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Processo n.º 590/11
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos da 2ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães, foi proferido o Acórdão n.º 217/2012, que concluiu pela impossibilidade de conhecimento do objeto do recurso interposto.
2. Notificado do referido acórdão o recorrente A., “vem nos termos do art. 78-A, no 3 da LTC, apresentar Reclamação para a conferência da douta decisão proferida pelo MM° Relator” (fls. 917), nos seguintes termos:
“1º
O Mm° Juiz Conselheiro Relator proferiu a fls.., a douta decisão reclamada, na qual se decidiu não conhecer do objeto do recurso,
(…)
4°
Ora o douto acórdão reclamado considerou que a primeira interpretação normativa não foi efetivamente aplicada, porem, considera o recorrente que assim não è.
5º
Com efeito o Tribunal “a quo” considerou assente que o recorrente foi notificado pessoalmente da sentença que declarou a insolvência bem como da data designada para a assembleia de credores destinada a apreciar o relatório a que se reporta o art. 156 do CIRE.
6º
Tudo isto ê verdade, alias sempre alegado pelo recorrente.
7º
Porem, como resulta da acta desta assembleia de credores de 14/08/2008 de fls… ref. 577783, relativamente à questão do plano de insolvência, ficou consignado o seguinte:
Oportunamente será designada data para discussão e votação da proposta do Plano de Insolvência apresentada (art° 209° do CIRE).
8°
Deste modo o recorrente, que havia comparecido para a assembleia do dia 14/08/2008, ficou convencido de que o futuro agendamento de data para discussão e votação do plano de insolvência apresentado, disso lhe seria efetuada notificação, aliás como foi notificado para a assembleia de 14/08, todavia o certo é que nada mais foi notificado ao comunicado relativamente ao agendamento da assembleia que veio a ter lugar apenas mais de um ano depois em 30 de setembro de 2009.
9°
É pois esta a questão, e não outra, o recorrente foi pessoalmente notificado para a assembleia de credores de 14/08/2008, compareceu, porem a assembleia de credores que discutiria o plano ficou a aguardar agendamento, e quanto foi novamente agendada a realização dessa assembleia, nada foi notificado ao recorrente.
10º
Até pela normalidade das coisas, se foi notificado para a primeira, seria expectável que também o viesse a ser para a segunda. Deste modo a sua falta não se deveu a qualquer desinteresse ou desleixo, mas apenas à falta de notificação para poder estar presente, notificação essa que seria aguardada, a medir pelas notificações antecedentes.
11º
Note-se que o Tribunal “à quo” não deu como assente que o recorrente tivesse conhecimento prévio da data em que a assembleia de credores viria a discutir e votar o plano de insolvência, nem que lhe tenha sido notificado a data da mesma que teria lugar em 30/09/2009.
12°
Resulta pois que, o Tribunal “a quo” considerou apenas que, pese embora o recorrente ter sido pessoalmente notificado para a assembleia de 14/08/2008, já não teria ser pessoalmente notificado para a assembleia de 3 0/09/2009 na qual efetivamente veio a ser discutido e votado o plano de insolvência, interpretação que extraiu do disposto nos artigos art. 75° ex vi art. 209° e 213° todos do CIRE.
13°
Salvo o devido respeito e melhor entendimento, ao assim interpretar tais normativos, de modo a afastar a obrigatoriedade de notificação ao recorrente, o Tribunal “a quo” fez uma efetiva aplicação dessas normas na dimensão interpretativa que o recorrente considera inconstitucional. Fez assim efetiva aplicação da primeira interpretação normativa nos moldes alegados pela recorrente, razão pela qual se deveria ter conhecido do objeto do recurso nesta parte, e consequentemente declarar a inconstitucionalidade nos termos alegados e concluídos.
14º
Fez-se assim o douto acórdão reclamado incorreta aplicação do disposto no art. 79-C do LTC.
15º
Quanto à segunda interpretação normativa, não restam duvidas de que a mesma padece de inconstitucionalidade material, cuja declaração afetará irremediavelmente a decisão recorrida, a saber.
16°
Se bem entendemos o douto acórdão reclamado, a razão pela qual não se conhece da inconstitucionalidade prende-se com a conclusão de que o julgamento não provocaria a alteração da decisão recorrida, uma vez que o exercício do direito de preferência não assumiria quaisquer consequências jurídicas por ausência de património..., mas será efetivamente assim?
17°
Tal entendimento vertido no douto acórdão reclamado, no essencial conduz à negação ou supressão do direito de preferência emergente da aprovação do plano de insolvência a favor do recorrente, que por total desconhecimento da sua existência, não lhe foi dada a possibilidade de exercer. Afinal é disso que se trata.
18°
È evidente que, para lá do que foi deliberado naquela assembleia de credores, o direito de preferência do qual o recorrente era beneficiário, sempre se traduziria na possibilidade de não perder a sua participação social de 49 %, pela subscrição de igual quota no novo capital, nos termos resultantes daquele plano de insolvência.
19°
Um vez declarada a inconstitucionalidade da segunda interpretação normativa, interpretação que permitiu arredar o recorrente do exercício do direito de preferência, è evidente que tal declaração produzirá os seus efeitos e inevitáveis consequências jurídicas, mormente, assegurando a possibilidade de o recorrente vir a subscrever 49 % do capital da sociedade, mantendo assim a mesma participação social que antes detinha. Não pode pois concordar-se com a afirmação de que tal declaração «. . . não assumiria quaisquer consequências jurídicas».
20°
O que está em causa nesta segunda interpretação normativa alegada pelos recorrente, ê que por falta de notificação o recorrente viu-se privado do exercício de um direito subjetivo de natureza patrimonial, que lhe permitiria, uma vez exercido, aceder ao novo capital socia da insolvente e assim manter a participação social originária, que por via da redução a zero perdeu, ou dito de outro modo, ao recorrente foi negado o direito de poder continuar sócio da insolvente.
(…)
26°
Fez-se assim o douto acórdão reclamado incorreta aplicação do disposto no art. 79-C da LTC.
27°
Por assim ser, salvo do devido respeito, verificam-se todos os pressupostos necessários e suficientes à interposição do recurso para este Tribunal, nos termos dos art. 70º n°1 b), 72° n° 1 b)e n°2 e 75° n.º 1 todos da lei no 28/82 de 15 de novembro.
28°
Do exposto considera o recorrente que a douta decisão reclamada deverá ser reformada, e/ou alterada, por forma a que se conheça do objeto do recurso” (fls. 917 a 923)
3. Notificada para o efeito, a recorrida B., S.A. veio requerer a rejeição do requerimento interposto, alegando que a reclamação deduzida ao abrigo do n.º 3 do artigo 78º-A da LTC não é legalmente admissível, na medida em que visa impugnar um acórdão proferido em secção e não uma decisão sumária proferida pela Relatora.
4. Igualmente notificado para o efeito, o Ministério Público pronunciou-se no seguinte sentido:
«1º
Pelo douto Acórdão n.º 217/2012, proferido em Secção, decidiu-se não conhecer do objeto do recurso.
2º
Desse Acórdão, vem agora o recorrente reclamar para a conferência.
3º
Ora, só é possível reclamar para a conferência de decisões sumárias (art.º 78.º-A da LTC) e outras (artigo 78.º-B, n.º 2, da LTC), proferidas pelos Senhores Conselheiros Relatores.
4º
Não sendo, pois, possível – por se tratar de um meio processual inexistente – reclamar para a conferência de acórdãos proferidos em conferência, ou em Secção (como é o caso), não se deve conhecer do que vem requerido.»
Posto isto, importa apreciar e decidir.
II – Fundamentação
5. A presente reclamação foi deduzida ao abrigo do n.º 3 do artigo 78º-A da LTC. Ora, o Acórdão n.º 217/2012 foi proferido pelo pleno da 3ª Secção do Tribunal Constitucional – e não pela respetiva Relatora, mediante decisão sumária –, pelo que dele não cabe qualquer reclamação para a conferência.
Além disso, mesmo que se procurasse, em homenagem ao princípio do aproveitamento do atos processuais, proceder à sua convolação processual em requerimento de reforma do acórdão proferido [artigo 669º, n.º 2, alínea a), do CPC, aplicável “ex vi” artigo 69º da LTC], a apreciar pelo pleno desta 3ª Secção, certo é que o recorrente apenas insiste na sua discordância face à decisão proferida. Aliás, deve notar-se que só agora o faz, quanto aos fundamentos de não conhecimento do objeto do recurso, apesar de para tal ter sido convidado, mediante despacho proferido pela Relatora, em 06 de março de 2012 (fls. 876), na sequência da invocação de tais invocações, em sede de contra-alegações apresentadas pelo Ministério Público.
Assim sendo, mesmo que se admitisse uma convolação do requerimento apresentado em pedido de reforma do Acórdão n.º 217/2012, o mesmo sempre seria de rejeitar, na medida em que não se verifica qualquer erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos, não tendo o recorrente invocado quaisquer fundamentos que pudessem colocar em crise a correção da decisão anteriormente proferida.
Não sendo este o caso, é manifesta a inadmissibilidade legal do presente requerimento, pelo que não deve este Tribunal dele conhecer.
III - Decisão
Em face do exposto, decide-se não conhecer do presente requerimento.
Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC´s, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro.
Lisboa, 26 de setembro de 2012. – Ana Guerra Martins – Vítor Gomes – Maria Lúcia Amaral – Carlos Fernandes Cadilha – Rui Manuel Moura Ramos.