Imprimir acórdão
Processo n.º 360/99
2ª Secção Relator - Paulo Mota Pinto
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional: I - Relatório
1. Em 25 de Março de 1992, no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, L... e mais vinte e três contratados a prazo pelo Gabinete da Área de Sines (G.A.S.), todos identificados nos autos, intentaram acção declarativa de condenação, em processo ordinário, contra o Estado Português, nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 297/91, de 16 de Agosto, disposição essa que permitiu que os credores do G.A.S. que não vissem os seus créditos reconhecidos pelo administrador liquidatário do G.A.S. impugnassem tal decisão no foro cível da comarca de Lisboa. Alegaram para tal que tinham sido contratados em 1983 através de contratos a prazo e que assim se mantiveram até 1989, altura em que o G.A.S. lhes comunicou a caducidade dos seus contratos, pelo que, nos termos da legislação aplicável, teriam à altura já adquirido estatuto de trabalhadores permanentes, e, por não verificação de qualquer outra causa de cessação do contrato de trabalho, teriam sido despedidos sem justa causa. O Ministério Público, em representação do Estado, contestou a pretensão à indemnização prevista no artigo 3º do Decreto-Lei n.º 372-A/75, de 16 de Julho, alegando que os Autores tinham sido contratados a prazo, que tinham tido oportunidade de se integrarem nos quadros da Administração Central, preferindo manter a situação em que se encontravam, que os departamentos em que os Autores trabalhavam tinham sido extintos ex vi legis (Decretos-Leis n.ºs 115/89, 116/89 e 117/89, todos de 14 de Abril) e que tal tinha sido feito ao abrigo do n.º 2 do artigo 23º do Decreto-Lei n.º 487/80, de 17 de Outubro. Por despacho-saneador-sentença de 17 de Setembro de 1996, do 9º Juízo do Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, foi considerada improcedente a acção, absolvendo-se o Réu de todo o pedido. Inconformados, recorreram os Autores de tal decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 9 de Julho de 1998, veio a conceder provimento parcial ao recurso, revogando a decisão recorrida e condenando o Estado a pagar a cada um dos autores, pela caducidade dos contratos de trabalho decorrente da sua intervenção legislativa, uma indemnização fixada nos termos do artigo 20º do Decreto-Lei n.º 372-A/75, de 16 de Julho, acrescida de juros de mora à taxa legal. Ainda inconformados, os Autores interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, tal como o Ministério Público, mas aquele Supremo Tribunal negou provimento a ambos os recursos, confirmando a decisão recorrida, por acórdão de
14 de Abril de 1999.
2. Desta última decisão trazem os Autores recurso a este Tribunal para verem apreciada a inconstitucionalidade do disposto no artigo 4º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 115/89, de 14 de Abril, do disposto no artigo 8º, n.º 6 do Decreto-Lei n.º 116/89, de 14 de Abril, e do disposto no artigo 4º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 117/89, de 14 de Abril, por tais normas 'violarem o direito à
«segurança no emprego», estatuindo sobre matéria de ‘direitos, liberdades e garantias’, sem que o Governo dispusesse de autorização legislativa da Assembleia da República, situação que é violadora do disposto nos artigos 18º,
53º e 165º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa.' Nas suas alegações, concluíram assim:
'1º – O disposto no art. 4º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 115/89, no art. 8º, n.º
6, do Decreto-Lei n.º 116/89 e no art. 4º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 117/89, todos de 14 de Abril de 1989, é inconstitucional, quer do ponto de vista material, quer do ponto de vista orgânico, já que
2º – Tais normas, além de violarem o direito ao emprego dos 24 Recorrentes, como trabalhadores adstritos a contratos individuais de trabalho, dispõem sobre matéria de ‘direitos, liberdades e garantias’, sem que o Governo estivesse autorizado pela Assembleia da República a legislar sobre tal matéria, pelo que
3º – Tais obrigações violam os arts. 53º, 18º, n.º 3, e 168º, alínea b) da Constituição da República Portuguesa.
4º – Havendo uma relação de trabalho subordinado entre os 24 Recorrentes e o extinto Gabinete da Área de Sines (GAS), pelo simples facto de o
‘estabelecimento, onde aqueles prestavam serviço, ter sido transmitido para outra pessoa (seja a Direcção de Recursos Naturais, seja o IGAPE, seja a Câmara Municipal de Santiago do Cacém), não se criou uma situação de impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de aqueles continuarem a prestar o seu trabalho no mesmo posto de trabalho ou de o GAS (ou quem o substituiu) o receber. pelo que
5º – Desse facto nunca poderia resultar a caducidade dos contratos individuais dos 24 Recorrentes, tendo em conta a legislação laboral aplicável (arts. n.º
49.408, de 24/11/69, e bem assim o disposto nos arts. 4º, alínea b), e 8º, n.º
1, alínea b), e n.º 2, ambos do Decreto-Lei n.º 372-A/75, de 16 de Julho).
6º – Tal caducidade só foi possível porque os Diplomas em questão (Decretos Lei n.ºs 115/89, 116/89 e 117/89) criaram as condições para a sua declaração.
7º – Nessa medida, o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, ao considerar a caducidade dos contratos de trabalho dos 24 Recorrentes e, dessa forma, não lhes ter assegurado o direito de acompanharem o posto de trabalho que foi transmitido para as Entidades que beneficiaram das transmissões operadas pelos mesmos Diplomas, ofendeu também o princípio constitucional do Direito ao Emprego consagrado no citado art. 53º da Constituição da República Portuguesa.' Por sua vez, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto em funções neste Tribunal encerrou assim as suas contra-alegações:
'1º – Não é inconstitucional a interpretação normativa dos preceitos legais que determinam, como acto preparatório da extinção de certo instituto público, a extinção de certos departamentos que o integravam, conduzindo tal facto à impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, de os trabalhadores prestarem o seu serviço e a empresa o receber, e determinando, por força e nos termos do artigo 8º do Decreto-Lei n.º 372-A/75, de 16 de Julho, então em vigor, a caducidade de tais relações laborais, ficando, todavia, reconhecido aos trabalhadores afectados o direito à indemnização, análogo ao que decorreria de um despedimento colectivo.
2º – Não tendo, na óptica da decisão recorrida, ocorrido qualquer 'transmissão do estabelecimento' – já que a simples afectação de certos equipamentos ao serviço da entidade extinta a outras pessoas colectivas públicas não é susceptível de se reconduzir a tal figura – não tem fundamento a pretensão, deduzida pelos trabalhadores, de, nos termos da legislação laboral aplicável, beneficiarem da aludida 'transmissão do estabelecimento', vendo as relações laborais de que eram titulares igualmente transmitidas.
3º– Termos em que deverá improceder o presente recurso, em conformidade com um juízo de constitucionalidade da interpretação normativa acolhida na decisão recorrida.' Cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentos A) Determinação do objecto do recurso
3. As normas que os recorrentes indicam como material e organicamente inconstitucionais têm a seguinte redacção: Decreto-Lei n.º 115/89, de 14 de Abril:
'Artigo 4º
(…)
3. Os contratos de trabalho celebrados pelo GAS, ao abrigo do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho (LCT), com pessoal que presta serviços no Departamento de projecto de Saneamento Básico caducam na data da entrada em vigor do presente diploma.' Decreto-Lei n.º 116/89, de 14 de Abril (com a declaração de rectificação publicada no Diário da República, II Série, de 29 de Abril de 1989):
'Artigo 8º
(…)
6. Os contratos de trabalho celebrados pelo GAS, nos termos do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, com pessoal que presta funções na zona de actuação directa caducam automaticamente na data de entrada em vigor do presente diploma, com as consequências legalmente estabelecidas naquele regime.' Decreto-Lei n.º 117/89, de 14 de Abril:
'Artigo 4º
(…)
3. As transições a que se refere o n.º 1 far-se-ão, com dispensa de quaisquer formalidades, salvo o visto ou anotação do Tribunal de Contas, para a categoria que o funcionário ou agente já possui ou para a categoria correspondente às funções efectivamente desempenhadas, remunerada pela mesma letra de vencimento ou pela imediatamente superior, quando não se verifique coincidência da remuneração.' Tendo em conta a redacção desta última norma e o que está em causa nos presentes autos, depreende-se que houve lapso na indicação da norma relativamente ao Decreto-Lei n.º 117/89, de 14 de Abril, aliás correctamente identificada na decisão recorrida. Como se escreveu no Acórdão n.º 53/97 (publicado no Diário da República [DR], II Série, de 5 de Março de 1997),
'(…) tal erro não impediu o tribunal (…) de apreciar a questão de constitucionalidade suscitada, já que da actuação processual do recorrente resultou com suficiente clareza a norma cuja conformidade à Constituição foi questionada. A questão da constitucionalidade normativa foi, portanto, e não obstante o lapso formal, suscitada de forma suficientemente clara e perceptível.' A norma verdadeiramente em causa do Decreto-Lei n.º 117/89, de 14 de Abril – o artigo 4º, n.º 4 – está assim redigida:
'Artigo 4º
(…)
4. Os contratos de trabalho em vigor, celebrados pelo GAS ao abrigo do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, relativos a pessoal afecto à administração urbana, caducam automaticamente na data da entrada em vigor do presente diploma.'
B) A questão de inconstitucionalidade material
4. Consideram os ora recorrentes que as normas transcritas violam o direito à segurança no emprego sendo, portanto, materialmente inconstitucionais. Questão semelhante foi decidida neste Tribunal, designadamente nos Acórdãos n.ºs
258/92, 354/94, 380/94, 408/94 e 162/95 (publicados no DR, II Série, de 19 de Novembro de 1992 e de 6 de Setembro de 1994, o 1º e 2º, respectivamente, I Série-A, de 8 de Maio de 1995, o último, e inéditos os restantes). Foi, todavia, no Acórdão n.º 81/92 (DR, II Série, de 18 de Agosto de 1992), a propósito da extinção da CNN – Companhia Nacional de Navegação, que se expendeu inicialmente a argumentação que iria depois prevalecer. Aí se julgou que 'a extinção por caducidade dos contratos de trabalho em que a empresa seja parte', fixada no Decreto-Lei n.º 138/85, de 3 de Maio, era inconstitucional 'por violação do disposto nos artigos 18º, n.º 3, 168º, n.º 1, alínea b), e 53º da Constituição', escrevendo-se na sua fundamentação, designadamente, o seguinte:
'Aliás, compreende-se porque é que a extinção de uma empresa não pode implicar, de per si, a caducidade dos contratos de trabalho. A ser assim, e pese embora a garantia constitucional da segurança no emprego, a entidade patronal através desta via, e sem pagamento de qualquer indemnização, poderia fazer cessar todos os contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores.
(…) Aliás, a lei dos Despedimentos, na sua versão originária dispunha no artigo 29º, n.º 2, que «o encerramento definitivo da empresa faz caducar os contratos de trabalho, sem prejuízo do direito mencionado no artigo anterior» (ou seja, o direito à indemnização). Contudo este preceito foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 84/76 que, simultaneamente, introduziu naquele diploma a figura do despedimento colectivo
(…) Deste modo, pode dizer-se, que, em harmonia com o espírito e a letra da lei, o encerramento de uma empresa não origina a caducidade dos contratos de trabalho, consentindo apenas que a entidade patronal possa desencadear o processo do despedimento colectivo, o qual, como é sabido, obedece a certos requisitos materiais e a uma tramitação específica prevista na lei. Ao contrário da caducidade, a verificação dos factos que o fundamentam não opera automaticamente, o processo exige, para além do mais, a intervenção da comissão de trabalhadores, e a cessação do contrato de trabalho concede direito a indemnização.' E consideraram igualmente os recorrentes que as normas em análise no presente recurso eram organicamente inconstitucionais. A propósito de questão semelhante, entendeu-se também no último acórdão referido:
'(…) a norma contida no artigo 4º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 183/85, enquanto estabelece que a extinção da CNN implica a extinção por caducidade dos contratos de trabalho em que esta seja parte, envolve alteração ao regime jurídico do contrato individual de trabalho contido na lei geral. Mas, a estatuição daquelas normas, versando inovatoriamente sobre matéria própria de direitos, liberdades e garantias – assim há-de necessariamente ser caracterizada a disciplina jurídica das causas de cessação do contrato individual de trabalho –, contém-se no âmbito próprio da reserva de competência legislativa da Assembleia da República, apenas podendo ser regulada, por força do disposto no artigo 18º, n.º 3, da Constituição, através de uma lei geral e abstracta. Ora, não só o diploma em que ela se integra, apesar de revestir a forma legislativa de decreto-lei, não dispõe de carácter geral e abstracto, como também não dimana da Assembleia da República, nem por ela foi autorizado o que, desde logo, determina violação ao disposto nos artigos 18º, n.º 3 e 168º, n.º 1, alínea b), do texto constitucional.' Note-se, porém, que as considerações que se acabam de transcrever só valem para o quadro legal anterior ao Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, como expressamente se referiu no mesmo acórdão:
'Neste novo regime jurídico, e contrariamente ao que se dispunha na disciplina que ele veio substituir, prevê-se que a extinção da entidade empregadora, quando não se verifique a transmissão do estabelecimento, determina a caducidade dos contratos de trabalho, tendo o trabalhador direito a uma compensação correspondente a um mês de remuneração de base por cada ano de antiguidade ou fracção, pela qual responde o património da empresa (cfr. artigo 6º). Esta solução aponta manifestamente no sentido de uma evolução legislativa que se aproxima da solução aqui partilhada.' E, adiante, invoca-se nesse sentido uma declaração de voto de vencido aposta ao Acórdão n.º 26/85, publicado no DR, II Série, de 26 de Abril de 1985:
'(…) a extinção dos contratos de trabalho por caducidade automática, geral e sem indemnização é absolutamente incompatível com o direito à segurança no emprego, garantido no artigo 53º da constituição. Mas, mesmo que uma tal solução fosse admissível em tese geral, é inquestionável que ela só poderia ser estabelecida por uma prévia alteração da ‘Lei dos despedimentos’, de acordo com as regras de forma, competência e processo estabelecidas na Constituição.' (itálico aditado)
5. Ora, entre o Acórdão n.º 81/92, que se citou, e o acórdão em recurso no presente processo verificou-se justamente a alteração da 'Lei dos Despedimentos', substituindo-se o Decreto-Lei n.º 372-A/75 (e as suas alterações: Decreto-Lei n.º 84/76, de 28 de Janeiro, Decreto-Lei n.º 841-C/76, de 7 de Dezembro e Lei n.º 48/77, de 11 de Julho) pelo já mencionado Decreto-Lei n.º 64-A/89 – que veio prever uma indemnização para os casos de caducidade decorrente de extinção da entidade colectiva empregadora (artigo 60º). Assim, importa, antes de mais, determinar qual das sucessivas 'Leis do despedimentos' é relevante para a questão de constitucionalidade do caso dos autos. Ora, tendo o Decreto-Lei n.º 64-A/89 sido publicado em suplemento ao DR com data de 27 de Fevereiro de 1989, para entrar em vigor 'decorridos 90 dias sobre a data da sua publicação', e mesmo se se contasse a partir daquela data o prazo de vacatio legis (não considerando o facto de tal DR só ter sido distribuído em 29 de Março), esse diploma nunca teria iniciado a sua vigência antes do dia 28 de Maio de 1989. Assim, sempre este Tribunal terá de apreciar a constitucionalidade das normas impugnadas no contexto do regime geral previsto no Decreto-Lei n.º 372-A/75, vigente ainda à data da aprovação (e, aliás, também da entrada em vigor) dos Decreto-Lei n.º 115/89, 116/89 e 117/89. Em consequência, a jurisprudência do Tribunal que pode invocar-se como precedente não será a proferida no quadro do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro (como o Acórdão n.º 255/92, publicado no DR, I Série-A, de 31 de Julho de 1992) mas a estabelecida no contexto do regime geral do Decreto-Lei n.º
372-A/75, designadamente o Acórdão n.º 162/95, cujos sentido e alcance foram explicitados no Acórdão n.º 528/96, tirado em Plenário, e publicado no DR, II Série, de 18 de Julho de 1996. Neste Acórdão n.º 528/96 escreveu-se que:
'(…) tal declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, impede pelo menos, que a extinção ou cessação dos contratos de trabalho se faça sem que aos trabalhadores se pague uma indemnização – recte, a indemnização correspondente à que lhes seria devida se tivesse havido despedimento colectivo.' (itálico aditado). E aí se reproduziu, igualmente, a declaração de voto do relator do Acórdão n.º
162/95 sobre a limitação dos efeitos de tal declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral no sentido de que
'(…) em virtude da cessação dos respectivos contratos, deixaram os aludidos trabalhadores de prestar o seu labor às empresas públicas extintas pelos diplomas onde se inserem as normas em apreço, razão pela qual se depara como justo e se anteolha como razoável que, no cálculo da indemnização, se não computem quaisquer compensações fundadas directamente numa contrapartida de um trabalho que, de modo efectivo, não foi prestado.'
6. Ora, ainda que não concluindo pela inconstitucionalidade das normas em causa, já a decisão recorrida – como a que a antecedeu, do Tribunal da Relação de Lisboa – tinha reconhecido aos trabalhadores em causa 'a indemnização correspondente à que lhes seria devida se tivesse havido despedimento colectivo', não encontrando amparo na anterior jurisprudência deste Tribunal a pretensão dos recorrentes a beneficiarem dos 'direitos previstos no artigo 12º, n.º 2 e 3, do Decreto-Lei n.º 372-A/75, de 16/7' (como referem nas alegações produzidas neste Tribunal). Nessa medida, reconhece-se que o sentido que dado às normas impugnadas pela decisão recorrida não reveste os contornos de inconstitucionalidade que o tribunal anteriormente divisou em normas análogas, antes se assemelhando a uma interpretação conforme à Constituição. Ora, a declaração de inconstitucionalidade de uma norma num determinado sentido interpretativo, ou a interpretação das normas num sentido correspondente ao exigido pelo texto constitucional são, em certa medida, meios alternativos de obtenção de um resultado em parte substancialmente semelhante, que se traduz no afastamento, por desconformidade constitucional, de uma ou mais dimensões interpretativas de uma norma. Enquanto o Tribunal Constitucional proferiu juízos de inconstitucionalidade sobre a qualificação legal da cessação dos vínculos jurídicos dos trabalhadores de empresas públicas extintas (por, entre a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º
372-A/75, de 16 de Julho, e a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, tais situações de caducidade não estarem aparelhadas com quaisquer mecanismos indemnizatórios), parte da doutrina – e da jurisprudência – encontrou meios de introduzir mecanismos indemnizatórios nas situações de caducidade decorrentes de encerramento definitivo (cfr. J. Leite / Coutinho de Almeida, Colectânea de Leis de Trabalho, Coimbra, 1985, p. 246; Bernardo Lobo Xavier / A. Nunes de Carvalho, 'Um caso especial de caducidade: extinção de empresas públicas. Indemnização aos trabalhadores', in Revista de Direito e de Estudos Sociais, Ano XXXIV (1992), n.º 1-2-3, pp. 101 - 102). Tendo também em conta que o resultado da declaração de inconstitucionalidade, no presente caso, não se traduziria em resultado diverso daquele que já foi obtido na decisão recorrida, entende este Tribunal, seguindo a jurisprudência citada supra, nos n.ºs 4 e 5 (designadamente, os Acórdãos n.ºs 162/95 e 528/96), que é de formular um juízo de não inconstitucionalidade material das normas que determinam a extinção de certos departamentos de um instituto público a extinguir e a caducidade dos contratos de trabalho com o pessoal ao seu serviço desde que, como foi o caso, lhes seja reconhecido um direito a indemnização análogo ao que lhes seria devido em caso de despedimento colectivo. C) A questão da inconstitucionalidade orgânica
7. Nos termos do Acórdão n.º 81/92, proferido ainda considerando como regime geral (que é igualmente o que revela no presente caso) o previsto no Decreto-Lei n.º 372-A/75, após a alteração que lhe foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º
84/76, a intervenção, sem autorização legislativa, do legislador governamental no sentido de extinguir uma entidade pública fazendo, com isso, cessar os vínculos laborais dos trabalhadores ao seu serviço implica inconstitucionalidade orgânica por versar 'inovatoriamente sobre matéria própria de direitos, liberdades e garantias – assim há-de necessariamente ser caracterizada a disciplina jurídica das causas de cessação do contrato individual de trabalho'. Conclusão, esta, que se reiterou no Acórdão n.º 255/92 (DR, II Série, de 26 de Agosto de 1992), ao reproduzir-se, sem reservas, aquela argumentação e descrevendo a fundamentação do do citado Acórdão como se segue:
'Neste aresto, entendeu o Tribunal embora com alguns votos discordantes, que nos termos da lei geral do trabalho vigente na data da entrada em vigor da norma do artigo 4º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 138/85 [o Decreto-Lei n.º
372-A/75, de 16 de Julho (Lei dos Despedimentos), com as alterações que lhe foram sucessivamente introduzidas pelos Decretos-Leis n.ºs 84/76,de 28 de Janeiro, e 841-C/76, de 7 de Dezembro, e pela Lei n.º 48/77, de 11 de Julho], a extinção de uma empresa podia ser fundamento de despedimento colectivo, mas não podia ocasionar caducidade dos contratos de trabalho. Fundamentou o aresto esta asserção, de um lado, na ideia de que a caducidade dos contratos de trabalho por efeito da extinção de uma empresa não cabia em nenhum dos casos previstos no artigo 8º da Lei dos Despedimentos, designadamente no mencionado na alínea b) do n.º 1 – a verificação da impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de a empresa o receber –, nem em qualquer outro caso definido «nos termos gerais de direito» e, do outro lado, na circunstância de não existir, nessa altura, nenhuma lei a atribuir à extinção de uma empresa a caducidade dos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores. Considerou-se, a este propósito, no Acórdão n.º 81/92, «que, em harmonia com o espírito e a letra da lei, o encerramento de uma empresa não origina a caducidade dos contratos de trabalho, consentindo apenas que a entidade patronal possa desencadear o processo próprio do despedimento colectivo, o qual, como é sabido, obedece a certos requisitos materiais e a uma tramitação específica prevista na lei. Ao contrário da caducidade, a verificação dos factos que o fundamentam não opera automaticamente; o processo exige, para além do mais, a intervenção da comissão de trabalhadores e a cessação do contrato de trabalho concede direito à indemnização.» Na linha desta argumentação, concluiu o aresto que está a seguir-se que a norma contida no artigo 4º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 138/85, enquanto estabelece que a extinção da CNN implica a extinção por caducidade dos contratos de trabalho em que esta seja parte «envolve alteração ao regime jurídico sobre cessação do contrato individual de trabalho contido na lei geral». E, coerentemente com esta conclusão, veio a entender que aquela norma entra em rota de colisão com os artigos 18º, n.º 3, 168º, n.º 1, alínea b), e 53º, todos da Constituição. Infringe o artigo 168º, n.º 1, alínea b), da Lei Fundamental, porque, versando sobre matéria integrada nos direitos, liberdades e garantias – a disciplina jurídica das causas de cessação do contrato individual de trabalho
– contém-se no âmbito de reserva de competência legislativa da Assembleia da República, pelo que aquela só podia constar de lei deste órgão de soberania ou de decreto-lei credenciado em autorização legislativa, o que não sucedeu.'
8. Decorre, como se vê, desta jurisprudência (reiterada, em fiscalização abstracta dos Decretos-Leis n.ºs 137/85, de 3 de Maio e 138/85, de 3 de Maio), no citado Acórdão n.º 162/95 – v. o último parágrafo do ponto II, 2.1., desse aresto), que o julgamento de inconstitucionalidade orgânica efectuado pelo Tribunal no citado Acórdão n.º 81/92 resultava do facto de a contemplação legal da caducidade do contrato de trabalho resultante de uma extinção ou encerramento de uma empresa implicar inovação em relação ao regime geral da cessação do contrato de trabalho, só podendo ser, pois, estabelecida por lei parlamentar. Tais considerações afiguram-se, por outro lado, independentes do facto de se encontrar prevista, associada a tal caducidade, uma indemnização por caducidade dos contratos de trabalho – como foi o caso (assim, por exemplo, faz-se referência a outras diferenças em relação ao regime próprio do despedimento colectivo, como a que resulta da intervenção da comissão de trabalhadores) Na sequência dos citados arestos, conclui-se, pois, que, muito embora a decisão recorrida não mereça censura no que diz respeito ao juízo sobre a inconstitucionalidade material que formulou, face ao entendimento adoptado para as normas impugnadas, não pode subsistir enquanto não considera tais normas feridas de inconstitucionalidade orgânica, nesta medida se concedendo provimento ao recurso. III. Decisão Nos termos e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide: a) Não julgar materialmente inconstitucionais as normas dos artigos 4º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 115/89, de 14 de Abril, do artigo 8º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º 116/89, de 14 de Abril e do artigo 4º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 117/89, de
14 de Abril, no entendimento que para elas foi adoptado; b) Julgar organicamente inconstitucionais as normas referidas na alínea anterior; c) Em consequência, conceder provimento ao recurso e determinar a reforma da decisão recorrida em conformidade com o presente juízo de inconstitucionalidade. Lisboa, 23 de Maio de 2001. Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca Maria Fernanda Palma Bravo Serra (votei o acórdão tão só no pressuposto de que as normas em causa vieram estabelecer inovatoriamente – ou seja, com referência ao regime constante do artº 8º do Decreto-Lei nº 372-A/75, de 16 de Julho – uma outra causa de caducidade de contratos de trabalho, quer pelo teor literal desse artº 8º, quer da interpretação do mesmo, ou subsunção a ele de situações como a dos autos). José Manuel Cardoso da Costa (vencido, quanto ao julgamento de inconstitucionalidade orgânica. As normas em causa foram aplicadas e, portanto interpretadas, pelo Supremo Tribunal de Justiça, como não excluindo a indemnização dos trabalhadores, prevista no artº. 20º do Decreto-Lei nº
372-A/75: ora, com esta interpretação, entendo que elas não importavam essencial
– e relevante – relativamente ao regime geral sobre a cessação do contrato de trabalho, vigente ao tempo da sua emissão.