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Procº nº 315/2003.
3ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Em 26 de Maio de 2003 lavrou o relator decisão com o seguinte teor:
“1. No recurso de agravo em separado que os executados A. e outros interpuseram de um despacho proferido pelo Juiz do Tribunal de comarca da Amadora, os exequentes e agravados B. e mulher vieram apresentar a sua alegação,
à mesma juntando um «talão», emitido por uma «máquina M...», comprovativo do pagamento da quantia de € 239,42.
Tendo a secretaria daquele Tribunal notificado o mandatário dos agravados para, em cinco dias, efectuar o pagamento do montante de € 239,42, a título da sanção prevista no artº 28º do Código das Custas Judiciais, os mesmos vieram apresentar requerimento no qual escreveram:
“B. e MULHER nos autos à margem movidos por A. e OUTRAS vem requerer:
1- Ao instaurar a execução os exequentes pagaram a taxa de justiça inicial no valor de 478,86 euros. Os executados embargaram e na contestação dos embargos os exequentes pagaram a taxa de justiça inicial no valor de 478,86 euros (portanto de ‘caução’, em excesso, 239,43 euros, uma vez que a taxa final dos embargos é de metade da taxa da execução). Os executados instauraram acção declarativa com objecto idêntico ao dos embargos, que pende no 2° Juízo Cível desta Comarca com n° 1776/2001. Os exequentes para a contestarem efectuaram taxa de justiça inicial no valor de
638,48 euros. Os embargantes interpuseram um recurso de agravo. Os exequentes embargados, por não possuírem capacidade económica para a ‘caução’ (a taxa do recurso é de metade da execução), viram-se impedidos de exercer o contraditório nesse recurso. E também os exequentes (embargados) interpuseram um recurso de agravo e pagaram a taxa de justiça inicial deste no valor de 478,86 euros (como a taxa final deste recurso é 1/8 – 18º, 4 do C.C.J. - foi em excesso, de ‘caução’, 448,93 euros ou, pelo menos, 419,00 euros). Os executados deduziram oposição à penhora à qual os exequentes responderam e pagaram a taxa de justiça inicial de 478,86 euros (ou seja de ‘caução’, em excesso, 359,14 euros - pois a taxa da oposição à penhora é de 1/4 da execução
- art.15° nº1 j) do C.C.J.) Os executados interpuseram novo agravo - no entender dos requerentes cumularam num recurso 2 recursos porquanto se trata de decisões autónomas cuja impugnação não cabe num só recurso- num destes (o ora em causa) os exequentes recorridos efectuaram a taxa de justiça inicial de 239,43 euros (ou seja, correspondente a
1/2 da taxa inicial da execução, já que a taxa final do recurso é metade da execução ).
2- É esta taxa que agora se considera insuficiente e por isso a liquidação da sanção pelo seu não depósito completo tempestivo. Os exequentes ora recorridos não têm capacidade económica para suportar tal carga de ‘cauções’ sobre taxas iniciais. E os requerentes entendem que é inconstitucional a tabela de taxas iniciais e subsequentes por violação do disposto nos arts. 13°, 20° e 266° da Constituição. A taxa de justiça final dos embargos de executado é de metade, da taxa da execução (14° g) do C. Custas Judiciais) e a taxa de justiça final da oposição à penhora é de l/4 da taxa da execução (15° nº1, j)). E a taxa de justiça final dos recursos é de metade (ou menos) da taxa da execução (18º nºs 2 e 4). O Supremo já decidiu (9-10-96, Pº nº 5721) que, sendo o recurso nos embargos a taxa final do recurso é de metade da taxa do embargo, ou seja, 1/4 da taxa da execução; e quanto ao art.18º nº4 1/16 da taxa da execução. Os ora requerentes têm por inconstitucional a norma que exige a realização de taxa de justiça inicial no presente recurso igual à taxa de justiça inicial da acção.
3- O artigo 22° do Código das Custas Judiciais sob a epígrafe (Pagamento gradual da taxa de justiça) dispõe que ‘A taxa de justiça é paga gradualmente’. Neste caso porém exige-se o depósito de taxa inicial não gradual mas correspondente à taxa final do recurso. A norma que exige esta caução para embargar, ou recorrer, ou responder à oposição à penhora os requerentes têm-na por inconstitucional. Ela viola inclusive o disposto nos arts. 6°, 13° e 14° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. A inconstitucionalidade é ainda patente quanto à aplicação da sanção. A sanção nunca é restituída. Ora, é aplicada no recurso uma sanção correspondente à sanção da falta de preparo da acção quando esta taxa de preparo (inicial ou subsequente) não corresponde a 1/4 da taxa de justiça final do recurso. Aplica-se uma sanção não restituível, no recurso, correspondente à sanção da acção quando a taxa do recurso é inferior à taxa da acção.
4- Nos embargos de executado, na oposição à penhora, nas alegações e contra-alegações de agravo os ora requerentes têm capacidade para realizar gradualmente a taxa de justiça. Mas os exequentes não têm capacidade económica para realizar a taxa inicial no dobro (ou mais) da gradual devida, tendo de prestar como que uma caução para se oporem à penhora, ou aos embargos ou contra-alegarem ou alegarem um recurso. Foi por essa razão, de incapacidade económica face à exigência inconstitucional, que já se viram impedidos de contra-alegar - portanto de exercer o contraditório
- no primeiro agravo dos embargantes (e no actual agravo destes para o Supremo) e na impugnação pelos executados de um dos doutos despachos ora sob recurso e só puderam efectuar metade da taxa inicial (inconstitucional) do presente recurso e não a correspondente à acção, que consideram uma verdadeira caução para poderem aceder à justiça.
5- A unificação de taxa inicial para acções, incidentes e recursos quando os incidentes podem ter taxas finais de só 1/2 de 1 UC (15º nº 2) e têm normalmente taxas finais inferiores à da acção, os recursos são de metade ou 1/8 da taxa da acção (ou 1/16), a oposição à penhora é de 1/4 ou menos, impõe verdadeiras cauções para se poder recorrer, ou deduzir incidente ou oposição. Tal exigência de depósitos em excesso - impondo depósitos iguais para aquilo que
é diferente e tem taxas finais diferentes - cria dificuldades e impedimentos no acesso à justiça e viola a Constituição e a Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
6- Não se considere que a questão é do âmbito do apoio judiciário porque a questão não é esta. Para requerer o apoio judiciário é necessário, de acordo com o respectivo impresso, indicar a composição e rendimentos do agregado familiar; origem dos rendimentos de cada membro do agregado familiar, do trabalho, de bolsas de formação, pensões, outras prestações sociais (de doença, desemprego, etc.) subsídio de renda de casa, de bens imobiliários (prediais), bens mobiliários ( capitais, acções, obrigações do Estado) e outros rendimentos; quando se tratar de rendimentos eventuais indicar a média mensal, calculada por referência aos últimos três meses. Indicar a propriedade de bens imóveis por conjunto de pessoas que vivam em economia comum, localização, artigo matricial, descrições prediais, rústicos/urbanos. Indicar a propriedade de bens móveis sujeitos a registo, por conjunto de pessoas que vivem em economia comum tipo de veículos automóveis, barcos, etc., matrícula registo, marca e modelo, aquisição
(compra, doação, etc.). Indicar a propriedade de outros bens por conjunto de pessoas que vivam em economia comum; se têm acções, certificados de depósito, títulos de participação, quotas, certificados de fundos de investimento abertos ou fechados, outros; indicar a quantidade, descrição, valor por unidade, proprietário, aquisição (compra, doação etc.). Indicar as despesas gerais do conjunto de pessoas que vivem em economia comum, o valor da prestação mensal para aquisição de bens e as descrições e finalidades dos bens (veículo automóvel, barco etc.). Indicar o montante das rendas pagas, quer pelo requerente quer pelos elementos do agregado familiar, com descrição e finalidade do bem (casa, estabelecimentos comerciais, etc.). Indicar outros dados de interesse. Autorizar os serviços competentes de Solidariedade e Segurança Social a proceder à averiguação oficiosa dos rendimentos; comprometer-se a comunicar qualquer alteração da informação prestada até ao mês seguinte ao da sua verificação e certificação de que as declarações prestadas correspondem à verdade e não omitem qualquer informação relevante. E entregar fotocópia de bilhete de identidade do requerente e demais pessoas que com ele vivem em economia comum, Modelo de IRS e respectiva nota de liquidação do requerente e demais pessoas que com ele vivem em economia comum; fotocópias do registo dos bens imóveis e bens móveis sujeitos a registo que foram declarados e da inscrição matricial dos bens imóveis; contrato de arrendamento da casa de habitação ou cópia do recibo mensal da renda; declaração da instituição bancária relativa à prestação para pagamento do empréstimo para aquisição de casa própria e outros documentos que comprovem as declarações prestadas.
7- O que está em causa não é nada do que vem enumerado: os requerentes podem
(por enquanto) realizar gradualmente a taxa de justiça final da acção, seus incidentes e recursos. O que não podem, pois para isso não têm capacidade, é depositar por conta da taxa de justiça de incidentes e recursos importância igual à que depositam por conta da acção; porque a taxa de justiça devida pelos incidentes e recursos é muito inferior (1/2, 1/4, 1/8, 1/16 ou mesmo menos) à devida pela acção. Os requerentes não têm capacidade para ‘caucionar’ se tiverem de deduzir incidente ou recurso ou oposição ou nestes exercerem o contraditório: ou seja, não carecem (por enquanto) de apoio judiciário, mas não têm capacidade económica para caucionar recursos e incidentes e o contraditório nestes. As normas dos arts.23°, 25° e 28° e a tabela anexa do Cód. das Custas Judiciais na redacção dada pelo Dec.-lei nº 320-B/2000 de 15 de Dezembro sofrem de inconstitucionalidade por violação do disposto nos arts. 13°, 266° e 20º da Constituição, este último integrado pelo art. 10° da Declaração Universal dos Direitos do Homem (além de interpretado nos termos dos arts.6°, 13° e 14° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e do art.14° do Pacto Internacional Dos Direitos Civis e Políticos) Nestes termos e nos mais de direito requerem que V.Exa profira decisão que declare a inconstitucionalidade das normas dos artigos 23°, 25° e 28º e a tabela de taxa de justiça inicial e subsequente anexa do Código das Custas Judiciais e consequentemente julgue suficiente a taxa inicial que foi efectuada pelas contra-alegações de agravo e anule a liquidação da sanção”.
O Juiz do Tribunal de comarca da Amadora, por despacho de 24 de Março de 2003, indeferiu o requerido, para tanto tendo aduzido;.
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Dispõe o art. 20º da Constituição da República Portuguesa que todos têm direito de acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus interesses protegidos, não podendo a justiça ser negada por insuficiência de meios económicos.
A forma como os cidadãos que não dispõem de meios económicos podem recorrer aos tribunais foi concretizada através da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro (Regime de acesso ao direito e aos tribunais), onde se regula o pedido de apoio judiciário. Pretende-se que ninguém se veja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por carência de meios económicos de fazer valer ou defender os seus direitos em juízo - cfr. artigo 1º da referida Lei.
Com efeito, o disposto no art. 20º da Constituição da República Portuguesa não exige a gratuitidade da justiça (cfr. Parecer nº 8/87 da Comissão Constitucional), nem a ausência de custas judiciais. O sentido do preceito será antes o de garantir uma igualdade de oportunidades no acesso à justiça, independentemente da situação económica dos interessados.
O apoio judiciário compreende, nomeadamente, a dispensa, total ou parcial, de preparos e do pagamento de custas, ou o seu diferimento.
Assim, não se vislumbra a existência de qualquer inconstitucionalidade nas citadas normas do Código das Custas Judiciais, uma vez que muito embora se encontrem legalmente previstos os montantes a pagar a título de preparos e custas em cada situação processual concreta, as partes podem sempre beneficiar do apoio judiciário, nas suas diversas modalidades, caso demonstrem a sua insuficiência económica para suportar tais pagamentos.
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Do despacho de que parte se encontra transcrita recorreram para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, os requerentes B. e mulher, repetindo expressamente o que consta dos items 1 a 7 (quanto a este os seus primeiro, segundo e terceiro parágrafos) do requerimento, acima transcrito, dirigido ao Juiz do Tribunal de comarca da Amadora, e a que aditaram o seguinte:
“8- A questão não é do âmbito do apoio judiciário: a parte até pode poder suportar o depósito conforme a tabela mas a exigência desta é sem fundamento e exorbitante. Trata-se de obstáculo ou dificuldade no acesso à justiça.
É certo, como refere o Exmo. Magistrado do MP , que a justiça tem os seus custos. A parte paga esses custos mas não pode é caucionar exorbitâncias. É que não se trata de custas, mas de cauções indevidas, que constituem violação dos princípios de adequação e de proporcionalidade: exigem adiantamentos iguais por processos de taxa de justiça desigual. O apoio judiciário visa suportar situações de real insuficiência económica e não cauções; doutra forma, está o instituto a ser sobrecarregado não para suprir situações de insuficiência para suportar custas, mas de insuficiência para suportar verdadeiras cauções. A exigência das taxas excessivas é em si própria inconstitucional por indevida. Nem sequer é taxa de justiça, pois constitui excesso da taxa de justiça devida.
9- As normas e a tabela referidas violam os princípios constitucionais da proporcionalidade, da justiça e proibição dos excessos - subprincípios de necessidade, de adequação e de racionalidade ou proporcionalidade (art. 266°) - Cfr., sobre estes princípios, Prof. Jorge Miranda, Manual de Dto Constitucional, Tomo IV, 2ª Ed., pág. 218. E ‘o legislador não pode considerar-se como inteiramente ‘livre’, antes lhe estando vedadas as distinções ‘arbitrárias’ - e por isso ‘discriminatórias’ - , isto é, distinções desprovidas de ‘justificação racional’ ou ‘fundamento material bastante’, atenta a especificidade da situação ou os efeitos em causa’.
‘A realização da igualdade exige diferenciações, discriminações positivas, o que postula uma intervenção e concretização diferenciadas por parte do legislador. A
‘proibição do arbítrio’ significa ‘a proibição de medidas manifestamente desproporcionadas ou inadequadas à ordem constitucional de valores ( . . . ) e à situação fáctica que se pretende regulamentar ou ao problema que se deseja decidir (Prof.ª Cristina M. M. Queiroz, ‘Direitos Fundamentais (Teoria Geral)’, Coimbra Ed. 2002, págs. 121-122, citando Ac. TC n° 44/84)
10- As normas dos arts.23°, 25° e 28° e a tabela anexa do Cód. das Custas Judiciais na redacção dada pelo Dec-Lei nº 320-B/2000 de 15 de Dezembro sofrem de inconstitucionalidade por violação do disposto nos arts. 13°, 266° e 20º da Constituição, este último integrado pelo art. 10° da Declaração Universal dos Direitos do Homem (além de interpretado nos termos dos arts.6°, 13° e 14° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e do art.14° do Pacto Internacional Dos Direitos Civis e Políticos)”.
Tendo o recurso sido admitido por despacho proferido em 9 de Abril de
2002 pelo Juiz do Tribunal de comarca da Amadora, e porque o requerimento de interposição de recurso não obedecia à totalidade dos requisitos ínsitos nos números 1 e 2 do artº 75º-A da Lei nº 28/82, o relator no Tribunal Constitucional, com base no estatuído do nº 6 do mesmo artigo, convidou os recorrentes a darem cabal cumprimento àqueles números 1 e 2.
Na sequência, estes vieram apresentar requerimento onde disseram:
‘B. e MULHER, nos autos à margem em que são recorridos o MINISTÉRIO PÚBLICO, A. e OUTRAS, tendo sido notificados do douto despacho que antecede, vêm dizer:
1- Os ora recorrentes contra-alegaram - numa acção executiva ordinária - um agravo cível.
A taxa de justiça final desse agravo cível não é superior - podendo até ser inferior - a ½ da taxa de justiça final da acção executiva (art. 18º nºs 2 e 4 do Cód. das Custas Judiciais).
2- As normas e a tabela arguidas de inconstitucionais determinam a efectuação de taxa de justiça inicial, pelas contra-alegações, de montante igual ao da taxa inicial da acção, sendo certo que a taxa final desta é pelo menos o dobro da taxa final do agravo.
3- Os agravantes juntaram pois às contra-alegações documento comprovativo da taxa inicial não no montante igual ao da taxa inicial da acção, mas no montante correspondente à taxa de justiça do agravo (1/2 da [ ] acção).
4- Seguidamente a secretaria do Tribunal notificou os agravantes para pagarem mais outro tanto da taxa inicial (igual ao que já haviam pago) e ainda também pagarem igual a título de sanção.
5- Em face dessa notificação os agravantes requereram ao M.mo Juiz que
‘profira decisão que declare a inconstitucionalidade das normas dos artigos
23º, 25º e 28º e a tabela de taxa de justiça inicial e subsequente anexa do Código das Custas Judiciais e consequentemente julgue suficiente a taxa inicial que foi efectuada pelas contra-alegações de agravo e anule a liquidação.’
6- O M.mo Juiz a quo veio a indeferir esse requerimento por não considerar inconstitucionais as referidas normas e a tabela e é desta decisão que vem interposto o presente recurso’.
2. Dispõem os artigos 23º, 25º e 28º do Código das Custas Judiciais aprovado pelo Decreto-Lei nº 224-A/96, de 26 de Novembro, e na redacção que lhes foi conferida pelo Decreto-Lei nº 320-B/2000, de 15 de Dezembro:
Artigo 23.º
Taxa de justiça inicial
Para promoção de acções, incidentes e recursos é devido o pagamento da taxa de justiça inicial autoliquidada nos termos da tabela em anexo
Artigo 25.º
Taxa de justiça subsequente
O montante da taxa de justiça subsequente é igual ao da taxa de justiça inicial, sendo autoliquidada nos termos da tabela em anexo.
Artigo 28.º
Omissão do pagamento das taxas de justiça inicial e subsequente
Sem prejuízo do disposto na lei de processo relativamente à petição inicial, na falta de junção do documento comprovativo do pagamento das taxas de justiça inicial e subsequente no prazo de 10 dias a contar da prática dos actos processuais previstos no artigo 24.º, dos incidentes ou das notificações referidas no artigo 26.º, a secretaria notificará o interessado para, em 5 dias, efectuar o pagamento omitido, com acréscimo de taxa de justiça de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5UC.
Nos termos da Tabela anexa ao Código das Custas Judiciais e a que se referem os artigos 23º e 25º (introduzida pelo Decreto-Lei nº 323/2001, de 17 de Dezembro), as taxas de justiça inicial (artigos 23º e 24º) e subsequente
(artigos 25º e 26º) implicam o pagamento prévio de meia unidade de conta se o valor da acção for até € 3.740,98; uma unidade de conta se o valor for de €
3.740,99 a € 14.963,95; duas unidades de conta se o valor for de € 14.963,96 a €
49.879,79; quatro unidades de conta se o valor for de € 49. 879,80 a €
99.759,58; seis unidades de conta se o valor for de € 99.759,59 a € 149.639,37 e oito unidades de conta se o valor for de € 149.639,38 a 199.519,16.
Como resulta do relato supra efectuado, os ora impugnante, aquando do requerimento que dirigiu ao Juiz do Tribunal de comarca da Amadora, não colocaram em causa (ao menos do ponto de vista da sua compatibilidade constitucional) a existência de uma norma da qual resulta a exigência de pagamento da taxa de justiça inicial.
Na verdade, o que sustentaram foi que a taxa de justiça devida no recurso de agravo que foi deduzido pelos executados haveria de ser do montante correspondente ao da taxa de justiça inicial que «autoliquidaram», para tanto tendo esgrimido com o que se dispõe em determinados preceitos constantes do Código das Custas Judiciais, que no indicado requerimento identificaram, atendendo a que se tratava de um recurso interposto em autos de embargo de executado.
Mas se é assim, então o que, em rectas contas, foi questionado pelos ora recorrentes não se dirigiu ao comando literal que deflui das normas ínsitas nos artigos 23º, 25º e 28º do Código das Custas Judiciais e na Tabela a que se fez referência, ou, até, um seu dado sentido interpretativo, mas sim o acto praticado pela secretaria (que, considerando que a taxa de justiça inicial - a pagar no recurso de agravo interposto em autos de embargo de executado em que os mesmos recorrentes figuravam como agravados e no qual produziram a sua alegação
- haveria de ser de montante igual ao da acção executiva, notificou os recorrentes, nos termos do artº 28º do Código das Custas Judiciais, para procederem ao pagamento do montante da taxa inicial de justiça omitido - que entendia dever ter sido o liquidado - e do acréscimo de idêntico quantitativo).
O que veio de se dizer torna-se nítido se se atentar na circunstância de, quer no requerimento dirigido ao Juiz do Tribunal de comarca da Amadora, quer no apresentado no seguimento do convite que lhes foi endereçado por este Tribunal, os impugnantes voltarem a pugnar no sentido de, sendo a taxa de justiça final num recurso tal como o dos autos igual a metade (ou ainda menos, consoante se tratasse de recurso em embargos de executado ou na oposição à execução) da taxa de justiça da acção executiva, a taxa de justiça inicial a pagar nesse recurso não dever ser considerada como representando metade da taxa de justiça inicial daquela acção.
Ora, a apreciação de uma tal questão não cabe nos poderes cognitivos do Tribunal Constitucional, já que, como se sabe, os recursos de fiscalização da constitucionalidade têm por objecto normas constantes do ordenamento jurídico infraconstitucional e não outros actos do poder público tais como os actos administrativos ou as decisões judiciais qua tale consideradas (no caso sub specie, o acto da secretaria e a decisão tomada pelo Juiz do Tribunal de comarca da Amadora que, ao menos implicitamente, não pôs em causa a liquidação por aquela efectuada pela forma a que acima se aludiu).
Efectivamente, a questão que estava em causa era a de saber, para efeitos de se determinar se a taxa de justiça inicial num recurso interposto em embargos de executado (ou de oposição à execução), se a mesma deveria ser aferida em função da taxa de justiça «final» desse mesmo recurso (atendendo-se ainda à taxa a que devem obedecer os embargos, se o recurso a estes disser respeito, ou à taxa a que deve obedecer a oposição à execução, se o recurso a esta for atinente) ou, pelo contrário, se tal taxa deveria ser aferida em função do valor da acção executiva. Essa é questão que - bem ou mal - foi resolvida
(repete-se, ao menos implicitamente) pelo despacho desejado impugnar, que optou pelo segundo entendimento, pelo que, também implicitamente, desconsiderou
(recte, não teria atendido, pelo menos numa óptica tal como a seguida pelos impugnantes), para este concreto efeito, os (recte aos) demais normativos do Código das Custas Judiciais que por estes últimos foram aduzidos.
Neste contexto, não resulta, sequer, que o despacho intentado recorrer tivesse interpretado os artigos 23º e 25º do Código das Custas Judiciais no sentido de imporem que as taxas de justiça inicial e subsequente, nos casos de recurso (seja ele interposto em embargos de executado ou na oposição à execução) hão-de ter por parâmetro, e tão só, o valor da acção executiva.
Convir-se-á, assim, que este problema não traduz verdadeiramente uma questão de inconstitucionalidade normativa inserível nos poderes de apreciação do Tribunal Constitucional.
Em face do exposto, não se toma conhecimento do objecto do recurso, condenando-se os impugnantes nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em cinco unidades de conta”.
2. Da transcrita decisão reclamaram o B. e mulher, dizendo em síntese, que se deve tomar conhecimento do objecto do recurso, já que eles, impugnantes, colocaram em causa a inconstitucionalidade dos artigos 23º,
25º e 28º do Código das Custas Judiciais e a tabela anexa, nunca tendo defendido que a secretaria do Tribunal da comarca da Amadora não fez correcta interpretação daquelas normas e tabela.
Ouvido sobre a reclamação, o Representante do Ministério Público junto deste Tribunal veio propugnar pela improcedência da reclamação, já que, mesmo a aceitar-se que se mostrava “suscitada, em termos suficientemente intelegíveis, uma questão de inconstitucionalidade normativa relativamente à interpretação das normas que regem o cálculo da taxa de justiça devida no recurso de agravo, interposto no âmbito da acção executiva”, afigurava-se que tal questão seria de perspectivar como manifestamente infundada.
Para tanto, sustenta aquele Representante:
“2º
Na verdade - estando assegurado, como refere a decisão recorrida, o acesso ao direito dos economicamente carenciados, através do mecanismo do apoio judiciário - goza o legislador ordinário de ampla discricionariedade para regulamentar os montantes das taxas de justiça - inicial ou final - devidas no
âmbito das acções, recursos e incidentes.
3°
Podendo legitimamente estabelecê-los em função do objectivo de desincentivar uma litigância puramente dilatória, da parte que impugne sistematicamente todas as decisões proferidas no seu confronto e utilize, por sistema, todos os meios de oposição existentes no ordenamento jurídico adjectivo.
4°
Não se revelando, nesta perspectiva, arbitrária a exigência, a título de taxa de justiça inicial, de montante idêntico ao que corresponda eventualmente à taxa de justiça final devida numa acção, recurso ou incidente”.
Por seu turno, os executados A. e outros propugnaram pela improcedência da reclamação.
3. Em face do que foi sustentado pelo Representante do Ministério Público junto deste órgão de administração de justiça, foi dada, nos termos do nº 3 do artº 3º do Código de Processo Civil, oportunidade para os ora reclamantes se pronunciarem, por isso que, muito embora na decisão ora impugnada se não tenha tomado conhecimento do objecto do recurso querido interpor para o Tribunal Constitucional, na peça processual apresentada por aquele Representante, foi assumida a postura segundo a qual, ainda que de tal objecto se viesse a tomar conhecimento, o recurso seria manifestamente infundado.
Na sequência da audição dos reclamantes, vieram estes dizer, em suma, que a posição defendida pelo Representante do Ministério Público no sentido de o vertente recurso ser manifestamente infundado é “insubsistente até por incongruente”, já que, sendo a taxa de justiça final num recurso metade da taxa de justiça final da acção (havendo até quem sustente que a taxa de justiça, num caso como o dos autos, é de 1/8), não poderão as taxas de justiça inicial e subsequentes ser iguais às das taxas de justiça inicial e subsequentes da acção, sendo que não se pode falar em “‘adiantamentos’, porque se trata de valores que são, verdadeiramente, exorbitantes”, rematando que não é para tal finalidade que existe o instituto de apoio judiciário, pois que, mesmo uma
“pessoa riquíssima”, que não tem direito a tal apoio, não tem obrigação de caucionar “o seu direito de acesso à Justiça”, razão pela qual a questão é a de saber se é ou não constitucionalmente admissível a exigência de preparos iguais aos da acção quando em causa está um caso de recurso ou incidentes da acção.
Cumpre decidir.
3. Mesmo que, por hipótese, se entendesse que, contrariamente ao que consta da decisão reclamada, os ora impugnantes tinham, efectivamente, posto em causa, do ponto de vista da sua conformidade constitucional, o normatizado nos artigos 23º, 25º e 28º do Código das Custas Judiciais e as tabelas a que se reportam aqueles dois primeiros artigos, tal questão apresenta-se como manifestamente infundada, tal como assinala o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto. Aliás, para aquela hipótese, como se depara claro, haveria de ser aduzida argumentação segundo a qual aquilo a que os recorrentes se opuseram não foi a exigência de um montante de taxa de justiça inicial que, no seu entendimento, se deparava como exagerado (já que era de igual quantitativo ao de uma acção com o valor da execução, sendo que os agora recorrentes já teriam pago taxa de justiça inicial quando contestaram os embargos à execução e responderam à oposição à execução, e quando interpuseram um recurso de agravo nos embargos, além de terem pago taxa inicial numa acção declarativa com objecto idêntico e proposta pelos executados), pois que, in casu, se tratava de um recurso de agravo interposto em autos de embargo de executado o que, na sua óptica, deveria conduzir a que deveria ter sido considerado suficiente o valor constante da «autoliquidação», argumentação essa da qual se poderá duvidar.
E diz-se que a questão se apresenta como manifestamente infundada já que, não postulando a Lei Fundamental a gratuitidade da justiça, e se bem que, por outro lado, o Diploma Básico, no seu artigo 20º, nº 1, consagre o princípio segundo o qual não pode a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos, o que é certo é que existe no ordenamento jurídico um sistema a cujo recurso, aliás, os cidadãos economicamente carenciados (e essa carência terá de ser perspectivada, não em abstracto, mas sim em face da sua capacidade económica e dos montantes que serão, em concreto, exigidos nos processos em que a taxa seja devida) poderão, de modo fácil e relativamente rápido, aceder, sistema esse que permite desfrutar do acesso aos tribunais sem que lhes seja exigido o dispêndio de quaisquer quantias.
É ele, obviamente, o do apoio judiciário, cujas modalidades possibilitam, mesmo que a carência económica não seja de tal sorte acentuada que justifique uma total isenção de preparos e de prévio pagamento de custas, a redução do respectivo montante.
E, talqualmente sustenta aquele Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, há que reconhecer ao legislador ampla margem de discricionariedade para regulamentar os montantes de taxa de justiça inicial e subsequente, em função do objectivo de desincentivar litigâncias puramente dilatórias, sendo ainda certo que, como já acima se viu, os montantes daquelas taxas serão restituídos a quem for vencedor ou serão tidos em consideração na conta final.
Adiante-se, ainda, que muito embora o instituto do apoio judiciário esteja, essencialmente, vocacionado para se aplicar aos mais carenciados economicamente, isso não implica que, na perspectiva da análise da constitucionalidade ou inconstitucionalidade das normas a ele atinentes, seja escamoteada a situação de quem desfrute de médios maios económicos, se em causa estiverem custas de elevado montante, tocantemente a acções de valor médio
(cfr., sobre o ponto, o Acórdão deste Tribunal nº 49/92, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 21º volume, págs. 187 a 204). Assim, mister é que se saiba se, equacionando esses circunstancialismos, as normas regentes do aludido instituto ainda permitem lançar mão dos mecanismos nele previstos, por forma a que seja, a todos, proporcionados os meios necessários para que o seu acesso à justiça não fique, intoleravelmente, cerceado.
Ora, sabido que é que uma das modalidades de que se reveste o apoio judiciário é, justamente, o que consiste na dispensa parcial de preparos e do prévio pagamento de custas (o que, naturalmente, se aplicará, não a quem esteja totalmente desprovido de meios económicos, mas sim a quem, desfrutando embora de relativa suficiência económica, esta não é de tal monta que lhe permita acarretar com a totalidade dos montantes dos preparos e custas), então concluir-se-á que aquele instituto ainda confere um cabido meio para se usufruir do direito fundamental postulado pelo artigo 20º da Constituição.
E, assim, a exigência (em abstracto) dos montantes dos preparos a que se reporta o vertente caso não se pode configurar como implicando, por si, uma «restrição» ou um «condicionamento» inaceitável do indicado direito.
Neste contexto, não se afigura desproporcionada a exigência - e sem que com isto se queira minimamente sustentar do acerto ou não acerto da liquidação in casu (ou seja, se, nele, a taxa de justiça final a atender seria a correspondente a uma acção com o valor daquela de onde emergiu o vertente processo, ou, pelo contrário, o valor final atendível na situação concreta em apreço) -, nas situações de recurso de agravo numa execução, de taxas de justiça iniciais, ainda que de montante idêntico ao que corresponda à da acção.
4. Termos em que se indefere a reclamação, condenando-se os impugnantes nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em quinze unidades de conta.
Lisboa, 15 de Julho de 2003
Bravo Serra Gil Galvão Luís Nunes de Almeida