicação a jurisprudência (abundante) que se reporta exclusivamente a isso.
5. A situação que consta dos autos principais tem a ver, como deles resulta, com o facto de o Rte., como inspector, se considerar com direito a receber ajudas de custo e despesas de transporte,
6. cujo recebimento e processamento o Ex.mo Presidente do STA lhe negou,
7. o que levou o Rte. a reclamar para o mesmo Presidente, órgão autor do acto, nos termos do art.º 161°-1 CPAdm..
8. Foi esta reclamação que deu origem a processo disciplinar, cujo resultado deu motivo às reacções contenciosas legais que o Rte. legitimamente usou.
9. Tudo, pois, se inscreve, e não é alheio, no e ao exercício de funções do Rte. como inspector.
10. Em sucessivas decisões, nos autos em que o reclamante litiga, está a pretender-se que as invocadas normas não teriam aplicação quando estivesse em causa um processo disciplinar, surgido no decurso e por causa do exercício das funções de inspector judicial designado a nível do Supremo Tribunal Administrativo, e quando ocorria a reclamação sobre remuneração no exercício dessas funções.
11. Uma interpretação assim restritiva das referidas normas de isenção tributária, sempre estaria inquinada de inconstitucionalidade, contra o inviolável princípio constitucional da igualdade (CRP, art.º 13°).
12. Aliás, a tese contrária à aqui sustentada, que é a daquela jurisprudência nos ditos autos em que o requerente intervém, levaria a que, em processos, como estes, em que precisamente se discute a licitude da condenação disciplinar, se desse como pre-juízo e pre-julgamento (o que se quer crer não possa acontecer com nenhum Juiz) que essa condenação fora lícita, para o efeito de, só por isso, se 'sustentar' que o respondente, então agira fora do exercício das suas funções de Conselheiro-Inspector - argumentação essa que, absurdamente, resulta de escrito duma 'assessora' representante de parte nestes mesmos autos.
13. No entanto, ninguém discute que as exposições que deram origem ao processo disciplinar que se mantém por encerrar e em discussão contenciosa, e que funcionam como 'corpo de delito' nesse mesmo processo disciplinar, se reportaram ao exercício das ditas suas funções, para o pagamento que, como tal, segundo o seu entendimento, lhe era devido.
14. Deste modo, a singelíssima condenação em custas se traduziria em o Tribunal, dentro daquele pre-juízo, antecipar a improcedência da matéria de fundo em discussão nos autos, contra toda a imparcialidade e isenção.
15. Ou seja, uma interpretação da dita norma do art.º 17°-1-g) EMJ, na redacção do DL. n.º 143/99, de 31.08 seria inconstitucional, pois que violaria os princípios constitucionais do acesso ao direito e a uma decisão mediante processo equitativo, consagrados no art.ºs 2° e 20°-1 e 4 da CRP.
O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 26 de Junho de 2003, entendeu o seguinte:
Dispõe o art. 17°, n° 1, alínea g), do Estatuto dos Magistrados Judiciais, na redacção da Lei 143/99, de 31 de Agosto, que é direito especial dos juízes 'a isenção de custas em qualquer acção em que o juiz seja parte principal ou acessória, por via do exercício das suas funções, incluindo as do membro do Conselho Superior da Magistratura ou de Inspector Judicial'. Ora, tal como também se decidiu nos acs. da Subsecção de 31.1.02 (fls. 31 e segs.) e de 11.4.02 (fls. 72 e segs), a isenção a que se reporta o presente preceito não é aplicável à situação dos autos. De facto, tal como resulta do entendimento aí expresso, de harmonia, de resto, com a jurisprudência também aí citada deste Supremo Tribunal e do Tribunal Constitucional a propósito de situações similares, os Magistrados não gozam de qualquer isenção pessoal de custas pelo facto de terem tal qualidade, a qual só vale para os casos em que o juiz é parte (principal ou acessória) por causa do exercício das suas funções. Ora, no presente caso, ao invés de defendido pelo reclamante, não está em causa um processo motivado por acto praticado por causa do exercício das funções do reclamante como Inspector - designadamente, por causa da avaliação do trabalho dos inspeccionados, da elaboração de inquéritos ou sindicâncias aos serviços dos tribunais administrativos e fiscais (arts. 98º, nº 1, alínea e), e 100° do ETAF)
- mas apenas por ocasião desse exercício (ver ac. do T.Constitucional n° 412/00, de 4/10/00). E, não tem razão o Reclamante quando argumenta que este entendimento, pacificamente aceite pela jurisprudência deste Supremo Tribunal e do Tribunal Constitucional, não se aplica ao seu caso por o Recorrente ter invocado a sua qualidade de Inspector e não a de Juiz. Em primeiro lugar, dir-se-á que só faz sentido reivindicar a aplicação da norma em questão por o reclamante ser juiz, pois trata-se de norma inserida no Estatuto dos Magistrados Judiciais e em preceito (o art. 17°) que se refere aos direitos especiais dos Juizes. Em segundo lugar, é indiferente quanto à interpretação e alcance do preceito em análise a que acima se fez referência que o Juiz esteja no exercício da função de julgar ou nas de Inspector ou de membro do Conselho Superior de Magistratura. A ratio do preceito é a mesma para todas as situações abrangidas na previsão da alínea g) do art. 17° do Estatuto dos Magistrados Judiciais: o reconhecimento de um risco de natureza muito específica inerente às funções de julgar, de inspector e de membro do Conselho Superior de Magistratura, exercidas pelos Magistrados Judiciais, que o legislador 'entendeu compensar por aquele modo de isenção dos cargos inerentes, sendo justo que se lhe não debitem quando por causa delas é obrigado a responder em juízo ou a demandar alguém pelo mesmo motivo'- (ac. do Pleno da 1ª Secção de 18.1.00, rec. 37.435). Nem se vê como esta interpretação possa violar o princípio constitucional da igualdade, a qual só exige um tratamento igual de situações idênticas, o que, como resulta do exposto, não é o caso. E também não é possível sequer vislumbrar como, ao negar ao Recorrente a isenção de custas neste processo, pelos motivos acima expostos, se esteja a fazer um pré-julgamento da decisão de fundo em discussão nos autos, pelo que também não se vê como a interpretação efectuada do art. 17°, n° 1, g), do EMJ possa violar os princípios constitucionais do acesso ao direito e a uma decisão mediante processo equitativo, consagrados nos arts. 2° e 20°, nºs. 1 e 4, da C.R.P.
Em consequência, a reforma quanto a custas foi indeferida.
3. A. interpôs dois recursos de constitucionalidade. O primeiro requerimento tem o seguinte conteúdo:
1. O recurso é interposto do douto acórdão de 30.04.03, na parte em que condenou o recorrente em custas, completado pelo de 26.06.03, que indeferiu o requerimento da reforma daquele sobre custas, requerimento esse feito ao abrigo do art. 669°-1-b) CPCiv., ex vi dos artºs 1° e 102° LPTA.
2. Da última decisão o requerente suscitou ainda a sua reforma quanto a custas, com fundamento no montante exorbitante e desproporcional das mesmas - afigurando-se, porém, que é de elementar prudência que se considere finda com o
última acórdão a discussão da matéria de constitucionalidade suscitada e que ele decide, sendo, pois, de natureza autónoma aquela que preside à nova reclamação de reforma quanto a custas, pelo que é sustentável que correria já o prazo para recurso para o Tribunal Constitucional.
3. Daquelas identificadas decisões judiciais (supra 1.) não há recurso ordinário
- pelo que é lícito processualmente o presente recurso para o Tribunal Constitucional, assim se cumprindo o pressuposto do art.º 70°-2 e 3 da Lei n.º
28/82.
4. O recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do art.º 70°-1 da cit. Lei n.º
28/82 - com esta indicação se cumprindo o primeiro pressuposto do art.º 75°-A-1 da mesma Lei.
5. A norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Venerando Tribunal Constitucional aprecie é a do art.º 17°-1-g) do Estatuto dos Magistrados Judiciais, na redacção do DL. n.º 143/99, de 31.08, na interpretação restritiva que a esta norma foi dada pela decisão recorrida, em sentido idêntico ao patrocinado pela primitiva decisão reclamada, no sentido de que na sua interpretação não caberia ser aplicável ao caso concreto, por este se não enquadrar na situação de o Rte. por via do exercício das suas funções e de ser acto praticado no exercício da sua função de Inspector e por causa dele, por tal não se conter em processo disciplinar de pretensas ofensas ao Sr. Presidente do Supremo Tribunal Administrativo ocorridas aquando desse exercício de funções.
5. A inconstitucionalidade desta interpretação da aludida norma confere legitimidade para recorrer ao Rte.
6. As normas ou princípios constitucionais considerados violados - com esta indicação se cumprindo o primeiro pressuposto do art.º 75°-A-2 da mesma Lei n.º
28/82 - foram:
* o princípio constitucional da igualdade, consagrado no art.º 13° CRP, assim também violado; e
* os princípios constitucionais do acesso ao direito e a uma decisão mediante processo equitativo, consagrados no art.ºs 2° e 20°-1 e 4 da CRP .
7. A peça processual em que o recorrente oportunamente suscitou a dita questão da inconstitucionalidade foi a da citada reclamação de reforma sobre custas, formulada esta nos termos do art. 669°-1-b) CPCiv., ex vi dos pressuposto do art.º 75°-A-2 da mesma Lei n.º 28/82.
O segundo requerimento tem o seguinte teor:
1. O recurso é interposto do douto acórdão de 30.04.03, completado pelo de
26.06.03, na parte em que conheceu da matéria da incompetência absoluta do Supremo Tribunal Administrativo, decidindo pela improcedência da arguição suscitada no requerimento de fIs. 288/290 dos autos (seu ponto 2.1).
2. Daquelas identificadas decisões judiciais não há recurso ordinário - pelo que
é processualmente lícito o presente recurso para o Tribunal Constitucional, assim se cumprindo o pressuposto do art.º 70°-2 e 3 da Lei n.º 28/82.
3. O recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do art.º 70°-1 da cit. Lei n.º
28/82 - com esta indicação se cumprindo o primeiro pressuposto do art.º 75°-A-1 da mesma lei.
4. As normas cuja inconstitucionalidade se pretende que o Venerando Tribunal Constitucional aprecie são as dos art.º 26°.1-c) e art. 24°-a) e b) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (aprov. pelo DL. n° 129/84, de 27.04), na parte em que atribui ao Supremo Tribunal Administrativo competência para ajuizar os actos do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais e seu Presidente.
5. A inconstitucionalidade destas normas, suscitada pelo requerimento supra referido, confere legitimidade ao Rte. para recorrer.
6. As normas ou princípios constitucionais considerados violados - com esta indicação se cumprindo o primeiro pressuposto do art.º 75°-A-2 da mesma Lei n.º
28/82 - foram:
* O princípio constitucional do Estado de Direito democrático do respeito e garantia de efectivação dos direitos dos cidadãos, consagrado no art.º 2° CRP, assim também violado; e
* os princípios constitucionais do acesso ao direito e a uma decisão mediante processo equitativo, consagrados no art.º 20º-1 e 4 da CRP.
7. A peça processual em que o recorrente oportunamente suscitou a dita questão da inconstitucionalidade foi a do citado requerimento de fIs. 288 a 290 dos autos - com esta indicação se cumprindo também o segundo pressuposto do art.º
75°-A-2 da mesma Lei n.º 28/82.
Junto do Tribunal Constitucional, o recorrente apresentou alegações que concluiu do seguinte modo:
1ª - São minutados nesta mesma peça de alegações os dois recursos interpostos para o Venerando Tribunal Constitucional: um, interposto a fls. 441, do douto acórdão de 30.04.03, completado pelo também douto acórdão de 26.06.03, este proferido sobre reforma sobre custas, acórdão aquele que, tendo conhecido da matéria da incompetência absoluta do Supremo Tribunal Administrativo, que decidiu pela improcedência da arguição suscitada no requerimento de fls. 288/290 dos autos, condenou o Rte. em custas «do incidente» e pela taxa de justiça de 90 euros; e outro, a fls. 337, do mesmo douto acórdão de 30.04.03, que decidiu pela negativa a própria matéria da incompetência absoluta do S.T.A.. Assim: QUANTO À DECISÃO SOBRE CUSTAS:
2ª - Ocorreu processo disciplinar em que foi aplicada uma sanção ao Rte., Juiz-Conselheiro aposentado do Supremo Tribunal Administrativo, decisão da qual o Rte interpôs recurso contencioso administrativo.
3ª - Os factos que estão em causa ocorreram aquando o exercício pelo Rte. das suas funções de Inspector Judicial por designação do órgão próprio, o CSTAF., vindo arguido, mais concretamente, de, aquando de exposição feita no exercício dessas funções, em que, especificamente, discutia questões funcionais relativas ao seu trabalho de Inspector e respectiva remuneração, ter sido entendido que ofendera o Ex.mo Presidente do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
4ª - O Rte. está isento de custas, isenção estabelecida para os Inspectores por via do exercício das suas funções pelo art. ° 17°-1-g) EMJ, na redacção do DL. n.º 143/99, de 31.08.
5ª - Essa isenção não é, no caso concreto, o resultado de o Rte. ser Juiz, nem alguma vez isso sustentou, pelo que não lhe tem aplicação a jurisprudência
(abundante) que se reporta exclusivamente a isso.
6ª - A situação que consta dos autos principais tem a ver, como deles resulta, com o facto de o Rte., como inspector, se considerar com direito a receber ajudas de custo e despesas de transporte, e, tendo-lhe sido o respectivo recebimento e processamento negado pelo Ex.mo Presidente do STA., reclamou para o mesmo Presidente, órgão autor do acto, nos termos do art.º 161°-1 CPAdm..
7ª - Foi esta reclamação sobre ajudas de custo e despesas de transporte como inspector judicial que deu origem a processo disciplinar, cujo resultado deu motivo às reacções contenciosas legais que o Rte. legitimamente usou.
8ª - Como é óbvio, tudo, pois, se inscreve, e não é alheio, no e ao exercício de funções do Rte. como inspector.
9ª - Na decisão recorrida, ninguém discutindo, ou podendo discutir, que o Rte., através de um requerimento de reclamação sobre o direito a ajudas de custo e despesas de transporte como inspector judicial estava, por si mesmo, no exercício de funções como Juiz-Inspector, pretende-se que as invocadas normas não teriam aplicação por estar em causa um processo disciplinar, surgido no decurso e por causa do exercício das funções de inspector judicial designado a nível do Supremo Tribunal Administrativo, e quando ocorria a reclamação sobre remuneração no exercício dessas funções, pois que não poderia considerar-se no exercício de funções o acto que 'mereceu' processo disciplinar, porque nas funções não se inclui praticar faltas disciplinares.
10ª - Esta tese levaria a que, em processos, como estes, em que precisamente se discute a licitude da condenação disciplinar, se desse como pre-juízo e pre-julgamento que essa condenação fora lícita, isto para o efeito de, só por isso, se 'sustentar' que o respondente, então, agira fora do exercício das suas funções de Conselheiro-Inspector.
11ª - Deste modo, a singelíssima condenação em custas traduz-se em o Tribunal, dentro daquele pre-juízo, antecipar a improcedência da matéria de fundo em discussão nos autos, contra toda a imparcialidade e isenção.
12ª - Deste modo, uma interpretação restritiva das referidas normas de isenção tributária, nos termos pretendidos pelo acórdão recorrido, sempre está inquinada de inconstitucionalidade, contra o inviolável princípio constitucional da igualdade (CRP, art.º 13°).
13ª - Por aquela interpretação limitativa pretendida é indevidamente considerada desigual a sua situação de, estando manifestamente em exercício de funções, não ser reputado como tal à face do art.º 17°-1-g) EMJ ... só por haver processo disciplinar!, assim obviamente o colocando em desigualdade com outros Juizes litigando no exercício de funções,
14ª - isto enquanto que é evidente que, estando precisamente em causa nos autos a apreciação definitiva sobre ter ou não ocorrido prática de falta disciplinar, a sua situação nada tem de desigual em relação a outros Juízes, pois que a dita falta não está consolidada, nem foi objecto de decisão definitiva com trânsito em julgado.
15ª - Por outro lado, uma interpretação restritiva do art.º 17°-1-g) EMJ, na redacção do DL. n.º 143/99, de 31.08, como a almejada pelo acórdão impugnado é também inconstitucional por violar os princípios constitucionais do acesso ao direito e a uma decisão mediante processo equitativo, consagrados nos art.ºs 2° e 20°-1 e 4 da CRP, e o princípio da justiça, consagrados nos art.ºs 13° e
266°-2 da CRP., ou seja, o recorrente estaria julgado antes de o ter sido.
16ª - Aliás, na sequência da jurisprudência deste Venerando Tribunal Constitucional (ut Ac. n° 466/97 de 02.07.97, no proc. n° 97-0361 da sua 1ª secção), se, em qualquer circunstância o Rte. sempre estaria isento de custas, isto é, essa isenção existiria mesmo que o recorrente já estivesse condenado naquele processo disciplinar com trânsito em julgado, por maioria de razão o será no caso dos autos.
17ª - Deve, pois, o art.º 17°-1-g) EMJ, na redacção do DL. n.º 143/99, de 31.08, na interpretação restritiva que dele fez o acórdão sob recurso, ser declarado inconstitucional. SEM PRESCINDIR E À CAUTELA:
18ª - Sempre é seguro que a condenação do Rte. no montante de custas em que o foi representaria sempre uma outra violência inconstitucional.
19ª - Em matéria de custas rege o CCJudiciais (LPTA, artº 117°), com as especialidades dos «considerados incidentes» (LPTA, artº 120°), aí incluído o de suspensão de eficácia (LPTA, artº 120° e artº 51°-1-1 ETAF).
20ª - De acordo com o artº 6°-1-x) o «valor para efeito de custas» (ou seja, para incidir o cálculo de custas) «na reforma das decisões quanto a custas» é o da «taxa de justiça correspondente ao processo» pelo que o «valor» para efeito da incidência desse cálculo neste incidente teria de ser o de 50+60 euros = 150 euros [sic].
21ª - Por isso nunca poderia ser o de 99 euros, por aplicação da tabela.
22ª - Sempre haveria de ter em conta os artºs 120° e 119° LPTA, conjugados com os artºs 5°, 9°, 14° e 66° da Tabela das Custas no STA (DL. n° 42.150, de
12.02.959), pelos quais o limite máximo no Pleno nunca poderia hoje ultrapassar cerca de 74,82 euros.
23ª - Certo é que a condenação em custas no máximo no acórdão em crise, a despeito da natureza da questão incidental objecto de decisão, não atendeu obviamente aos princípios basilares em matéria de custas: complexidade da decisão, valor económico em discussão (não se esqueça, por exemplo, o valor económico da sanção disciplinar em causa em todo o processo!) (cf. artº 14° da Tabela de Custas no STA).
24ª - Por isso, o Rte. está a ser multiplicadamente vitimizado com custas, face
à condenação disciplinar em multa, pelo que a condenação em custas é efectivamente usada como sanção desproporcionada e como sanção autónoma por infracção não tipificada.
25ª - Admitir que a lei consentisse, por interpretação dos citados artºs 120° e
119° LPTA e 6°-1-1 CCJ, conjugados com os artºs 5°, 9°, 14° e 66° da Tabela das Custas no STA (DL. n° 42.150, de 12.02.959), a aplicação de uma taxa de justiça como a fixada seria, no mínimo, contra o princípio da proporcionalidade, em violação do artº 266°-2 da CRP, e bem assim contra os princípios constitucionais do acesso ao direito e aos Tribunais (artº 20°-1 CRP), de não ser sentenciado senão em virtude de infracção prevista na lei nem ser punido sem defesa (artºs
29°-1 e 269°-3 CRP) e da proporcionalidade (CRP. artº 266°-2). QUANTO À DECISÃO SOBRE A INCOMPETÊNCIA:
26ª - O presente processo não poderá ser decidido - nem nos autos principais, nem no apenso de suspensão de eficácia, nem nos incidentes vários - pelo Supremo Tribunal Administrativo.
27ª - Existe relação funcional, e não só, entre o Recorrente (e Requerente), JUIZ DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO (embora jubilado, mas em relação funcional no caso concreto), e a entidade Recorrida (e Requerida), CONSELHO SUPERIOR DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS, seu Presidente comum e seus Membros, e o próprio Tribunal julgador, SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO, com o mesmo Presidente do CSTAF.
28ª - Nestes autos está em causa, precisamente, um processo disciplinar em que o Rte. é visado por ter sido entendido que ofendeu, em escrito que lhe dirigiu, o Senhor PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO, aí considerado ofendido, na sua qualidade de entidade decisora da questão que lhe era colocada no dito escrito, pretenso ofendido esse que é, também, o PRESIDENTE DO CONSELHO SUPERIOR DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS.
29ª - Não é, assim, possível, objectivamente, garantir ao Recorrente (e Requerente) um efectivo «acesso ao direito» e a uma decisão «mediante processo equitativo» através de julgamento feito pelo mesmo SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO - cujo Presidente, reputado ofendido, é o mesmo que preside ao CSTAF.
30ª - Aquelas garantias são exigidas, e exigíveis, pelos art.s 2° e 20°-1 e 4 da Constituição e pelo art.º 6° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
31ª - Pelas normas dos art.ºs 26°-1-c) e 24°-a) e b) do ETAF (aprov. pelo DL n.º
129/84, de 27.04) é estabelecido que o julgamento em causa seja feito pelo SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO, de que o reputado ofendido é o Presidente, na parte em que atribuem àquele Tribunal competência para ajuizar os actos do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais e seu Presidente.
32ª - Estando sempre em causa um regime objectivo - ou seja, sem necessidade de invocação de qualquer situação de suspeição, que não deve vir ao caso - é seguro que, para além de ser incompreensível que o STA julgue questões em que uma das
'partes', porque reputado 'ofendido' é o seu Presidente, que também é o Presidente do órgão de cuja decisão se recorre,
33ª - como mais incompreensível ainda é que tudo isso se passe num Tribunal, o STA, cujo regime de colocação de Magistrados está na dependência funcional e discricionária do mesmo Senhor Presidente, segundo os artºs 19°-1-h) e 15°-1 a 3 do ETAF.
34ª - Por isso, aquelas normas dos art.ºs 26°-1-c) e 24°-a) e b) do ETAF (aprov. pelo DL n.º 129/84, de 27.04) são inconstitucionais, por violação dos aludidos normativos constitucionais (art.ºs 2° e 20°-1 e 4 da Constituição), na parte em que atribuem a este Tribunal competência para ajuizar os actos do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais e seu Presidente, pelos fundamentos que ficaram alinhados,
35ª - O que tudo, por si mesmo, torna nulas as decisões proferidas nos presentes autos, em especial também aquelas cuja nulidade vem sendo arguida e as que as antecederam.
36ª - Aliás, a anterior jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre situações paralelas é diferente daquela que é arguida nestes autos, como se demonstrou na minuta, pelo que não tem aqui aplicabilidade.
37ª - Finalmente - e apesar de isso extravasar a pronúncia do Tribunal Constitucional - é obrigação do Estado Português de criar meios judiciais que permitam as aludidas garantias do cidadão, no caso o Recorrente (e Requerente), pelo que, se não ocorresse a existência de norma para solucionar esta questão, forçoso seria que ela fosse tida por criada, ainda que mais não fosse pelo uso do artº10°-3 CCiv..
38ª - No entanto deverá desde já adiantar-se que é seguro que, no caso, a situação e solução até estão previstas, pela conjugação das normas do artº 20°-1 e 4 CRP, art.º 2°-2 CPCiv. com as do artº4°-1-g), 2 e 3 do ETAF e 66° CPCiv.. o que permite concluir que o julgamento da presente causa, como de outras questões que se prendem com a deliberação do CSTAF, pertence aos Tribunais Comuns e não ao STA..
Por seu turno, o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais contra-alegou, pugnando pela improcedência dos recursos.
Cumpre apreciar.
II Fundamentação
4. O recorrente, por via do recurso de constitucionalidade interposto a fls.
377 e ss., pretende submeter à apreciação do Tribunal Constitucional a norma do artigo 17º, nº 1, alínea g), do Estatuto dos Magistrados Judiciais, interpretada no sentido de não abranger as custas devidas no âmbito de um processo motivado pela prática de uma infracção disciplinar, ou seja, no âmbito de um processo motivado por acto praticado por ocasião do exercício de funções de Inspector e não por acto praticado por causa desse exercício. O Tribunal Constitucional já apreciou questão substancialmente idêntica à agora suscitada. Com efeito, no Acórdão nº 412/2000 (entre outros), o Tribunal Constitucional decidiu não julgar inconstitucional a norma agora impugnada, quando interpretada no sentido de não ser aplicável a isenção de custas quando as custas são devidas em processo motivado pela prática de infracção disciplinar (o Acórdão nº
412/2000 encontra-se publicado no D.R., II Série, de 21 de Novembro de 2000). O recorrente invoca, contudo, o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 466/96, afirmando que em tal aresto o Tribunal Constitucional acolheu o entendimento por si propugnado. No entanto, nesse aresto decidiu-se (com votos de vencido) a conformidade à Constituição da obrigatoriedade de pagamento de custas no processo em que era pedida uma indemnização cível devida por força da prática de um acto no exercício das funções de juiz e não em processo motivado pela prática de infracção disciplinar. Trata-se, nessa medida, de questão substancialmente diversa da agora em apreciação. Por outro lado, o recorrente sustenta nas alegações de recurso a inconstitucionalidade de uma dada interpretação dos artigos 120º e 119º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, 6º, nº 1, do Código das Custas Judiciais, conjugados com os artigos 5º, 9º, 14º e 66º da Tabela de Custas no Supremo Tribunal Administrativo. No entanto, tais normas não constam do requerimento de interposição do recurso, pelo que não poderão integrar o objecto do presente recurso de constitucionalidade. Não suscitando, pois, o recorrente qualquer questão nova reportada à questão de constitucionalidade que deve ser apreciada, remete-se para a fundamentação do Acórdão nº 412/2000, a que se adere, concluindo-se pela não inconstitucionalidade do artigo 17º, nº 1, alínea g) do Estatuto dos Magistrados Judiciais.
5. O recorrente, no recurso de constitucionalidade interposto a fls. 441 e ss., pretende, por seu turno, submeter à apreciação do Tribunal Constitucional a norma dos artigos 26º, nº 1, alínea c), e 24º, alíneas a) e b), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, “na parte em que atribui ao Supremo Tribunal Administrativo competência para ajuizar os actos do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais e seu Presidente”. O Tribunal Constitucional também já apreciou a questão de constitucionalidade normativa suscitada pelo recorrente. Com efeito, no Acórdão nº 483/2000 (D.R., II Série, de 8 de Maio de 2001), o Tribunal Constitucional decidiu não julgar inconstitucional a norma agora impugnada. Não suscitando o recorrente qualquer questão nova que deva ser apreciada, remete-se para a fundamentação do Acórdão nº 483/2000, a que se adere, concluindo-se pela improcedência do recurso.
III Decisão
6. Em face do exposto, decide-se: a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 17º, nº 1, alínea g), do Estatuto dos Magistrados Judiciais; b) Não julgar inconstitucional a norma dos artigos 26º, nº 1, alínea c), e 24º, alíneas a) e b), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais; c) Negar, consequentemente, provimento aos recursos interpostos.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UCs.
Lisboa, 14 de Abril de 2004
Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres Paulo Mota Pinto Rui Manuel Moura Ramos