Imprimir acórdão
Procº nº 480/2003.
3ª Secção. Relator: Bravo Serra
1. Em 31 de Outubro de 2003 o relator lavrou decisão com o seguinte teor:
“1. Tendo o A., pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, interposto recurso contencioso de anulação da deliberação tomada, sob a forma de acórdão, em 25 de Fevereiro de 2000 pelo Conselho Superior da Ordem dos Advogados - que não concedeu provimento ao recurso interposto da decisão tomada em 7 de Março de 1999 do Conselho Geral daquela Ordem, decisão esta que indeferiu a inscrição definitiva do recorrente como advogado, em virtude de se ter entendido que era incompatível aquela inscrição com as funções que o mesmo desempenhava como técnico superior jurista do quadro da Direcção de Serviços de Desporto da Direcção Regional de Educação Física e Desporto da Secretaria Regional de Educação e Cultura da Região Autónoma dos Açores, pelo que a situação se enquadraria na excepção preceituada no nº 2 do artº 69º do Estatuto da Ordem dos Advogados -, foi, por sentença proferida em 21 de Fevereiro de 2001 pelo Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal agregado de Ponta Delgada (para onde os autos foram remetidos após o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa se ter considerado territorialmente incompetente), negado provimento ao recurso.
Não se conformando com o assim decidido recorreu o A. para o Tribunal Central Administrativo, tendo, na alegação adrede produzida e para o que ora releva, formulado as seguintes asserções:-
‘.................................................................................................................................................................................................................................
83º O elemento teleológico da lei, do Estatuto da Ordem dos Advogados, indica claramente, aliás uma evidência primária, que o valor a assegurar é o da incompatibilidade material, pois que, em absoluto, o elemento formal pode estar garantido sem que, necessariamente, garantida esteja a incompatibilidade material.
..................................................................................................................................................................................................................................
85º Ora, sendo a liberdade de escolh[a] de profissão um direito fundamental, artº
47º da Constituição Portuguesa,
86º As restrições legais devem limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, artº 18º, nº 2 da Constituição Portuguesa.
87º Assim, a restrição legal que exige norma expressa (artº 69º/2/in fine do Estatuto da Ordem), neste caso concreto, excede a Constituição na medida em que, querendo limitar para alcançar a garantia da não incompatibilidade do exercício da advocacia, excede o efeito fundamental que é a proibição de incompatibilidade material, já que o funcionário efectivamente exerce mera consultadoria jurídica.
88º O que, nos termos legais, não é incompatível com o exercício da advocacia, como se viu.
89º Temos, pois, que a norma do artº 69º, nº 2, in fine do Estatuto da Ordem dos Advogados, a ser interpretada no sentido pretendido - que no caso presente em que, no período de quatro meses antes da inscrição definitiva, desaparecendo norma expressa, e mantendo o funcionário, no entanto, as sua funções de mera consulta jurídica, perde o direito ao exercício da advocacia - é violadora dos artigos 47º, nº 1 e 18º, nº 2, ambos da Constituição.
.................................................................................................................................................................................................................................’
O Tribunal Central Administrativo, por acórdão de 3 de Abril de 2003, negou provimento ao recurso.
Para assim decidir, aduziu o seguinte:
‘.................................................................................................................................................................................................................................
2.2.1. A sentença recorrida julgou improcedente o recurso contencioso com base na fundamentação que, em síntese, de transcreve:
‘O art.º 69.º, n.º 2, do E.O.A., excepcionou das incompatibilidades referidas no seu n.º 1, ‘os funcionários e agentes administrativos providos em cargos com funções exclusivas de mera consulta jurídica, previstos expressamente nos quadros orgânicos do correspondente serviço’. O Decreto Legislativo Regional n.º 11/98-A, de 5 de Maio, que aprovou a orgânica da Secretaria Regional da Educação e Assuntos Sociais, não prevê a existência de qualquer lugar com funções de consulta jurídica no âmbito da Direcção Regional onde o recorrente exerce funções - ao contrário, por exemplo, do que acontece com a Direcção Regional de Saúde (art.º 51.º). Assim, não estando esse cargo expressamente previsto na lei orgânica do serviço, deve-se concluir, linearmente, que não está verificada a previsão da 2.ª parte do n.º 2 do citado art.º 69.º. Nesta matéria de incompatibilidades, a lei não deixou margem para dúvida: ou existe especificamente aquele cargo e nele está provido um licenciado em Direito, ou não existe. Pode existir qualquer outro cargo provido por um licenciado em Direito - mas a este a lei não permite o exercício da advocacia. Tal é o caso dos autos. O recorrente é técnico superior da Administração Pública, é licenciado em Direito - mas não ocupa lugar de mera consulta jurídica expressamente previsto na lei.
É certo que na anterior lei orgânica (Dec. Regulamentar Regional n.º 1/93/A, de
1 de Fevereiro) da Secretaria Regional da Educação e Cultura previa genericamente que os ‘técnicos superiores juristas exercem funções de consultadoria jurídica’. Mas isto não equivale à existência de um cargo cujas
únicas funções sejam as de consulta jurídica; é tão-só uma afirmação tautológica que nada acrescenta ou retira ao quadro de pessoal da Secretaria . Por isso, da circunstância de o art.º 47.º do D. Reg. Reg. n.º 1/93/A não estar repetido na actual lei orgânica não se pode retirar qualquer conclusão útil.
(...)’.
2.2.3. O único erro de julgamento especificamente imputado à sentença recorrida
é o erro nos pressupostos. E isto porque a sentença recorrida terá partido erroneamente da premissa fáctica de que o recorrente não era técnico superior jurista, o que conduziu a uma solução jurídica também ela errada. Mas sem razão. Na verdade, a improcedência do recurso fundou-se, não na invocada errónea consideração de que o recorrente não era técnico superior jurista, mas tão-só na inverificação da previsão da 2.ª parte do n.º 2 do art.º 69.º do E. O. A. - por o recorrente não estar provido em cargo com funções exclusivas de mera consulta jurídica, previsto expressamente no quadro orgânico do correspondente serviço-, sendo certo que foi este precisamente o fundamento que serviu de base à recusa da sua inscrição na Ordem dos Advogados decidida pelo Conselho Superior da Ordem dos Advogados (o acto contenciosamente impugnado). Improcede, assim, o imputado erro de julgamento.
.................................................................................................................................................................................................................................’
Notificado do acórdão cuja totalidade da fundamentação de direito se encontra transcrita, interpôs o A. recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, recurso que não foi admitido por despacho proferido em 15 de Maio de 2003 pela Relatora do Tribunal Central Administrativo.
Veio então o mesmo A. juntar aos autos requerimento com o seguinte teor:
‘A., recorrente no processo supra identificado, e ali melhor identificado, interpõe recurso para o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, nos seguintes termos:
1. O recurso é interposto, em razão da matéria, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do art° 70° da Lei do Tribunal Constitucional (LTC),
2. E no prazo legal, nos termos do nº 2 do art° 75° da LTC.
3. O que se pretende é ver apreciada a inconstitucionalidade do nº 2 do art° 69° do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), na interpretação feita pela decisão recorrida no sentido de que, desatendendo o Tribunal a quo a alegação de inconstitucionalidade suscitada pelo recorrente, no âmbito da incompatibilidade, apenas interessa o elemento formal e não o elemento material.
4. Interpretação que viola os princípios da interpretação conforme a Constituição, art° 3°, nº 3, do limite razoável e adequado ao acesso à profissão, art° 47°, nº 1, da igualdade, art° 13°, da justiça, art° 266°, nº 2, e da falta de fundamentação, artº 205°, nº 1 e art° 268°, nº 3, todos da Constituição da República (CRP).
5. Esta questão da constitucionalidade da norma do nº 2 do art° 69° do EOA foi suscitada nos autos em todas as fases de recurso contencioso,
6. mas o Tribunal a quo desatendeu essa alegação de inconstitucionalidade. RELATÓRIO
6. O recorrente enquanto advogado estagiário em 1996 era ‘técnico superior jurista’ num serviço público dos Açores,
7. cuja lei orgânica previa expressamente que os técnicos superiores juristas exerciam funções exclusivamente de consultadoria jurídica,
8. por isso mesmo o membro do Governo Regional autorizou a acumulação de exercício de funções pública e privadas,
9. e também por aquilo o recorrente pôde estar inscrito como advogado estagiário na Ordem dos Advogados.
10. Findo o estágio de advogado estagiário em 1998, procedeu o recorrente à inscrição definitiva de advogado,
11. mas, entretanto, nesse mesmo ano de 1998, a antedita lei orgânica sofreu uma profunda alteração legal, expurgando a norma que estabelecia que os técnicos superiores juristas exerciam funções exclusivamente de consultadoria,
12. no entanto, por força daquela lei de alteração, verificou-se que o exercício de funções do recorrente não foi alterado,
13. e isso mesmo também foi declarado pelo dirigente máximo do serviço.
14. A OA, pelo Conselho Geral, rejeitou a inscrição definitiva de advogado do recorrente com base no fundamento de que a verificação da compatibilidade é exclusivamente verificável através da lei orgânica e não da declaração do dirigente máximo do serviço,
15. e o mesmo fundamento foi mantido pelo Conselho Superior da OA.
16. Desse acto o recorrente promoveu recurso contencioso no Tribunal Administrativo e Fiscal agregado de Ponta Delgada,
17. que também veio a improceder aquele pedido com fundamento na mesma linha de pensamento que a OA.
18. Desse acto o recorrente justificou o recurso para o Tribunal Central Administrativo,
19. que também manteve a mesma ideia para a improcedência.
20. Não estava em causa no processo o facto de o recorrente ser ou não ser técnico superior jurista, porque isso é uma realidade que consta da ordem jurídica portuguesa, no lugar próprio, Jornal Oficial dos Açores.
21. Também não estava em causa que o recorrente exercesse funções exclusivas de consultadoria jurídica, pois isso também é uma realidade que a lei orgânica do seu serviço não dá a resposta, mas que o seu superior hierárquico, Director Regional, atestou.
22. Aliás, mesmo que estivesse em causa esse facto, como seria possível à OA e aos Tribunais declararem uma realidade que não está patente na lei?, com base em quê?;
23. e mais, como se pode afirmar que um funcionário não exerce exclusivamente consultadoria jurídica sem base factual que preencha (com o cuidado que a justiça exige) os comandos legais?,
24. mais ainda quando o órgão competente, o órgão máximo do serviço, atesta que o funcionário como jurista e como contratado exclusivamente para este efeito exerce exclusivamente funções de consultor jurídico?
25. Se a lei permite interpretar que o jurista pode exercer outras funções além das de mera consultadoria, na mesma ordem de ideias também permite interpretar exactamente o contrário.
26. Aliás, permitindo a lei estas duas leituras, quem pode afirmar qual o exercício efectivo de um jurista que foi contratado como jurista?: claro que o seu dirigente máximo.
27. No entanto, portanto, não era esta simplicidade que estava em causa e cogitationis poenam nemo patitur .
28. O que estava em causa era e é um problema legal e de justiça:
29. O Estatuto da AO, no nº 2 do art° 69°, expressamente prevê que não é incompatível o exercício da advocacia por funcionário que nos termos expressos da lei orgânica do seu serviço exerça funções exclusivamente de consultadoria jurídica.
30. Perante esta norma, vista no estrito âmbito literal, cumpre perguntar qual a solução das situações que a lei expressamente não atende?, aquelas situações de limite?
31. Na verdade, quid juris no caso de um advogado com 20 anos de advocacia e simultaneamente com 20 anos de funcionalismo público cujo serviço tem a tal norma orgânica e que ao fim desse anos apenas muda a expurgação da norma orgânica?
32. Temos, portanto, aqui um hipotético exemplo que a lei não dá resposta literal, mas que seria de todo impensável impedir que ele continuasse aquilo que durante 20 anos fez, mantendo-se a compatibilidade material apenas existindo a incompatibilidade formal.
33. Ora, o caso dos autos é uma situação daquele tipo limite, com a única diferença de que não tem tantos anos.
34. E foi na base desse entendimento que se impugnou o acto do Conselho Superior da OA.
35. A OA, em vez de pura e simplesmente dizer que não estava preenchido o requisito da compatibilidade formal (a norma orgânica), veio enredar-se no discurso factual sobre se o recorrente exerce ou não funções exclusivamente de consultadoria jurídica.
36. E, de facto, a resposta seria adequada tendo em conta que era precisamente isso que se queria, ou seja, seria uma injustiça impedir a inscrição definitiva quando tudo até ali se manteve inalterado à excepção da norma orgânica.
37. Ora, o recurso contencioso baseava-se precisamente, não na leitura literal do art° 69° do Estatuto da OA, mas na leitura da teleologia da lei no sentido da sua aplicabilidade não acarretar injustiças injustificadas e des[e]quilibradas.
38. E como a resposta da OA se baseou em factos irreais, os pressupostos da sua decisão implicaram, no entender do recorrente, numa decisão que violou o princípio de que equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto, violando assim o art° 125°, nº 2, art° 124°, nº l, alíneas a) ou b), sendo pois acto nulo nos termos do art° 133°, nº l ou acto anulável nos termos do art°
135°, todos do Código do Procedimento Administrativo (CPA), violando consequentemente o disposto no artº 68°, nº 3 da CRP.
39. E, em subsequência daquela confusão, vieram os Tribunais, com o devido respeito, inquinando todo o seu juízo decisório, desembocando no Tribunal Central Administrativo que, além de confundir factos, ainda assim não considerou provado um facto que está plasmado para todo o sempre: que o concurso para técnico superior era exclusivamente na área do Direito.
40. Ou seja, o que se queria da OA era uma de duas únicas respostas possíveis: a) ou que a inscrição definitiva do recorrente era recusada porque não preenchia o requisito da norma orgânica; b) ou que, apesar de não preencher aquele requisito formal, para efeitos de justiça material, excepcionalmente, aceitar-se-ia a inscrição definitiva.
41. Mas não, o que a OA disse foi que não podia ser aceite a inscrição definitiva porque o recorrente não exercia funções exclusivas de mera consultadoria jurídica.
42. E foi esse juízo que moldou todo este processo e a mens juris do Acórdão do Tribunal Central Administrativo.
43. Há, pois, um juízo baseado num pressuposto errado que levou inevitavelmente ao juízo negativo.
44. Pelo que negando provimento ao recurso contencioso em que se pretendia ver declarada a nulidade ou anulabilidade por falta de fundamentação do despacho da OA, o Acórdão violou o art° 125°, nº 2, art° 124°, nº 1, alíneas a) ou b), art°
133°, nº 1, art° 135°, todos do CPA, bem como o art° 268°, nº 3 da CRP.
45. Pelo que, dando-se provimento naquela base de entendimento, o recurso deveria ter revogado o Acórdão recorrido e proferida decisão que anulasse ou declarasse nulo o despacho impugnado. Foi, no entanto e à cautela e subsidiariamente, levantada a questão da inconstitucionalidade da norma do EOA na interpretação literal feita. Na verdade:
46. O EOA admite, nos termos do art° 69°, nº 2, que um funcionário exerça advocacia: basta que a) exerça exclusiva e efectivamente consultadoria jurídica; b) e que essa função esteja consagrada expressamente prevista na lei orgânica.
47. É, pois, o próprio EOA que admite não existir incompatibilidade no exercício de advocacia por um funcionário.
48. A ideia subjacente ao Tribunal Central Administrativo é a de que o art° 69° pressupõe exclusivamente a norma orgânica que prevê expressamente a exclusividade da consultadoria jurídica.
49. No entanto, não só isso não atende à lei que sustenta o EOA, como viola a CRP e princípios gerais de Direito no âmbito da hermenêutica jurídica; por imperativo do art° 9° do Código Civil, a interpretação da lei não deve cingir-se
à letra da lei, e o art° 3°, nº 3 da CRP institui que a validade das leis depende da sua conformidade com a Constituição.
50. Ora, a leitura atenta do art° 69°, nº 2 do EOA remete-nos para uma realidade jurídica inquestionável, que existem não um, mas dois elementos substanciais e distintos; a) um limite material e que é o exercício efectivo de exclusiva consultadoria jurídica;
b) e um limite formal e que é a existência de uma norma orgânica que expressamente institua que o exercício é exclusivamente consultadoria jurídica.
51. Só assim se vê garantida a correcta interpretação da lei,
52. e só assim se vê garantida a objectividade da lei, melhor dizendo, garantidos os princípios da isenção e independência do advogado e não só.
53. Caso contrário poder-se-ia imaginar um país de técnicos superiores juristas que não exerciam funções exclusivas de consultadoria jurídica mas que, a coberto do elemento formal, mantinham-se com a titularidade da compatibilidade.
54. É, pois, na base dessa dualidade de limites que a OA e os Tribunais hão-de decidir de modo a garantir aqueles princípios, mas também a correcta legalidade, e também a não provocar injustiças desnecessárias e irrazoáveis.
55. A afirmação exclusivamente baseada na expurgação de uma norma jurídica de que o recorrente não exerce exclusivamente funções de consultadoria jurídica, viola a verdade objectiva e a verdade subjectiva, violando todos os Princípios que sustentam a própria OA.
56. Acresce que a interpretação que o TCA faz do art° 69° do EOA, viola também o princípio da igualdade, violando pois o art° 13° da CRP , pois que trata diferentemente situações iguais e de forma arbitrária e irrazoável.
57. É sabido que a jurisprudência constitucional vai toda, e bem, no sentido de o legislador poder fazer desvios ao princípio da igualdade - desde que não o faça de forma arbitrária e irrazoável.
58. Ora, a interpretação do art° 69°, nº 2, do EOA no sentido de atender apenas ao elemento formal (norma orgânica) sem atender ao elemento material ( efectivo exercício exclusivo de consultadoria jurídica) viola o princípio da igualdade, porquanto impede o exercício da advocacia de forma arbitrária e irrazoável.
59. A interpretação feita pelo TCA ainda viola o artigo 47°, nº 1 da CRP .
60. É certo que o direito que todos têm de escolher livremente uma profissão não dá o direito de ter várias profissões. Mas também é certo que se não dá o direito de ter várias profissões também não proíbe que se possam ter mais do que uma profissão.
61. Não só isso é uma realidade jurídica como inclusivamente a realidade portuguesa está recheada de muitíssimos exemplos; é ver os funcionários públicos a coberto das tais normas orgânicas, são advogados e funcionários simultaneamente.
62. Ora, se o art° 47°, nº 1 da CRP oferece ao recorrente a liberdade de poder ter mais do que uma profissão ( desde que preencha os requisitos de cada qual), a interpretação defendida pelo TCA viola aquele princípio porque se baseia numa interpretação parcial da lei com consequência negativa do recorrente.
63. Há, portanto, uma violação deste princípio constitucional de forma discriminatória.
64. Acresce ainda e por fim, que a interpretação do TCA, porque errada e discriminatória e injustificada, viola o princípio da justiça, artº 266°, nº 2 da CRP; enreda-se num conjunto de factos que não são cabalmente a realidade objectiva e esquece o fundamental; a injustiça do caso.
65. E tendo assim negado provimento ao recurso contencioso baseado numa interpretação errada do art° 69°, nº 2 do EOA, o Acórdão violou os artigos 13°,
47°, nº 1 e 266°, nº 2 da CRP. FUNDAMENTAÇÃO
66. As normas, e a sua interpretação, que interessam ao caso, são os artigos 68° e 69° do EOA.
67.O art° 68 comina que o exercício da advocacia é incompatível com qualquer actividade ou função que diminua a independência e a dignidade da profissão.
68. Enquanto que o art° 69°, dispõe[ ] assim; i) na alínea i) do nº1: o exercício da advocacia é incompatível com as funções e actividades de funcionário ou agente de quaisquer serviços públicos de natureza central, regional ou local, ainda que personalizados, com excepção dos docentes de disciplinas de Direito. ii) No nº 2: as incompatibilidades atrás referidas verificam-se qualquer que seja o título de designação, natureza e espécie de provimento e modo de remuneração e, em geral, qualquer que seja o regime jurídico das respectivas funções, e só não compreendem os funcionários e agentes administrativos providos em cargos com funções exclusivas de mera consulta jurídica, previstos expressamente nos quadros orgânicos do correspondente serviço, e os contratados para o mesmo efeito.
69. Juntando as duas normas, o art° 68° e o nº 2 do art° 69°, verifica-se que o EOA admite que um funcionário exerça advocacia,
70. bastando para o efeito; a) que exerça exclusiva e efectivamente consulta jurídica; b) e que essa função esteja consagrada expressamente na lei orgânica.
71. É, pois, o próprio EOA que admite não existir incompatibilidade no exercício de advocacia por um funcionário,
72. prevendo para essa situação dois requisitos cumulativos, um material (a efectiva função de mera consulta jurídica) e outro formal (a previsão de tal na lei orgânica.
73. A ideia subjacente à OA e aos Tribunais é a de que o art° 69° pressupõe exclusivamente a norma orgânica que prevê expressamente a exclusividade da consulta jurídica, esquecendo o elemento material.
74. Ou seja, a interpretação feito por aqueles atende ao elemento formal e omite o elemento central da ética universal; que o formal sem a correspondência material é meramente forma sem conteúdo.
75. Ou seja ainda, é uma interpretação como quem dissesse que à ordem jurídica portuguesa interessa apenas a compatibilidade formal não se interessando pela compatibilidade material.
76. Ora, tal maneira de ver, ou melhor, a interpretação feita à norma do EOA não atende à lei que sustenta o EOA, porque o art° 68° desse Estatuto é sintomático da necessidade em não se diminuir a independência e a dignidade da profissão;
77. também não atende ao princípio fundamental do Estado de Direito da necessidade da interpretação da lei conforme a CRP , pois que art° 3°, nº 3 da CRP institui que a validade das leis depende da sua conformidade com a Constituição, ou seja, não deve atender-se a um elemento gramatical esquecendo os outros elementos da hermenêutica jurídica;
78. como igualmente viola princípios gerais de Direito no âmbito da interpretação das leis, porque, por imperativo do art° 9° do Código Civil, a interpretação da lei não deve cingir-se apenas à letra da lei.
79. Ora, a leitura atenta do art° 69°, nº 2 do EOA remete-nos para uma realidade jurídica inquestionável, que existem não um, mas dois elementos substanciais, substantivamente distintos e ainda assim de utilização cumulativa; a) um limite material e que é o exercício efectivo de exclusiva consulta jurídica;
b) e um limite formal e que é a existência de uma norma orgânica de quadro de pessoal que expressamente institua que o exercício é exclusivamente de consulta jurídica.
80. Só assim se vê garantida a correcta interpretação da lei,
81. e só assim se vê garantida a objectividade da lei, melhor dizendo, garantidos os princípios da isenção e independência do advogado e não só.
82. Caso contrário poder-se-ia imaginar um país de técnicos superiores juristas que não exerciam efectivamente funções exclusivas de consultadoria jurídica mas que, a coberto do elemento formal, mantinham-se com a titularidade da compatibilidade.
83. É, pois, na base dessa dualidade de limites que a OA e os Tribunais hão-de decidir de modo a garantir aqueles princípios, mas também a correcta legalidade, e também a não provocar injustiças desnecessárias e irrazoáveis.
84. A afirmação exclusivamente baseada na expurgação de uma norma jurídica de que o recorrente não exerce exclusivamente funções de consultadoria jurídica, viola a verdade objectiva e a verdade subjectiva, violando todos os princípios que sustentam a própria OA.
85. Chegados aqui, no entanto, depara-se com a questão difícil e por isso a necessidade de intervenção dos Tribunais; sendo que o EOA exige cumulativamente dois requisitos, um formal e outro material, para o pleno exercício da advocacia, o que acontece nas situações em que, por exemplo, um advogado mantém uma situação de 20 anos de total preenchimento dos dois requisitos, mas, embora mantendo objectivamente a mesma situação, a norma do seu serviço é expurgada?
86. O EOA não oferece expressamente uma resposta a esta questão, mas encerra-a, já que, nos termos do art° 42°, nº 1, alínea c), art° 70°, nº 1 e art° 79°, alínea e): compete à OA deliberar sobre quaisquer assuntos que respeite ao exercício da advocacia:
87. Se o fizer no sentido literal da lei, viola a CRP , art° 3°, nº 3, porque a lei não deve ser lida exclusivamente de forma literal, especialmente em matéria que atinge a dignidade da pessoa humana.
88. Se o fizer no sentido literal da lei, viola ainda a CRP, art° 47°, nº 1, porque impede o exercício da advocacia sem atender ao elemento teológico da mesma, portanto, viola a CRP no sentido em que de forma errada e ilegal impede que o funcionário escolha livremente a profissão que entender
89. É certo que o direito que todos têm de escolher livremente uma profissão não dá o direito de ter várias profissões,
90. mas também é certo que se não dá o direito de ter várias profissões também não proíbe que se possam ter mais do que uma profissão.
91. Não só isso é uma realidade jurídica como inclusivamente a realidade portuguesa está recheada de muitíssimos exemplos; é ver os funcionários públicos a coberto das tais normas orgânicas, são advogados e funcionários simultaneamente.
92. Ora, se o art° 47°, nº 1 da CRP oferece ao recorrente a liberdade de poder ter mais do que uma profissão ( desde que preencha os requisitos de cada qual), a interpretação defendida viola aquele princípio porque se baseia numa interpretação parcial da lei com consequência negativa do recorrente.
93. Há, portanto, uma violação deste princípio constitucional de forma discriminatória.
94. Se o fizer no sentido literal da lei, viola ainda assim a CRP , art° 13°, princípio da igualdade, porque que trata diferentemente situações iguais e de forma arbitrária e irrazoável.
95. É sabido que a jurisprudência constitucional vai toda, e bem, no sentido de o legislador poder fazer desvios ao princípio da igualdade - desde que não o faça de forma arbitrária e irrazoável.
96. Ora, a interpretação do art° 69°, nº 2 do EOA no sentido de atender apenas ao elemento formal (norma orgânica) sem atender ao elemento material (efectivo exercício exclusivo de consultadoria jurídica) viola o princípio da igualdade, porquanto impede o exercício da advocacia de forma arbitrária e irrazoável.
97. Se o fizer no sentido exclusivamente literal da lei, atendendo a um em vez de dois elementos, equivale a uma contradição dos termos o que equivale à falta de fundamentação, violando assim os preceitos dos artigos 205°, nº 1 e 268°, nº
3 da CRP.
98. De facto, um direito subjectivo ( que é um direito à satisfação de interesse próprio) e interesse legalmente protegido ( que é um direito a que a decisão desfavorável relativamente ao interesse próprio não seja tomada ilegalmente ) não estão garantidos por manifesta falta de fundamentação no sentido de que é uma fundamentação ilegalmente insuficiente.
99. No caso sub judice, existe ainda, na interpretação feita do EOA, violação do princípio da justiça, art° 266°, nº 2 da CRP porque é uma interpretação errada e discriminatória e injustificada, enreda-se num conjunto de factos que não são cabalmente a realidade objectiva e esquece o fundamental; a injustiça do caso.
100. Ou seja, o elemento teológico da lei do EOA e a própria natureza das coisas exige que, no desaparecimento superveniente do elemento formal, se verifique da existência do elemento material, pois caso pode existir que o intérprete, para não ofender a CRP, tenha que omitir a rigorosidade do elemento formal,
101. até porque em verdade se afirma que apenas o elemento material da lei é o
único elemento que garante a independência e a dignidade da profissão.
102. E não se diga que o acabado de dizer não corresponde à realidade portuguesa, porque quem afirmasse tal contrariedade ou estaria omitindo ou desconhece uma realidade muito visível em muitíssimas situações.
103. Ou seja, pois, a interpretação do art° 69°, nº 2 do EOA no sentido de que o elemento formal da verificação da compatibilidade é o que interessa e que em quaisquer circunstâncias basta ver tal elemento sem que interesse verificar o elemento material, viola, nos termos explanados, a CRP
104. Assim como não nos é permitido imaginar um país de técnicos superiores juristas que não exerçam efectivamente funções exclusivas de consulta jurídica mas que, a coberto do elemento formal, mantêm-se com a titularidade da compatibilidade para o exercício da advocacia, de igual sorte não nos é permitido imaginar um país de outros tantos técnicos superiores juristas que exerçam efectivamente funções exclusivas de consulta jurídica mas que, faltando supervenientemente o elemento formal, retiram-se-lhe (também supervenientemente) a titularidade da compatibilidade.
105. A lei portuguesa exige do intérprete um esforço hermenêutico mais razoável.
106. Portanto, o que está em causa não é a simplicidade da incompatibilidade que o Tribunal Constitucional se debruçou, por exemplo.
107. Não está em causa a possibilidade de o legislador poder criar a incompatibilidade que quiser dentro de certos parâmetros de razoabilidade e adequação. Porque o pode e deve fazer.
108. Nem está em causa a violação do princípio da igualdade quanto a uns poderem exercer advocacia e outros não. Porque o princípio da igualdade é precisamente isso, tratar diferentemente as situações diferentes.
109. Tal como não está em causa a violação do princípio fundamental de poder escolher as profissões que se quiser dentro dos seus próprios limites.
110. O que está em causa, é certo que são aquelas normas constitucionais e outras, mas não por aqueles motivos,
111. mas por uma interpretação torta que o tribunal a quo faz do EOA, quando se agarra ao elemento formal da incompatibilidade e arreda o elemento mais importante que é o elemento material sem atender ao caso concreto para a mais elementar justiça.
112. A lei do EOA sem reservas obriga à verificação cumulativa de dois requisitos substantivos - e isso não é o problema - para o exercício da advocacia,
113. mas essa mesma lei do EOA não dá resposta expressa para os casos da eliminação superveniente do elemento formal quando se mantém rigorosamente o elemento material.
114. Mas o que interessa ao Estado de Direito e à OA e ao Legislador do EOA não
é a aparência, mas a realidade, ou pelo menos o mais próximo possível da realidade.
115. Fazendo um advogado estagiário o seu estágio de ano e meio (na realidade dois anos e tal) com a verificação dos elementos formal e material e no fim, aquando da sua inscrição definitiva, ver negada esta pelo facto superveniente de que nos últimos três meses não se verifica o elemento formal, quando dá provas de que se verifica o elemento material, precisamente aquele que verdadeiramente garante todos os princípios do exercício da advocacia, é um acto de enorme injustiça e violador da Lei Fundamental portuguesa. CONCLUSÃO
116. O art° 68° do EOA comina que o exercício da advocacia é incompatível com qualquer actividade ou função que diminua a independência e a dignidade da profissão.
117. Enquanto que o art° 69° do EOA dispões assim, na alínea i) do nº 1, que o exercício da advocacia é incompatível com as funções e actividades de funcionário ou agente de quaisquer serviços públicos de natureza central, regional ou local, ainda que personalizados, com excepção dos docentes de disciplinas de Direito; e no nº 2 que as incompatibilidades atrás referidas verificam-se qualquer que seja o título de designação, natureza e espécie de provimento e modo de remuneração e, em geral, qualquer que seja o regime jurídico das respectivas funções, e só não compreendem os funcionários e agentes administrativos providos em cargos com funções exclusivas de mera consulta jurídica, previstos expressamente nos quadros orgânicos do correspondente serviço, e os contratados para o mesmo efeito.
118.Estas duas disposições legais permitem que um funcionário exerça advocacia,
119. bastando para o efeito que exerça exclusiva e efectivamente consulta jurídica e que essa função esteja consagrada expressamente na lei orgânica.
120. Ou seja, o EOA prevê dois requisitos cumulativos, um material (a efectiva função de mera consulta jurídica) e outro formal (a previsão de tal na lei orgânica.
121. A ideia subjacente à OA e aos Tribunais e ao Tribunal a quo é a de que o art° 69°, nº 2 do EOA pressupõe exclusivamente a norma orgânica que prevê expressamente a exclusividade da consulta jurídica, esquecendo o elemento material.
122. Ou seja, a interpretação feito por aqueles atende ao elemento formal e omite o elemento central da ética universal; que o formal sem a correspondência material é meramente forma sem conteúdo.
123. Ou seja ainda, é uma interpretação como quem dissesse que à ordem jurídica portuguesa interessa apenas a compatibilidade formal não se interessando pela compatibilidade material.
124. Ora, tal maneira de ver não atende à lei que sustenta o EOA, porque o art°
68° desse Estatuto é sintomático da necessidade em não se diminuir a independência e a dignidade da profissão, características indefesas perante a defesa de sublinhar o elemento formal sem atender ao elemento material aquele que verdadeiramente garante o exercício da advocacia, a utilidade das normas e a ordem jurídica e social.
125. Tal maneira de ver também não atende ao princípio fundamental do Estado de Direito da necessidade da interpretação da lei conforme a CRP, pois que art° 3°, nº 3 da CRP institui que a validade das leis depende da sua conformidade com a Constituição, ou seja, não deve atender-se a um elemento gramatical esquecendo os outros elementos da hermenêutica jurídica, conforme é princípio geral de Direito no âmbito da interpretação das leis por imperativo do art° 9° do Código Civil.
126. Ora, a leitura atenta do art° 69°, nº 2 do EOA remete-nos para uma realidade jurídica inquestionável, que existem não um, mas dois elementos substanciais, substantivamente distintos e ainda assim de utilização cumulativa: um limite material e que é o exercício efectivo de exclusiva consulta jurídica, e um limite formal e que é a existência de uma norma orgânica de quadro de pessoal que expressamente institua que o exercício é exclusivamente de consulta jurídica.
127. Só assim se vê garantida a correcta interpretação da lei e só assim se vê garantida a objectividade da lei, melhor dizendo, garantidos os princípios da isenção e independência do advogado e não só.
128. Chegados aqui, no entanto, depara-se com a questão difícil e por isso a necessidade de intervenção dos Tribunais: sendo que o EOA exige cumulativamente dois requisitos, um formal e outro material, para o pleno exercício da advocacia, o que acontece nas situações de incompatibilidade formal superveniente?
129. Não se deve menosprezar tais casos, porque todos eles, em quaisquer situações, atingem a dignidade da pessoa humana no sentido de que o cidadão vê-se impedido de forma irrazoável de continuar fazendo o que fazia, faz e quer continuar a fazer .
130. Por exemplo, um advogado mantém numa situação de 20 anos de total preenchimento dos dois requisitos, mas, embora mantendo objectivamente a mesma situação, a norma do seu serviço é expurgada. Neste caso vai retirar-se a cédula profissional deste homem?
131. B não se diga que esta situação de 20 anos é diferente da do caso sub judice de uns meros 3 meses: o exemplo serve para demonstrar que uma situação de incompatibilidade formal superveniente em que se verifique no entanto a compatibilidade material serve o elemento teológico da lei do EOA porque mais importante do que a forma é a realidade e suas consequências na esfera do cidadão.
132. E também não se diga que a situação dos 20 anos é diferente porque comina um caso de direitos adquiridos, porque não o é. E se o fosse, ainda assim nos direitos adquiridos são irrelevantes 3 meses ou 20 anos.
133. Tal como não se diga que a situação dos 20 anos é diferente porque neste o advogado era já advogado e no caso sub judice ainda é estagiário, pois o Direito
( e não só a lei) protege não situações ‘maiores’, mas também as ‘menores’, ou de outra maneira de dizer, o bloco de legalidade existente na nossa ordem jurídica protege as situações/cidadãos. Ou ainda noutra maneira de dizer; distinguir situações que a lei não distingue, seria violar a regra antiga de Direito Romano existente em Portugal de que se o legislador não distingue não cabe ao intérprete fazê-lo.
134. O EOA não oferece expressamente uma resposta a esta questão da superveniência da incompatibilidade formal quando se mantém a compatibilidade material, mas encerra-a, já que, nos termos do art° 42°, nº 1, alínea c ), art°
70°, nº 1 e art° 79°, alínea e ): compete à AO deliberar sobre quaisquer assuntos que respeite ao exercício da advocacia:
135. Se o fizer no sentido literal da lei, viola a CRP , art° 3°, nº 3, porque a lei não deve ser lida exclusivamente de forma literal, especialmente em matéria que atinge a dignidade da pessoa humana.
136. Se o fizer no sentido literal da lei, viola ainda a CRP , art° 47°, nº 1, porque impede o exercício da advocacia sem atender ao elemento teológico da mesma, portanto, viola a CRP no sentido em que de forma errada e ilegal impede que o funcionário escolha livremente a profissão que entender .
137. É certo que o direito que todos têm de escolher livremente uma profissão não dá o direito de ter várias profissões,
138. mas também é certo que se não dá o direito de ter várias profissões também não proíbe que se possam ter mais do que uma profissão. É, aliás, a realidade portuguesa.
139. Ora, se o artº 47°, nº 1 da CRP oferece ao recorrente a liberdade de poder ter mais do que uma profissão (desde que preencha os requisitos de cada qual), a interpretação defendida viola aquele princípio porque se baseia numa interpretação parcial da lei com consequência negativa do recorrente.
140. Há, portanto, uma violação deste princípio constitucional de forma discriminatória.
141. Se o fizer no sentido literal da lei, viola ainda assim a CRP , art° 13°, o princípio da igualdade, porque que trata diferentemente situações iguais e de forma arbitrária e irrazoável.
142. A jurisprudência constitucional vai toda, e bem, no sentido de o legislador poder fazer desvios ao princípio da igualdade - desde que não o faça de forma arbitrária e irrazoável, mas se isso é possível ao legislador já não o é ao aplicador da lei.
143. A interpretação do art° 69°, nº 2 do EOA no sentido de atender apenas ao elemento formal (norma orgânica) sem atender ao elemento material (efectivo exercício exclusivo de consultadoria jurídica) viola o princípio da igualdade, porquanto impede o exercício da advocacia de forma arbitrária e irrazoável; arbitrário porque permite escolher consoante o caso a aplicação de dois ou apenas de um elemento, e irrazoável porque trata-se de uma interpretação que não tem qualquer sentido, quer do ponto de vista da lógica e da sistemática jurídica e filosófica, quer do ponto de vista da ordem universal que sustenta as relações humanas.
144. No caso sub judice, existe ainda, na interpretação feita do EOA, violação do princípio da justiça, art° 266°, nº 2 da CRP porque é uma interpretação errada e discriminatória e injustificada, enreda-se num conjunto de factos que não são cabalmente a realidade objectiva e esquece o fundamental: a injustiça da mera incompatibilidade formal.
145. Ou seja, o elemento teológico da lei do EOA e a própria natureza das coisas exige que, no desaparecimento do elemento formal, se verifique da existência do elemento material, pois casos podem existir que o intérprete, para não ofender a CRP , tenha que omitir a rigorosidade do elemento formal,
146. até porque em verdade se afirma que apenas o elemento material da lei é o
único elemento que garante a independência e a dignidade da profissão.
147. E não se diga que o acabado de dizer não corresponde à realidade portuguesa, porque quem afirmasse tal contrariedade ou estaria omitindo ou desconhece uma realidade muito visível em muitíssimas situações.
148. Ou seja, pois, a interpretação do art° 69°, nº 2 do EOA no sentido de que o elemento formal da verificação da compatibilidade é o que interessa e que em quaisquer circunstâncias basta ver tal elemento sem que interesse verificar o elemento material, viola, nos termos explanados, a CRP
149. Assim como não nos é permitido imaginar um país de técnicos superiores juristas que não exerçam efectivamente funções exclusivas de consulta jurídica mas que, a coberto do elemento formal, mantêm-se com a titularidade da compatibilidade para o exercício da advocacia, de igual sorte não nos é permitido imaginar um país de outros tantos técnicos superiores juristas que exerçam efectivamente funções exclusivas de consulta jurídica mas que, faltando supervenientemente o elemento formal, retiram-se-lhe (também supervenientemente) a titularidade da compatibilidade.
150. Portanto, o que está em causa não é a incompatibilidade que o Tribunal Constitucional já se debruçou nos Acórdãos 143/85 e 169/90.
151. Não está em causa a possibilidade de o legislador poder criar a incompatibilidade que quiser dentro de certos parâmetros de razoabilidade e adequação. Porque o pode e deve fazer.
152. Nem está em causa a violação do princípio da igualdade quanto a uns poderem exercer advocacia e outros não. Porque o princípio da igualdade é precisamente isso, tratar diferentemente as situações diferentes.
153. Tal como não está em causa a violação do princípio fundamental de poder escolher as profissões que se quiser dentro dos seus próprios limites.
154. O que está em causa, é certo que são aquelas normas constitucionais e outras, mas não por aqueles motivos,
155. mas por uma interpretação, não restritiva, mas correctiva do EOA, quando se agarra ao elemento formal da incompatibilidade e arreda o elemento mais importante que é o elemento material sem atender ao caso concreto para a mais elementar justiça.
156. A lei do EOA sem reservas obriga à verificação cumulativa de dois requisitos substantivos - e isso não é o problema - para o exercício da advocacia,
157. mas essa mesma lei do EOA não dá resposta expressa para os casos da eliminação superveniente do elemento formal quando se mantém rigorosamente o elemento material.
158. O que interessa ao Estado de Direito e à OA e ao Legislador do EOA não é a aparência, mas a realidade, ou pelo menos o mais próximo possível da realidade.
159. Fazendo um advogado estagiário o seu estágio de ano e meio (na realidade dois anos e tal) com a verificação dos elementos formal e material e no fim deste, aquando da sua inscrição definitiva, ver negada esta pelo facto superveniente de que nos últimos três meses não se verificar o elemento formal, quando dá provas de que se verifica o elemento material, precisamente aquele que verdadeiramente garante todos os princípios do exercício da advocacia, é um acto de enorme injustiça e de irrazoabilidade. Nestes termos, requer a V. Exa que se digne admitir o presente recurso e feito o mesmo subir, com o efeito próprio, seguindo-se os demais termos legais’.
O recurso foi admitido por despacho lavrado em 23 de Junho de 2003.
2. No Tribunal Constitucional, o relator, com esteio no nº 6 do artº
75º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, convidou o recorrente a, com precisão, indicar qual a dimensão interpretativa que pretendia, com a vertente impugnação, ver apreciada por este órgão de fiscalização concreta da constitucionalidade normativa, do ponto de vista da sua incompatibilidade com a Lei Fundamental, e qual a peça processual e respectivo passo em que, precedentemente ao aresto ora recorrido, concretamente suscitou a questão de inconstitucionalidade de tal dimensão.
Na sequência, o impugnante veio apresentar requerimento onde disse:
‘A., recorrente no processo supra mencionado, e ali melhor identificado, RESPONDE à notificação de 15-09-2003 (recebida a 25-09-2003) no seguintes termos: A) Quanto à primeira questão: a precisão da desconformidade constitucional
1. A CRP obriga o intérprete à leitura das leis em conformidade com o princípio da legalidade e o princípio da interpretação conforme à Constituição.
2. Dois princípios fundamentais da ordem jurídica portuguesa e da estrutura do Estado de Direito português plasmados, na generalidade, no nº 3° do art°3 da CRP.
3. A leitura do art° 69°, nº 2 do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA) está também sujeita àqueles princípios.
4. Quando art° 69°, nº 2 EOA, dispõe que pode um funcionário público exercer advocacia se o exercício de funcionário for exclusiva e efectivamente consultadoria jurídica e que também essa função esteja consagrada expressamente na lei orgânica do serviço onde exerce essas funções,
5. está a transmitir uma realidade jurídica impossível de contornar: a norma do nº 2 do art° 69° EOA integra dois elementos substanciais e distintos: um limite material - e que é o exercício efectivo de exclusiva consultadoria jurídica; e um limite formal - que é a existência de uma norma orgânica que expressamente institua que o exercício é exclusivamente consultadoria jurídica.
6. É assim que a interpretação feita no sentido de atender exclusivamente ao limite formal, omitindo o limite material, viola aqueles dois princípios fundamentais da Constituição - viola o princípio da legalidade que obriga todas as decisões a coberto da legalidade e não da meia legalidade, e viola a interpretação em conformidade com a Constituição porque viola os princípios gerais de Direito constantes no Código Civil quanto à interpretação das normas em Portugal.
7. É esta a questão principal da desconformidade constitucional: a Ordem dos Advogados atendeu exclusivamente a um dos elementos fundamentais da norma legal e todos os tribunais recorridos não atenderam à questão dessa desconformidade constitucional colocada pelo recorrente.
8. A Constituição também consagra o princípio da justiça. Princípio que é um conceito vago, mas não indeterminável - exactamente porque em cada caso concreto
é possível realizar juízos de valor que no âmbito da filosofia da dignidade da pessoa humana pode ou não consistir numa injustiça específica.
9. E é precisamente neste ponto que a interpretação da norma do nº 2 do art° 69° EOA sem atender ao elemento material tem como consequência uma injustiça, pior, uma injustiça inútil.
10. Na verdade; um cidadão-funcionário durante dois anos realiza um estágio de advogado e durante este período preenche a previsão da norma, ou seja, exerce efectivamente mera consultadoria jurídica e a norma orgânica do seu serviço público também o diz expressamente; quando acaba esse curso e ao fazer a inscrição definitiva, obrigação legal, existe ainda a compatibilidade material, mas desapareceu entretanto a norma orgânica e por isso desapareceu a compatibilidade formal;
11. atender à norma exclusivamente no elemento formal para impedir a inscrição e sem atender ao elemento material, constitui uma desadequada decisão porque escuda-se na não existência de uma norma, elemento formal, que em rigor não prova nada e omite precisamente o elemento que efectivamente garante a independência e outros princípios fundamentais da advocacia;
12. impedindo nestes termos a inscrição, impedindo o exercício da advocacia, é uma injustiça relevante, mais relevante quanto maior for o tempo da situação,
13. violando por conseguinte o disposto no nº 2 do artº 266° CRP .
14. Também aquela interpretação do nº 2 do art° 69° EOA naquele sentido erróneo de atender ao elemento formal sem atender ao material, constitui uma violação do princípio da igualdade, art°13° CRP , nas suas vertentes da arbitrariedade e irrazoabilidade.
15. Na verdade, tratando um caso diferente como se se tratasse de outro, isso consubstancia uma violação da igualdade, porquanto uma primeira inscrição na OA
(para curso, estágio) é diferente de quaisquer outras. Ou seja:
16. Quid juris quando um advogado com vários anos de experiência lhe desaparece o elemento formal mas continua com o elemento material? Neste caso parece de todo difícil condenar esse advogado a retirar-se da advocacia quando é o elemento material que garante efectivamente a soberania do exercício da advocacia.
17. É precisamente uma situação destas que está em causa nos autos.
18. O EOA não dá uma resposta expressa a este tipo de situação, mas o princípio da igualdade garante que a decisão seja razoável e não arbitrária (arbitrária em função das diferentes situações ), e, pois,
19. estando provado o elemento material, aquele que é a pedra filosofal do EOA, há que ponderar o conflito de princípios e de valores e optar por aqueles que garantam a honorabilidade da advocacia ( e da própria OA) e a dignidade da pessoa humana.
20. E é em sequência daquela violação que se verifica a violação do princípio da escolha da liberdade de profissão, art° 47° CRP , exactamente porque se trata de uma interpretação que, violando a CRP, viola aquele direito constitucional.
21. De facto, há um impedindo, de forma ilegal, ao acesso a uma profissão.
22. Por fim, a violação do princípio da fundamentação, nº 3 do art° 266° da CRP
porque ao não atender à interpretação correcta da lei, enreda-se num conjunto de argumentos que não fundamentam rigorosamente nada; ou seja, faltando um pressuposto legal na interpretação da lei, todo o jogo argumentativo subsequente afunda-se em algo que não é fundamentação. B) Quanto à segunda questão: a indicação da peça processual onde se levantou a questão da desconformidade constitucional:
23. Todas as peças processuais do recorrente suscitam a questão da desconformidade constitucional, nas suas várias vertentes, embora a sua precisão foi sendo acertada ao longo de cada qual, culminando numa explanação talvez mais certeira na peça processual com destino a este Tribunal Constitucional.
24. Desde logo, foi suscitada especificamente nos artigos 58°, 63°, 66°, 71°,
77° e 81 ° da peça dirigida ao primeiro Tribunal recorrido, Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa.
25. Depois, já em sede correcta do ponto de vista da competência territorial, nos artigos 66°, 71º , 74°, 79°, 85°, 89° e 119°, na peça processual dirigida ao Tribunal Administrativo e Fiscal Agregado e Ponta Delgada.
26. De seguida, na peça processual dirigida ao Supremo Tribunal Administrativo, nos artigos 33°, 42°, 49°, 52°, 57°, 73°, 78°, 82°, 83°, 88°, 91º.
27. Por fim, já com uma argumentação melhor organizada, na peça processual dirigi da ao Tribunal Central Administrativo para efeitos de recurso para este Tribunal Constitucional, nos artigos 97° (falta de fundamentação, artº 268°, nº
3 da CRP), artigos 99° e 144° (princípio da justiça, artº 266°, nº 2 da CRP), artigos 94° e 141° (princípio da igualdade, art°13° da CRP), artigos 88° e 136°
(princípio da liberdade de escolha da profissão, art° 47° e art° 18° da CRP) e artigos 77°, 87°, 125° e 135° (princípio da legalidade, interpretação conforme à Constituição, art° 3°, nº 33 da CRP)’.
3. Há que reconhecer que a peça processual imediatamente acima transcrita, verdadeiramente, não satisfaz a indicação do convite que foi dirigido ao recorrente, já que em ponto algum se enuncia de modo claro e perceptível qual seja o exacto sentido interpretativo da norma ínsita no nº 2 do artº 69º do Estatuto da Ordem dos Advogados que se pretende colocar sob a censura deste Tribunal.
Isso será quanto basta para se não tomar conhecimento do objecto do presente recurso, já que, quer no respectivo requerimento de interposição, quer no requerimento apresentado na sequência do convite que foi formulado ex vi do nº 6 do artº 75º-A da Lei nº 28/82, e porque está em causa uma dimensão interpretativa conferida a determinado preceito - desta sorte sendo a aprecianda norma a regra legal resultante dessa interpretação -, o recorrente não veio a indicar qual fosse essa norma.
3.1. Todavia, numa perspectiva de todo em todo benevolente e que admitisse que aquilo que o impugnante desejava (tendo-se já visto que nunca enunciou, de forma clara e perceptível, qual fosse a dimensão interpretativa que questionava) era a apreciação da norma vertida no assinalado nº 2 do artº 69º, quando interpretada de forma a que, na incompatibilidade do exercício da advocacia previsto na alínea i) do seu nº 1, se compreendiam os funcionários e agentes administrativos que, ainda que isso não resultasse expressamente dos respectivos quadros orgânicos, exercessem, na realidade, funções exclusivas de mera consultadoria jurídica, ainda assim, para se conhecer do objecto deste recurso, mister seria que este sentido interpretativo fosse aquele que tinha sido acolhido na decisão tomada no acórdão prolatado pelo Tribunal Central Administrativo.
Ora, como deflui do supra transcrito extracto daquele aresto, o mesmo, ao remeter para a fundamentação da sentença lavrada no Tribunal Administrativo e Fiscal e agregado de Ponta Delgada, deu por assente que o cargo, para o qual o impugnante foi nomeado, de técnico superior de segunda classe da Direcção de Serviços de Desporto da Direcção Regional de Educação Física e Desporto da Secretaria Regional de Educação e Cultura da Região Autónoma dos Açores, não implicava o desempenho de um labor cujas únicas funções fossem as de consulta jurídica.
Isso significa, pois, que a ratio juris do decidido pelo Tribunal Central Administrativo não repousou, atentos os contornos do caso concreto que apreciava, numa interpretação normativa tal como aquela que acima se aventou como sendo a que, porventura, o recorrente queria que fosse alvo de análise por parte deste pretório, pelo que, mesmo na admissão da hipótese acima delineada, faleceria, in casu, um dos pressupostos do recurso a que se reporta a alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, justamente o que consiste, na aplicação, pela decisão recorrida, da norma referentemente à qual foi suscitada a questão da sua desarmonia com o Diploma Básico.
Termos em que se não toma conhecimento do objecto do recurso, condenando-se o impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em cinco unidades de conta”.
2. Notificado da transcrita decisão veio o A. reclamar ao abrigo do nº 3 do artº 78º da Lei nº 28/82.
Fundamentando a reclamação, discreteou assim:
“...............................................................................................................................................................................................................................................................
12. Numa primeira conclusão, considera-se que nem a peça processual inicial nem a peça de esclarecimento subsequente satisfazem o pedido porque não se descortina o exacto sentido interpretativo da norma prevista no articulado do nº
2 do artº 69º da Ordem dos Advogados, nem é indicada pelo requerente a norma.
13. Com o devido respeito, são dois elementos que estão de forma clara e perceptível nas duas peças processuais:
14. nos artigos 66 a 76, 79, 85 e 86 da petição inicial dirigida a este Tribunal
Constitucional vem explicitada a dimensão interpretativa do artº 69°, nº 2 [ ] do Estatuto da Ordem dos Advogados, ou seja,
15. o artº 69º, nº 2 antedito remete-nos para uma realidade jurídica inquestionável, que existem não um, mas dois elementos substanciais, substantivamente distintos e ainda assim de utilização cumulativa: um limite material e que é o exercício efectivo de exclusiva consulta jurídica, e um limite formal e que é a existência de uma norma orgânica de quadro de pessoal que expressamente institua que o exercício é exclusivamente de consulta jurídica.
16. Tal como também se indicou a norma constitucional violada, artº 47º, nº 1, e o sentido da sua violação, nos artigos 88 a 93 da petição inicial dirigida a este Tribunal Constitucional, ou seja,
17. a leitura defeituosa do artº 69º, nº 2 da Ordem dos Advogados por entender apenas ao seu elemento formal omitindo precisamente o elemento mais importante, o material, colide com artº 47º, nº 1 da Constituição porque impede, de forma ilegal pois, a livre escolha de emprego e a livre vontade de, dentro de certos parâmetros, exercer a profissão escolhida.
18. Mas atenção, isto quanto ao artº 69º, nº 2 da Ordem dos Advogados e do artº
47º, nº1, da Constituição, que são, sempre o foi desde o principio ponto nevrálgico da injustiça, ilegalidade e inconstitucionalidade do caso presente, porque em rigor, e sempre na base da norma do Estatuto da Ordem dos Advogados, foram levantadas outras violações da Constituição e correspondentemente indicadas as normas e o seu sentido interpretativo fundamento do juízo de desconformidade constitucional.
19. Numa segunda conclusão da decisão sumária, defende-se que «mister seria que este sentido interpretativo fosse aquele que tinha sido acolhido na decisão tomada prolatado pelo Tribunal Central Administrativo», e, a «ratio juris do decidido pelo Tribunal Central Administrativo não repousou» naquela interpretação, falece um pressuposto de recurso a que se reporta a alínea b) do nº 1 do artº 70º da LCT.
20. Também aqui, com devido respeito, está verificado a final aquele pressuposto
21. Na verdade, é certo que a norma da alínea b) do nº l do artº 70º da LCT expressamente tipifica que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo,
22. no entanto, suscitada como foi a questão da inconstitucionalidade e dela tendo os tribunais, Tribunal Central Administrativo, omitido qualquer declaração sobre a mesma, está assim verificado o pressuposto porque a aplicação da norma numa interpretação que colide com a Constituição tanto pode ser expressa como implícita, conforme decidiu já este Tribunal Constitucional nos Acórdãos 88/86, 47/90, 235/93, especialmente o Acórdão 310/90.
23. Por outra banda, de outra maneira não o poderia ser porque limitaria desnecessariamente, mas com prejuízo, a garantia efectiva do direito de acesso aos tribunais, princípio constitucional,
24. e assim seria a própria lei de processo do Tribunal Constitucional que, a ser interpretada restritivamente, violaria a Constituição.
25. Aliás, a doutrina sublinhou já que o «requisito da admissibilidade deste tipo de recurso é o de que a questão da inconstitucionalidade da norma seja suscitada durante o processo» (Guilherme da Fonseca e Inês Domingos, Breviário de Direito Processual Constitucional, 2ª Edição, p.45; Inês Domingos e Margarida Menéres Pimentel, Estudos sobre a Jurisprudência do Tribunal Constitucional,1993, p.443 e ss.).
26. É de concluir, pois, que está preenchido o requisito de admissibilidade porque o Tribunal Central Administrativo, ao omitir qualquer declaração sobre a questão de inconstitucionalidade, implicitamente aceita a interpretação que a Ordem dos Advogados fez do artº 69º do seu Estatuto, e o Tribunal Administrativo e Fiscal Agregado de Ponta Delgada e o Tribunal Central Administrativo, pela omissão, aceitaram tal interpretação errada e injusta.
27. Numa última interpretação da decisão sumária, entende-se que a remissão para a fundamentação da sentença lavrada no Tribunal Administrativo e Fiscal e Agregado de Ponta Delgada, deu por assente que o técnico superior jurista não implicava o desempenho de um labor cujas únicas funções fossem as de consulta jurídica.
28. Com o devido respeito, tal conclusão não procede, porque se é certo que a remissão, indica para aquela consideração do Tribunal Administrativo e Fiscal [
] Agregado de Ponta Delgada, verdade é que remete para todo um processo e todo um contexto, ou seja,
29. da discussão sobre as funções que a lei orgânica onde o requerente exerce consultadoria jurídica permite ou não, não se pode retirar um dos pormenores isoladamente para dizer-se que está assente aquela conclusão,
30. tanto mais que não só era apenas uma discussão teórica sobre as várias imagens possíveis da lei orgânica,
31. como inclusivamente, a única a atender-se seria a que o próprio Director Regional, órgão máximo do jurista, declarou expressamente frente à realidade de a três meses da inscrição definitiva como advogado ter desaparecido a norma orgânica, porque só esta é que é a que interessa à justiça do caso.
32. Mas, mesmo que se quisesse seguir aquela imagem (nº 27 supra), sempre haveria de colocar-se a este Tribunal um dilema: afinal, das duas coisas em processo, a discussão teórica e a declaração do Director Regional, qual delas se vai seguir?
33. A resposta, atenta a realidade dos factos, mas não só, obriga uma resposta justa, proporcional e baseada na realidade/factos e não em extrapolações teoréticas, tanto mais que a remissão também abrange toda a argumentação do requerente para a contradizer”.
Ouvido sobre a reclamação, o Conselho Superior da Ordem dos Advogados pronunciou-se no sentido de dever ser mantida a decisão sub specie, já que o acórdão impugnado também aplicou a norma do nº 2 do artº 69º do Estatuto da Ordem dos Advogados numa «dimensão material», ao se reportar a que o então recorrente e ora reclamante não exercia, na função para a qual foi nomeado, funções de exclusiva consultadoria jurídica.
Cumpre decidir.
3. Refira-se, num primeiro passo, que a reclamação ora em apreço não logra demonstrar que, quer no extensíssimo requerimento de interposição de recurso, quer no requerimento apresentado na sequência do convite que, neste Tribunal, foi endereçado ao impugnante, o mesmo tivesse enunciado, de forma clara e perceptível, qual a dimensão normativo do preceito contido no nº 2 do artº 69º do Estatuto da Ordem dos Advogados que pretendia que fosse objecto de análise por parte deste Tribunal.
Seja como for, na decisão em causa foi concluído que o acórdão tirado no Tribunal Central Administrativo, ao remeter para a fundamentação carreada à sentença lavrada no Tribunal Administrativo e Fiscal agregado de Ponta Delgada, acolheu que o desempenho de funções no cargo para o qual o recorrente fora nomeado não se circunscrevia somente à consultadoria jurídica, razão pela qual não aplicou, em concreto, aquele preceito numa dimensão interpretativa de acordo com a qual na incompatibilidade do exercício da advocacia previsto na alínea i) do seu nº 1, se compreendiam os funcionários e agentes administrativos que, ainda que isso não resultasse expressamente dos respectivos quadros orgânicos, exercessem, na realidade, funções exclusivas de mera consultadoria jurídica.
E, quanto a este aspecto, a reclamação ora em causa não infirma esta circunstância, aditando-se que este Tribunal, confinado que está ao controlo da constitucionalidade normativa, tem de aceitar a matéria de facto assente pelos tribunais onde foram proferidas as decisões perante ele impugnadas, não podendo, desta sorte, equacionar e decidir questões tais como a que se surpreende nos items 30 a 34 da peça reclamatória.
Em face do que se deixa dito, indefere-se a reclamação, condenando-se o impugnante nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em quinze unidades de conta.
Lisboa, 3 de Dezembro de 2003
Bravo Serra Gil Galvão Luís Nunes de Almeida