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Proc. N.º 630/03
1.ª Secção Relator: Cons. Rui Moura Ramos
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – A CAUSA
1. O Ministério Público, junto do Tribunal da Relação de Guimarães, requereu a extradição para a Ucrânia do nacional deste país A., cidadão ucraniano, alegando factos (os descritos sumariamente a fls. 3 e 4) correspondentes, no direito penal deste Estado, à prática de um crime de burla
(artigo 191.º, n.º 5 do Código Penal da Ucrânia de 2001), punível com pena de prisão de 7 a 12 anos [tais factos corresponderiam, no direito penal português, a crimes de falsificação de documentos (artigos 256.º e 257.º do Código Penal), puníveis, respectivamente, com prisão de um mês a 5 anos e de 1 a 8 anos].
Tal pedido – que foi considerado admissível, por despacho da Senhora Ministra da Justiça de 2 de Maio de 2003 (de fls. 56) -, foi fundamentado pelo Ministério Público no artigo 2.º da Convenção Europeia de Extradição [refere-se à Convenção de Paris do Conselho da Europa, aprovada e ratificada com os seus dois protocolos adicionais, pela Resolução da Assembleia da República n.º 23/89, de
8/11/1988 e pelos Decretos do Presidente da República n.ºs 57/89, de 26 de Julho e 23/90, de 5/4/1990 (adiante designada CEEx)] e no artigo 31.º da Lei n.º
144/99, de 31 de Agosto (Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, adiante designada LCJIMP).
O Extraditando, na sua primeira audição, declarou opor-se à extradição (fls.
47/48), deduzindo oposição e indicando prova testemunhal e documental. (fls.
79/80), consistente na inquirição de dez testemunhas, seis delas residentes na Ucrânia e na junção de oito documentos, seis deles redigidos em língua ucraniana, requerendo o seguinte:
“A. Nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 26.º, n.º 2, al. a), da Lei
144/99, de 31 de Agosto, (requer) a notificação das testemunhas indicadas sob os n.ºs 3 a 8 desta oposição (as residentes na Ucrânia) e como meio indispensável
à obtenção dos respectivos depoimentos em condições de liberdade, para que sejam inquiridas neste Tribunal da Relação, a expensas do Estado Ucraniano, inclusivé no que diz respeito ao preço das respectivas viagens e da sua estadia em Portugal, sem prejuízo do adiantamento previsto no n.º 3 do mesmo preceito; B. Que, ao abrigo das mesmas disposições legais e ainda da al. f) do citado n.º
2, se ordene a tradução dos documentos ora juntos a expensas do Estado Ucraniano, uma vez que o arguido não dispõe dos meios necessários para tal.”
Ambas as pretensões foram desatendidas (despacho de fls. 111 e v.º), indicando-se como possível alternativa a apresentação das testemunhas residentes na Ucrânia na sessão designada para produção da restante prova testemunhal.
Veio então o Extraditando (requerimento de fls. 132/133) solicitar o adiamento da inquirição e que a audição daquelas testemunhas ocorresse “através de teleconferência ou por carta rogatória”, concedendo-se-lhe o benefício do apoio judiciário, sendo que este, porém, consistiria “na modalidade de dispensa total de despesas, nomeadamente as que ocorrerem com as viagens e estadia em Portugal das testemunhas residentes no estrangeiro, devendo ser suportadas e adiantadas pelos Cofres do Estado” (refere-se, obviamente, ao Estado português).
Na audiência de inquirição de testemunhas (fls. 135/138), tendo o Extraditando declarado não prescindir da inquirição das tais testemunhas residentes na Ucrânia, e pretendido juntar mais prova documental em língua ucraniana, foi proferido, pelo Juiz Desembargador relator, o seguinte despacho:
“Conforme já referimos em despachos anteriores, o prazo previsto na Lei 144/99, de 31/08 é manifestamente incompatível com as diligências que ora são requeridas. Daí que se indefira a pretensão formulada pelo ilustre mandatário do extraditando no tocante à inquirição das testemunhas residentes na Ucrânia. Do mesmo modo que inexiste fundamento legal para a junção aos autos, nesta sede, dos documentos ora exibidos (art.º 55.º do citado diploma). Assim, indefere-se, também, a junção aos autos dos citados documentos.”
Procedeu-se de seguida à inquirição das testemunhas indicadas, residentes em território nacional (inquirição que se estendeu, por solicitação do Extraditando, à questão do pedido de apoio judiciário), terminando-se a diligência com o indeferimento do pedido de apoio judiciário (“Em face da gratuitidade do processo...”).
Alegaram de seguida, nos termos do artigo 56.º, n.º 2 da LCJIMP, o Ministério Público e o Extraditando. O primeiro, considerou verificados os pressupostos da extradição. O segundo, pugnando pela recusa desta afirmou o seguinte:
“.......................................................................................................... Está em causa (...) a constitucionalidade do artigo 26.º, n.º 2 al. a) e f), da Lei n.º 144/99, na interpretação que dele subscreveu este venerando Tribunal da Relação e que (...) ofende o artigo 20.º, n.º 1, e o art. 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, em especial o seu n.º 1 (direito ao exame equitativo da causa) e a alínea b) (direito de obter a convocação e o interrogatório das testemunhas de defesa nas mesmas condições que as testemunhas de acusação) do seu n.º 3.
......................................................................................................”
Proferiu então o Tribunal da Relação de Guimarães, Acórdão (fls. 285/292) julgando verificados os requisitos da extradição e decretando-a [note-se que uma primeira decisão da Relação (fls. 163/170) fora anulada pelo Supremo Tribunal de Justiça (Acórdão de fls. 240/247); v. nota dois do Acórdão de fls. 327 v.º]. Neste aresto, com interesse para as questões colocadas no presente recurso, refere o Tribunal da Relação:
“........................................................................................................... Não há razões pessoais que impeçam a extradição. Nestes termos, e uma vez que o requerido é a pessoa reclamada e se mostram verificados os pressupostos da extradição, deve a mesma ser concedida. E nem se diga, como o requerido que ao não serem inquiridas as testemunhas residentes na Ucrânia e ao não deferir-se a solicitada tradução dos documentos, tal conduz a uma total ineficácia da sua defesa. É que, como já tivemos oportunidade de referir anteriormente (cfr. despacho de fls. 111 e 134), a natureza urgente do processo de extradição é incompatível com as diligências que o requerido pretende que sejam realizadas. De facto tais diligências, são objectivamente impraticáveis. Daí que, a nosso ver, e salvo o devido respeito, as garantias de defesa do requerido foram asseguradas, nada havendo, por conseguinte, a reparar.
...........................................................................................................”
1 .1. Inconformado com esta decisão dela recorreu o Extraditando para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), sendo de reter, das respectivas alegações (fls.
295/302), as seguintes passagens:
“........................................................................................................ O arguido na oposição que apresentou ao pedido de extradição, requereu, ao abrigo do disposto no artigo 26.º, n.º 2, al. a), da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, a notificação de várias testemunhas que arrolou, residentes na Ucrânia. Mais requereu, “como meio indispensável à obtenção dos respectivos depoimentos em condições de liberdade”, que essas testemunhas fossem “inquiridas neste tribunal da Relação, a expensas do Estado Ucraniano, inclusive no que diz respeito ao preço das respectivas viagens e da sua estadia em Portugal”. Ao abrigo daquela disposição legal e ainda da al. f) do citado n.º 2, requereu também que a tradução dos documentos por si juntos aos autos fosse efectuada “a expensas do Estado Ucraniano, uma vez que o arguido não dispõe de meios necessários para tal”. Tendo sido notificado da designação da data para a inquirição de testemunhas e
“para, querendo, apresentar as testemunhas residentes fora do território nacional”, e, portanto, do indeferimento tácito do pedido que formulou. O arguido deduziu nova pretensão, subsidiária da anterior, pedindo que, pelo menos: fosse “designada outra data para a inquirição de testemunhas de forma a possibilitar ao requerente apresentar neste Tribunal as que residem no estrangeiro” ou caso assim se não entendesse, “proceder à sua audição através de teleconferência ou por carta rogatória.” Requereu também, nessa oportunidade, o benefício do apoio judiciário “na modalidade de dispensa total de despesas, nomeadamente as que ocorressem com as viagens e estadia em Portugal das testemunhas residentes no estrangeiro, devendo ser suportadas e adiantadas pelos Cofres do Estado”. As pretensões do arguido foram indeferidas com o único fundamento de que o processo de extradição tem natureza urgente e os respectivos prazos são peremptórios.
.............................................................................................................”
(sublinhado acrescentado)
E mais adiante disse:
“........................................................................................................... Se vier a considerar-se que a decisão respeita o disposto no artigo 26.º, n.º
2, als. a) e f), da Lei n.º 144/99 (...), terá de equacionar-se – e fica suscitada - a inconstitucionalidade dessas normas, na interpretação que delas subscreveu o venerando Tribunal da Relação e que, salvo o devido respeito (...) ofende o artigo 20.º, n.º 1, e o artigo 32.º, n.º 1 da CRP e o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
...........................................................................................................”
(este aspecto das alegações tem correspondência na conclusão 11 das alegações a fls. 300 v.º).
1.2. Admitido o recurso no STJ, proferiu este, em conferência, o Acórdão de fls.
327/333, julgando:
“(manifestamente) improcedente o recurso oposto pelo cidadão ucraniano A. à decisão da Relação de Guimarães que (...) deferiu o pedido da Ucrânia com vista
à sua extradição para julgamento, ante as justiças comuns de Poltava, por um crime-reportado a Nov. 99 – previsto pelo artigo 86.º, n.º 1 do Código Penal da Ucrânia de 1960 e punível nos termos do artigo 191, n.º 5 do Código Penal da Ucrânia de 2001.”
Desta decisão do STJ, pelo seu especial interesse para este recurso, transcreve-se a seguinte passagem:
“.............................................................................................................
5.1. É certo que, com vista à prova destas “razões sérias”, nem todas as diligências requeridas pelo extraditando puderam ser levadas a cabo: das 10 testemunhas arroladas, só as quatro residentes em Portugal foram ouvidas [se bem que o tribunal haja dado ao arguido a possibilidade – que ele não quis ou não pôde aproveitar (a pretexto de que competiria ao Estado requerente da extradição o custeio da sua deslocação e estadia em Portugal) – de apresentar em juízo as testemunhas residentes na Ucrânia]. E dos oito documentos apresentados, os seis redigidos em língua ucraniana ficaram por traduzir (pois que o extraditando, em lugar de anexar a respectiva tradução, preferiu requisitá-la, “a expensas do Estado ucraniano”, ao próprio tribunal).
5.2. Porém, devendo “as diligências requeridas ser efectivadas no prazo máximo de 15 dias” (art. 56.1 da Lei 144/99), é óbvio que, neste âmbito, só poderiam ser requeridas ou oficiosamente determinadas diligências previsivelmente compatíveis com aquele prazo máximo da instrução. Ora, não o seria, logo, a tradução de documentos redigidos em língua eslava “a expensas do Estado ucraniano”, pelo próprio tribunal (quando ao requerente seria mais fácil
– e mais rápido – obtê-la entre os seus compatriotas imigrados em Portugal e respectivas associações). É certo que o tribunal poderia ter tomado a iniciativa de os mandar traduzir, pois que, ao indeferir (v. despacho de 30Mai03, a fls.
111v) “a pretensão do requerente no que toca à tradução dos documentos que apresentou”, se limitou a indeferi-la “enquanto encargo do mesmo Estado”. No entanto, importaria que se tratasse de documentos de cuja necessidade de tradução o requerente tivesse convencido – e não convenceu – o tribunal requerido (cfr. art. 166.1 do Código de Processo Penal). Na verdade, não passavam (v. fls. 271) de “artigos de jornais, alguns deles de opinião, sobre a política ucraniana e a situação geral do país” ou de “artigos sobre as actividades do requerente e da esposa, em Portugal, desenvolvidas no seio de uma associação de apoio aos imigrantes”.
5.3. Igualmente “impraticáveis” – no “prazo máximo” da instrução – seriam não só a convocação para comparência em Portugal (com prévia exigência ao Estado requerente de cobertura das respectivas despesas de deslocação e estadia) de testemunhas residentes na Ucrânia, como as alternativas sugeridas pelo requerente três dias antes da data da inquirição (fls. 126 e ss.): a inquirição das testemunhas residentes no estrangeiro por teleconferência ou carta rogatória.
5.4. Aliás, “a remuneração de testemunhas, bem como as despesas de viagem e estada” – que o art. 26, n.º 2 da Lei 144/99 coloca a cargo da entidade internacional que formula o pedido de cooperação- não cobrem as despesas de deslocação e estadia das testemunhas não residentes que o extraditando entenda dever fazer ouvir pelo tribunal – mas, simplesmente, os “actos particulares de auxílio internacional” (arts. 153.º e ss.), no quadro do pedido internacional de
“notificação [que, aliás, não obriga o destinatário] destinado a comparência de uma pessoa para intervir em processo estrangeiro na qualidade de suspeito, arguido, testemunha ou perito” (art. 154, n.º 1).
5.5. Mas, mesmo que este “acto particular de auxílio internacional” fosse, genericamente, compatível com o processo de extradição, não se vê que, especificamente, o fosse ou pudesse ser, pois que – segundo o art. 154, n.º 5 –
“o pedido de notificação deve ser transmitido com antecedência razoável, de forma a ser recebido até 50 dias antes da data em que a pessoa deve comparecer”.
5.6. E, se bem que “em caso de urgência, possa admitir-se o encurtamento do prazo” (n.º 6), nunca esse encurtamento poderia conter-se – de maneira a consentir uma “antecedência razoável” – no prazo máximo de 15 dias de instrução judicial do processo de extradição.
...........................................................................................................”
1.3. É desta decisão que o Extraditando recorre para este Tribunal
(fls.336), ao abrigo da alínea b) do nº 1, do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro (adiante designada LTC), recurso reportado às:
“(...) Normas contidas no artigo 26º, nº 2, alíneas a) e f), da Lei nº 144/99, de 31 de Agosto, na interpretação que delas subscreveu o douto acórdão impugnado, segundo a qual, nos processos de extradição, só podem ser requeridas ou oficiosamente determinadas diligências previsivelmente compatíveis com o prazo de quinze dias previsto no nº 1 do artigo 56º da mesma Lei nº 144/99.”
Recebido o recurso no Tribunal Constitucional, foram produzidas as alegações das partes. Quanto às do recorrente, terminaram com as seguintes conclusões:
“1. O douto acórdão recorrido interpretou as normas contidas nas als. a) e f) do nº 2 do artº 26º da Lei 144/99, de 31 de Agosto, restringindo a sua aplicação às hipóteses de diligências de prova compatíveis com o prazo de quinze dias previsto no nº 1 do artº 56º do mesmo diploma,
2. e, com base nessa interpretação, impediu o ora Recorrente de produzir a prova testemunhal e documental de que dispunha.
3. Essa interpretação, na medida em que se sacrifica à celeridade processual os mais elementares direitos de defesa do Arguido (direito ao exame equitativo da causa; direito de dispor dos meios necessários para a preparação da defesa; e direito de obter a convocação e o interrogatório das testemunhas de defesa nas mesmas condições que as testemunhas de acusação), ofende o disposto nos arts.
20º, nº 1 e 32º, nº 1, CRP, e no artº 6º, nº 1, e nº 3, als b) e d), da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, pelo que está ferida de inconstitucionalidade material.”
Por sua vez o Ministério Público, pugnando pelo não conhecimento do objecto do recurso, concluiu o seguinte:
“ 1 - O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça não aplicou, como “ratio decidendi” a norma constante no artigo 26º, nº 2, alíneas a) e f), já que a questão – de natureza “tributária” – aí regulada, no que concerne ao pagamento de indemnizações e despesas pela realização de diligências probatórias em processo de extradição, só tem de ser dirimida pelo tribunal se, previamente, no plano processual, se tiver entendido que as diligências requeridas são possíveis
e úteis, face à natureza, urgência e fins do processo de extradição.
2. – O recorrente não suscitou – durante o processo e em termos procedimentalmente adequados – a questão de constitucionalidade atinente à norma do artigo 56º, nº 1, da Lei nº 144/99, interpretada no sentido de que a natureza urgente do processo de extradição e a consequente improrrogabilidade do prazo aí cominado justificam a ponderação judicial e da viabilidade e utilidade das diligências probatórias requeridas.”
Esta posição do Ministério Público foi notificada ao recorrente, que lhe respondeu nos termos constantes de fls. 310, defendendo que a decisão recorrida aplicou as normas do artigo 26º, nº 2, alíneas a) e f) da LCJIMP.
II – Fundamentação
2. Estando em causa um recurso interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º da LTC (recurso das decisões que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo), importará verificar se o recorrente, no decurso do procedimento visando a sua extradição, colocou em termos apropriados ao Tribunal recorrido uma questão de inconstitucionalidade normativa, e que a norma assim visada tenha sido efectivamente aplicada, configurando-se, relativamente à decisão, como determinante da solução alcançada (cfr. quanto à vasta jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre os pressupostos deste tipo de recurso, António de Araújo e Joaquim Pedro Cardoso da Costa, III Conferência da Justiça Constitucional da Ibero-América, Portugal e Espanha – relatório português, BMJ n.º 493, Lisboa 2000, págs. 26/27).
Rememorando os passos mais significativos do processo, desde a formulação do pedido de extradição pela justiça ucraniana até à decisão do STJ e subsequente recurso para este Tribunal, captam-se com nitidez os elementos relevantes para a apreciação da questão prévia suscitada pelo Ministério Público.
2.1. A oposição à extradição por parte do recorrente assenta na invocação da existência de determinados requisitos “negativos da cooperação internacional” previstos no artigo 6.º, n.º 1 da LCJIMP [processo não respeitador das exigências da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (artigo 6.º, n.º 1, a));
“(...) fundadas razões para crer que a cooperação é solicitada com o fim de perseguir ou punir” o recorrente “em virtude (...) das suas convicções políticas ou ideológicas (...)” (artigo 6.º, n.º 1 b)); risco de agravamento da situação processual do Extraditando em função dessas convicções políticas (artigo 6.º, n.º 1, c))] e no artigo 3.º, n.º 2 da CEEx [não concessão da extradição “se a Parte requerida tiver sérias razões para crer que o pedido (...) motivado por uma infracção de direito comum foi apresentado com o fim de perseguir ou punir uma pessoa em virtude” das suas “convicções políticas” ou que estas vão agravar
a sua situação].
A prova destes requisitos negativos pretendeu o Extraditando alcançá-la através da inquirição de testemunhas e da junção de alguns documentos. No que respeita
à prova testemunhal, importa sublinhar que das dez testemunhas oferecidas, seis residiam na Ucrânia, sendo propósito do recorrente que estas, para que o seu depoimento ocorresse, segundo referiu, em “condições de liberdade”, fossem inquiridas em Portugal, custeando o Estado ucraniano a sua deslocação e estadia,
“ao abrigo do disposto no artigo 26.º, n.º 2, al. a), da Lei 144/99” (v. fl. 80 e v.º). Quanto aos documentos juntos (maioritariamente cópias de artigos de jornal), estando escritos em língua ucraniana, pretendia, invocando o mesmo fundamento, a sua tradução também “a expensas do Estado ucraniano”.
Tais diligências de prova (audição em Portugal de pessoas residentes na Ucrânia e tradução de documentos) foram indeferidas pelo despacho de fls. 134, por terem sido consideradas incompatíveis com o prazo de 15 dias estabelecido no n.º 1 do artigo 56.º da LCJIMP, ou seja do prazo máximo estabelecido para realização em processo de extradição das “diligências que tiverem sido requeridas”, bem como das “que o juiz relator entender necessárias”. Na audiência de produção de prova
(fls. 135/138) foi reafirmada (despacho de fls. 136) esta rejeição sempre com o mesmo fundamento (incompatibilidade com o prazo do artigo 56.º).
Da mesma forma, em ambas as decisões do Tribunal da Relação (fls. 170 e 292) foi expressamente consignado que o carácter urgente deste processo era incompatível com o tipo de diligências requeridas pelo Extraditando, sem que alguma vez a questão do pagamento das despesas assim, eventualmente, originadas tivesse sido equacionada enquanto fundamento de rejeição dessas provas.
Não obstante, o recorrente, embora tenha compreendido que as suas pretensões haviam sido indeferidas “com o único fundamento de que o processo de extradição tem natureza urgente e os respectivos prazos são peremptórios” (fls. 201), sempre foi construindo ao longo do processo a questão de inconstitucionalidade por referência ao artigo 26.º, n.º 2, alíneas a) e f) da LCJIMP (v. a questão de constitucionalidade suscitada a fls. 202, nas alegações de recurso para o STJ e, já anteriormente, a fls. 161, nas alegações produzidas junto do Tribunal da Relação).
Ora, chegados, com base nestes pressupostos, à decisão recorrida ( o Acórdão do STJ de fls. 327/333) verificamos que esta, na parte que diz respeito a este recurso (ponto 5 do Acórdão a fls. 331 e v.º), o que faz é confirmar o entendimento do Tribunal da Relação segundo o qual trazer seis pessoas da Ucrânia a Portugal para deporem como testemunhas e traduzir, por iniciativa de um Tribunal português, diversos artigos de jornal em língua ucraniana, é incompatível com o prazo máximo em que a produção de prova deve ter lugar em processo de extradição.
Ou seja, ao longo do processo, as diversas decisões que foram recaindo sobre a pretensão do Extraditando, começando pelas proferidas pelo Desembargador Relator, passando pelos dois Acórdãos do Tribunal da Relação, em conferência, e culminando no Acórdão aqui recorrido do STJ, sempre se traduziram na aplicação, enquanto ratio decidendi, do artigo 56.º, n.º 1 da LCJIMP, fundamentando-se invariavelmente no entendimento de que as diligências de prova pretendidas, por serem incompatíveis com o prazo de 15 dias previsto nessa norma, não poderiam ser acolhidas.
Quanto ao Extraditando, na tentativa de construção de uma questão de inconstitucionalidade normativa, sempre optou pela referência ao artigo 26.º da LCJIMP, ignorando que uma coisa é indeferir uma diligência de prova por ela ser incompatível com um prazo peremptório curto e outra coisa, completamente distinta, seria negar a mesma diligência com o fundamento de que o seu custo não constituía, face ao citado artigo 26.º, encargo do Estado ucraniano ou do Estado português. Como acertadamente sublinha o Ministério Público, trata-se de questões perfeitamente autónomas e com sedes normativas bem diferenciadas.
2.2. Significa isto que no momento processualmente relevante – isto é, antes da decisão recorrida – nunca o recorrente colocou a questão da desconformidade constitucional do artigo 56.º, n.º 1 da LCJIMP, entendido como inviabilizando diligências de prova que fossem consideradas incompagináveis com o prazo nele estabelecido. Não obstante, essa questão (a norma a que se refere) era ostensivamente previsível enquanto fundamento da decisão recorrida, sendo certo que todas as decisões tomadas até aí sempre se haviam fundado nesse referencial normativo.
a primeira alusão do Extraditando ao artigo 56.º, n.º 1, aparece-nos, já posteriormente à decisão recorrida, no requerimento de interposição do recurso para este Tribunal (v. fl. 336) e, mesmo assim, sempre por referência ao (jamais aplicado) artigo 26.º, n.º 2. Ora, não oferece qualquer dúvida que, não ocorrendo (como aqui não ocorre) qualquer aplicação imprevisível de uma norma, o próprio requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade não constitui momento idóneo de suscitação atempada da questão de constitucionalidade (v., entre muitos outros, o Acórdão n.º 205/92, Acórdãos do Tribunal Constitucional, Vol. 22, pág. 529).
2.3. Este entendimento em nada é posto em causa pela circunstância do Acórdão recorrido conter uma pequena referência ao artigo 26º, nº 2 da LCJIMP
(ponto 5.4. do Acórdão de fls, 331 e vº), afirmando não serem abrangidas por este “as despesas de deslocação e estadia das testemunhas não residentes que o Extraditando entenda fazer ouvir pelo tribunal”. Este trecho da decisão, como decorre do seu contexto e é sublinhado pelo uso do advérbio «aliás», assume a natureza de «argumento de exaustão» não directamente ligado à questão de fundo, que sempre foi a da compatibilidade das diligências requeridas com o prazo do artigo 56º, nº 1 da LCJIMP. No processo argumentativo de uma decisão judicial importa distinguir entre o que é directamente determinante dessa decisão e o que, não obstante constar dela, não apresenta esse carácter. No primeiro caso estamos perante a ratio decidendi, no segundo perante um obiter dictum, sendo que este – o dictum – não tem a especial cobertura conferida aos pronunciamentos judiciais, não formando caso julgado (v. João Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, Lisboa 1968, pág. 203), nem legitimando – e é isso o que aqui nos interessa - um recurso de constitucionalidade [v., entre muitos outros, Acórdão nº 206/92 (D.R. – II Série, de 12/9/92); Acórdão nº
636/94 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. Nº 29º, pág. 265); Acórdão nº
364/96 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 33º. Pág. 489)].
III. Decisão
3. Termos em que se decide não tomar conhecimento do presente recurso.
Custas pelo recorrente (neste sentido Acórdão nº 56/2000, inédito), fixando-se em 8 Ucs a taxa de justiça Lisboa, 19 de Novembro de 2003 Rui Manuel Moura Ramos Artur Maurício Maria Helena Brito Carlos Pamplona de Oliveira Luís Nunes de Almeida