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Processo n.º 187/03
2ª Secção Relator - Cons. Paulo Mota Pinto
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.A. interpôs recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21 de Janeiro de 2003, no qual foi aplicada a norma do artigo 5º da Tabela de Emolumentos do Notariado e se negou que esta esteja ferida da inconstitucionalidade orgânica ou viole o princípio da proporcionalidade sustentados pelo recorrente. O objecto do recurso de constitucionalidade é a apreciação da conformidade com a Constituição da República da referida norma do artigo 5º da Tabela de Emolumentos do Notariado, com a redacção que lhe foi dada pelas Portarias n.ºs 378/87, de 5 de Maio, 575/89, de 26 de Julho, 1046/91, de
12 de Outubro, 996/98, de 25 de Novembro, e Decreto-Lei n.º 227/94, de 8 de Setembro, na interpretação “em que apurou o valor dos emolumentos por aumento directo, sem limites, em função do valor do capital da recorrente (sendo os emolumentos desproporcionais e excessivos) e criam um verdadeiro imposto sem ter havido a necessária autorização legislativa.”
No Tribunal Constitucional, o relator proferiu o seguinte despacho
“O presente recurso visa a apreciação da constitucionalidade do artigo 5º da Tabela de Emolumentos do Notariado, com a redacção que lhe foi dada pelas Portarias n.ºs 378/87, de 5 de Maio, 575/89, de 26 de Julho, 1046/91, de 12 de Outubro, 996/98, de 25 de Novembro e pelo Decreto-Lei n.º 227/94, de 8 de Setembro, pois, segundo o recorrente, estando em causa um acto de redução de capital social, “apurou o valor dos emolumentos por aumento directo, sem limites, em função do valor do capital da recorrente (sendo os emolumentos desproporcionais e excessivos) e criam um verdadeiro imposto sem ter havido a necessária autorização legislativa.” Ora, o Tribunal Constitucional já se pronunciou em diversas decisões sobre a questão da constitucionalidade da norma do artigo 5º da Tabela de Emolumentos do Notariado, em redacções anteriores ou, também, na redacção ora em causa – cfr. os Acórdãos n.ºs 115/02 (publicado no Diário da República [DR], II série, de 28 de Maio de 2002, tirado em plenário, com votos de vencido), 256/02, 269/02 e 278/02, entre outros. No presente caso, porém, estando em causa emolumentos cobrados por uma escritura pública de redução do capital social, afigura-se que a questão não é de considerar simples (por idêntica a anteriores já decididas pelo Tribunal Constitucional), para o efeito previsto no artigo 78º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional. Determina-se, pois, a produção de alegações.”
A recorrente veio apresentar alegações, concluindo da seguinte forma:
“A) O douto Acórdão do STA recorrido, ao ter revogado a decisão do Tribunal Tributário de lª Instancia que julga procedente a impugnação de liquidação emolumentar em caso de redução de capital societário, aplicou norma orgânica, formal e materialmente inconstitucional, a saber, a do n.° 1 do art. 5° da Tabela de Emolumentos do Notariado aprovada pela Portaria n.° 996/98, de 25 de Novembro, a qual reproduz, de resto, a norma do art. 5°, n.° 1, da Tabela precedente, embora num contexto normativo diferente, atendendo aos limites máximos fixados no art. 22° da nova Tabela; B) Com efeito, não pode, sem mais, considerar-se que a referida liquidação emolumentar traduz uma taxa, sendo o Governo livre de a fixar em função da utilidade que o particular tira da respectiva escritura pública, já que surgem aspectos nela, nomeadamente o da capacidade contributiva, que apontam para a figura de imposto; C) Ainda que se considere que, no caso, estamos perante uma taxa, atendendo ao carácter sinalagmático decorrente do pagamento de um correspectivo pela prestação de um serviço (no caso, elaboração de uma escritura de redução de capital social), como decorre do entendimento maioritário perfilhado pelo Tribunal Constitucional, importa ver quais os vícios de inconstitucionalidade que afectam a concreta tributação; D) Antes de mais, embora o art. 5° da Tabela de Emolumentos do Notariado aprovada pela Portaria n.° 996/98 reproduza o preceito anteriormente vigente, a introdução pelo autor dessa Portaria de alterações substanciais na tributação
(ao introduzir limites máximos, até no caso de redução de capital) teria de constar de lei parlamentar ou de decreto-lei autorizado do Governo, visto o
‘regime geral das taxas (...) a favor de entidades públicas’ cair na reserva relativa da competência parlamentar (art. 165°, n.° 1, alínea l), da Constituição na versão de IV Revisão Constitucional); E) Tal significa que os arts. 5° e 22° (que delimita aquele) da Tabela Emolumentar em causa são organicamente inconstitucionais por violação do referido art. 165°, n.° l, alínea b), da Constituição (e também formalmente inconstitucionais) já que os preceitos constam de regulamento, em vez de constarem de diploma legal; F) A norma aplicada pela decisão recorrida é igualmente materialmente inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade; G) Com efeito, as reduções de capital social são tributadas de forma diversa, consoante seja alegado, ou não, que a redução do capital se destina a cobrir prejuízos (arts. 5°, n.° l, e 22°, n.° 2, da Tabela); H) Simplesmente a discriminação, ainda que não arbitrária, é introduzida por mero regulamento, faltando lei que autorize esse tratamento discriminatório; I) Para além da desigualdade, é desproporcionado tratar diferentemente o aumento de capital social (não tributável ad valorem, por força de uma directiva comunitária), a redução de capital social para cobrir prejuízos e a redução de capital sem indicação de finalidade; J) Acrescente-se que a circunstância de a norma do n.° l do art. 5° da Tabela de
1998 – que foi aplicada no caso – reproduzir o n.° l do art. 5° da anterior Tabela anexa ao Código do Notariado não afasta a inconstitucionalidade (seja orgânica, seja material), visto que essa norma se insere num novo texto normativo onde se prevêem, pela primeira vez, limites máximos de tributação, nomeadamente um limite máximo de 15.000 contos de tributação. Nestes termos e nos mais de direito deve ser concedido provimento do recurso, revogando-se o acórdão do STA recorrido, com o que se fará JUSTIÇA.”
Também a recorrida Fazenda Pública veio apresentar contra-alegações, com o seguinte teor:
“2. Análise do recurso Carece de razão a recorrente:
- Quanto à questão da constitucionalidade da norma do artigo 5º da Tabela de Emolumentos e Notariado, também na redacção em causa, constitui jurisprudência firmada do Venerando Tribunal Constitucional que ‘os normativos ínsitos no n.º 1 da Portaria n.° 996/98, enquanto aprovou a Tabela de Emolumentos de Notariado, e no artigo 5° desta última, não traduzem o estabelecimento de um imposto e, desta sorte, não violaram o que se prescreve na alinea i) do n.° 1 do artigo 165° da CRP’ (Acórdão n.º 269/2002, de 19.06.02, recurso n.° 295/02).
- Também que a recorrente reconduz também [sic] a sua alegação de violação do principio da igualdade à invocação de que a tributação das reduções de capital de forma diversa, consoante seja alegado, ou não, que a redução de capital se destina a cobrir prejuízos carece de lei que autorize esse tratamento discriminatório.
- Pelo que tal questão de constitucionalidade tem de ser equacionada à luz da referida jurisprudência firmada do Venerando Tribunal Constitucional, no sentido de não se tratar de matéria abrangida pela reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República.
- E, em sede do principio constitucional da proporcionalidade, é, precisamente, a consideração de uma circunstância diferente que justifica a diferenciação de taxa consoante seja ou não alegado que a redução de capital se destina a cobrir prejuízos, assim tratando de forma diferente diferentes situações, na medida da diferenciação relevante. Termos em que não ocorrem as alegadas inconstitucionalidades, devendo ser mantido o douto Acórdão recorrido.” Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentos
2.O presente recurso visa a apreciação da constitucionalidade do artigo 5º da Tabela de Emolumentos do Notariado, com a redacção que lhe foi dada pelas Portarias n.ºs 378/87, de 5 de Maio, 575/89, de 26 de Julho, 1046/91, de 12 de Outubro, 996/98, de 25 de Novembro, e pelo Decreto-Lei n.º 227/94, de 8 de Setembro, estando em causa a realização, por escritura pública, de um acto de redução de capital social. Na versão da Tabela que está em causa, dada pela citada Portaria n.º 996/98 (diploma alterado, posteriormente, pelas Portarias n.ºs 1007-A/98, de 2 de Dezembro, e 684/99, de 24 de Agosto, e revogado pelo Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de Dezembro, que aprovou o novo Regulamento Emolumentar dos Registos e Notariado, entretanto alterado já pelos Decretos-Leis n.ºs 315/2002, de 27 de Dezembro, e 194/2003, de 23 de Agosto), era a seguinte a redacção desse artigo 5º:
“1 – Se o acto que constitui objecto da escritura ou do instrumento avulso for de valor determinado, aos emolumentos previstos no artigo anterior acrescem sobre o total do valor, por cada 1000$00 ou fracção: a) Até 200000$00 - 10$00; b) De 200000$00 a 1000000$00 - 5$00; c) De 1000000$00 a 10000000$00 - 4$00; d) Acima de 10000000$00, sobre o excedente - 3$00.
2 – Aos emolumentos previstos no número anterior acresce, nas escrituras de partilha ou de doação, por cada um dos bens descritos - 5000$00.” Por sua vez, o artigo 4º, que abre o capítulo relativo ao “tabelamento dos actos”, dispunha, no seu n.º 1:
“1 – Por cada escritura com um só acto - 10000$00.
(…)”
O Tribunal Constitucional já se pronunciou em diversas decisões sobre a questão da constitucionalidade da norma do artigo 5º da Tabela de Emolumentos do Notariado, em redacções anteriores e na redacção ora em causa – cfr. os citados Acórdãos n.ºs 115/02 (com votos de vencido), 256/02, 269/02 e 278/02, entre outros (publicados os dois primeiros, respectivamente em DR, II série, de 28 de Maio de 2002, e I Série-A, de 8 de Julho de 2002). Mas nenhum destes acórdãos deste Tribunal se referiu, porém, à aplicação do adicional previsto no n.º 1 daquele artigo 5º a escrituras de redução de capital social, sendo certo que, com relevo para a aplicação deste artigo 5º, o artigo
1º da Tabela em causa fixava regras diversas para fixação do valor dos actos notariais, preceituando, no que ora importa:
“Artigo 1º
1 – O valor dos actos notariais é, em geral, o dos bens que constituem o seu objecto.
2 – Em especial, o valor dos actos será:
(…) l) Nos de redução de capital, com ou sem alteração de outras cláusulas do pacto, o da importância a que o capital ficar reduzido;
(…)”
No caso vertente estão, justamente, em causa emolumentos cobrados por uma escritura pública relativa a uma escritura de redução do capital social – e não, por exemplo, por uma escritura de compra e venda de imóveis –, sendo, aliás, formulados pela recorrente argumentos de constitucionalidade especificamente relacionados com o facto de estar em causa este tipo de acto, cuja realização determinou a cobrança dos emolumentos (v., por exemplo, as conclusões F9 e segs. das alegações do recorrente). Ora, logo a diversidade das regras de cálculo do valor do acto notarial em causa, e, por conseguinte do emolumento devido – para as escrituras de compra e venda, por exemplo, estava antes em questão o valor dos bens que são objecto do contrato, enquanto, no presente caso, releva o valor “da importância a que o capital ficar reduzido” – impediria que se pudesse considerar a fundamentação dos citados acórdãos deste Tribunal Constitucional, sobre o artigo 5º da Tabela de Emolumentos do Notariado, na redacção em causa (também julgada não inconstitucional pelo citado Acórdão n.º 269/02), e no sentido da inexistência de inconstitucionalidade, transponível, sem mais, para a dimensão, ora em questão, em que tal norma se refere à cobrança de emolumentos pela realização de escrituras públicas relativas a actos de tipo diverso, e cujo valor se calcula diversamente, dos aí considerados – actos, não de compra e venda de imóveis, mas de redução de capital de uma sociedade. Importa, pois, “revisitar” a fundamentação dessa jurisprudência – e as posições divergentes expressas nos votos de vencido apostos aos arestos citados –, para verificar se se pode, com base em considerações similares, chegar a idêntica conclusão no presente caso.
3.Como se sabe, existe uma abundante jurisprudência constitucional sobre a distinção entre imposto e taxa (cfr., para uma resenha, J. Casalta Nabais,
“Jurisprudência do Tribunal Constitucional em matéria fiscal”, in Estudos sobre a Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Lisboa, 1993, esp. págs. 254 e segs., Direito fiscal, 2ª ed., Coimbra, 2003, págs. 24 e segs., e J. M. Cardoso da Costa; “O enquadramento constitucional do direito dos impostos em Portugal: a jurisprudência do Tribunal Constitucional”, in Jorge Miranda, org., Perspectivas constitucionais. Nos 20 anos da Constituição de 1976, vol. II, Coimbra, 1997, esp. págs. 401 e segs.). Para extremar a noção de “imposto” constitucionalmente relevante da de “taxa”, o Tribunal tem-se socorrido essencialmente de um critério que pode qualificar-se como “estrutural”, porque assente na “unilateralidade” dos impostos (cfr., por exemplo, os Acórdãos n.ºs 76/88, 412/89, 382/94, publicados respectivamente em DR, I Série, n.º 93, de 21 de Abril de 1988, e II Série, n.ºs 213, de 15 de Setembro de 1989, e 208, de 8 de Setembro de 1994), admitindo ainda, porém, como factor adicional de ponderação, que se tome em consideração a “razão de ser ou objectivo das receitas em causa”, quer para recusar a certas receitas o carácter de imposto, quer como argumento ponderoso para afastar o carácter de taxa a uma dada prestação pecuniária coactiva (elemento, este, finalístico, que transparece, por exemplo, nos Acórdãos n.ºs 7/84, 497/89 ou 70/92, publicados respectivamente em DR, II Série, n.ºs 102, de 3 de Maio de 1984, 27, de 1 de Fevereiro de 1990, e 189, de 18 de Agosto de 1992). Esta orientação jurisprudencial não foi, aliás, alterada nos mais recentes arestos sobre a matéria, podendo citar-se, a título exemplificativo, os Acórdãos n.ºs. 558/98 (taxas de publicidade em veículos particulares, in DR, II Série, n.º 261, de 11 de Novembro de 1998), 621/98 (taxas do IROMA, in DR, II Série, n.º 65, de 18 de Março de 1999), 747/98 (direitos compensadores, inédito), 63/99
(taxa de publicidade, in DR, II Série, n.º 76, 31 de Março de 1999), 307/99
(taxa de radiodifusão, in DR, II Série, n.º 166, de 19 de Julho de 1999), 357/99
(regulamento da taxa municipal de urbanização de Amarante, in DR, II Série, n.º
52, de 2 de Março de 2000), 369/99 (DR, II Série, n.º 58, de 9 de Março de
2000), 370/99 (inédito), 473/99 (DR, II Série, n.º 262, de 10 de Novembro de
1999), 481/99, 512/99, 581/99 (inéditos), e 130/2000 (taxa da peste suína, inédito), 582/99 (regulamento municipal de obras da Câmara Municipal do Porto, inédito), 515/2000 (taxas da Câmara Municipal de Sintra, in DR, II Série, n.º
19, de 23 de Janeiro de 2001), 346/2001 (inédito) e 96/2000 (taxa de publicidade, in DR, I Série-A, n.º 65, de 17 de Março de 2000), 143/02
(estampilha da Liga dos Combatentes, in DR, I Série-A, n.º 107, de 9 de Maio de
2002), 273/02 (inédito), 274/02, 286/02, 305/02 (inéditos) e 308/02 (tabela de emolumentos notariais, inédito), 306/02 (tabela de emolumentos do registo predial, inédito), 336/02 (emolumentos do Tribunal de Contas, in DR, II Série, n.º 237, de 14 de Outubro de 2002), 349/02 (custas judiciais, in DR, II Série, n.º 264, de 15 de Novembro de 2002) ou 415/02 (regulamento de obras na via pública da Câmara Municipal de Lisboa, in DR, II Série, n.º 291, de 17 de Dezembro de 2002).
Assim, assinalou-se no Acórdão n.º 143/02 (DR, I Série-A, n.º 107, de 9-5-2002), quanto àquele primeiro critério:
“(...) tanto na jurisprudência uniforme do Tribunal, como na orientação unânime da doutrina, um elemento ou pressuposto estrutural há-de, desde logo e necessariamente, verificar-se, para que determinado tributo se possa qualificar como uma «taxa», qual seja o da sua «bilateralidade»: traduz-se esta no facto de ao seu pagamento corresponder uma certa «contraprestação» específica, por parte do Estado (ou de outra entidade pública). Se tal não acontecer, teremos um
«imposto» (ou uma figura tributária que, do ponto de vista constitucional, deve, pelo menos, ser tratada como tal). Se se não divisarem características de onde decorra a «bilateralidade» da imposição pecuniária, nada mais será preciso indagar para firmar a conclusão de harmonia com a qual é de arredar a qualificação dessa imposição como «taxa». Quanto às modalidades de que a «contraprestação» de uma «taxa» pode revestir-se, entre elas incluem-se, seguramente, a da prestação de um serviço e a da possibilidade de utilização de um bem semi-público, a quem ou por quem a paga. Parte da doutrina e, agora, a Lei Geral Tributária (artigo 4º, n.º 2) acrescentam a modalidade da remoção de um limite (ou obstáculo) jurídico à possibilidade da prática de certa actividade ou gozo de certa situação; mas uma outra parte da doutrina – que o Tribunal tem acompanhado (cfr., por último, o citado Acórdão n.º 115/02) – considera que, nesta última hipótese, só há
«taxa», se a remoção do limite respeitar ao uso de um bem público”. Por outro lado, a propósito do elemento relativo à “razão de ser ou objectivo das receitas em causa”, pode recordar-se o que se afirmou em algumas das citadas decisões relativas à denominada “taxa da peste suína”. Assim, nos citados Acórdãos n.ºs 369/99 (DR, II Série, de 9 de Março de 2000) e 370/99 (não publicado), por exemplo, disse-se:
“(...) no caso da taxa da peste suína não se está perante uma contraprestação de um serviço prestado, mas antes perante uma forma de financiar uma actividade do Estado vocacionada para a satisfação de necessidades públicas em geral ou de uma certa categoria abstracta de pessoas, não se verificando, no caso, os elementos definidores de uma taxa, pelo que o ‘tributo’ em questão é um imposto ou, pelo menos, tem de ser considerado como se de um imposto se tratasse. O que vale por dizer que não pode deixar de se considerar como integrando a reserva da lei fiscal”.
E no citado Acórdão n.º 473/99 reconheceu-se constituir “objecção de peso” à perspectivação desse tributo como uma verdadeira taxa o facto de
“uma das finalidades dessa imposição ser a de custear despesas do Estado que, directamente, não têm uma relação com vantagens imediatas dos a ela sujeitos, ou seja, as actividades ligadas à polícia sanitária, algumas despesas com o pessoal e material e investigação e produção dos meios de luta”. Afirmações semelhantes encontram-se, por exemplo, no citado acórdão n.º 96/00, que declarou a inconstitucionalidade com força obrigatória geral das normas sobre a “taxa” da peste suína. Por outro lado, não é suficiente para pôr em causa o carácter sinalagmático do tributo que não exista uma equivalência rigorosa de valor entre ambos, ou qualquer desproporção entre a quantia a pagar e o valor do serviço prestado – seja com o seu custo, seja com a sua utilidade para o particular. Mesmo a falta de equivalência ou essa desproporção não afecta a relação sinalagmática existente e a bilateralidade da taxa.
É, porém, necessário que a causa e justificação do tributo possa ainda encontrar-se, materialmente, no serviço recebido pelo utente, pelo que uma desproporção manifesta ou flagrante com o custo do serviço e com a sua utilidade para tal utente afecta claramente a tal relação sinalagmática que a taxa pressupõe. Assim, por exemplo, no Acórdão n.º 640/95 (in DR, II Série, n.º 17, de 20 de Janeiro de 1996), a propósito das portagens na ponte 25 de Abril, o Tribunal Constitucional questionou-se se “num caso de uma taxa de valor manifestamente desproporcionado, completamente alheio ao custo do serviço prestado, não deverá entender-se que tal taxa há-de ser tratada, de um ponto de vista jurídico-constitucional, como um verdadeiro imposto, de tal forma que tenha de ser o órgão parlamentar a decidir sobre o seu quantum”, prosseguindo a indagação para averiguar se tal desproporção manifesta existia (e concluindo que não) – cfr. igualmente, os Acórdãos n.ºs 410/2000, 1108/96, 1140/96 e 354/98
(publicados respectivamente em DR, II Série, n.ºs 270, de 22 de Novembro de
2000, 294, de 20 de Dezembro de 1996, 34, de 10 de Fevereiro de 1997, e 161, de
15 de Julho de 1998). Tal desproporção intolerável, ou montante manifestamente excessivo, da quantia pode resultar, designadamente, de os critérios de determinação desta serem inteiramente alheios ao montante desse custo do serviço – ou, como se admitiu no Acórdão n.º 115/2002, também em relação à sua utilidade –, e relevará, pois, em primeira linha, em sede de inconstitucionalidade orgânica, quando o tributo não tenha sido criado (ou autorizado) por lei parlamentar (podendo deixar-se em aberto a questão de saber se, qualificado o tributo como taxa, existirá ainda espaço para intervenção autónoma do princípio da proporcionalidade, em termos de a sua violação determinar uma inconstitucionalidade material).
4.Na doutrina nacional encontram-se também contributos relevantes para a delimitação dos conceitos constitucionais de “taxa” e de “imposto”. Assim, afirma-se que o “imposto é uma prestação unilateral, o que significa que ao pagamento do respectivo montante - que é um pagamento definitivo, quer dizer, não dando lugar a uma ulterior restituição - não corresponde nenhuma contraprestação específica por parte do Estado. (...) Sendo pois o imposto uma prestação unilateral, não se confunde com outras receitas coactivas do Estado a que falta essa característica. Assim, e desde logo, não se confunde com as taxas, as quais, sendo preços autoritariamente estabelecidos pagos pela utilização individual de bens semi-públicos, têm a sua contrapartida numa actividade do Estado especialmente dirigida ao respectivo obrigado” (J. M. Cardoso da Costa, Curso de direito fiscal, 2ª ed. actualizada, Coimbra, 1972, págs. 10-11; e cfr. ainda “O enquadramento constitucional...”, cit., págs.
401-402). Em sentidos próximos, escreve-se também que, a propósito da noção de taxas, que as mesmas têm “contrapartida numa actividade do Estado especialmente dirigida
àquele que está obrigado a pagá-las, pelo que é da sua essência o nexo sinalagmático” (Carlos Pamplona Corte-Real, Curso de direito fiscal, I vol., Lisboa, 1982, pág. 162), e que o elemento caracterizador das taxas é a sua natureza sinalagmática, que “deriva funcionalmente da natureza do facto constitutivo das obrigações em que se traduzem e que consiste ou na prestação de uma actividade pública, ou na utilização de bens do domínio público, ou na remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares” (Alberto Xavier, Manual de direito fiscal, Coimbra, 1983, págs. 42 e segs.). Escrevendo especificamente sobre o conceito jurídico de taxa, Maria Margarida Mesquita Palha observa que “essencial à definição desta figura é a ideia de um tributo devido por ocasião da prestação de um serviço dirigido directamente ao contribuinte ou da utilização de um bem do domínio público” (“Sobre o conceito jurídico de taxa”, in Centro de Estudos Fiscais. Comemoração do XX Aniversário. Estudos, vol. II, Lisboa, 1983, pág. 586). Segundo António Braz Teixeira, “[D]a observação das duas espécies tributárias ressalta que, de um ponto de vista jurídico, o elemento que fundamentalmente as distingue é a existência ou inexistência de uma contraprestação por parte do sujeito activo da respectiva relação, é o carácter unilateral do imposto e a natureza bilateral da taxa, os quais resultam de, num caso, o facto gerador do tributo consistir na mera revelação de determinada capacidade contributiva, e, no outro, de tal facto se traduzir numa ocorrência directamente ligada a uma actividade específica do sujeito activo, de que beneficia individualmente o sujeito passivo” (Princípios de direito fiscal, vol. I, 3ª ed., actualizada e revista, Coimbra, 1985, pág. 43). Também concedendo relevo à sinalagmaticidade da taxa, salienta-se que “atendendo
à diversidade da estruturação legal, o vínculo jurídico de taxa tem por causa a prestação por uma entidade pública de utilidades individualizadas. Quer dizer que a taxa, como, aliás, o preço também, apresenta origem sinalagmática. É este aspecto precisamente que separa com nitidez a taxa do imposto. Porque a taxa tem por causa a realização de uma utilidade individualizada, ela depende de outro vínculo jurídico, o que não acontece com o imposto (Pedro Soares Martinez, Manual de direito fiscal, 3ª reimp., Coimbra, 1989, pág. 35). E Nuno Sá Gomes escreve, a este propósito: “[E]m meu critério, o que caracteriza definitivamente a taxa em face do imposto é o carácter sinalagmático, bilateral, desta última e o carácter unilateral, não sinalagmático, do primeiro” (Manual de direito fiscal, Lisboa, 1993, p. 74); Por seu turno, António Sousa Franco sustenta que, entre outros traços fundamentais, o imposto se caracteriza por ser uma receita unilateral, “pois não existe qualquer contrapartida específica, em virtude de uma relação concreta com bens ou serviços públicos; ele terá apenas a contrapartida genérica do funcionamento dos serviços públicos estaduais” (Finanças públicas e direito financeiro, 4ª ed., vol. II, Coimbra, 1992, pág. 73). Ao analisar o princípio da legalidade fiscal, Ana Paula Dourado afirma, a propósito das taxas, que, “ao caracterizarem-se pela existência de um vínculo sinalagmático, as taxas pressupõem uma contraprestação pública individualizada, que pode traduzir-se, para o particular, quer numa utilidade quer no pagamento de custos (...) e o montante a pagar não deverá ultrapassar essa contraprestação (...)” (“O princípio da legalidade fiscal na Constituição portuguesa”, in Perspectivas constitucionais, cit., vol. II, Coimbra, 1997, pág. 439). Depois de caracterizar o imposto como uma prestação unilateral, J. J. Teixeira Ribeiro afirma: “(...) logo se vê onde ele se distingue da taxa: também é prestação coactiva; mas já não é prestação unilateral, uma vez que ao seu pagamento corresponde a contraprestação de um serviço por parte do Estado”
(Lições de finanças públicas, 5ª ed., refundida e actualizada, Coimbra, 1995, pág. 258; cfr. ainda “Noção jurídica de taxa”, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 117º). Aníbal Almeida refere que a figura da taxa detém
“como differentia specifica em relação à figura do imposto, o seu carácter bilateral” (Estudos de Direito Tributário, Coimbra, 1996, pág. 62). Também num sentido próximo, Camilo Cimourdain de Oliveira escreve que as “taxas são (...) cobradas em contrapartida da prestação de serviços públicos” (Lições de direito fiscal, Porto, 1997, 6ª ed., pág. 107). E Diogo Leite de Campos e Mónica Leite de Campos observam que “o imposto é uma prestação unilateral, no sentido de que ao seu cumprimento não corresponde uma contraprestação específica por parte do Estado” e, mais adiante, que “a distinção entre taxas e impostos estará (...) no carácter bilateral das primeiras, e no carácter unilateral dos impostos”
(Direito tributário, Coimbra, 1996, págs. 26 e 28). Por seu lado, J. L. Saldanha Sanches define o imposto como “uma prestação pecuniária, singular ou reiterada, que não apresenta qualquer conexão com qualquer contra-prestação retributiva e de que é titular uma entidade pública que utiliza as receitas assim obtidas para a cobertura das suas despesas e que surge quando a lei liga a uma determinada fattispecie um dever de prestar”, aludindo, a propósito das taxas, à exigência de um sinalagma (Manual de Direito Fiscal, Lisboa, 1998, pág. 13 e págs. 18 e segs.). José G. Xavier de Basto e António Lobo Xavier entendem que, para a caracterização do conceito de taxa, é essencial identificar a contrapartida pública que anda ligada ao seu pagamento e, por outro lado, a proporção adequada entre o seu montante e o valor do serviço prestado, subscrevendo o conceito de
“taxas fiscais” (taxes fiscales), cunhado pela doutrina francesa, e que corresponde a receitas coactivas cobradas a favor do Estado, de colectividades locais ou de organismos públicos administrativos, em razão do funcionamento de um serviço público, sem que o respectivo montante esteja em correlação com esse serviço (“Ainda a distinção entre taxa e imposto: a inconstitucionalidade dos emolumentos notariais e registrais devidos pela constituição de sociedades e pelas modificações dos respectivos contratos”, Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XXXVI, 1994, n.ºs. 1-2-3, esp. págs. 6 e segs.). Salientam, ainda
(pág. 26), que hão-de ter-se por impostos, para o efeito da aplicação do princípio da legalidade tributária, “as receitas coactivas que, cobradas aquando da prestação de serviços públicos individualizados, não se relacionam, na determinação do seu montante, nem com o custo nem com o valor desse serviço, antes com elementos relativos à capacidade contributiva dos utentes”. Por fim, José Casalta Nabais (Direito fiscal, 2ª ed., 2003, cit., págs. 20 e segs.), depois de falar de uma “verdadeira summa divisio, (…) divisão dicotómica ou binária dos tributos, sendo estes, independentemente do nome que ostentam, ou tributos unilaterais que integram a figura dos impostos, ou tributos bilaterais que se reconduzem à figura das taxas”, sustenta que, “perante um tributo, para sabermos se, do ponto de vista jurídico-constitucional, estamos perante um tributo unilateral ou um imposto, ou perante um tributo bilateral ou uma taxa, o que há a fazer é o teste da sua medida ou do seu critério, estando pois perante um imposto se apenas pode ser medido ou aferido com base na capacidade contributiva do contribuinte, ou perante uma taxa se é susceptível de ser medido ou aferido com base na referida ideia de proporcionalidade” – e acrescenta (nota
38) que, “[e]m rigor há aqui dois testes: o da bi/unilateralidade do tributo e, se neste se concluir pelo seu carácter bilateral, o da sua medida ou critério de justiça, muito embora seja este último teste o decisivo, já que, se a proporcionalidade entre o tributo e a respectiva contraprestação específica estiver ausente, então estaremos perante um tributo cujo regime constitucional não pode deixar de ser o dos impostos.” Noutra obra, já observara J. Casalta Nabais que o imposto, do ponto de vista objectivo, é uma prestação pecuniária unilateral, pois não lhe corresponde nenhuma específica contraprestação em favor do contribuinte, definitiva e coactiva (O dever fundamental de pagar impostos, Coimbra, 1998, pág. 224; cfr. ainda “Jurisprudência...”, cit., pág. 254); Na doutrina fiscalista está, pois, com algumas variações, assente a ideia de que o conceito de taxa, por oposição ao de imposto, se caracteriza a partir da
“bilateralidade” ou “natureza sinalagmática”, ou seja, pela existência de uma contraprestação, por parte do Estado ou demais entidades públicas, que justifica o seu pagamento. Por outro lado, há também um sector que aponta, como indício relevante, a existência de uma quantificação do tributo a partir da capacidade contributiva. Assim – com relevância directa para o problema que nos ocupa –, segundo Casalta Nabais (Direito fiscal, cit., pág. 22; cf. ainda Margarida Mesquita Palha, ob. cit., 587), “na anterior disciplina dos emolumentos, contida na Port. n.º
996/98, a maneira como o montante de alguns desses emolumentos era definido e determinado levava-nos a concluir que não estávamos perante taxas, mas antes face a verdadeiros impostos. Na verdade, (…) numa tal configuração, esses emolumentos eram função, não dos custos do serviço de registo ou do serviço notarial prestado, mas sim função da capacidade contributiva revelada na solicitação desses serviços pelos respectivos requerentes. Tratava-se, por isso, de impostos e de impostos inconstitucionais, desde logo porque a definição da sua taxa não respeitava o princípio constitucional da legalidade fiscal, que reserva tal matéria ao legislador parlamentar ou parlamentarmente autorizado.” Como quer que se deva concluir quanto à relevância do critério que concede relevância ao princípio da capacidade contributiva, pode, porém, notar-se que o critério fixado no artigo 5º da referida Tabela de Emolumentos é, ao menos, perfeitamente coerente com tal lógica da determinação do montante do tributo em função da capacidade contributiva – revelando, por exemplo, uma nítida semelhança com o critério de determinação do montante do imposto de sisa.
5.Antes de prosseguir, importa ainda referir a jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias – nos acórdãos proferidos nos casos C-56/98
(B.), de 29 de Setembro de 1999, C-19/99 (C.), de 21 de Setembro de 2000, C-134/99 (D.), de 26 de Setembro de 2000, e C-209/99 (E.), de 21 de Junho de
2001 – que decidiu questões, que foram deduzidas por Tribunais portugueses, sobre a interpretação da Directiva 69/335/CEE do Conselho, de 17 de Julho de
1969, relativa aos impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais
(na redacção que lhe foi dada pela Directiva 85/303/CEE do Conselho, de 10 de Junho de 1985). Estes arestos incidem, justamente, sobre “emolumentos notariais exigidos pela celebração de escrituras públicas de aumento do capital social e de modificação da denominação social e da sede” (caso B.), “emolumentos notariais exigidos pela celebração de escrituras públicas de aumento do capital social e de modificação de determinadas disposições do pacto social” (caso C.),
“emolumentos exigidos pela inscrição de um aumento do capital social” de uma sociedade no Registo Nacional de Pessoas Colectivas (caso D.) e emolumentos
“cobrados pela inscrição de um aumento do capital social de uma sociedade no Registo Comercial” (caso E.), e, mesmo sem considerar se a referida directiva – que, visando “promover a livre circulação de capitais, considerada essencial à criação de uma união económica com características análogas às de um mercado interno” determina a supressão dos impostos indirectos que vigoravam nos Estados-Membros até à entrada em vigor da Directiva e a “aplicação, em seu lugar, de um imposto cobrado uma só vez no mercado comum e de nível igual em todos os Estados-Membros” – é aplicável ao caso dos autos, é inegável que a jurisprudência referida tem interesse para o presente recurso (e também para o decidido pelo citado Acórdão n.º 115/2002, como se salientou na declaração de voto aposta a este pela Cons.ª Maria dos Prazeres Beleza, que se retoma neste ponto). Na verdade, a regulamentação dos emolumentos notariais tida em conta nos dois primeiros acórdãos respeita precisamente à Tabela dos Emolumentos Notariais aprovada pelo Decreto-Lei n.º 397/83, de 2 de Novembro de 1983, estando em causa a qualificação dos emolumentos cobrados, para o efeito da Directiva 69/335/CEE, com o fim de apurar se deveriam ser tratados como impostos indirectos (proibidos em princípio pela Directiva) ou se seriam “direitos com carácter remuneratório”
(por esta permitidos). O Tribunal de Justiça, entendendo que “uma parte dos emolumentos em causa no processo principal, devidos por aplicação de uma regra de direito ditada pelo Estado, é paga por uma pessoa privada ao Estado para financiamento das missões desse Estado” (através do Cofre dos Conservadores, Notários e Oficiais de Justiça), julgou, no caso B., que tais emolumentos
“constituem uma imposição na acepção da directiva, em princípio proibidos por força do artigo 10°, alínea c), da directiva”, acrescentando que “não reveste carácter remuneratório, para efeitos do disposto no artigo 12°, n.° 1, alínea e), da directiva, uma imposição cobrada pela celebração de uma escritura pública de aumento do capital social e de alteração da denominação social e da sede de uma sociedade de capitais, como é o caso dos emolumentos em causa no processo principal, cujo montante aumenta directamente e sem limites na proporção do capital social subscrito”. Esta orientação foi reiterada no caso C., relativamente aos “emolumentos notariais exigidos pela celebração de escrituras públicas de aumento do capital social e de modificação de determinadas disposições do pacto social”, bem como no caso D., sobre a Tabela de Emolumentos do Registo Comercial aprovada pela Portaria n.° 883/89, de 13 de Outubro. Neste último aresto, embora entendendo que os Estados-Membros podem tomar em consideração, no cálculo dos direitos com carácter remuneratório, “não apenas os custos, materiais e salariais, directamente relacionados com a execução das operações de registo de que constituem a contrapartida”, mas também, em certas condições, “a parcela dos encargos gerais da administração competente imputável a essas operações”, o Tribunal de Justiça sublinhou que “um direito, cujo montante aumenta directamente e sem limites na proporção do capital nominal subscrito, não pode, pela sua própria natureza, constituir um direito com carácter remuneratório na acepção da directiva. Efectivamente, mesmo podendo existir, em certos casos, um nexo entre a complexidade de uma operação de registo e a importância dos capitais subscritos, o montante de tal direito não terá, em geral, qualquer relação com as despesas efectivamente feitas pela administração com as formalidades de registo”. E no recente acórdão proferido no caso E., o referido Tribunal veio afirmar que “(...) direitos cobrados pela inscrição de um aumento do capital social de uma sociedade no Registo Comercial e cujo montante aumenta directamente e sem limites na proporção do capital nominal subscrito e não é calculado com base no custo do serviço prestado, como os que estão em causa no processo principal, não têm carácter remuneratório”, acrescentando que “a existência de um limite máximo que não pode ser ultrapassado por estes direitos não é, por si só, susceptível de atribuir esse carácter remuneratório se o referido limite não for fixado de forma razoável em função do custo do serviço cujos direitos constituem a contrapartida”. Apesar de o objecto destes processos ser distinto do presente, e de ser diverso o parâmetro normativo aplicável – o que leva a que as conclusões obtidas não impliquem necessariamente decisões idênticas no recurso de constitucionalidade
–, a jurisprudência citada não deixa de conter elementos relevantes, no sentido de confirmar que a forma de determinação do montante dos emolumentos em questão
é susceptível de pôr em causa a sua qualificação como receitas remuneratórias, de natureza distinta da dos impostos.
6.Há, pois, que analisar os emolumentos em questão – mais precisamente, o adicional previsto no artigo 5º, n.º 1, da Tabela em questão –, para apurar se devem ser tratados constitucionalmente como uma taxa ou como um imposto. Ora, antes de mais, reconhece-se que tal tributo é exigido por ocasião da prestação de um serviço ao utente pelo notário e alegadamente com fundamento nesta prestação. O problema não reside, pois, na inexistência de qualquer contraprestação a favor do utente, em si mesma considerada, mas, antes, em apurar se, pelo critério de determinação do montante dos emolumentos em causa, este não vem a revelar-se, nos termos referidos, flagrantemente desproporcional a esse serviço, de tal forma que esse critério se torna “completamente alheio” ao custo da prestação deste, ou à utilidade que o particular dele retira. Na verdade, a quantia pecuniária indicada no artigo 5º, n.º 1, da Tabela apresenta-se como uma parcela – uma quantia a adicionar ao montante emolumentar fixo, previsto no artigo 4º da Tabela – do total dos emolumentos devidos como contrapartida global pela realização de um acto notarial: a escritura pública de redução de capital social. Não pode, pois, deixar de tomar-se em consideração o critério de determinação desta parcela emolumentar. Tal montante obtém-se a partir do valor atribuído ao acto que constitui objecto da escritura, valor esse que corresponde, por seu turno, nos termos do artigo 1º, n.º 2, alínea l), ao “da importância a que o capital ficar reduzido”. O particular deve assim pagar uma quantia proporcional à importância a que o capital ficar reduzido, embora a percentagem relevante para o cálculo de tal quantia tenha carácter regressivo, consoante os escalões previstos no artigo 5º, n.º 1: acrescem, “sobre o total do valor, por cada 1000$00 ou fracção: a) Até
200000$00 - 10$00; b) De 200000$00 a 1000000$00 - 5$00; c) De 1000000$00 a
10000000$00 - 4$00; d) Acima de 10000000$00, sobre o excedente - 3$00.” A determinação da quantia emolumentar a pagar depende, pois, exclusivamente do valor a que o capital fica reduzido, e não do custo do serviço prestado pelo notário, ou da complexidade da sua actividade. E, assim, o montante devido por actos notariais semelhantes, e de idêntico custo, pode ser radicalmente diverso, em razão exclusiva do valor a que o capital ficar reduzido (nem sequer em função do valor da redução operada). Torna-se, pois, claro que, com este modo de cálculo, o valor a pagar será, no caso concreto, “completamente alheio” ao custo daquele serviço concretamente prestado, pois que nada na forma do seu cálculo permite supor uma ligação entre este custo e aquele montante. E a isto não obsta o facto de estar apenas em questão uma parcela variável do montante emolumentar global a pagar, que acresce a um montante fixo (previsto no artigo 4º da Tabela de Emolumentos do Notariado em causa). Na verdade, tal parcela adicional é ainda componente do montante global de emolumentos a pagar, e, em casos como o presente, será até muito mais significativa do que a componente fixa, prevista no artigo 4º. Para manter uma ligação ao critério do custo do serviço, só poderia, pois, argumentar-se com a possibilidade de repercutir no montante a pagar, não apenas o custo atomizado desse serviço prestado, mas também o conjunto dos custos de funcionamento das entidades que prestam o referido serviço. Mesmo admitindo esta possibilidade, importa notar, porém, e antes de mais, que a ponderação do destino a dar às receitas cobradas – o elemento “finalístico” referido – constitui justamente um dos critérios para se poder concluir que um tributo aqui em análise não deve ser tratado como uma taxa, e sim como imposto. No presente caso, parte das receitas do Cofre dos Conservadores, Notários e Funcionários de Justiça, a favor do qual revertem os emolumentos notariais, são, na verdade, afectadas por lei a diversos fins, que se não relacionam directamente com a manutenção do serviço de notariado: podem, assim, cobrir
“despesas de investimento a realizar no âmbito do Ministério da Justiça” (alínea a) do artigo 148º do Código das Custas Judiciais), “transferências para o Cofre Geral dos Tribunais” (alínea b) do mesmo artigo) e “outras despesas autorizadas por despacho do Ministro da Justiça” (alínea c) do mesmo artigo), bem como despesas relativas ao direito à utilização, em todo o território nacional, dos transportes colectivos, terrestres, fluviais e marítimos pelas autoridades de polícia criminal, restante pessoal de investigação criminal, membros do Conselho Superior da Polícia Judiciária e restantes funcionários da Polícia Judiciária
(cfr. o artigo 84º do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de Novembro). Tudo isto mostra, pois, que o que está em causa, no presente processo, não é, na verdade, apenas a possibilidade de repercutir no montante da quantia emolumentar os custos gerais de funcionamento dos serviços de notariado. Afigurar-se-ia, aliás, improcedente qualquer argumentação que procurasse basear-se num paralelismo com, por exemplo, a tributação das partes, na área judiciária, em função do valor da causa – de tal forma que a taxa de justiça arrecadada sirva para suportar, não apenas o concreto serviço prestado no processo ou acto em questão, mas uma parte dos custos globais da máquina judiciária. É que – mesmo que se aceitasse que tal “paralelismo” poderia, só por si, fundar uma argumentação no sentido da conformidade constitucional –, desde logo, as semelhanças entre a área do notariado e a judiciária são limitadas, havendo, na verdade, inúmeros casos em que a lei, não obstante utilizar o critério do valor da causa como elemento fundamental para o cálculo da taxa de justiça, utiliza outros critérios, e faz desaparecer o carácter exclusivo do valor da causa. Por outro lado, há também hipóteses em que o maior valor da causa tem efectiva repercussão na tramitação processual, cuja solenidade aumenta em função do aumento daquele valor. E, finalmente, não pode esquecer-se a finalidade de disciplinar a procura no recurso aos tribunais, também desempenhada pela taxa de justiça, e a existência do instituto do apoio judiciário, elementos, estes, sem paralelo no domínio dos emolumentos notariais, onde, pelo contrário, a utilização dos serviços em causa é obrigatória, sem que se procure diminuir a sua procura. E mesmo as considerações que se contêm no citado Acórdão n.º 115/2002, sobre a possibilidade de repercussão no montante de taxa a pagar, não apenas do custo atomizado do bem ou serviço, mas dos “custos globais do funcionamento da respectiva actividade da Administração Pública”, salvo desproporção manifesta, não podem ser, manifestamente, consideradas como ratio decidendi bastante para a qualificação como taxa, a que aí se chegou, não se tendo chegado a indicar, sequer aproximadamente, nem o montante de tal “custo atomizado”, nem em quanto orçavam os custos (ou despesas) globais da actividade notarial, por forma a poder apurar se os montantes pagos (as receitas recebidas), a título de emolumentos, de acordo com as normas em causa, eram, ou não, na verdade
“manifestamente desproporcionados” a esses custos – designadamente, se excediam ou não tais custos, e em que medida, e se podiam ou não ser utilizados, como a lei prevê, para a cobertura de outras despesas públicas, “completamente alheias” ao notariado.
7.Efectivamente, pode dizer-se que, na fundamentação do citado Acórdão n.º
115/2002 quanto ao montante da taxa a pagar, se refere, como critério decisivo para a noção de taxa, a relação entre esse montante e a presumível utilidade, para o particular, do bem ou serviço, e não já apenas a relação entre aquele e o custo – mesmo que apenas em termos de aquele não ser ‘totalmente alheio’ a este. Afirma-se, assim, que a “lógica da fixação da taxa [...] é ditada através da utilidade” que do serviço se retira, não se estando perante uma “concepção parametrizada apenas pela equivalência ao valor de custo do serviço prestado, mesmo que flexivelmente entendida”. Por outras palavras, fundamento para a delimitação da noção de taxa, entendida como preço de um bem ou serviço público, não é apenas um “princípio de cobertura de custos” (Kostendeckungsprinzip), para passar a ser um “princípio de equivalência” (Äquivalenzprinzip) com a utilidade do bem ou serviço. Ora, entende-se que a adopção deste critério de equivalência não é, em tese geral, constitucionalmente censurável, não existindo qualquer vinculação constitucional à observância de um estrito princípio de cobertura dos custos. Não se exclui, pois, que na fixação do quantum de uma taxa possa ter-se em conta a utilidade que a pessoa obrigada ao seu pagamento retira – cfr., por exemplo, os já citados Acórdãos n.º 357/99 e 200/2001 (embora este último referindo-se à relação com a “intensidade de utilização do serviço”, e, por essa via, com os seus custos). Não pode, porém, aceitar-se que se submeta ao regime constitucional da taxa uma figura em que tal utilidade presumível é o único critério utilizado para a sua determinação, designadamente, quando se trata de serviços de utilização necessária – para quem pretenda, ou tenha de, praticar validamente uma série de actos legalmente sujeitos a escritura pública (como, por exemplo, adquirir e alienar imóveis ou alterar o capital de uma sociedade) –, e que são prestados exclusivamente, em regime de monopólio, pela Administração Pública. Com efeito, para se poder considerar como taxa – isto é, como preço do serviço – uma contribuição emolumentar cujo montante é fixado em termos proporcionais ao valor do capital reduzido, seria necessário aceitar que a utilidade que se retira do serviço prestado pelo notário é, ela mesma, directamente proporcional
àquele valor. Ora, como se sabe, a utilidade de um determinado bem ou serviço é, na generalidade dos casos, determinada por factores irremediavelmente subjectivos, e não existe critério mais seguro para quantificar a utilidade que os bens podem proporcionar do que o seu valor de mercado. No presente caso, não pode, porém, recorrer-se a este critério para quantificar economicamente a utilidade dos serviços em causa, pois os serviços são prestados em regime de monopólio. Não basta, por outro lado, para compensar tal inexistência – ou as diferenças entre a forma como são fixados os preços, em regime de monopólio, por um lado, e num mercado em que se deparem várias possibilidades de escolha (quer este se aproxime mais ou menos do modelo da concorrência perfeita), por outro lado – argumentar que, em termos meramente formais, a fixação monopolística de um preço lhe não retira essa qualidade
(consideração que, aliás, provaria demais, pois, conjugada com a utilização obrigatória dos serviços, permitiria ainda considerar como “preço” montantes
“totalmente alheios”, quer ao custo quer à utilidade do serviço para o particular). Não podendo, por outro lado, uma utilidade determinada por factores subjectivos constituir o critério decisivo, só se poderia, pois, tomar em consideração a utilidade que, normalmente, o utente extrai – rectius, poderá extrair – do serviço. Ora, é desde logo difícil admitir que, quanto maior o valor a que o capital fica reduzido, tanto maior tenderá ainda a ser a utilidade que os sócios extraem da realização do respectivo acto de redução. Seja, porém, como for – isto é, mesmo que se admitisse tal improvável paralelismo –, sempre se trataria aqui, não da utilidade que eles retiram dos serviços do notário, a que se referem os emolumentos, mas do próprio acto que pretendem efectuar: isto é, da própria redução do capital. Estes dois planos têm de ser distinguidos, apenas podendo a confusão entre eles – e, portanto, a consideração de que a utilidade do serviço é directamente proporcional ao valor a que o capital se reduz – resultar do facto de a própria lei impor que se recorra a tais serviços para a válida realização do acto de redução de capital, isto é, e por outras palavras, do facto de, sob pena de nulidade, a lei proibir a realização do negócio sem recurso aos serviços do notário, os quais são, neste sentido, de utilização imperativa (tal como a norma que impõe a escritura pública como forma do negócio é uma norma imperativa). Tal imperatividade não pode, porém, ser considerada na determinação da utilidade dos serviços notariais em causa, relevante para efeitos da sua qualificação como taxa ou imposto, desde logo, porque por essa via se estaria a abrir a porta a uma total liberdade de fixação dos montantes da taxa pelo Governo: este poderia fixar o montante da taxa em correspondência com a utilidade do serviço para o particular, e poderia determinar livremente a utilidade deste, através de normas imperativas que estabelecem para que actos o particular teria de recorrer a tal serviço… Estas circunstâncias teriam, pois, como consequência, a diluição das linhas de fronteira da reserva parlamentar de competência legislativa em matéria de impostos: os limites da reserva parlamentar de competência legislativa tornar-se-iam, desta forma, meramente ilusórios.
8.A aplicação de um critério de equivalência – directa, ou, pelo menos, de existência de alguma relação, em termos de o montante não ser “totalmente alheio” – à utilidade para a qualificação dos emolumentos como taxas sempre imporia, pois, não só que se distinguisse a utilidade dos serviços notariais da que pode derivar do negócio formalizado, como que se abstraia da obrigatoriedade da utilização desses serviços para realizar validamente o negócio. Ora, a utilização desses serviços especializados pode revestir-se de importância suficiente, à luz do interesse geral – pelos efeitos que terá, em geral, sobre a segurança jurídica (designadamente, imobiliária) – para dever ser imposta como condição de validade de determinados negócios. Mas não pode considerar-se que a utilidade que tais serviços têm, para os particulares (no caso, os sócios) que se vêem obrigados a recorrer a eles, seja sempre – ou, sequer, em regra – proporcionada ao valor a que fica reduzido o capital (pelo contrário, não se afigura até inteiramente descabido o argumento de que, quanto maior o valor com que tal capital fica, tanto mais cautela e ponderação já tenderiam os sócios a ter, e tanto mais tenderiam também a recorrer a aconselhamento jurídico especializado, por advogados, para se certificarem da legalidade do acto que pretendem efectuar, e para acertarem, logo antes da ida ao notário, a forma de expressão rigorosa e segura da sua vontade negocial). Não pode, pois, dizer-se, para efeitos da sua qualificação como taxa, que, na parte em que são fixados de forma directamente proporcional ao valor a que o capital fica reduzido, o montante dos emolumentos notariais em questão obedece, sequer, a uma lógica de “equivalência” – ainda que entendida num sentido muito lato – à utilidade que os sócios normalmente extraem, ou podem extrair, dos serviços do notário.
9.Resulta do exposto que a quantia emolumentar em análise deve ser tratada constitucionalmente como um imposto (sendo, aliás, a conclusão alcançada independente da questão de saber se o critério seguido – o do valor a que o capital fica reduzido – constitui um índice da capacidade contributiva dos interessados, e se revela por essa via uma nota característica sobretudo dos impostos). Entende-se, na verdade, que procedem por maioria de razão, quanto a actos de redução de capital social, as razões no sentido de tal conclusão, avançadas nas declarações de voto apostas ao Acórdão n.º 115/2002, e na doutrina, já citada, que se pronunciou neste sentido. Pode, porém, dizer-se que quem acompanhe a conclusão a que se chegou nesse Acórdão n.º 115/2002, quanto a emolumentos relativos a uma escritura pública de compra e venda de bens imóveis, não é necessariamente conduzido a reiterá-la quando, como no presente caso, se trata de emolumentos relativos a uma escritura pública de redução do capital social.
É que, como se referiu, nos termos do artigo 2º, n.º 2, alínea l), da Tabela em questão, o valor dos actos de redução de capital social é o da importância a que o capital ficar reduzido, e não pode acompanhar-se a consideração de que a utilidade extraída pelo particular dos serviços notariais necessários para a realização de uma escritura pública de redução do capital social é directamente proporcional ao valor do objecto do negócio – rectius, do valor a que o capital ficar reduzido (tendo sido, desde logo, porque se tratava de actos emolumentares relativos a acto de bem diverso tipo que se começou por excluir a possibilidade de uma pura e simples aplicação da fundamentação do citado Acórdão n.º
115/2002). E não pode acompanhar-se tal consideração porque, justamente, está em causa um acto pelo qual o capital é reduzido, sendo que, por outro lado, a própria lei admite também uma tributação diversa destes actos quando a redução se destine a cobrir prejuízos – como resulta dos artigos 18º, n.º 1, alínea b), e 22º, n.º 2, da Tabela.
10.Conclui-se, pois, pelos fundamentos expostos, que, na parte em que se refere a emolumentos cobrados por escritura pública que tem por objecto um acto de redução de capital social – relativamente ao qual é impossível reconhecer uma relação proporcional directa entre a utilidade extraída dos serviços notariais e o valor a que o capital social fica reduzido –, a norma em questão prevê um tributo que não pode ser qualificado como taxa, e antes deve ser objecto do tratamento jurídico-constitucional reservado aos impostos. Pelo que, nos termos do artigo 165º, n.º 1, alínea j), da Constituição da República, a aprovação dessa norma se enquadrava na reserva relativa de competência legislativa parlamentar, havendo de ter sido aprovada por lei, e, por conseguinte, deve ser concedido provimento ao presente recurso. III. Decisão Com estes fundamentos, o Tribunal Constitucional decide:
a) Julgar inconstitucional, por violação do artigo 165º, n.º 1, alínea i), da Constituição, a norma do artigo 5º da Tabela de Emolumentos do Notariado, com a redacção que lhe foi dada pela Portaria n.º 996/98, de 25 de Novembro, na parte em que se refere a emolumentos cobrados por escritura pública que tem por objecto um acto de redução do capital social; e b) Por conseguinte, conceder provimento ao recurso e determinar a reforma da decisão recorrida, no que à questão de constitucionalidade respeita.
Lisboa, 10 de Dezembro de
2003 Paulo Mota Pinto Mário José de Araújo Torres Maria Fernanda Palma (vencida nos termos de declaração de voto junta) Benjamim Rodrigues (vencido nos termos da declaração de voto junta) Rui Manuel Moura Ramos
Declaração de voto
Votei vencida a decisão constante do presente Acórdão, seguindo a orientação do Acórdão de Plenário nº 115/2002, quanto à questão da inconstitucionalidade orgânica. Entendo que tal orientação é transponível para o presente caso, relativo a uma escritura pública de redução do capital social. Sendo aqui o valor do objecto do negócio o valor do capital reduzido, tal critério é indicativo da utilidade que se retira do acto notarial e da conexão entre o tributo e essa utilidade. Existindo tal conexão de tipo causal está quanto a mim suficientemente caracterizado o tributo como taxa, excluindo-se a sua caracterização como imposto, a qual pressupõe uma intervenção não directamente justificada por um benefício no património do devedor do tributo. A lógica que subjaz à decisão deste caso é, assim, a mesma do Acórdão nº 115/2002. A questão da proporcionalidade reduzida à simples relação económica entre o serviço e o tributo, numa perspectiva quantitativa de proporcionalidade, apenas poderia remeter, quanto a mim, para um plano de inconstitucionalidade material relativamente à qual o Tribunal não dispõe, todavia, de elementos de análise económica suficientemente relevantes. Mantenho, por isso, a mesma posição da declaração de voto que proferi no Acórdão nº 115/2002.
Maria Fernanda Palma
DECLARAÇÃO DE VOTO
1 - Votei vencido por não poder acompanhar os fundamentos em que se estribou a maioria que fez vencimento e que constituem a ratio decidendi do acórdão a que esta declaração se refere.
2 - São duas as suas principais linhas de argumentação: o critério de determinação da taxa, que está assumido na norma art.º 5º, n.º 1 da Portaria n.º 996/98, de 25 de Novembro, é inteiramente alheio e manifestamente desproporcionado relativamente ao custo do serviço, porque se expressa numa regra de proporcionalidade sobre o valor a que fica reduzido o capital por via do acto notarial; não pode aferir-se pelo valor dos bens que constituem o objecto do acto notarial - no caso a redução do capital de uma sociedade - a utilidade que é retirada dos serviços do notário porque ela é completamente distinta da utilidade que os sócios do seu acto de redução do capital da sociedade.
No meu modo de ver, qualquer destes dois argumentos é frágil. Senão vejamos.
3 - O simples facto da regra de cálculo - que não de critério de tributação, pois que este é expresso por todos os elementos constitutivos do tipo tributário - estar construída sobre o princípio da proporcionalidade matemática não permite concluir, sem mais, ao contrário do afirmado no acórdão, pela existência de uma manifesta desproporção entre o custo do serviço
(atomizado e encargos gerais) e a utilidade que os beneficiários dele retiram. A proporcionalidade matemática é ontologicamente neutra. A regra de cálculo proporcional, em abstracto, tanto pode conduzir a um valor inferior como superior àquele que seja adoptado, predeterminadamente, como limite. Neste campo, tudo depende da expressão quântica dos factores que sejam elegidos como elementos de funcionamento da regra. Assim sendo, a regra da proporcionalidade é cientificamente inadequada para poder sustentar qualquer juízo de desproporcionalidade. Basta pensar no caso de, não obstante a regra adoptar o princípio da proporcionalidade matemática, os respectivos factores terem uma expressão de tal modo pequena que jamais possam atingir o valor real do custo do serviço.
O princípio da proporcionalidade só assume um valor paramétrico quando referido ou imputado a um bem ou valor jurídico - neste caso “o custo de produção do serviço público” e a utilidade que dele retiram os beneficiários. Sendo assim, o juiz constitucional apenas poderia chegar à conclusão de que o resultado a que se chega pela regra de cálculo constante dos arts. 4º, n.º 1 e
5º, n.º 1, da mencionada Portaria, seria manifestamente ofensivo da proporcionalidade entre as prestações pública e privada se tivesse claras razões para poder concluir que a avaliação feita pelo legislador sobre os valores dos custos de “produção do serviço público utilizado” e da utilidade que dele retira o beneficiário se afastariam, sem margem para dúvidas, dos valores achados pela utilização de um (outro) adequado critério económico-financeiro de determinação do custo de bens que levasse simultaneamente em conta os aspectos prudenciais relativos à sua estabilidade e à evolução dos mercados. O acórdão, todavia, não afirmou a existência de uma tal discrepância. Mais, nem sequer confrontou o modo de cálculo estabelecido com qualquer outro parâmetro que pudesse ser tido como
índice seguro do custo do serviço. Sendo assim, a solução, segundo o princípio da presunção de constitucionalidade da lei ordinária, só poderia conduzir ao não provimento do recurso.
É claro que a bilateralidade das prestações não pode ser reconduzida a uma dimensão puramente formal, em termos de se ter de admiti-la sempre e onde o legislador a afirme.
Mas o detector da sua inexistência não poderá ser um puro critério abstracto, como defendeu a tese que fez vencimento, mas sim antes, pelo menos
(quando se não possa ou não se queira, por complexidade ou por falta de dados, eleger uma regra científica), uma regra de experiência, de senso comum, de prudência e de diligência. E não poderá ser um simples princípio afirmado em abstracto porque se trata de avaliar valores de bens satisfazentes de necessidades humanamente sentidas e tanto as necessidades como os bens que as pacificam são realidades bem reais da vida, mesmo que na sua dimensão jurídica. Terá de ser um critério que tenha em conta a perspectiva de avaliação concretamente sentida ou sentível pelo homem médio, em termos correspondentes ao de juízo de avaliação de um bonnus pater familias, agindo no quadro de uma gestão do interesse público específico posto pela lei a seu cargo.
A esse respeito escreveu Benjamim Silva Rodrigues (Para uma Reforma do Sistema Financeiro e Fiscal do Urbanismo em Portugal em O Sistema Financeiro e Fiscal do Urbanismo, Actas, Coimbra, Almedina, 2002, p.183):
“Não é demais repetir que se trata de uma bilateralidade de prestações (prestação pecuniária do contribuinte versus prestação do serviço semi-público, uso do bem público) em que a realizada pela administração pública não pode deixar de ser tida como satisfazente (propiciante da fruição) de uma necessidade humana individualizada num concreto sujeito sob a perspectiva do homem médio e que só nesta medida é que pode ser vista como respeitante a uma necessidade objectiva. Onde não se possa falar de uma fruição individualizada de bens públicos sentível ou susceptível de ser sentida também individualizadamente pelo contribuinte médio, enquanto pacificando uma sua necessidade, não é possível ver em tal prestação pública a contraprestação correspectiva de uma taxa”.
Ora, se nos colocarmos neste terreno, haveremos de concluir que, não obstante a taxa em causa vigorar sob o mesmo esquema de determinação há muitas dezenas de anos, a coberto de sucessivos diplomas legais, jamais se considerou que, segundo a perspectiva do contribuinte médio, o valor que pagava pelos serviços notariais não estava estabelecido em termos justos e adequados, tendo em conta, por um lado, o valor da satisfação da sua necessidade jurídica e, por outro, o valor desconhecido, contabilisticamente, dos custos de “produção de tais serviços públicos” e da utilidade que aquele deles retirava. A este respeito cumpre lembrar que a questão começou por ser “suscitada” não naquele plano da realidade sentida pelo contribuinte médio, mas no da aplicação do direito comunitário.
4 - Entende, por outro lado, a tese que fez vencimento que não pode equiparar-se o valor da utilidade retirada do acto notarial com a utilidade do acto de redução de capital que constitui objecto daquele. Mas a questão nunca foi posta, mesmo no Acórdão n.º 115/02, deste Tribunal, que a tese vencedora sustenta respeitar a uma situação diferente (a partir do próprio texto legal constitucionalmente sindicado - o art. 5º da Tabela de Emolumentos de Notariado, aprovada pelo DL. n.º 397/83, de 2 de Novembro), como uma questão de igualdade ou de identidade de utilidades. É evidente que são diferentes, por natureza, as utilidades em causa: o acto notarial satisfaz a necessidade pública de conferir segurança e certeza jurídicas ao acto dos sócios; o acto de redução de capital satisfaz a necessidade dos sócios de disporem do capital das suas quotas/acções para outros fins que não o de continuar a ser acervo societário: por exemplo, distribuição entre eles ou pagamento de prejuízos da sociedade. O problema que se põe é antes o de saber se o valor dos bens que constituem o objecto do acto notarial poderá servir de adequado elemento indicador de qualquer equivalência jurídica que possa fundamentar materialmente a exigência do pagamento da taxa. E neste plano a resposta só poderá ser a afirmativa. E só pode ser a afirmativa, porque a possibilidade de realização jurídica do acto dos sócios só é susceptível de ser concretizada através do acto notarial. Sendo assim, o valor do acto condição será tanto maior quanto maior for o valor dos bens do acto jurídico condicionado. A tese que venceu chega a uma conclusão diferente porque, sem se dar verdadeiramente conta, acaba por raciocinar em termos de o princípio da equivalência de custos ser o único critério constitucionalmente legítimo de determinação do montante da taxa, como se a utilidade dos bens públicos pudesse ser mensurada pelo mesmo padrão dos bens que estão livremente no comércio jurídico e não algo de diferente que apenas vai, aí, buscar a ideia do equilíbrio jurídico de prestações, traduzido tanto no Äquivalenzprinzip como no Kostendeckungsprinzip.
Ao contrário do afirmado, não vemos que exista, sob a perspectiva do valor da utilidade do acto notarial, qualquer diferença entre a hipótese do mesmo ter por objecto, não a constituição de propriedade horizontal e a compra e venda de imóveis (como acontecia na situação subjacente ao referido Acórdão n.º
115/02), mas antes a redução de capital de uma sociedade.
A utilidade jurídica susceptível de ser convocada como um dos elementos integrantes da equivalência jurídica é exactamente a mesma. E quanto à utilidade económica - que parece ser a que é relevada pela tese que venceu - ,
é, ainda, possível afirmar seguramente a sua existência. Ao reduzirem o capital da sociedade, os sócios não deixam de, pessoalmente, estar a dispor de fundos para com eles prosseguirem outros fins, ainda que em benefício da sociedade como acontece nos casos em que essa redução seja utilizada para cobrir prejuízos
(Note-se que o legislador não deixou estabelecer uma taxa mais favorável, de tipo incentivador, para estes casos, precisamente em razão da inexistência de um proveito imediato pessoal dos sócios – art. 18º da Portaria n.º 996/98). O acto de redução do capital da sociedade é um acto de natureza patrimonial, se bem que de outro tipo, tal como o é o da constituição da propriedade horizontal e a compra e venda de fracções.
A boa doutrina continua a ser, pois, a que o referido Acórdão n.º
115/02 adoptou e a tese vencedora abandonou. Benjamim Rodrigues