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Proc. n.º 816/03
1ª Secção Relatora: Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A. e B. interpuseram recurso para este Tribunal do acórdão proferido nos autos pelo Supremo Tribunal de Justiça que rejeitou o recurso por eles interposto do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, através do qual tinha sido confirmada a decisão do Tribunal Colectivo da Comarca de Castelo Branco que havia condenado os arguidos pela prática de crimes previstos e puníveis por normas constantes do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro e, quanto ao segundo arguido, também pela prática de crime de arma proibida previsto e punível pelo Código Penal.
O recurso para o Tribunal Constitucional foi interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, para apreciação da inconstitucionalidade das seguintes normas: por um lado, dos artigos 58º, n.º 1, alíneas a) e c), e 356º, n.º 7, do Código de Processo Penal; por outro lado, dos artigos 412º, 417º, 428º, n.º 1, e 434º do mesmo Código, numa dada interpretação.
2. No Tribunal Constitucional, foi proferido despacho pela Relatora
(fls. 774 e seguinte), determinando a produção de alegações e delimitando o objecto do recurso, nos seguinte termos:
“Tendo o presente recurso sido interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, o Tribunal Constitucional apenas pode dele conhecer se o recorrente tiver suscitado, durante o processo, a inconstitucionalidade das normas que vem submeter a fiscalização do Tribunal (ou de determinada interpretação dessas normas) e se essas normas (ou as normas, com essa interpretação) tiverem sido aplicadas na decisão recorrida, como seu fundamento normativo, não obstante a acusação de inconstitucionalidade. No caso dos autos, os recorrentes pretendem que o Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade das seguintes normas: por um lado, dos artigos
58º, n.º 1, alíneas a) e c), e 356º, n.º 7, do Código de Processo Penal; por outro lado, dos artigos 412º, 417º, 428º, n.º 1, e 434º, do mesmo Código, numa dada interpretação. Ora, resulta claramente dos autos que os recorrentes não suscitaram de modo adequado, perante o tribunal recorrido, a questão da inconstitucionalidade relativamente ao primeiro grupo de normas, sendo certo que tiveram oportunidade processual para o fazer (cfr. o texto das alegações produzidas perante o Supremo Tribunal de Justiça, designadamente a conclusão 23ª, em que é imputada a inconstitucionalidade à decisão então recorrida, e não a qualquer norma nela aplicada). Não podem assim as normas incluídas nesse primeiro grupo constituir objecto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional. Notifique as partes para apresentarem as suas alegações, tendo em conta a delimitação do objecto do recurso constante deste despacho.”
3. Notificados de tal despacho, vêm os recorrentes reclamar para a conferência, nos termos do artigo 700º, n.º 3, do Código de Processo Civil, invocando:
“[...]
3º Salvo o devido respeito, parece aos reclamantes que tal entendimento é demasiado restritivo do que estes afirmam nas alegações que produziram para o STJ.
4° Com efeito, como resulta da douta decisão ora relatada, foi apontado que os aqui reclamantes não apontaram «de modo adequado» a questão da inconstitucionalidade por se imputar a mesma «à decisão então recorrida, e não a qualquer norma nela aplicada».
5° Salvo o devido respeito por melhor opinião contrária, não é essa a leitura que resulta da citada conclusão 23ª das alegações, produzidas pelos então reclamantes perante o Supremo Tribunal de Justiça.
6° Conforme aí se concluiu «ao assim não decidir o douto acórdão violou, ou interpretou erradamente, designadamente, o disposto [...] no artigo 58°, [...],
356°, do C.P.P., com referência [...] ao artigo 32° da C.R.P».
7° Isto é, claramente, refere-se ter havido uma interpretação errada dos citados preceitos, quando conjugados com o artº 32º da CRP.
8° E se bem (e desde já se penitencia o recorrente) que a redacção da citada conclusão pudesse ser mais clara.
9º Por outro lado, no próprio texto das alegações menciona-se que a interpretação dada àqueles artigos do CPP, «A posição referida na douta decisão em causa, inverte completamente o disposto na lei processual penal e constitucional». Ora,
10º «A aplicação da norma tanto pode ser expressa como implícita [...] e a questão da inconstitucionalidade tanto pode reportar-se apenas a certa dimensão ou trecho da norma como a uma certa interpretação da mesma» [...].
[...]
12º Pelo que, salvo o devido respeito, sempre se deveria ter admitido o recurso na sua plenitude.
[...].”
4. O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional, notificado para se pronunciar sobre a reclamação deduzida, respondeu:
“1º A presente reclamação é manifestamente infundada.
2º Na verdade, é evidente que os recorrentes não suscitaram, durante o processo e em termos procedimentalmente adequados, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, quanto às «normas» excluídas do objecto do recurso.”
5. O Tribunal Constitucional apenas pode conhecer dos recursos interpostos ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC se os recorrentes tiverem suscitado, durante o processo, a inconstitucionalidade das normas que pretendem submeter à fiscalização do Tribunal (ou de determinada interpretação dessas normas) e se essas normas (ou as normas, com essa interpretação) tiverem sido aplicadas na decisão recorrida, como seu fundamento normativo, não obstante a acusação de inconstitucionalidade.
É o que decorre do citado preceito da LTC, assim como do artigo 72º, n.º 2, da mesma Lei, que dispõe que “os recursos previstos na alínea b) [...] do n.º 1 do artigo 70º só podem ser interpostos pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade [...] de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer”.
Ora, no caso dos autos, os recorrentes não suscitaram de modo processualmente adequado, perante o tribunal recorrido, a questão da inconstitucionalidade relativamente às normas constantes dos artigos 58º, n.º 1, alíneas a) e c), e 356º, n.º 7, do Código de Processo Penal, sendo certo que tiveram oportunidade para o fazer.
Na verdade, os recorrentes concluíram assim as alegações que produziram perante o Supremo Tribunal de Justiça (fls. 718 a 726 vº):
“[...]
22ª. Devem os arguidos ser absolvidos dos crimes de que vêm acusados, ou, caso assim não se entenda, devem os mesmos ser apenas condenados a título de pequeno tráfico para consumo (art. 25º, al. a) do DL 15/93, de 22/01).
23ª. Ao assim não decidir o douto acórdão recorrido violou, ou interpretou erradamente, designadamente, o disposto no art. 21º, 25º, al. a), 32º e 36º do DL 15/93, de 22/01; art. 59º, 352º, 356º e 374º do CPP; art. 14º, 17º, 70º, 71º,
109º e 275º do CP, com referência ao art. 3º do DL 207-A/75, de 17/04 e o art.
32º da CRP.”.
Não pode ver-se nas expressões utilizadas a imputação de inconstitucionalidade às normas que agora os recorrentes elegeram como objecto do recurso para o Tribunal Constitucional. Com efeito, nas alegações para o Supremo eles dirigiram a censura de inconstitucionalidade à decisão então recorrida, e não a qualquer norma nela aplicada.
Esta conclusão é de resto confirmada pelo teor da reclamação agora deduzida, onde os recorrentes continuam a referir, reportando-se a passagens das alegações produzidas perante o STJ, que “a posição referida na douta decisão em causa inverte completamente o disposto na lei processual penal e constitucional”.
Nada mais resta, pois, do que confirmar o despacho recorrido, que concluiu não ser possível conhecer da questão da inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 58º, n.º 1, alíneas a) e c), e 356º, n.º 7, do Código de Processo Penal no âmbito do presente recurso, interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
6. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em quinze unidades de conta, por cada um, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
Lisboa,19 de Dezembro de 2003
Maria Helena Brito Carlos Pamplona de Oliveira Rui Manuel Moura Ramos