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Proc. n.º 308/03
2ª Secção Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, no Tribunal Constitucional:
A – O relatório
1 - A., reclama para a conferência, nos termos do n.º 3 do art.
78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), da decisão sumária proferida pelo relator que decidiu não tomar conhecimento do recurso interposto do acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, no qual pretende que o Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade de dez dimensões normativas diferentes que definiu, sendo uma relativa ao artigo 47º, n.º 1 do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo, quatro concernentes ao artigo 25º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho, duas respeitantes ao artigo 25º, n.º 2 do mesmo Decreto-Lei n.º 267/85, e, finalmente, três referentes ao artigo 57º § 4º do referido Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo.
2 - Em fundamento da sua reclamação a reclamante alega o seguinte:
«1. A A. submeteu à apreciação do Tribunal Constitucional a questão da conformidade das normas que integram a «ratio decidendi» do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo recorrido com o «princípio do Estado de direito», consagrado no artigo 2° da Constituição, e com os artigos 20º, n.º 1 e n.º 4, e 268°, n.º 4, também da Constituição.
2. Fê-lo, não por pretender que o Tribunal Constitucional se pronuncie sobre
«questões a título académico», mas para tentar conseguir algo que devia poder alcançar facilmente: que o Supremo Tribunal Administrativo aprecie a legalidade de uma pronúncia administrativa através da qual foi-lhe exigido o pagamento de
1.548.122.323$00, pronúncia administrativa essa que os Senhores Doutores B. e C. consideraram, num parecer jurídico que consta dos autos, como manifestamente ilegítima e, neste último ponto acompanhados pelo próprio INGA, como contenciosamente impugnável.
I DO ARTIGO 47º § 1 º do RSTA
3. Foi, assim, requerida a apreciação da constitucionalidade da norma contida no artigo 47º, § 1º do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo (RSTA), quando interpretada no sentido de que o pagamento de 573.114.197$70 corporiza uma aceitação integral de um acto administrativo através do qual é exigido o pagamento de 1.548.122.323$00, mesmo que, a quando do pagamento daquela quantia de 573.114. 197$70, já tivesse sido requerida, ao abrigo do artigo 30º e do artigo 31º do Decreto-Lei n.º 267/85, a notificação, para efeitos de impugnação contenciosa, da fundamentação integral da deliberação em causa.
4. A douta decisão de que agora se reclama, fazendo, salvo o devido respeito, uma interpretação errada do que foi requerido, considera que a dimensão normativa que foi definida pela A. é diferente da que foi aplicada, porque o requerimento do recurso incluiu na 'normatividade do preceito legal aqui em causa um segmento integrado por uma hipótese factual que não é levado em conta na dimensão do artigo 47º § 1º do RSTA, qual seja o de «sendo que, aquando do pagamento daquela quantia de 573.114.197$00, em 7 de Abril de 1989, já a ora recorrente tinha, em 16 de Março de 1989, requerido ao abrigo do artigo 30º e do artigo 31º do Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho, que lhe fosse notificada, para efeitos de impugnação contenciosa a fundamentação integral da deliberação em causa»'
5. A decisão ora reclamada considera ainda que a A. o que pretende é discutir a própria decisão do STA, quanto ao juízo que ela fez sobre a existência de aceitação pelo recorrente do acto administrativo impugnado, já que «apresenta-se a negar o resultado do juízo de facto e a respectiva valoração jurídica que foram feitas pelo tribunal a quo no sentido de que a referida regularização de contas só poderia ser entendida como aceitação do acto».
6. Ao contrário do que foi considerado, a A. não quer, como é evidente, discutir a sentença do STA, o que pretende é que o Tribunal Constitucional aprecie a constitucionalidade do artigo 47º, § 1º do RSTA, quando interpretado, como aconteceu no referido acórdão, com uma dimensão de acordo com a qual a aceitação de parte do conteúdo dispositivo de um acto administrativo impede o interessado de impugnar contenciosamente a outra parte.
7. Foi com esta dimensão normativa que o STA aplicou artigo 47º, § 1º do RSTA, e
é a constitucionalidade desta mesma dimensão normativa que a A. pretende que o Tribunal Constitucional aprecie.
8. Quando se refere, no requerimento do recurso, que até se deu a circunstância de, in casu, a A. ter pago a quantia de 573.114.197$70, já depois de, através de um pedido ,de notificação da fundamentação integral do acto em causa, ter revelado expressamente a sua intenção de recorrer contenciosamente, isso em nada altera a definição desta dimensão normativa do artigo 47º § 1º do RSTA cuja constitucionalidade se pretende ver apreciada, dimensão essa que é, repita-se, a que foi aplicada pelo Supremo Tribunal Administrativo: aquela de acordo com a qual a aceitação de parte do conteúdo dum acto administrativo impede o aceitante de impugnar a outra parte desse acto.
9. Essa «hipótese factual» que a A. referiu no enunciado do seu pedido de apreciação da constitucionalidade da referida dimensão interpretativa do artigo
47º, § 1º do RSTA não assume, como é bom de ver, qualquer relevo para este caso.
10. A referência a essa «hipótese factual» visou apenas salientar que, in casu, poderia ;até estar em causa a apreciação da constitucionalidade do artigo 47º, §
1º, do RSTA, quando interpretado no sentido de que pode ser impedido de recorrer contenciosamente dum acto administrativo quem manifestou, através dum requerimento que consta dos autos, a sua intenção de recorrer contenciosamente desse acto.
11. Em suma, o que a A. pretende é que seja apreciada, à luz dos parâmetros invocados, a constitucionalidade do artigo 47º, § 1º, do RSTA, quando interpretado, como o interpretou o douto acórdão do STA: no sentido de que a aceitação de parte do conteúdo de um acto administrativo implica que o aceitante não possa impugnar a outra parte desse acto.
12. E note-se que esta questão é relevante, uma vez que o artigo 47º, § 1º do RSTA, com a dimensão interpretativa agora em causa, foi determinante para a acórdão do STA, uma vez que a aplicação dessa norma, interpretada desse modo, constituiu a «ratio decidendi» e não um simples «obiter dictum» desse acórdão.
II
DO ARTIGO 25°/1 DA LPTA (A)
13. A A. requereu também a apreciação da constitucionalidade da norma contida no artigo 25º/1 do Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho, quando interpretada no sentido de que um acto de execução de um acto administrativo não pode ser impugnado contenciosamente, mesmo que a impugnação se fundamente em vícios próprios desse acto de execução.
14. Tendo a A., invocado vários vícios próprios e específicos do acto «de execução», o STA, para considerar esse acto inimpugnável, sem se pronunciar acerca desses vícios, teve, sem margem para dúvidas, que interpretar o artigo
25º/1 do Decreto-Lei n.º 267/85, no sentido de que um acto de execução de um acto administrativo não pode ser impugnado contenciosamente, mesmo que a impugnação se fundamente em vícios próprios desse acto de execução.
15. Ora é precisamente esta dimensão interpretativa do artigo 25º/1 do Decreto-Lei n.º 267/85 que a A. pretende que o Tribunal Constitucional aprecie.
16. Daí que, salvo o devido respeito, se não possa aceitar a tese segundo a qual a norma em causa não foi aplicada com a dimensão normativa que a A. pretende que o Tribunal Constitucional aprecie.
17. Aproveita-se para deixar claro que a ora Reclamante não pretende que o Tribunal Constitucional se substitua à Recorrente na definição da norma cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada, o que requer é que seja apreciada a norma contida no citado artigo 25º/1, quando interpretada nos termos em que foi aplicada pelo STA: no sentido de que um acto de execução de um acto administrativo não pode ser impugnado contenciosamente, mesmo que a impugnação se fundamente em vícios próprios e específicos desse acto.
18. A douta decisão de que agora se reclama parece, salvo o devido respeito, partir dum pressuposto errado: o de que o facto de um acto de execução não inovar em relação ao acto administrativo definitório implica necessariamente que esse acto de execução não possa sofrer de vícios próprios e específicos dele.
19. Tanto assim que, no que respeita a esta questão, o douto acórdão do STA, diz apenas que a deliberação do Conselho Directivo do INGA não inovou em relação à Portaria n.º 762-D/81, sem sequer se pronunciar acerca dos vícios próprios que foram imputados pela A. a essa deliberação, tais como o vício de incompetência, o vício de falta de fundamentação e o vício de violação de lei.
20. Ao contrário do que se afirma na douta decisão objecto da presente reclamação, a A. não «se apresenta a contraditar o juízo de facto feito pelo acórdão recorrido sobre o concreto conteúdo do acto de execução e, portanto, a discutir a própria decisão judicial», longe disso.
21. Na verdade, «o juízo de facto feito pelo acórdão recorrido sobre o conteúdo do acto de execução» consiste apenas e somente em considerar que o acto em causa
é um acto de execução que em nada inova em relação ao acto executado.
22. Só que isto nada tem a ver com a interpretação do artigo 25º/1 da LPTA que levou o STA a não apreciar os vícios próprios que foram imputados a esse «acto de execução»: a interpretação segundo a qual um acto de execução de um acto administrativo não pode ser impugnado contenciosamente, mesmo que a impugnação se fundamente em vícios próprios e específicos desse acto de execução.
23 E note-se, para melhor definir o quadro desta questão, que o facto da deliberação do INGA não inovar em relação à Portaria n.º 752-D/81, não impede que essa deliberação sofra dos vícios próprios que a A. lhe imputou: vício de incompetência, vício de falta de fundamentação e vício de violação de lei.
24. Não é, pois, possível dizer-se, como diz a douta decisão de que agora se reclama, que a A. «contradita o quadro de facto que o tribunal integrou negativamente na hipótese do preceito legal do artigo 25º n.º 1 do DL n.º
267/85».
25. A A. não discute, agora que a deliberação do INGA seja uma mera decorrência da aludida portaria (quadro de facto de que o STA partiu), o que a A. pretende é que o Tribunal Constitucional aprecie a constitucionalidade do artigo 25º/1 da LPTA, quando interpretado no sentido de que um “acto de execução” de um acto administrativo não pode ser impugnado contenciosamente, mesmo que a impugnação se fundamente em vícios próprios e específicos desse acto, tais como os que foram imputados a essa deliberação.
26. Na verdade, se o douto acórdão do STA nem sequer se refere à questão da verificação ou não verificação desses vícios, como é que se pode vir dizer que a A. pretende contraditar «o quadro de facto que o Tribunal integrou negativamente na hipótese do preceito legal do artigo 25º n.º 1 do DL n.º 267/85» ?
27. Ainda que tal seja redundante para o caso, há que referir que o STA só poderia ter apreciado a questão de saber se o conteúdo da deliberação em causa desrespeitava ou não a Portaria n.º 267/85, se tivesse apreciado o recurso em causa, o que, como se sabe, não aconteceu.
28. De facto, o STA limitou-se a não conhecer desse recurso, considerando, ao arrepio do próprio INGA, do Tribunal Administrativo do Círculo do Porto e do aludido parecer dos Senhores Doutores B. e C., que a deliberação em causa era inimpugnável.
29. Em suma, a interpretação que o STA fez do artigo 25º/1 da LPTA foi exactamente aquela cuja constitucionalidade a A. pediu que fosse apreciada pelo Tribunal Constitucional: a interpretação de acordo com a qual um acto de execução de um acto administrativo não pode ser impugnado contenciosamente, mesmo que a impugnação se fundamente em vícios próprios e específicos desse acto de execução.
III DO ARTIGO 25º/1 DA LPTA (B)
30. A A. também requereu ao Tribunal Constitucional a apreciação da constitucionalidade do artigo 25º/1 da LPTA, quando interpretado no sentido de que se não pode impugnar um acto através do qual é exigido o pagamento, a título de juros, de uma quantia certa e determinada, “só porque estava previsto, em abstracto, o dever de pagar juros”
31. A douta decisão agora reclamada considera, salvo o devido respeito, erradamente que não foi com esta dimensão interpretativa que foi aplicada a referida norma.
32. Ora se a A. impugnou, com fundamento em erro de cálculo, o segmento da deliberação do INGA através do qual foi-lhe exigido o pagamento, a título de juros, de uma determinada quantia, e se o STA diz que esse segmento da deliberação não pode ser impugnado porque estava previsto, em abstracto, o dever de pagar juros, qual seria então a interpretação que esse Tribunal deu ao artigo
25º/1 da LPTA?
33. Não estão aqui em causa juízos de facto, o que existe é um acórdão, aliás douto, que decidiu que não se pode impugnar, com fundamento em erro de cálculo, um acto administrativo que vem exigir o pagamento, a título de juros, de uma determinada quantia, se estiver previsto, para esses casos, o dever de pagar juros.
34. Ao invés do que se refere na douta decisão de que agora se reclama, a A. não formula qualquer juízo de facto tendente a negar o formado pelo acórdão recorrido; o que a A. pretende é que o Tribunal Constitucional aprecie a constitucionalidade do artigo 25º/1 da LPTA, com a dimensão interpretativa que foi por si enunciada, dimensão interpretativa essa que foi aplicado pelo douto acórdão do STA.
35. Em suma, o que a A. pretende é que o Tribunal Constitucional aprecie a constitucionalidade do artigo 25º/1 da LPT A, quando interpretado no sentido de que é contenciosamente inimpugnável um acto que define o quantum dos juros de mora a pagar, desde que o pagamento desses juros esteja previsto em abstracto por uma norma jurídica anterior. IV
DO ARTIGO 25º/1 DA LPTA (C)
36. A A. requereu ainda ao Tribunal Constitucional a apreciação da constitucionalidade da norma contida no artigo 25º/2 da LPTA quando interpretada no sentido de que se não pode recorrer contenciosamente dum “acto de execução” de um acto administrativo contido num diploma regulamentar, desde que o prazo para a impugnação desse acto administrativo tenha caído, antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 267/85.
37. Numa outra formulação, o que a A. pretende é que o Tribunal Constitucional aprecie a constitucionalidade dessa norma legal, quando interpretada no sentido de que artigo 25º/2 da LPTA não se aplica aos actos de execução de actos administrativos contidos em diplomas regulamentares que já constituíam «caso decidido», no momento em que o Decreto-Lei n.º 267/85 entrou em vigor.
38. A douta decisão de que agora se reclama refere que «A razão da decisão não
é, ao contrário do que a recorrente alega, a posterioridade do acto de execução contenciosamente impugnado relativamente ao artigo 25º, n.º 2 da LPTA, mas antes a circunstância do tribunal a quo ter considerado que o acto é de execução de uma situação consolidada antes da entrada em vigor da LPTA»
39. Mas o que a A. pretende ver apreciado é isso mesmo. E a interpretação do artigo 25°/2 da LPTA, de acordo com a qual, um acto contido num diploma regulamentar, cujo prazo de impugnação expirou antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 267/85, constitui «caso decidido», não podendo, por isso, os seus actos de execução ser contenciosamente impugnados.
40. Do que se trata é pois de saber se a norma em questão é constitucional, quando interpretada no sentido de que não podem ser impugnados, dentro dos prazos estabelecidos na lei para a impugnação dos actos administrativos, os actos de execução de actos administrativos contidos em diplomas regulamentares que se tenham consolidado jurididicamente, antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 287/85.
41. No seguimento de uma afirmação constante da douta decisão de que agora se reclama, cumpre recordar que a referida Portaria nº 752-D/81 é um diploma de natureza normativo-regulamentar, composto por dezanove artigos, sendo que na sua maioria se trata de artigos que contêm normas jurídicas gerais e abstractas e cujo carácter normativo nunca foi posto em causa.
42. Em suma, o que a A. pretende é que o Tribunal Constitucional aprecie a constitucionalidade do artigo 25º/2 da LPTA, quando interpretado nos termos em que foi interpretado e aplicado pelo STA: interpretação essa segundo a qual o artigo 25º/2 da LPTA não se aplica aos actos de execução de actos administrativos contidos em diplomas regulamentares que já constituíam «caso decidido», no momento em que o Decreto-Lei n.º 267/85 entrou em vigor.
V DO PRINCÍPIO «PRO ACTIONE»
43. Para terminar, recorda-se, por dever de patrocínio, que, nos termos do princípio «pro actione» ou do favorecimento do processo, que, independentemente das suas aflorações legais, está ínsito no princípio constitucional do acesso efectivo à justiça, devem ser evitadas situações de denegação de justiça por excesso de formalismo, nomeadamente quando pode ser providenciado o suprimento dos pressupostos processuais susceptíveis de sanação, a fim de se realizar o desiderato enunciado no artigo 20º da Constituição.».
3 - A recorrida Direcção-Geral do Tesouro, sucessora legal (art. 5º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 230/2002, de 31 de Outubro) do INGA, cujo Conselho Directivo foi a entidade contenciosamente recorrida, respondeu à reclamação, pugnando pelo seu completo indeferimento.
4 - A decisão sumária que inteiramente se transcreve para facilidade de compreensão da reclamação é do seguinte teor:
« A - Relatório
1 - A., recorre para este Tribunal Constitucional do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28 de Novembro de 2002, pedindo que seja apreciada a inconstitucionalidade das normas abaixo identificadas, por si definidas no requerimento de interposição de recurso, e que diz “integrarem a ratio decidendi do acórdão. Alega a recorrente, também, aí, que a “aplicação destas normas pela decisão recorrida era de todo imprevisível, tanto mais que a possibilidade da sua aplicação nunca foi invocada pela autoridade recorrida e nem sequer foi referida na sentença da 1ª instância, assim como não há jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que confirme a aplicação dessas normas com o sentido que lhes foi dado”, pelo que se “verificou, in casu, uma situação anómala, insólita, imprevisível e excepcional em que não houve oportunidade processual de suscitar, antes do requerimento, a questão da inconstitucionalidade das normas” e que as mesmas violam “o princípio do Estado de direito, consagrado no art. 2º da Constituição, e a garantia da tutela jurisdicional efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados, consagrada no art. 20º, n.º 1 e n.º 4, e no artigo 268º, n.º 4 da Constituição”.
2 - A recorrente questiona a inconstitucionalidade das seguintes normas:
«a) da norma contida no artigo 47º/1 do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo, quando interpretado no sentido de que o pagamento de
573.114.197$70 corporiza uma aceitação integral do acto administrativo através do qual é exigido o pagamento de 1.548.122.323$00, sendo que, aquando do pagamento daquela quantia de 573.114.197$00, em 7 de Abril de 1989, já a ora recorrente tinha, em 16 de Março de 1989, requerido, ao abrigo do artigo 30º e do artigo 31º do Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho, que lhe fosse notificada, para efeitos de impugnação contenciosa, a fundamentação integral da deliberação em causa;
b) da norma contida no artigo 25º/1 do Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho, quando interpretada no sentido de que um acto de execução de um acto administrativo não pode ser impugnado contenciosamente, mesmo que o recurso se fundamente no facto de esse acto ter ultrapassado o acto executado, verificando-se até que, no texto do próprio 'acto de execução' (a deliberação do Conselho Directivo do INGA) se diz expressamente que, considerando 'que até à data se não revelou possível acertar bilateralmente o montante da dívida da A., sendo por isso conveniente defini-lo unilateralmente por acto administrativo definitivo e executório';
c) da norma contida no artigo 25º/1 do Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho, quando interpretada no sentido de que um acto de execução de um acto administrativo não pode ser impugnado contenciosamente, mesmo que o recurso se fundamente em vícios próprios desse acto, designadamente no vício resultante da violação do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 49.168, de 5 de Agosto - que não permitia que a liquidação de juros de mora por dívidas ao Estado ultrapassasse os cinco anos anteriores à data do pagamento da dívida sobre que incidiam;
d) da norma contida no artigo 25º/1 do Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho, quando interpretada no sentido de que não se pode impugnar um acto através do qual é exigido o pagamento de uma quantia certa e determinada, a título de juros de mora, só porque teria havido um acordo público ou privado, a que se refere uma carta (de 13 de Abril de 1981), que faz parte dos autos, em que teria sido prevista a possibilidade de pagamento de juros de mora -, dando-se até o caso de nessa carta não existir qualquer referência ao pagamento de juros;
e) da norma contida no artigo 25.º/1 do Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho, quando interpretada no sentido de que não podem ser impugnados os actos praticados ao abrigo de uma portaria que tem por destinatários «as actuais empresas refinadoras de açúcar», embora no momento da publicação dessa portaria não se soubesse se ela iria ser aplicada a uma, a duas, a três ou a nenhuma dessas empresas, já que esse diploma regulava as importações directas de rama de açúcar que as empresas refinadoras viessem a fazer, no futuro;
f) da norma contida no artigo 25º/2 do Decreto-Lei n.º 267/85, quando interpretada no sentido de que um acto de execução de um acto contido na Portaria n.º 752-D/81 não pode ser impugnado contenciosamente, mesmo que tenha sido praticado já depois do referido decreto-lei ter entrado em vigor;
g) da norma contida no artigo 25º/2 do Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho, quando interpretada no sentido de que não é permitido o recurso contencioso de um acto de execução de um acto administrativo contido na Portaria n.º 924/85, de
3 de Dezembro - publicada, já depois de ter entrado em vigor o Decreto-Lei n.º
267/85 - sendo que o Acórdão em causa considera que o acto «sub judice» é um acto de execução do acto administrativo contido no artigo 9º da Portaria n.º
752-D/81, em parte, com a redacção que lhe foi dada pela Portaria n.º 924/85;
h) da norma contida no §4º do artigo 47º do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo, quando interpretada no sentido de que é manifestamente ilegal um recurso que tenha por objecto um acto através do qual é exigido o pagamento de
1.548.122.323$00, só porque o seu destinatário pagou voluntariamente
573.114.197$00;
i) da norma contida no §4º do artigo 47º do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo, quando interpretada no sentido que é manifestamente ilegal um recurso interposto de um acto de execução de um acto administrativo, com fundamento em vícios próprios do acto de execução e também no facto de esse acto ter ultrapassado o acto executado;
j) da norma contida no §4º do artigo 47º do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo, quando interpretada no sentido de que é manifestamente ilegal um recurso interposto de um acto que define uma quantia certa e determinada a pagar a título de juros de mora, só porque havia sido previsto num hipotético acordo a possibilidade do pagamento de juros de mora».
3 - Neste Tribunal Constitucional o ora relator proferiu o despacho do seguinte teor, de convite à recorrente nos termos do n.º 5 do art.º 75º-A da LTC:
«1. A., com os demais sinais dos autos, recorre para este Tribunal Constitucional do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28 de Novembro de 2002, pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade das seguintes normas: a) artigo 47º, n.º 1 do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo, na significação interpretativa que precisa no seu requerimento de interposição de recurso; b) artigo 25º, n.º 1 da LPTA (Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho), em quatro significações normativas diferentes que aponta no mesmo requerimento; c) artigo 25º, n.º 2 da mesma LPTA, em duas dimensões interpretativas diferentes, também aí apontadas; d) § 4º do art.º 47º do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo, em três significações normativas diferentes, igualmente aí precisadas.
2. Ora, decorre do disposto nos art.os 70º, n.º1, alínea b) e 75º-A, n.os 1 e 2 da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15/11, doravante designada apenas por LTC) que apenas podem ser sindicadas constitucionalmente as normas – a elas se equivalendo as interpretações ou significações normativas a que chegue o aplicador da lei na tarefa de interpretação dos preceitos normativos – que tenham sido efectivamente aplicadas na decisão recorrida, entendendo-se como tal apenas as dimensões normativas que hajam sido determinadas pelo Tribunal que tenham constituído ratio decidendi da decisão ou seja, que tenham constituído o pressuposto jurídico necessário de cuja consideração no juízo de aplicação/subsunção tenha resultado forçosamente a decisão.
Assim sendo e porque o requerimento de interposição de recurso parece acolher significações normativas cuja consideração, neste juízo subsuntivo/aplicativo, aparenta ter sido apenas hipotizada convida-se a recorrente, nos termos do n.º 5 do referido artº 75.-A da LTC, a vir aos autos, em 10 dias, precisar em que segmentos do Acórdão recorrido se mostram acolhidas as diferentes dimensões interpretativas cuja inconstitucionalidade a recorrente pretende ver sindicada, bem como os segmentos do mesmo acórdão em que se mostre efectuada essa aplicação/subsunção.
Lisboa, 27 de Maio de 2003».
4 - A este convite a recorrente respondeu nos termos seguintes:
«A A. (de ora em diante A.) vem, em cumprimento do douto despacho de fls.,
«precisar em que segmentos do Acórdão recorrido se mostram acolhidas as diferentes dimensões interpretativas cuja inconstitucionalidade a recorrente pretende ver sindicada, bem como os segmentos do mesmo acórdão em que se mostre efectuada essa aplicação/subsunção». Fá-lo nos termos seguintes:
1. O douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de que agora se recorre assenta em dois fundamentos distintos:
a) A deliberação do Conselho Directivo do INGA «sub judice» não é passível de recurso contencioso de anulação porque constitui 'apenas a decorrência, a tradução prática ou a execução material” de actos administrativos anteriores; b) A A. não podia recorrer dessa deliberação porque aceitou-a, uma vez que, de acordo com o parágrafo primeiro do artigo 47º do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo, 'A aceitação tácita é a que deriva da prática, espontânea e sem reservas, de facto incompatível com a vontade de recorrer'.
2. Inconformada com esse douto Acórdão, a A. veio, através do presente recurso, submeter à douta apreciação do Tribunal Constitucional as questões da conformidade com o «princípio do Estado de direito», consagrado no artigo 2º da Constituição, e com os artigos 20º, n.º 1 e n.º 4, e 268°, n.º 4, da Constituição, das seguintes normas que integram a «ratio decidendi» do Acórdão objecto do presente recurso:
a) da norma contida no artigo 47º, §1º, do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo, quando interpretada no sentido de que o pagamento de
511.114.191$70 corporiza uma aceitação integral acto administrativo através do qual é exigido o pagamento de 1.548.122.323$00, tanto mais que até dá-se o caso de, aquando do pagamento daquela quantia de 573.114.197$00, em 7 de Abril de
1989, já a ora recorrente ter tido, como consta dos autos, em 16 de Março de
1989, requerido, ao abrigo do artigo 30º e do artigo 31º do Decreto-Lei n.º
267/85, de 16 de Julho, que lhe fosse notificada, para efeitos de impugnação contenciosa a fundamentação integral da deliberação em causa. O segmento do Acórdão recorrido em que se mostra acolhida esta «dimensão interpretativa» cuja constitucionalidade se pretende ver agora sindicada e em que se mostra efectuada essa «aplicação/subsunção» é o seguinte:
- “(...) c- A isto acresce um dado importante para que importa chamar a atenção: A recorrente, logo que foi notificada para o pagamento, na sequência da deliberação em crise, aprontou-se a regularizar as suas contas, enviando um cheque no valor de 573.l14.197$00 (ver fls. 23 a 25 do vol. VIII do p. Administrativo apenso) que o INGA imputou à conta da dívida (fls. 45 a 46 do I vol. dos autos). Atitude que só pode ser entendida como «aceitação do acto» e, por isso inibidora do direito ao recurso (art. 47, § 1º do RSTA), tanto mais quanto é certo que a carta que acompanhava o cheque não estabelece qualquer reserva, não manifesta nenhuma vontade contrária ao reconhecimento da «dívida», nem tão pouco faz qualquer restrição sobre o seu alcance. Pelo contrário, segundo o seu texto literal: a importância enviada destinava-se «...a regularização de contas com o ex-Fundo de Abastecimento...»' (fls. 24 e 25).
Isto mesmo voltou a ser confirmado no Acórdão através do qual o STA indeferiu o pedido de aclaração/nulidade do douto Acórdão «sub judice»: 'Na verdade, a fls.
666 dos autos (fls. 25, linha 6 do aresto) o acórdão em exame referiu textualmente que a «aceitação do acto» seria «inibidora do direito ao recurso
(art. 47º, § 1º, do RSTA)»).
b) da norma contida no artigo 25º/1 do Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho, quando interpretada no sentido de que um acto de execução de um acto administrativo não pode ser impugnado contenciosamente, mesmo que o recurso se fundamente no facto de esse acto ter ultrapassado o acto executado, verificando-se até que, no texto do próprio 'acto de execução' (a deliberação do Conselho Directivo do INGA) se diz expressamente que, considerando 'que até à data se não revelou possível acertar bilateralmente o montante da dívida da A., sendo por isso conveniente defini-lo unilateralmente por acto administrativo definitivo e executório' (fls. l/v); O segmento do Acórdão recorrido em que se mostra acolhida esta «dimensão interpretativa» cuja constitucionalidade se pretende ver agora sindicada e em que se mostra efectuada essa «aplicação/subsunção» é o seguinte:
- (...) d) - E se nada disto que ora asseveramos fosse acertado, ainda teríamos que ser levados a concluir que o acto em crise (deliberação do INGA de 16/2/89) seria irrecorrível pelo facto de ser apenas a decorrência, a tradução prática ou a execução material do acto administrativo representado pela dita Portaria. E, consequentemente, nada inovando em relação ao acto contido na Portaria, a lesividade residiria nesta e não no acto sindicado, como é sabido. Circunstância que, portanto, sempre obrigaria a afastar da sindicância contenciosa a deliberação em causa. Também por esta razão se imporia a rejeição do recurso' (fls. 25). Note-se que a A. invoca no recuso contencioso de anulação que foi interposto que o acto impugnado (deliberação do Conselho Directivo do INGA), vai para além
(ultrapassa) da referida Portaria, que o douto Acórdão considera ser um acto administrativo.
c) da norma contida no artigo 25º/1 do Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho, quando interpretada no sentido de que um acto de execução de um acto administrativo não pode ser impugnado contenciosamente, mesmo que o recurso se fundamente em vícios próprios desse acto designadamente no vício de erro no cálculo do montante desses juros e no vício resultante da violação do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 49.168, de 5 de Agosto - que não permitia que a liquidação de juros de mora por dívidas ao Estado ultrapassasse os cinco anos anteriores à data do pagamento da dívida sobre que incidam;
Os segmentos do Acórdão recorrido em que se mostra acolhida esta «dimensão interpretativa» cuja constitucionalidade se pretende ver agora sindicada e em que se mostra efectuada essa «aplicação/subsunção» são os seguintes:
- '(..) d) - E se nada disto que ora asseveramos fosse acertado, ainda teríamos que ser levados a concluir que o acto em crise (deliberação do INGA de 16/2/89) seria irrecorrível pelo facto de ser apenas a decorrência, a tradução prática ou a execução material do acto administrativo representado pela dita Portaria. E, consequentemente, nada inovando em relação ao acto contido na Portaria, a lesividade residiria nesta e não no acto sindicado, como é sabido. Circunstância que, portanto, sempre obrigaria a afastar da sindicância contenciosa a deliberação em causa. Também por esta razão se imporia a rejeição do recurso' (fls. 25)
- '(..) 1.5 - No que concerne aos juros ('compensações por mora') a questão é precisamente a mesma. Além de incidir sobre factos passados, a sua imposição surge com o Despacho n.º A-309/86-X, acto administrativo que também é e nunca chegou a ser impugnado'. (fls. 25 e 26).
Note-se que a A. invocou no recurso contencioso de anulação vários vícios próprios do pretenso acto de execução (incompetência, violação de lei, falta de fundamentação), designadamente o vício resultante de erro no cálculo do montante dos juros reclamados e o vício resultante de violação do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 49.168, de 5 de Agosto.
d) da norma contida no artigo 25º/1 do Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho, quando interpretada no sentido de que não se pode impugnar um acto através do qual é exigido o pagamento de uma quantia certa e determinada, a título de juros de mora, só porque, numa parte (até 1986), teria havido um acordo público ou privado, a que se refere uma carta (de 13 de Abril de 1981), que faz parte dos autos, em que teria sido prevista a mera possibilidade de pagamento de juros de mora, e, noutra parte (depois de 1986), o Despacho n.º A-309/86-X previa o pagamento de juros de mora; Os segmentos do Acórdão recorrido em que se mostra acolhida esta «dimensão interpretativa» cuja constitucionalidade se pretende ver agora sindicada e em que se mostra efectuada essa «aplicação/subsunção» são os seguintes:
- 'Aliás, aos juros se referia já a carta dirigida pela A. ao FA a propósito de um 'acordo' que entre ambos teria sido alcançado (fls. 54 dos autos), da qual se poderá extrair com alguma segurança (independentemente da natureza pública ou privada desse acordo) que a recorrente com eles já contaria por lhes ter dado o seu «agreement». Não pode, assim, dizer-se agora surpresa com a deliberação sobre censura. E se, por outro lado, a deliberação a eles também se referia, cremos que por idêntica razão perdeu o direito ao recurso com a aceitação demonstrada pelo pagamento efectuado (mesmo parcelar)'. (fls. 25)
- '(...) 1.5 - No que concerne aos juros ('compensações por mora') a questão é precisamente a mesma. Além de incidir sobre factos passados, a sua imposição surge com o Despacho n.º A-309/86-X, acto administrativo que também é e nunca chegou a ser impugnado'. (fls. 25 e 26).
e) da norma contida no artigo 25º/1 do Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho, quando interpretada no sentido de que não podem ser impugnados os actos praticados ao abrigo de uma portaria que tem por destinatários «as actuais empresas refinadoras de açúcar», embora no momento da publicação dessa portaria não se soubesse se ela iria ser aplicada a duas, a três ou a nenhuma dessas empresas, já que esse diploma, regulava as importações directas de rama de açúcar que as empresas refinadoras viessem a fazer, no futuro; Os segmentos do Acórdão recorrido em que se mostra acolhida esta «dimensão interpretativa» cuja constitucionalidade se pretende ver agora sindicada e em que se mostra efectuada essa «aplicação/subsunção» são os seguintes:
- '(...) não há dúvida que a Portaria n.º 752-D/81 se dirige «às actuais empresas refinadoras de açúcar» (ponto 1), circunstância que inculcava visar um restrito conjunto de pessoas determináveis, uma categoria específica de destinatários. O ponto 1 desse diploma refere que a abertura à importação de rama de açúcar é atribuída às «actuais empresas», logo às empresas que já existissem nesse instante e se dedicassem à refinação. O que significa que aludia exclusivamente às três empresas «A.», «D.» e «E.». É verdade que não estavam identificadas no texto da Portaria, não estavam mencionadas pela sua denominação social.' (fls. 22)
- '(...) Trata-se, pois, de acto que permite a prática futura de uma actividade
àqueles destinatários, acompanhada de cláusulas acessórias modais de «agere debere». Estamos, pois, com o M.mo juiz «a quo» na classificação que fez do acto (embora dessa conclusão não tenha retirado as devidas consequências pois, que cautelarmente conheceu da restante matéria do recurso). E sendo acto administrativo (não é pela forma utilizada que deixa de o ser: artigo 122º do CPA; 268º, n.º 4, da CRP) deveria a recorrente, se lesada, tê-lo impugnado oportunamente (na totalidade, ou na parte em que resultava a obrigação de pagar diferenciais positivos ao F A), encontrando-se agora inimpugnável pela convalidação dos seus efeitos, tal como na sentença de 1ª instância foi igualmente referido.' (fls. 23 e 24)
- '(...) b)- Em segundo lugar, toda a portaria é, ela mesmo, um acto administrativo com comandos dispersos que, como se viu, estabelecem cláusulas acessórias. Toda a portaria se destina em concreto às destinatárias citadas acima e por tal motivo nenhum do seu conteúdo é normativo/regulamentar. Logo, não há que chamar à colação o artigo 25º, n.º 2 da LPTA' (fls. 24).
f) da norma contida no artigo 25º/2 do Decreto-Lei n.º 267/85, quando interpretada no sentido de que um acto de execução de um acto contido na Portaria nº 752-D/81 não pode ser impugnado contenciosamente, mesmo que tenha sido praticado já depois do referido decreto-lei ter entrado em vigor; O segmento do Acórdão recorrido em que se mostra acolhida esta «dimensão interpretativa» cuja constitucionalidade se pretende ver agora sindicada e em que se mostra efectuada essa «aplicação/subsunção» é o seguinte:
- “É certo que o art. 25º, n.º 2, da LPTA estabelece que «o não recurso do direito de recurso de acto contido em diploma legislativo ou regulamentar não obsta, porém, à impugnação contenciosa de actos de execução ou de aplicação daqueles actos». Simplesmente a isso haverá que contrapor três ou quatro coisas. a) - Em primeiro lugar, sempre se trataria de preceito que apenas vê a luz do dia em 1985 (a LPTA é aprovada pelo DL n.º 267/85, de 16/07). O que quer dizer que se não mostra aplicável às situações consolidadas como casos resolvidos muito antes da sua entrada em vigor, isto é, em 1/10/85 (Ac. do STA/Pleno, de
27/11/86, in AD n.º 308-309, pág. 1127 e 1132). Logo o artigo 25º, n.º 2 citado torna-se inaplicável à situação em apreço. Com efeito, se se entendesse que ele devesse incidir no caso «sub judice», estar-se-ia a atingir factos passados, contrariando o estatuído no art. 12º do C.C.. E, por isso, não obstante o acto ora objecto do recurso ser posterior à LPTA, a verdade é que se debruça sobre factos ocorridos antes da LPTA. (...) Nesta circunstância, não é possível que o acto de que vem interposto recurso caiba na previsão do n.º 2 do art. 25º da LPTA. b)- Em segundo lugar, toda a portaria é, ela mesmo, um acto administrativo com comandos dispersos que, como se viu, estabelecem cláusulas acessórias. Toda a Portaria se destina em concreto às destinatárias citadas acima e por tal motivo nenhum do seu conteúdo é normativo/regulamentar. Logo, não há que chamar à colação o artigo 25º, n.º 2 da LPTA'. (fls. 24).
g) da norma contida no artigo 25º/2 do Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho, quando interpretada no sentido de que não é permitido o recurso contencioso de um acto de execução de um acto administrativo contido na Portaria n° 924/85, de
3 de Dezembro - isto é, publicada, já depois de ter entrado em vigor o Decreto-Lei n.º 267/85 - sendo que Acórdão em causa considera que o acto «sub judice» é um acto de execução do «acto administrativo» contido no artigo 9º da Portaria n.º 752-D/81, em parte, com a redacção que lhe foi dada pela Portaria n.º 924/85; Os segmentos do Acórdão recorrido em que se mostra acolhida esta «dimensão interpretativa» cuja constitucionalidade se pretende ver agora sindicada e em que se mostra efectuada essa «aplicação/subsunção» são os seguintes:
- 'i) Ficou deste modo estipulado sobre os diferenciais positivos: seriam receita que pertenceria ao Fundo de Abastecimento, como que num ambiente de reciprocidade, tal como veio a ser prescrito no ponto 3º da Portaria n.º
1133/81, de 31/12, dos Secretários de Estado do Orçamento e do Comércio, no ponto 7º da Portaria n.º 256-B/83, de 5 de Março, no ponto 7º da Portaria n.º
714-D/83, de 23/06, no ponto 2º da Portaria n.º 302-E/84, de 19/05 e, finalmente, no ponto 1º da Portaria n.º 924/85, de 31/12 (que altera o n.º 9 da Portaria n.º 752-D/81).' (fls. 20)
-'(...) Nesta circunstância, não é possível que o acto de que vem interposto recurso caiba na previsão do n.º 2 do art. 25º da LPTA' (fls. 24).
h) da norma contida no §4º do artigo 47º do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo, quando interpretada no sentido de que é manifestamente ilegal um recurso que tenha por objecto um acto através do qual é exigido o pagamento de
1.548.122.323$00, só porque o seu destinatário pagou voluntariamente
573.114.197$00;
Os segmentos do Acórdão recorrido em que se mostra acolhida esta «dimensão interpretativa» cuja constitucionalidade se pretende ver agora sindicada e em que se mostra efectuada essa «aplicação/subsunção» são os seguintes:
- '(...) c- A isto acresce um dado importante para que importa chamar a atenção: A recorrente, logo que foi notificada para o pagamento, na sequência da deliberação em crise, aprontou-se a regularizar as suas contas, enviando um cheque no valor de 573.114.197$00 (ver fls. 23 a 25 do vol. VIII do p. Administrativo apenso) que o INGA imputou à conta da dívida (fls. 45 a 46 do I vol. dos autos). Atitude que só pode ser entendida como «aceitação do acto» e, por isso inibidora do direito ao recurso (art. 47, §1. do RSTA), tanto mais quanto é certo que a carta que acompanhava o cheque não estabelece qualquer reserva, não manifesta nenhuma vontade contrária ao reconhecimento da «dívida», nem tão pouco faz qualquer restrição sobre o seu alcance. Pelo contrário, segundo o seu texto literal: a importância enviada destinava-se «...a regularização de contas com o ex-Fundo de Abastecimento...»' (fls. 24 e 25).
- 'Nestes termos, acordam em revogar a sentença recorrida e, por manifesta ilegalidade, rejeitar o recurso contencioso.' (fls. 26). A aplicação desta norma com essa interpretação foi confirmada no seguinte segmento do Acórdão que veio indeferir o pedido de aclaração/nulidade do douto Acórdão «sub judice»:
'c) Sobre a rejeição decidida, as razões substantivas para a sua determinação encontram-se nas alíneas a) a d) do ponto 1.3 do acórdão (fls. 24/25). Por isso, o facto de a norma adjectiva do §4, do artigo 47º do RSTA (aplicável ao caso) não ter sido expressamente citada, não é motivo para a nulidade invocada (...).'
i) da norma contida no §4º do artigo 47° do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo, quando interpretada no sentido que é manifestamente ilegal um recurso interposto de um acto de execução de um acto administrativo, com fundamento em vícios próprios do acto de execução e também no facto de esse acto ter ultrapassado o acto executado; Os segmentos do Acórdão recorrido em que se mostra acolhida esta «dimensão interpretativa» cuja constitucionalidade se pretende ver agora sindicada e em que se mostra efectuada essa «aplicação/subsunção» são os seguintes:
- “(...) d) - E se nada disto que ora asseveramos fosse acertado, ainda teríamos que ser levados a concluir que o acto em crise (deliberação do INGA de 16/2/89) seria irrecorrível pelo facto de ser apenas a decorrência, a tradução prática ou a execução material do acto administrativo representado peta dita Portaria. E, consequentemente, nada inovando em relação ao acto contido na Portaria, a lesividade residiria nesta e não no acto sindicado, como é sabido. Circunstância que, portanto, sempre obrigaria a afastar da sindicância contenciosa a deliberação em causa. Também por esta razão se imporia a rejeição do recurso' (fls. 25).
- “Nestes termos, acordam em revogar a sentença recorrida e, por manifesta ilegalidade, rejeitar o recurso contencioso.' (fls. 26) A aplicação desta norma com essa interpretação foi confirmada no seguinte segmento do Acórdão que veio indeferir o pedido de aclaração/nulidade do douto Acórdão «sub judice»:
' c) Sobre a rejeição decidida, as razões substantivas para a sua determinação encontram-se nas alíneas a) a d) do ponto 1.3 do acórdão (fls. 24/25). Por isso, o facto de a norma adjectiva do § 4º, do artigo 47º do RSTA (aplicável ao caso) não ter sido expressamente citada, não é motivo para a nulidade invocada (...).'
j) da norma contida no §4º do artigo 47º do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo, quando interpretada no sentido de que é manifestamente ilegal um recurso interposto de um acto que obriga ao pagamento, a título de juros de mora, de uma quantia certa e determinada, só porque havia sido previsto, primeiro, num hipotético acordo e, depois, num despacho a mera possibilidade do pagamento de juros de mora. Os segmentos do Acórdão recorrido em que se mostra acolhida esta «dimensão interpretativa» cuja constitucionalidade se pretende ver agora sindicada e em que se mostra efectuada essa «aplicação/subsunção» são os seguintes:
- '(...) d) - E se nada disto que ora asseveramos fosse acertado, ainda teríamos que ser levados a concluir que o acto em crise (deliberação do INGA de 16/2/89) seria irrecorrível pelo facto de ser apenas a decorrência, a tradução prática ou a execução material do acto administrativo representado peta dita Portaria. E, consequentemente, nada inovando em relação ao acto contido na Portaria, a lesividade residiria nesta e não no acto sindicado, como é sabido. Circunstância que, portanto, sempre obrigaria a afastar da sindicância contenciosa a deliberação em causa. Também por esta razão se imporia a rejeição do recurso' (fls. 25)
- 'Aliás, aos juros se referia já a carta dirigida peta A. ao FA a propósito de um 'acordo' que entre ambos teria sido alcançado (fls.54 dos autos), da qual se poderá extrair com alguma segurança (independentemente da natureza pública ou privada desse acordo) que a recorrente com eles já contaria por lhes ter dado o seu «agreement». Não pode, assim, dizer-se agora surpresa com a deliberação sob censura. E se, por outro lado, a deliberação a eles também se referia, cremos que por idêntica razão perdeu o direito ao recurso com a aceitação demonstrada pelo pagamento efectuado (mesmo que parcelar)'. (fls. 25)
- '(...) 1.5- No que concerne aos juros ('compensações por mora') a questão é precisamente a mesma. Além de incidir sobre factos passados, a sua imposição surge com o Despacho n.º A-309/86-X, acto administrativo que também é e nunca chegou a ser impugnado'. (págs. 25 e 26).
- 'Nestes termos, acordam em revogar a sentença recorrida e, por manifesta ilegalidade, rejeitar o recurso contencioso.' (fls. 26) A aplicação desta norma com essa interpretação foi confirmada no seguinte segmento do Acórdão que veio indeferir o pedido de aclaração/nulidade do douto Acórdão «sub judice»:
' c) Sobre a rejeição decidida, as razões substantivas para a sua determinação encontram-se nas alíneas a) a d) do ponto 1.3 do acórdão (fls. 24/25). Por isso, o facto de a norma adjectiva do § 4º, do artigo 47º do RSTA (aplicável ao caso) não ter sido expressamente citada, não é motivo para a nulidade invocada
(...).'».
5 - Por conveniente à melhor compreensão desta decisão sumária, transcreve-se, na parte útil, o acórdão recorrido do Supremo Tribunal Administrativo que é do seguinte teor:
« III - O Direito
1- Para a recorrente A., a sentença censurada enferma de erro de julgamento, porque, ao contrário do decidido, a deliberação do INGA em crise viola o principio da legalidade consagrado no art. 266º, n.º 2, da CRP , por não haver norma jurídica que ao Conselho Directivo do INGA ou a qualquer outra autoridade administrativa confira o poder de exigir-lhe o pagamento de qualquer quantia devida em resultado do seu relacionamento financeiro com o extinto Fundo de Abastecimento. Bem vistas as coisas, verdadeiramente do que se trata é de saber se o INGA poderia ou não exigir o pagamento dos 'diferenciais' à A.. Esta matéria foi tratada na ponto 4.C da sentença e nesta o M.mo Juiz considerou improcedente o vício invocado. O núcleo da sua argumentação assentou na circunstância de o fundamento da exigência do pagamento através da deliberação do INGA se encontrar no n.º 9 da Portaria n.º 752-D/81. Mais sustentou, porém, que:
- esta portaria, designadamente no referido n.º 9, traduziria um acto administrativo, que não foi impugnado no seu devido tempo, por isso já convalidado e agora sujeito a execução;
- o art. 25º da LPTA seria inaplicável à situação;
- a referida portaria n.º 752-D/81 encontraria fundamento legal no art. 4º, n.º
1, al. a), do Estatuto da AGA, na redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 260-E/81
;
- ou, então, fundamento no art. 8º do DL n.º 39 035; no art. 2º, n.º 1 e 2 e 5º, n.º 1, do DL n° 45 835 e no art. 1º, n.os 1 e 3 do DL n.º 75-Q/77. Vejamos.
*
1.1- Detenhamo-nos na análise, ainda que breve, da evolução legislativa referente ao problema que nos ocupa. a) O Fundo de Abastecimento destinou-se a suportar parte do custo de algumas mercadorias essenciais ao abastecimento público, de maneira a tornar o seu preço comportável para o consumidor (art. 3º do DL n° 36 501, de 9/09/47). Intentava, assim, manter artificialmente baixos os preços de alguns bens e mercadorias considerados essenciais ao consumidor no quadro de um Estado intervencionista e corrector de eventuais distorções na política de preços. Este Fundo dispunha de personalidade jurídica, e os seus serviços gozavam de autonomia administrativa e financeira, sendo que entre o acervo das suas receitas se contavam os «diferenciais» que lhe estivessem «legalmente atribuídos» (art.8º, n.º 1, al. a), do DL n.º 39 035, de 15/12/52).
b) Posteriormente, e numa primeira tentativa de criar instrumentos de acção indispensáveis à política interna de preços, foi publicado o DL n.º 45 835, de
27/07/64. Este diploma estabeleceu que a estrutura e o funcionamento dos circuitos de comercialização de cada um dos bens que mais interessem ao consumo público seriam regulados por portaria do Ministério da Economia (art. 2º) e que as disposições para normalização do mercado em situações de alta de preços que afecte a estabilidade monetária e financeira constariam de portaria conjunta dos Ministérios das Finanças e da Economia (art. 5º).
c) Em 1974 foi publicado o DL n.º 329-A/74, de 10/07, que estabelecia os regimes a que podiam ser submetidos os preços dos bens e serviços vendidos no mercado interno.
d) O art. 1º do DL n.º 75-Q/77, de 20/2 determinava que a fixação de preços e de margens de comercialização constaria de despacho conjunto do Ministro do Comércio e Turismo ou de despacho conjunto com o Ministro competente.
e)O comércio do açúcar foi cometido à Administração Geral do Açúcar e do Álcool
(AGA), primeiramente com o DL n.º 47 338, de 24/11, mais tarde reforçado com o Estatuto constante do DL n.º 33/78, de 14/2, onde no seu art. 4º , n.º 1, al. a) se proclamava que à AGA competia em especial o exercício exclusivo da importação de açúcar em rama para a transformação em açúcar refinado destinado ao mercado interno.
f) Monopólio que se manteve defendido pelo ponto 1º, n.º 1, da Portaria n.º
196/81, de 20/2, embora admitisse já que as refinarias pudessem proceder à importação de ramas para fabrico de açúcar refinado exclusivamente destinado ao mercado externo (ponto 2º, n.º 2). Constituía «encargo» do Fundo de Abastecimento a «diferença» entre o preço de fornecimento do açúcar em rama às refinarias, estabelecido no n.º 1 do ponto 3º da referida Portaria, e o respectivo custo total, excepto quando se tratasse de ramas destinadas ao fabrico de açúcar para exportação (ponto 10º). Quer dizer, portanto, que apenas o diferencial negativo era objecto de uma definição, omitindo-se o que quer que fosse quanto ao diferencial positivo, sempre que o houvesse. Em boa verdade, não havia ainda então grande necessidade de se estabelecer algo sobre estes diferenciais positivos, visto que tudo se passava dentro do aparelho do Estado.
g) Com o DL n.º 260-E/81, de 2/09, e num esforço de adaptação gradual das estruturas de então às exigências do novo sistema económico já em vista da nossa adesão à Comunidade Económica Europeia, caracterizada por regras de concorrência, foi dada nova redacção ao art. 4º, n.º 1, al. a), do DL n.º 33/78
(estatuto do AGA). Ficou nessa altura abolida a referência expressa à importação exclusiva por parte da AGA e convencionado ficou que esta mantinha competência para a importação de rama de açúcar para transformação em açúcar refinado destinado ao mercado interno, «em condições a definir por portaria conjunta dos Ministros das Finanças e do Plano e do Comércio e Turismo».
h) Simultaneamente, pelos Ministérios das Finanças e do Plano e do Comércio e Turismo, foi publicada a Portaria n.º 752-D/81, de 2/9. Este diploma teve como fonte habilitante expressa o «... disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 4º do Estatuto da Administração-Geral do Açúcar e do Álcool, E.P., aprovado pelo Decreto-lei n.º 33/78, de 14 de Fevereiro, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 2º do Decreto-lei n.º 260-E/81, de 2 de Setembro». No ponto 1º prescreveu-se que:
«Até ao limite fixado para cada ano, por despacho do Ministro do Comércio e Turismo, é atribuída às actuais empresas refinadoras a possibilidade de importarem directamente ramas para laboração própria, em ordem à sua transformação em açúcar refinado destinado ao mercado interno». E no ponto 9 ficou estabelecido (este ponto viria a ser alterado posteriormente pela Portaria n.º 924/85, de 3/12):
«Em consequência e na constância da política de preço adoptada quanto ao açúcar, o diferencial a aplicar sobre a quantidade de ramas recebidas no trimestre, resultante da diferença entre o preço padrão e o preço derivado, tal como a seguir definidas, será pago, ou recebido, pelo Fundo de Abastecimento, por intermédio da AGA,...» (destaque nosso). A intenção era manter ainda o açúcar a um preço favorável ao consumidor através de um exercício financeiro gizado a montante e confinado às relações internas entre os importadores de rama (agora já num quadro de livre concorrência) e o Fundo de Abastecimento. Como o importador exclusivo já não era a AGA, no processo de importação agora intervinham entidades privadas e, logo, estranhas à Administração. Havia, pois, que regular o modo de proceder quando as importadoras, entre o 'preço-padrão' e o 'preço derivado', arrecadavam um lucro que, se não fosse o termo do monopólio anterior, caberia à AGA.
i) Ficou deste modo estipulado sobre os diferenciais positivos: seriam receita que pertenceria Fundo de Abastecimento, como que num ambiente de reciprocidade, tal como veio a ser prescrito no ponto 3º da Portaria n.º 1133/81, de 31/12, dos Secretários de Estado do Orçamento e do Comércio, no ponto 7º da Portaria n.º
256-B/83, de 5 de Março, no ponto 7º da Portaria n.º 714-D/83, de 23/06, no ponto 2º da Portaria n.º 302-E/84, de 19/05 e, finalmente, no ponto 1º da Portaria n.º 924/85, de 3/12 (que altera o n.º 9 da Portaria n.º 752-D/81). j) Com o DL n.º 95/86, de 13/05 é extinto o Fundo de Abastecimento e cometida ao Instituto Nacional de Garantia Agrícola (INGA), criado pelo DL n.º 96/86, de
13/05 (regulamentado pelos Decretos Regulamentares n.os 24-A/86, de 30/07 e
58/87, de 18/08, mas cujos estatutos e designação – Instituto Nacional de Intervenção e Garantia Agrícola – INGA viriam a ser alterados pelo DL n.º
282/88, de 12/08) a competência para a cobrança de «dívidas activas» do Fundo extinto.
*
1.2 - Como atrás se disse, a sentença recorrida começou por defender que a deliberação recorrida se fundou no ponto 9 da Portaria n.º 752-D/81, que traduziria um acto administrativo, não impugnado em seu devido tempo e a que, por isso a recorrente não podia agora deixar de. se submeter. Sendo assim, teremos que ver em primeiro lugar se existiria fonte (legal ou administrativa) para a liquidação e cobrança dos diferenciais positivos, ou se, ao contrário, estaremos perante um acto administrativo. Quanto aos negativos, não há dúvida de que havia fonte legal. Tal emerge da própria função que o Fundo de Abastecimento desempenhava (v. DL n.º 36 501, de
9/12). No que se refere aos positivos, nenhuma portaria até à n.º 752-D/81 (n.º 9) expressa e positivamente os consagra a favor daquela entidade. Contudo, os
«diferenciais» que lhe estivessem legalmente atribuídos já constituíam
«receitas» do Fundo de acordo com o DL n.º 39 035 (art. 7º). A ser assim, temos aqui dois planos distintos de estudo: um, que tem a ver com a natureza da Portaria 752-D/81; outro, com a positividade que emane do citado art. 7º do citado DL n.º 39 035. Em nossa opinião, um bastaria para a solução, mas a reunião dos dois mais força vem emprestar à solução. Para a sentença da 1ª instância, a Portaria em apreço seria um mero acto administrativo, que em seu devido tempo não foi impugnado pela recorrente e que, por esse motivo, estaria consolidado. Qualquer ilegalidade de que padecesse estaria convalidada e a recorrente não poderia agora recusar a sua aplicação. Para a recorrente, porém, trata-se de um acto normativo. Vejamos.
As características da norma são, como se sabe, a abstracção e a generalidade. Geral é o preceito que se dirige a uma generalidade maior ou menor de destinatários, que assim não são destinatários determinados (Para o conceito não releva a pluralidade de destinatários, pois pode haver pluralidade e não ser geral o acto). Abstracto é o que regula um número indeterminado de casos, uma categoria mais ou menos ampla de situações e não casos, situações ou hipóteses concretas ou particularmente visadas (J. Baptista Machado, in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 1997, pág. 92). Sucede, porém, que algumas vezes a indefinição é patente, sobretudo nos casos atípicos em que os comandos são gerais mas concretos, ou abstractos mas individuais Na resolução destes casos, Marcelo Caetano opinava que à existência simultânea da abstracção e generalidade se somava a noção de vigência permanente ou continuada. Mesmo que fosse dirigida a uma categoria restrita de pessoas, ou até mesmo ao titular do órgão, não deixaria de ser norma, se decretada para vigorar sucessivamente por tempo indefinido ou por período tal que se tornasse aplicável a quantos durante a sua vigência pudessem achar-se nas circunstâncias previstas
(Manual de Direito Administrativo, I, 10ª ed., pág. 436). Para este ilustre autor, se o comando se dirige a uma categoria determinada de destinatários haverá norma em face das circunstâncias em que cada um dele poderá aproveitar-se, em face da incerteza do tempo e da pessoa concreta a quem será aplicável daí em diante (ob. cit. pág. 437). Para Freitas do Amaral basta a generalidade para caracterizar a norma, tomando por geral o preceito que define os seus destinatários por meios de conceitos ou categorias abstractas sem individualização de pessoas. Desde que haja generalidade, haverá norma que se esgote num momento, portanto, sem vigência sucessiva, (Curso de Direito Administrativo, II, pág. 172). Rogério Soares coloca a ênfase na definição de situações jurídica abstractas na qualificação de norma (Direito Administrativo, 1978, pág. 79/80). Coutinho de Abreu parece seguir a linha, de Marcelo Caetano ao acolher como decisivo o factor da sucessibilidade dos efeitos futuros a todos quantos possam encontrar-se nas circunstâncias previstas no comando (Sobre os Regulamentos Administrativos, pág. 32). Esteves de Oliveira aceita que aos critérios da abstracção e generalidade devem acrescer factores correctivos, como o da execução permanente, ou o da determinabilidade/indeterminabilidade e o da operacionalidade (Direito Administrativo, I, pág. 107 a 109). Sérvulo Correia também pensa que a pluralidade indeterminada de destinatários não afasta necessariamente do comando a qualidade de acto administrativo. Basta nesse caso que seja uma só e determinada a situação concreta - constituída por um conjunto de pressupostos de facto, ou de facto e de direito – sobre a qual o acto se destina a produzir efeitos de direito. O acto aí é geral, mas falta-lhe a abstracção. E faltando essa qualidade (ou a generalidade), o acto passa a ser concreto (Noções de Direito Administrativo, I, 1982, pág. 271). Como se vê, não há unanimidade na doutrina a propósito dos critérios a seguir em casos limite em que não se verifica a justaposição dos factores que na concepção clássica tradicionalmente traçam o conceito de acto normativo.
* No caso em apreço, não há dúvida que a Portaria n.º 752-D/81 se dirige «às actuais empresas refinadoras de açúcar» (ponto 1), circunstância que inculcava visar um restrito conjunto de pessoas determináveis, uma categoria específica de destinatários. O ponto 1 desse diploma refere que a abertura à importação de ramas de açúcar é atribuída às «actuais empresas», logo, às empresas que já existissem nesse instante e se dedicassem à refinação. O que significa que aludia exclusivamente
às três empresas 'A.', 'D.' e 'E.'.
É verdade que não estavam identificadas no texto da Portaria, não estavam mencionadas pela sua denominação social. Mas o certo é que se não pode deixar de reconhecer que ela se destinava claramente a disciplinar uma realidade pré-existente, ou seja, aquela que na época caracterizava o mercado da refinação, e, assim, se dirigia às únicas operadoras conhecidas que se situavam no sector: as citadas. Deste modo, entendemos não ser possível vislumbrar aqui a generalidade essencial ao conceito de acto normativo (neste mesmo sentido, a propósito de casos similares de diferenciais de preços, em que se discutia a natureza dos actos que os determinava: Acs. de 27/11/86, in Recs. n.os 014879 e 016574).
É indiscutível que essa mesma Portaria se não esgotava numa única aplicação e, pelo contrário, os seus efeitos iriam perdurar pelas diversas vezes em que sucessivamente fosse necessária a sua aplicação. Tal, porém, não preenche necessariamente o conceito de abstracção normativa. Com efeito, também os autos autorizativos/permissivos se não esgotam numa única materialização e nem por isso deixam de ser actos administrativos. Os seus efeitos perduram no tempo sempre que, à sua sombra, o interessado deles fizer uso. Os actos autorizativos funcionam como a fonte legitimadora e substantiva de um futuro exercício plúrimo. Estão neles subjacentes, as mais das vezes, mais do que factos autónomos e separados entre si, teias de acção próprias de uma estrutura complexa de certo tipo de comportamento humano. Os actos autorizativos, queremos dizer, visam nesses casos disciplinar a essência da actividade. Um acto que autoriza a abertura de um estabelecimento comercial, por exemplo, não serve para que o seu titular apenas pratique um só acto de comércio, mas sim todos quantos futuramente sejam necessários ao desenvolvimento da actividade comercial. É o caso!
Pela Portaria é permitido, pela 1 a vez e 'ex novo' às ditas empresas a importação de ramas de açúcar para refinação e posterior colocação no consumidor a preço reduzido. Essa importação dentro de certos limites (ponto 1°: «até ao limite fixado para cada ano...», deveria observar os condicionalismos restantes, quer acerca da origem das ramas (ponto 2º), quer sobre a duração contratual
(ponto 3º), sobre os preços a contratar (ponto 4º), sobre as relações concretas com a AGA (ponto 5, 12) e, sem dúvida, sobre os 'diferenciais' a receber ou apagar (ponto 9º).
Ou seja, a actividade autorizada (Marcelo Caetano, in Manual de Direito Administrativo, I, pág. 459) ficou submetida a cláusulas modais que representavam encargos específicos ou determinadas obrigações (M. Esteves de Oliveira, in Direito Administrativo, pág. 451; M. Caetano, ob. cit., II, págs.
483 e 567) a que as visadas ficavam vinculadas: vinculação de agir em determinado sentido (Carneluti, apud Fernando Garrido Falla, in Tratado de Derecho Administrativo, pág. 363).
Trata-se, pois, de acto que permite a prática futura de uma actividade àqueles destinatários, acompanhada de cláusulas acessórias modais de 'agere debere'.
Estamos, pois, com o M.mo juiz 'a quo' na classificação que fez do acto (embora dessa conclusão não tenha retirado as devidas consequências, pois que cautelarmente conheceu da restante matéria do recurso).
E sendo acto administrativo (não é pela forma utilizada que deixa de o ser: art.
122º do CPA; 268º, n.º 4, da CRP) deveria a recorrente, se lesada, tê-lo impugnado oportunamente (na totalidade, ou na parte em que dele resultava a obrigação de pagar diferenciais positivos ao FA), encontrando-se agora inimpugnável pela convalidação dos seus efeitos, tal como na sentença da 1ª instância foi igualmente referido.
*
1.3- É certo que o art. 25º, n.º 2, da LPTA estabelece que «o não recurso do direito de recurso de acto contido em diploma legislativo ou regulamentar não obsta, porém, à impugnação contenciosa de actos de execução ou de aplicação daquele acta».
Simplesmente, a isso haverá que contrapor três ou quatro coisas.
a)- Em primeiro lugar, sempre se trataria de preceito que apenas vê a luz do dia em 1985 (a LPTA é aprovada pelo DL n.º 267/85, de 16/07). O que quer dizer que se não mostra aplicável às situações consolidadas como casos resolvidos muito antes da sua entrada em vigor, isto é, em 1/10/85 (Ac. do STA/Pleno, de
27/11/86, in AD n.º 308-309, pág. 1127 e 1132). Logo, o art. 25º, n.º 2 citado torna-se inaplicável à situação em apreço.
Com efeito, se se entendesse que ele devesse incidir ao caso 'sub judice', estar-se-ia a atingir factos passados, contrariando o estatuído no art. 12º do C.C.. E por isso, não obstante o acto ora objecto do recurso ser posterior à LPTA, a verdade é que se debruça sobre factos ocorridos antes da LPTA. Bastará atentar, por exemplo, que o FA já vinha desde Outubro de 1983 tentando cobrar diferenciais (XXVII, XXVIII, XLII, LXII da matéria de facto).
Nesta circunstância, não é possível que o acto de que vem interposto recurso caiba na previsão do n.º 2 do art. 25º da LPTA.
b )- Em segundo lugar, toda a Portaria é, ela mesmo, um acto administrativo com comandos dispersos que, como se viu, estabelecem cláusulas acessórias. Toda a Portaria se destina em concreto às destinatárias citadas acima e por tal motivo nenhum do seu conteúdo é normativo/regulamentar. Logo, não há que chamar à colação o art. 25º, n.º 2, da LPTA.
c )- A isto acresce o um dado importante para que importa chamar a atenção: A recorrente, logo que foi notificada para o pagamento, na sequência da deliberação ora em crise, aprontou-se a regularizar as suas contas, enviando um cheque no valor de 573.114.197$00 (ver fls.23 a 25 do vol. VIII do p. administrativo apenso) que o INGA imputou à conta da dívida (fls. 45 e 46 do I Vol. dos autos). Atitude que só pode ser entendida como aceitação do acto e, por isso, inibidora do direito ao recurso (art. 47º, §1º, do RSTA), tanto mais quanto é certo que a carta que acompanhava o cheque não estabelece qualquer reserva, não manifesta nenhuma vontade contrária ao reconhecimento da 'dívida', nem tão pouco faz qualquer restrição sobre o seu alcance. Pelo contrário, segundo o seu texto literal: a importância enviada destinava-se «...a regularização de contas com o ex-Fundo de Abastecimento...».
d)- E se nada disto que ora asseveramos fosse acertado, ainda teríamos que ser levados a concluir que o acto em crise (deliberação do INGA de 16/2/89) seria irrecorrível pelo facto de ser apenas a decorrência, a tradução prática ou a execução material do acto administrativo representado pela dita Portaria. E, consequentemente, nada inovando em relação ao acto contido na Portaria, a lesividade residiria nesta e não no acto ora sindicado, como é sabido. Circunstância que, portanto, sempre obrigaria a afastar da sindicância contenciosa a deliberação em causa. Também por esta razão se imporia a rejeição do recurso.
*
1.4- E se isto dizemos relativamente aos diferenciais, do mesmo modo se dirá dos proveitos financeiros introduzidos pelo Despacho Conjunto de 30/10/85 dos ministérios das Finanças e do Plano e do Comércio e Turismo. Também aí se está em presença de um acto administrativo que a recorrente não impugnou e que por isso se consolidou. Aliás, aos juros se referia já a carta dirigida pela A. ao FA a propósito de um 'acordo' que entre ambos teria sido alcançado (fls. 54 dos autos),da qual se poderá extrair com alguma segurança
(independentemente da natureza pública ou privada desse acordo) que a recorrente com eles já contaria por lhes ter dado o seu 'agreement'. Não pode, assim, dizer-se agora surpresa com a deliberação sob censura. E se, por outro lado, a deliberação a eles também se referia, cremos que por idêntica razão perdeu o direito ao recurso com a aceitação demonstrada pelo pagamento efectuado (mesmo que parcelar).
*
1.5- No que concerne aos juros (“compensações por mora”), a questão é precisamente a mesma. Além de incidir sobre factos passados, a sua imposição surge com o Despacho n.º A-309/86-X, acto administrativo que também é e que nunca chegou a ser impugnado. Pelo contrário, a recorrente, baseando-se nesse Despacho, fez as “suas” contas, nas quais reconheceu um saldo positivo favorável ao ex-FA que incluía os juros respectivos (fls. 42 e segs). Ao efectuar o pagamento (mesmo parcial) reconheceu a obrigação.
Posto isto, por qualquer dos fundamentos referidos, o acto em exame não é recorrível.
*** IV- Decidindo
Nestes termos, acordam em revogar a sentença recorrida e, por manifesta ilegalidade, rejeitar o recurso contencioso».
6 - E tendo a recorrente arguido a nulidade do acórdão e pedido a sua aclaração o Supremo Tribunal Administrativo decidiu pelo seguinte modo:
«'A.', notificada do acórdão de fls. 643 e segs., veio arguir a nulidade deste ou, 'se assim não se entender', a sua aclaração.
A imputação da pretensa nulidade resultaria da circunstância de o acórdão não ter referido as normas em que se fundou para: a) concluir que a aceitação do acto impediria a impugnação contenciosa; b) sustentar que o fundamento contido na al. d), de fls. 666 seria motivo para a inimpugnabilidade contenciosa; c) rejeitar o recurso, por manifesta ilegalidade. A aclaração serviria para a indicação das respectivas normas.
* O Conselho Directivo do INGA pronunciou-se contra o deferimento do pedido, no que foi seguido pelo digno Magistrado do MP.
*** Salvo melhor opinião, não há nulidade, nem motivo para aclaração.
a)- Na verdade, a fls. 666 dos autos (fls. 25, linha 6 do aresto) o acórdão em exame referiu textualmente que a «aceitação do acto» seria «inibidora do direito ao recurso (art. 47,§1º do RSTA)». Como pode dizer-se que não foi citada a norma aplicável?
b)- Quanto ao segundo dos fundamentos utilizados (al. d), a fls. 25 do acórdão), assente na circunstância de o acto em crise ser «apenas a decorrência, a tradução prática ou a execução material do acto administrativo representado pela dita Portaria», do mesmo modo nos parece que a 'A.' continua sem a mais pequena razão.
É que aquele motivo apenas serviu para traduzir a posição há muito adquirida na doutrina e jurisprudência (que a arguente certamente muito bem conhecerá), acerca da irrecorribilidade dos actos de execução, por falta de 'inovação' e de
'lesividade' relativamente ao acto executado. Mas, para isso não há norma expressa, se não aquela 'à contrario' emana do art. 25º, n.º 2, da LPTA, mas cuja aplicação o acórdão entendeu expressamente afastar.
c )- Sobre a rejeição decidida, as razões substantivas para a sua determinação encontram-se nas alíneas a) a d) do ponto 1.3 do acórdão (fls. 24/25). Por isso, o facto de a norma adjectiva do § 4º, do art. 57º do RSTA (aplicável ao caso) não ter sido expressamente citada, não é motivo para a nulidade invocada (neste sentido, v.g., Ac. do STA, de 19/03/1998, Rec. n.º 036612). Assim, e sem mais, acordam em indeferir o pedido. Taxa de justiça pela arguente em € 75».
B – Fundamentação
7 - Da inexistência de pressupostos do recurso de constitucionalidade
7.1 - A recorrente interpõe recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade ao abrigo do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 70º da LTC. Ora, como é comummente sabido, constitui pressuposto específico deste recurso que a norma cuja inconstitucionalidade se pretende que seja apreciada pelo Tribunal tenha constituído a ratio decidendi da decisão, ou seja, o fundamento normativo do concreto conteúdo da decisão. E ao falar-se de norma tanto se tem em vista a norma legal em todos os seus significados normativos possíveis, como a norma em apenas alguma das suas acepções interpretativas, desde que elas tenham sido efectivamente aplicadas. Trata-se de um pressuposto demandado pela própria natureza da função jurisdicional e pelo sistema adoptado pela nossa Constituição do controlo difuso da constitucionalidade, já que não cabe aos tribunais, incluindo o Tribunal Constitucional, pronunciarem-se sobre questões a título académico, sobre questões de cuja resolução não depende a solução da causa (cfr., entre muitos, os acórdãos deste Tribunal, n.º 232/02, n.º 155/00 e n.º 157/00, 674/99, publicados no Diário da República II Série, respectivamente, de 18 de Julho de 2002, 9 de Outubro de 2000 e 25 de Fevereiro de 2000). É, ainda, de acentuar que o sistema constitucional de fiscalização da constitucionalidade adoptado é um sistema de controlo da conformidade ou da não conformidade de normas legais com os preceitos ou princípios consagrados na Constituição e não da conformidade ou da inconformidade de outros actos não normativos, mesmo que estes façam aplicação directa daquelas normas ou princípios constitucionais e, nessa tarefa, os violem, como sejam as decisões jurisdicionais e os actos administrativos. O legislador constitucional construiu um sistema de fiscalização difusa de constitucionalidade de normas e não de decisões judiciais, este próprio de um recurso de amparo.
Por outro lado, cumpre notar que a definição da norma feita pelo recorrente no requerimento de interposição do recurso se apresenta, enquanto objecto que é do recurso de constitucionalidade, como um enunciado ou um dado do recorrente para o Tribunal. A enunciação da norma corresponde à delimitação do pedido, da responsabilidade do recorrente por incluída na sua autonomia processual, na medida em que, no recurso de constitucionalidade normativa, o julgamento do tribunal recai sobre a conformidade ou não conformidade da norma definida aos preceitos ou princípios da Lei Fundamental. É por isso que não cabe ao tribunal substituir-se ao recorrente na definição da norma cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada. E, na mesma senda, há, também, que deixar anotado que a interpretação feita pela decisão recorrida dos preceitos legais se apresenta como um pressuposto definido para o Tribunal Constitucional, não tendo este de curar se o sentido normativo determinado pelo tribunal a quo será o correcto face às regras de hermenêutica jurídica. Ao Tribunal Constitucional apenas compete confrontar esse dado com os parâmetros constitucionais pertinentes (no que nem sequer está vinculado à alegação do recorrente) e retirar daí a solução do caso.
O preceito da al. b) do n.º 1 do art.º 70º da LTC impõe ainda que a inconstitucionalidade normativa tenha sido suscitada durante o processo. Nas circunstâncias concretas dos autos, em que a decisão de 1ª instância conheceu do fundo da causa e o acórdão recorrido que lhe sucedeu se quedou pelo conhecimento da questão prévia da ilegalidade da interposição do recurso contencioso, sem que esta tenha sido suscitada por qualquer das partes, considera-se, acompanhando a recorrente, não lhe ser exigível a antecipação da interpretação feita pelo tribunal a quo das normas que aplicou na decisão dessa questão prévia. Consequentemente, na linha da jurisprudência constante deste Tribunal, há que ter-se a recorrente dispensada do cumprimento do ónus de alegação antecipada da inconstitucionalidade (cfr., sobre o tema, entre muitos, Acórdão n.º 352/94, publicado no Diário da República II Série, de 6 de Setembro de 1994, Acórdão n.º 560/94, publicado no Diário da República II Série, de 10 de Janeiro de 1995, Acórdão n.º 155/95, publicado no Diário da República II Série, de 20 de Junho de 1995, Acórdão n.º 192/2000, publicado no Diário da República II Série, de 30 de Outubro de 2000 e Acórdão n.º 310/2000, publicado no Diário da República II Série, de 17 de Outubro de 2000). Como de seguida se verá, em relação a cada norma, o recurso interposto para este Tribunal Constitucional carece, todavia, de um ou de outros daqueles dois primeiros pressupostos processuais específicos.
7.2 - Da inconstitucionalidade «da norma contida no artigo 47º/1 do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo, quando interpretado no sentido de que o pagamento de 573.114.197$70 corporiza uma aceitação integral do acto administrativo através do qual é exigido o pagamento de 1.548.122.323$00, sendo que, aquando do pagamento daquela quantia de 573.114.197$00, em 7 de Abril de
1989, já a ora recorrente tinha, em 16 de Março de 1989, requerido, ao abrigo do artigo 30º e do artigo 31º do Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho, que lhe fosse notificada, para efeitos de impugnação contenciosa, a fundamentação integral da deliberação em causa».
A norma aqui em causa não foi aplicada com o conteúdo normativo definido pela recorrente, mas com um outro, pelo que não pode considerar-se estarmos perante uma norma efectivamente aplicada como ratio decidendi do acórdão. Na verdade, relativamente a esta matéria diz-se o seguinte na decisão recorrida, aliás em parte transcrito no requerimento complementar de interposição do recurso:
« c )- A isto acresce o um dado importante para que importa chamar a atenção: A recorrente, logo que foi notificada para o pagamento, na sequência da deliberação ora em crise, aprontou-se a regularizar as suas contas, enviando um cheque no valor de 573.114.197$00 (ver fls.23 a 25 do vol. VIII do p. administrativo apenso) que o INGA imputou à conta da dívida (fls. 45 e 46 do I Vol. dos autos). Atitude que só pode ser entendida como aceitação do acto e, por isso, inibidora do direito ao recurso (art. 47º, §1º, do RSTA), tanto mais quanto é certo que a carta que acompanhava o cheque não estabelece qualquer reserva, não manifesta nenhuma vontade contrária ao reconhecimento da 'dívida', nem tão pouco faz qualquer restrição sobre o seu alcance. Pelo contrário, segundo o seu texto literal: a importância enviada destinava-se «...a regularização de contas com o ex-Fundo de Abastecimento...».
Confrontando este excerto do acórdão com aquela dimensão normativa que foi definida pela recorrente constata-se que a recorrente inclui na normatividade do preceito legal aqui em causa um segmento integrado por uma hipótese factual que não é levado em conta na dimensão do art.º 47º, § 1º do RSTA, qual seja o de «sendo que, aquando do pagamento daquela quantia de
573.114.197$00, em 7 de Abril de 1989, já a ora recorrente tinha, em 16 de Março de 1989, requerido, ao abrigo do artigo 30º e do artigo 31º do Decreto-Lei n.º
267/85, de 16 de Julho, que lhe fosse notificada, para efeitos de impugnação contenciosa, a fundamentação integral da deliberação em causa». Ou seja, a dimensão normativa constitucionalmente sindicada é diferente da aplicada. Por outro lado, verifica-se, ainda, que a recorrente se apresenta, ao fim e ao cabo, a negar o resultado do juízo de facto e a respectiva valoração jurídica que foram feitas pelo tribunal a quo no sentido de que a referida regularização das contas “só poderia ser entendida como aceitação do acto”, elementos esses integrados pelo tribunal a quo na hipótese legal do art.º 47º, § 1º do RSTA. Mas vistas as coisas por este ângulo, a situação traduz-se, então, em a recorrente discutir, não a constitucionalidade do preceito do art.º 47º, § 1º do RSTA, na acepção que foi aplicada pelo STA, mas a própria decisão judicial quanto ao juízo que esta fez sobre a existência de aceitação pela recorrente do acto administrativo judicialmente recorrido [que estaria, na sua óptica, errado, por desconforme com uma outra atitude tomada pela recorrente - a apresentação de pedido da fundamentação integral da deliberação judicialmente recorrida para efeitos de impugnação contenciosa]. Seja por uma razão ou por outra, não se pode tomar conhecimento do recurso constitucional fundado nesta causa de pedir.
7.3 - Da inconstitucionalidade «da norma contida no artigo 25º/1 do Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho, quando interpretada no sentido de que um acto de execução de um acto administrativo não pode ser impugnado contenciosamente, mesmo que o recurso se fundamente no facto de esse acto ter ultrapassado o acto executado, verificando-se até que, no texto do próprio 'acto de execução' (a deliberação do Conselho Directivo do INGA) se diz expressamente que, considerando 'que até à data se não revelou possível acertar bilateralmente o montante da dívida da A., sendo por isso conveniente defini-lo unilateralmente por acto administrativo definitivo e executório'».
A recorrente vê esta norma definida e aplicada no seguinte passo do acórdão recorrido:
« E se nada disto que ora asseveramos fosse acertado, ainda teríamos que ser levados a concluir que o acto em crise (deliberação do INGA de 16/2/89) seria irrecorrível pelo facto de ser apenas a decorrência, a tradução prática ou a execução material do acto administrativo representado pela dita Portaria. E, consequentemente, nada inovando em relação ao acto contido na Portaria, a lesividade residiria nesta e não no acto ora sindicado, como é sabido. Circunstância que, portanto, sempre obrigaria a afastar da sindicância contenciosa a deliberação em causa. Também por esta razão se imporia a rejeição do recurso».
Como se vê, a dimensão normativa construída pela recorrente, traduzida na norma por si definida, não se justapõe à que foi aplicada pelo acórdão recorrido no que concerne aos conteúdos imputados ao acto
[administrativo] de execução, consubstanciado no acto administrativo contenciosamente sindicado, e o acto administrativo definitório primário, expresso na Portaria n.º 762-D/81. Na verdade, na dimensão normativa aplicada, a hipótese factual que o tribunal a quo determinou e considerou excluída da hipótese legal do art.º 25º, n.º 1 do DL. n.º 267/85, de 16 de Julho é a de que o conteúdo do acto administrativo de execução é igual ao do acto administrativo definitório, dado que aquele (deliberação do INGA de 16/2/1989) nada inovou em relação ao acto contido na Portaria. Ora a hipótese factual que o recorrente integra na hipótese do preceito legal é diferente, dado que amplia a indamissibilidade legal do acto de execução não poder ser impugnado contenciosamente à situação de «mesmo que o recurso se fundamente no facto de esse acto ter ultrapassado o acto executado, verificando-se até que, no texto do próprio acto de execução (a deliberação do Conselho Directivo do INGA) se diz expressamente que, considerando que “até à data se não revelou possível acertar bilateralmente o montante da dívida da A., sendo por isso conveniente defini-lo unilateralmente por acto administrativo definitivo e executório”». Estamos, pois, perante uma norma diferente da aplicada pelo tribunal a quo. A recorrente definiu a norma assentando num pressuposto da existência de erro de julgamento do tribunal a quo sobre o conteúdo do acto de execução, e não a partir da acepção acolhida pelo tribunal. É, também, evidente, aqui, que a recorrente se apresenta a contraditar o juízo de facto feito pelo acórdão recorrido sobre o concreto conteúdo do acto de execução e, portanto, a discutir a própria decisão judicial. Em rigor, o que a recorrente apresenta como hipótese normativa é o quadro de facto que ela entende resultar provado dos autos. Deste modo, quer porque a dimensão normativa alegada não foi a aplicada pelo acórdão recorrido, quer porque a recorrente contradita o quadro de facto que o tribunal integrou negativamente na hipótese do preceito legal do art.º 25º, n.º 1 do DL. n.º
267/85, não se verificam os pressupostos processuais acima analisados e, por isso, não pode tomar-se conhecimento do recurso.
7.4 - Da inconstitucionalidade «da norma contida no artigo 25º/1 do Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho, quando interpretada no sentido de que um acto de execução de um acto administrativo não pode ser impugnado contenciosamente, mesmo que o recurso se fundamente em vícios próprios desse acto, designadamente no vício resultante da violação do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 49.168, de 5 de Agosto - que não permitia que a liquidação de juros de mora por dívidas ao Estado ultrapassasse os cinco anos anteriores à data do pagamento da dívida sobre que incidiam».
De acordo com o seu requerimento complementar do da interposição do recurso, a recorrente vê essa dimensão normativa aplicada nos seguintes excertos do acórdão recorrido:
«E se nada disto que ora asseveramos fosse acertado, ainda teríamos que ser levados a concluir que o acto em crise (deliberação do INGA de 16/2/89) seria irrecorrível pelo facto de ser apenas a decorrência, a tradução prática ou a execução material do acto administrativo representado pela dita Portaria. E, consequentemente, nada inovando em relação ao acto contido na Portaria, a lesividade residiria nesta e não no acto ora sindicado, como é sabido. Circunstância que, portanto, sempre obrigaria a afastar da sindicância contenciosa a deliberação em causa. Também por esta razão se imporia a rejeição do recurso»
e
« E se isto dizemos relativamente aos diferenciais, do mesmo modo se dirá dos proveitos financeiros introduzidos pelo Despacho Conjunto de 30/10/85 dos ministérios das Finanças e do Plano e do Comércio e Turismo. Também aí se está em presença de um acto administrativo que a recorrente não impugnou e que por isso se consolidou. Aliás, aos juros se referia já a carta dirigida pela A. ao FA a propósito de um 'acordo' que entre ambos teria sido alcançado (fls. 54 dos autos),da qual se poderá extrair com alguma segurança
(independentemente da natureza pública ou privada desse acordo) que a recorrente com eles já contaria por lhes ter dado o seu 'agreement'. Não pode, assim, dizer-se agora surpresa com a deliberação sob censura. E se, por outro lado, a deliberação a eles também se referia, cremos que por idêntica razão perdeu o direito ao recurso com a aceitação demonstrada pelo pagamento efectuado (mesmo que parcelar).
* No que concerne aos juros (“compensações por mora”), a questão é precisamente a mesma. Além de incidir sobre factos passados, a sua imposição surge com o Despacho n.º A-309/86-X, acto administrativo que também é e que nunca chegou a ser impugnado».
A dimensão normativa do art.º 25º, n.º 1 do DL. n.º 267/85 que se mostra aplicada no acórdão recorrido não coincide com a definida pela recorrente, conforme se colhe facilmente do seu confronto. No acórdão recorrido, a hipótese normativa que se diz estar excluída da admissibilidade do recurso é a do acto administrativo consolidado na ordem jurídica e do acto que tenha sido aceite pelo recorrente, sendo que, segundo ele, o acto de imposição dos juros se encontrava em tais situações por, surgindo com o Despacho n.º A-309/86-X, nunca ter sido (dentro do prazo legal) judicialmente impugnado e por a recorrente lhe ter dado o seu acordo ao pagar parcialmente a dívida objecto da deliberação contenciosamente impugnada que a eles também se referia. Ao invés, a norma definida pela recorrente cuja constitucionalidade pretende ver apreciada é a de
“um acto de execução de um acto administrativo não pode[r] ser impugnado contenciosamente, mesmo que o recurso se fundamente em vícios próprios desse acto, designadamente no vício resultante da violação do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 49.168, de 5 de Agosto - que não permitia que a liquidação de juros de mora por dívidas ao Estado ultrapassasse os cinco anos anteriores à data do pagamento da dívida sobre que incidiam». Ou seja, a recorrente transporta para o campo da definição da hipótese normativa alegada como aplicada, a situação de facto e de direito que entende verificar-se no caso apreciado, como se ela tivesse sido a afirmada pelo acórdão recorrido. A norma em causa não foi, pois, aplicada nesta dimensão pelo acórdão recorrido. Por isso, também, não se pode tomar conhecimento do recurso.
7.5 - Da inconstitucionalidade «da norma contida no artigo 25º/1 do Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho, quando interpretada no sentido de que não se pode impugnar um acto através do qual é exigido o pagamento de uma quantia certa e determinada, a título de juros de mora, só porque teria havido um acordo público ou privado, a que se refere uma carta (de 13 de Abril de
1981), que faz parte dos autos, em que teria sido prevista a possibilidade de pagamento de juros de mora -, dando-se até o caso de nessa carta não existir qualquer referência ao pagamento de juros».
Segundo a recorrente esta dimensão normativa resulta do seguinte passo do acórdão recorrido:
« Aliás, aos juros se referia já a carta dirigida pela A. ao FA a propósito de um 'acordo' que entre ambos teria sido alcançado (fls. 54 dos autos),da qual se poderá extrair com alguma segurança (independentemente da natureza pública ou privada desse acordo) que a recorrente com eles já contaria por lhes ter dado o seu 'agreement'. Não pode, assim, dizer-se agora surpresa com a deliberação sob censura. E se, por outro lado, a deliberação a eles também se referia, cremos que por idêntica razão perdeu o direito ao recurso com a aceitação demonstrada pelo pagamento efectuado (mesmo que parcelar).
* No que concerne aos juros (“compensações por mora”), a questão é precisamente a mesma. Além de incidir sobre factos passados, a sua imposição surge com o Despacho n.º A-309/86-X, acto administrativo que também é e que nunca chegou a ser impugnado».
Independentemente de poder entender que se está, em tal segmento do acórdão recorrido, perante a exposição de um argumento aduzido simplesmente ad ostentationem, acontece, também que a norma definida não coincide com o sentido expresso na decisão recorrida. E faz-se aquela reserva, em virtude do tribunal ter inferido a solução da questão a partir apenas dos pressupostos da consolidação do acto da exigência dos juros e da sua aceitação pela recorrente, expressa pelo acto de pagamento parcial da dívida objecto da deliberação impugnada.
Na verdade, o que se infere de tal discurso do acórdão é tão só que o tribunal a quo formou o seu juízo de que a recorrente já contaria com o pagamento dos juros referidos na deliberação impugnada porque a mesma já lhe tinha “dado o seu agreement” porquanto numa carta dirigida ao FA se lhes referia a propósito de um acordo entre ambos alcançado”.
Não se vê, pois, minimamente, aí, que o tribunal a quo tenha entendido a norma do art.º 25º, n.º 1 do DL. n.º 267/85 no sentido de não se poder «impugnar um acto através do qual é exigido o pagamento de uma quantia certa e determinada, a título de juros de mora, só porque teria havido um acordo público ou privado, a que se refere uma carta (de 13 de Abril de 1981), que faz parte dos autos, em que teria sido prevista a possibilidade de pagamento de juros de mora -, dando-se até o caso de nessa carta não existir qualquer referência ao pagamento de juros».
Mais uma vez estamos perante uma transposição para o plano da normatividade de uma posição da recorrente quanto á específica matéria da causa, como se o tribunal a tivesse aplicado, e a mesma correspondesse ao quadro de facto afirmado pelo tribunal, integrante da hipótese normativa, quando, ao contrário, a recorrente formula um juízo de facto tendente a negar o formado pelo acórdão recorrido.
Temos, pois, de concluir que o acórdão recorrido também não aplicou esta dimensão normativa e que a recorrente se apresenta, também, a sindicar a correcção da decisão judicial no terreno do direito ordinário probatório. Faltam, pois, os referidos pressupostos específicos do recurso de constitucionalidade.
7. 6 - Da inconstitucionalidade «da norma contida no artigo 25.º/1 do Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho, quando interpretada no sentido de que não podem ser impugnados os actos praticados ao abrigo de uma portaria que tem por destinatários «as actuais empresas refinadoras de açúcar», embora no momento da publicação dessa portaria não se soubesse se ela iria ser aplicada a uma, a duas, a três ou a nenhuma dessas empresas, já que esse diploma regulava as importações directas de rama de açúcar que as empresas refinadoras viessem a fazer, no futuro».
A recorrente extrai a aplicação de uma norma com este sentido da seguinte parte do acórdão recorrido:
«[...]não há dúvida que a Portaria n.º 752-D/81 se dirige «às actuais empresas refinadoras de açúcar» (ponto 1), circunstância que inculcava visar um restrito conjunto de pessoas determináveis, uma categoria específica de destinatários. O ponto 1 desse diploma refere que a abertura à importação de ramas de açúcar é atribuída às «actuais empresas», logo, às empresas que já existissem nesse instante e se dedicassem à refinação. O que significa que aludia exclusivamente
às três empresas 'A.', 'D.' e 'E.'.
É verdade que não estavam identificadas no texto da Portaria, não estavam mencionadas pela sua denominação social.
[...] Trata-se, pois, de acto que permite a prática futura de uma actividade àqueles destinatários, acompanhada de cláusulas acessórias modais de 'agere debere'.
Estamos, pois, com o M.mo juiz 'a quo' na classificação que fez do acto (embora dessa conclusão não tenha retirado as devidas consequências, pois que cautelarmente conheceu da restante matéria do recurso).
E sendo acto administrativo (não é pela forma utilizada que deixa de o ser: art.
122º do CPA; 268º, n.º 4, da CRP) deveria a recorrente, se lesada, tê-lo impugnado oportunamente (na totalidade, ou na parte em que dele resultava a obrigação de pagar diferenciais positivos ao FA), encontrando-se agora inimpugnável pela convalidação dos seus efeitos, tal como na sentença da 1ª instância foi igualmente referido.
[...] b )- Em segundo lugar, toda a Portaria é, ela mesmo, um acto administrativo com comandos dispersos que, como se viu, estabelecem cláusulas acessórias. Toda a Portaria se destina em concreto às destinatárias citadas acima e por tal motivo nenhum do seu conteúdo é normativo/regulamentar. Logo, não há que chamar à colação o art. 25º, n.º 2, da LPTA.».
Mas examinando o discurso do acórdão recorrido que se segue imediatamente após o primeiro excerto acabado de transcrever - e que a recorrente omite - logo se vê que o sentido do art.º 25º, n.º 1 da LPTA que o tribunal a quo aí afirma é, simplesmente, o de que não poderão ser impugnados os actos administrativos que se tenham consolidado ma ordem jurídica por falta da sua impugnação judicial nos prazos de recurso (estabelecidos no art.º 28º da LPTA) e o de que o acto constante da Portaria n.º 752-D/81 tem a natureza de um acto administrativo para esse efeito, porquanto não estando, aí, as referidas três empresas “mencionadas pela sua denominação social”, o certo é que a Portaria se referia às únicas operadoras conhecidas que se situavam no sector: as citadas”, e que o facto de a “Portaria não se esgotar numa única aplicação tal não preenchia necessariamente o conceito de abstracção normativa”, tratando-se apenas de um acto que permite a prática futura de uma actividade
àqueles destinatários, acompanhada de cláusulas modais de agere debere” e que a mesma Portaria é um acto administrativo com comandos dispersos que estabelecem cláusulas acessórias e “por tal motivo nenhum do seu conteúdo é normativo-regulamentar”.
Trata-se, pois, de uma dimensão normativa diferente da que foi definida como norma sindicanda constitucionalmente pela recorrente, dado que esta despreza, nessa definição, o concreto conteúdo fáctico relativo ao acto em questão que o tribunal deu como provado e a qualificação jurídica do mesmo acto por ele efectuada a partir desse dado de facto, apresentando como hipótese da norma uma situação factual dissemelhante - “não podem ser impugnados os actos praticados ao abrigo de uma portaria que tem por destinatários «as actuais empresas refinadoras de açúcar», embora no momento da publicação dessa portaria não se soubesse se ela iria ser aplicada a uma, a duas, a três ou a nenhuma dessas empresas, já que esse diploma regulava as importações directas de rama de açúcar que as empresas refinadoras viessem a fazer, no futuro”.
Estamos, pois, perante um recurso de uma norma que não foi aplicada pela decisão recorrida na acepção que foi definida pela recorrente. Verifica-se, assim, a falta do referido pressuposto processual.
7.7 - Da inconstitucionalidade «da norma contida no artigo 25º/2 do Decreto-Lei n.º 267/85, quando interpretada no sentido de que um acto de execução de um acto contido na Portaria n.º 752-D/81 não pode ser impugnado contenciosamente, mesmo que tenha sido praticado já depois do referido decreto-lei ter entrado em vigor».
A recorrente define esta norma como havendo sido determinada e aplicada no seguinte discurso do acórdão recorrido:
«1.3- É certo que o art. 25º, n.º 2, da LPTA estabelece que «o não recurso do direito de recurso de acto contido em diploma legislativo ou regulamentar não obsta, porém, à impugnação contenciosa de actos de execução ou de aplicação daquele acta».
Simplesmente, a isso haverá que contrapor três ou quatro coisas.
a)- Em primeiro lugar, sempre se trataria de preceito que apenas vê a luz do dia em 1985 (a LPTA é aprovada pelo DL n.º 267/85, de 16/07). O que quer dizer que se não mostra aplicável às situações consolidadas como casos resolvidos muito antes da sua entrada em vigor, isto é, em 1/10/85 (Ac. do STA/Pleno, de
27/11/86, in AD n.º 308-309, pág. 1127 e 1132). Logo, o art. 25º, n.º 2 citado torna-se inaplicável à situação em apreço.
Com efeito, se se entendesse que ele devesse incidir ao caso 'sub judice', estar-se-ia a atingir factos passados, contrariando o estatuído no art. 12º do C.C.. E por isso, não obstante o acto ora objecto do recurso ser posterior à LPTA, a verdade é que se debruça sobre factos ocorridos antes da LPTA. Bastará atentar, por exemplo, que o FA já vinha desde Outubro de 1983 tentando cobrar diferenciais (XXVII, XXVIII, XLII, LXII da matéria de facto).
Nesta circunstância, não é possível que o acto de que vem interposto recurso caiba na previsão do n.º 2 do art. 25º da LPTA.
b )- Em segundo lugar, toda a Portaria é, ela mesmo, um acto administrativo com comandos dispersos que, como se viu, estabelecem cláusulas acessórias. Toda a Portaria se destina em concreto às destinatárias citadas acima e por tal motivo nenhum do seu conteúdo é normativo/regulamentar. Logo, não há que chamar à colação o art. 25º, n.º 2, da LPTA.».
Também aqui a recorrente constrói a hipótese normativa que tem por aplicada pelo acórdão recorrido em termos diferentes dos assumidos pela decisão como ratio decidendi, como se verifica dos próprios termos do respectivo discurso que ela invoca.
A razão da decisão não é, ao contrário do que a recorrente alega, a posterioridade do acto de execução contenciosamente impugnado relativamente ao art. 25º, n.º 2 da LPTA, mas antes a circunstância do tribunal a quo ter considerado que o acto é de execução de uma situação consolidada antes da entrada em vigor da LPTA e, por outro, que, não tendo esse acto natureza normativo-regulamentar, nem sequer caberia na hipótese do art.º 25º, n.º 2 da LPTA.
Também aqui falece o referido pressuposto específico de constitucionalidade: a aplicação da dimensão normativa cuja constitucionalidade se pretende ver apreciada.
7.8 - Da inconstitucionalidade «da norma contida no artigo 25º/2 do Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho, quando interpretada no sentido de que não é permitido o recurso contencioso de um acto de execução de um acto administrativo contido na Portaria n.º 924/85, de 3 de Dezembro - publicada, já depois de ter entrado em vigor o Decreto-Lei n.º 267/85 - sendo que o Acórdão em causa considera que o acto «sub judice» é um acto de execução do acto administrativo contido no artigo 9º da Portaria n.º 752-D/81, em parte, com a redacção que lhe foi dada pela Portaria n.º 924/85».
O trecho do acórdão onde a recorrente fundamenta a definição desta dimensão normativa, segundo o alegado, no requerimento complementar de interposição do recurso, é o seguinte:
« i) Ficou deste modo estipulado sobre os diferenciais positivos: seriam receita que pertenceria Fundo de Abastecimento, como que num ambiente de reciprocidade, tal como veio a ser prescrito no ponto 3º da Portaria n.º
1133/81, de 31/12, dos Secretários de Estado do Orçamento e do Comércio, no ponto 7º da Portaria n.º 256-B/83, de 5 de Março, no ponto 7º da Portaria n.º
714-D/83, de 23/06, no ponto 2º da Portaria n.º 302-E/84, de 19/05 e, finalmente, no ponto 1º da Portaria n.º 924/85, de 3/12 (que altera o n.º 9 da Portaria n.º 752-D/81).
[...] Nesta circunstância, não é possível que o acto de que vem interposto recurso caiba na previsão do n.º 2 do art. 25º da LPTA.».
Independentemente de o conteúdo do acto de execução contenciosamente impugnado, e cujo recurso foi rejeitado pelo acórdão recorrido, não decorrer apenas, conforme resulta da transcrita alínea i), apenas da Portaria n.º 924/85, de 3 de Dezembro, mas também dos outros diplomas aí identificados que regulavam a matéria da cobrança de diferenciais de preços, e desse modo a dimensão normativa do art.º 25º, n.º 2 da LPTA alegada como inconstitucional nunca poder dizer respeito ao acto de execução na sua totalidade, cabe notar que a ratio decidendi do acórdão é diferente da traduzida na norma acima definida pela recorrente e cuja constitucionalidade pretende ver apreciada.
Esta dissemelhança encontra-se, de resto, bem expressa na conclusão tirada pelo tribunal a quo acima transcrita, de não considerar sequer que “o acto de que vem interposto recurso caiba na previsão do n.º 2 do art.º 25º da LPTA”.
A definição normativa feita pela recorrente não corresponde à ratio decidendi aí considerada pelo acórdão recorrido. Na verdade, sobre esta matéria, o acórdão recorrido disse mais o seguinte que a recorrente esquece:
«1.3- É certo que o art. 25º, n.º 2, da LPTA estabelece que «o não recurso do direito de recurso de acto contido em diploma legislativo ou regulamentar não obsta, porém, à impugnação contenciosa de actos de execução ou de aplicação daquele acta».
Simplesmente, a isso haverá que contrapor três ou quatro coisas.
a)- Em primeiro lugar, sempre se trataria de preceito que apenas vê a luz do dia em 1985 (a LPTA é aprovada pelo DL n.º 267/85, de 16/07). O que quer dizer que se não mostra aplicável às situações consolidadas como casos resolvidos muito antes da sua entrada em vigor, isto é, em 1/10/85 (Ac. do STA/Pleno, de
27/11/86, in AD n.º 308-309, pág. 1127 e 1132). Logo, o art. 25º, n.º 2 citado torna-se inaplicável à situação em apreço.
Com efeito, se se entendesse que ele devesse incidir ao caso 'sub judice', estar-se-ia a atingir factos passados, contrariando o estatuído no art. 12º do C.C.. E por isso, não obstante o acto ora objecto do recurso ser posterior à LPTA, a verdade é que se debruça sobre factos ocorridos antes da LPTA. Bastará atentar, por exemplo, que o FA já vinha desde Outubro de 1983 tentando cobrar diferenciais (XXVII, XXVIII, XLII, LXII da matéria de facto).
Nesta circunstância, não é possível que o acto de que vem interposto recurso caiba na previsão do n.º 2 do art. 25º da LPTA.
b )- Em segundo lugar, toda a Portaria é, ela mesmo, um acto administrativo com comandos dispersos que, como se viu, estabelecem cláusulas acessórias. Toda a Portaria se destina em concreto às destinatárias citadas acima e por tal motivo nenhum do seu conteúdo é normativo/regulamentar. Logo, não há que chamar à colação o art. 25º, n.º 2, da LPTA.».
Ao definir a norma nos termos em que o fez a recorrente não só se apresenta a refutar a interpretação/aplicação feita do direito ordinário pelo acórdão recorrido quanto à não aplicação, que o mesmo declaradamente afirma, do art. 25º, n.º 2 da LPTA, que deve considerar-se como um dado definido no recurso de constitucionalidade, como alega uma ratio decidendi diferente, pois que a da decisão recorrida foi tão só a de que “não obstante o acto ora objecto do recurso ser posterior à LPTA, a verdade é que se debruça sobre factos ocorridos antes (e regulados pela lei então em vigor), factos esses integrantes de
“situações consolidadas como casos resolvidos muito antes da sua entrada em vigor, isto é, em 1/10/85”.
Conclui-se, assim, que a recorrente pretende a apreciação da constitucionalidade de uma dimensão normativa do art.º 25º, n.º 2 da LPTA que o acórdão expressamente diz não ter aplicação ao caso.
7.9 - Da inconstitucionalidade «da norma contida no §4º do artigo
47º do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo, quando interpretada no sentido de que é manifestamente ilegal um recurso que tenha por objecto um acto através do qual é exigido o pagamento de 1.548.122.323$00, só porque o seu destinatário pagou voluntariamente 573.114.197$00».
A recorrente vê esta norma definida e aplicada no seguinte passo do acórdão recorrido:
« c )- A isto acresce o um dado importante para que importa chamar a atenção: A recorrente, logo que foi notificada para o pagamento, na sequência da deliberação ora em crise, aprontou-se a regularizar as suas contas, enviando um cheque no valor de 573.114.197$00 (ver fls.23 a 25 do vol. VIII do p. administrativo apenso) que o INGA imputou à conta da dívida (fls. 45 e 46 do I Vol. dos autos). Atitude que só pode ser entendida como aceitação do acto e, por isso, inibidora do direito ao recurso (art. 47º, §1º, do RSTA), tanto mais quanto é certo que a carta que acompanhava o cheque não estabelece qualquer reserva, não manifesta nenhuma vontade contrária ao reconhecimento da 'dívida', nem tão pouco faz qualquer restrição sobre o seu alcance. Pelo contrário, segundo o seu texto literal: a importância enviada destinava-se «...a regularização de contas com o ex-Fundo de Abastecimento...».
[...] Nestes termos, acordam em revogar a sentença recorrida e, por manifesta ilegalidade, rejeitar o recurso contencioso».
Como resulta do passo do acórdão transcrito, a sua ratio decidendi não coincide com aquela que é expressa pela dimensão normativa definida pela recorrente. Na verdade, essa ratio não residiu no simples facto de ter havido um pagamento de uma quantia, de essa quantia ser de 573 114 197$00 e pagamento exigido ser de 1 548 122 323$00, mas na circunstância do tribunal a quo ter valorado fáctico-juridicamente essa circunstância factual como traduzindo uma aceitação do acto. O tribunal poderia ter atribuído a esse acto um sentido diferente, como o de não revelar qualquer aceitação do acto, como no caso do pagamento sob reserva de discutir a obrigação. Foi daquela aceitação do acto assumida como dado de facto que o tribunal retirou a conclusão da inadmissibilidade do recurso contencioso do acto que fora objecto de aceitação.
Não ocorre assim o pressuposto processual da aplicação da dimensão da norma cuja constitucionalidade se pretende ver apreciada como ratio decidendi
do acórdão recorrido.
7.10 - Da inconstitucionalidade «da norma contida no §4º do artigo
47º do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo, quando interpretada no sentido que é manifestamente ilegal um recurso interposto de um acto de execução de um acto administrativo, com fundamento em vícios próprios do acto de execução e também no facto de esse acto ter ultrapassado o acto executado».
É o seguinte o discurso do acórdão recorrido onde a recorrente vê definida e aplicada esta dimensão normativa:
« d)- E se nada disto que ora asseveramos fosse acertado, ainda teríamos que ser levados a concluir que o acto em crise (deliberação do INGA de 16/2/89) seria irrecorrível pelo facto de ser apenas a decorrência, a tradução prática ou a execução material do acto administrativo representado pela dita Portaria. E, consequentemente, nada inovando em relação ao acto contido na Portaria, a lesividade residiria nesta e não no acto ora sindicado, como é sabido. Circunstância que, portanto, sempre obrigaria a afastar da sindicância contenciosa a deliberação em causa. Também por esta razão se imporia a rejeição do recurso.
[...] Nestes termos, acordam em revogar a sentença recorrida e, por manifesta ilegalidade, rejeitar o recurso contencioso».
Como se vê, a dimensão normativa definida pela recorrente não se justapõe à que foi aplicada pelo acórdão recorrido no que concerne aos conteúdos imputados ao acto [administrativo] de execução, consubstanciado no acto administrativo contenciosamente sindicado, e o acto administrativo primário executado, expresso na Portaria n.º 762-D/81.
A ratio decidendi do acórdão recorrido é outra que não aquela que a recorrente verteu na norma cuja constitucionalidade pretende ver apreciada. Como decorre do trecho transcrito, ela foi a de que o acto de execução nada inovara relativamente ao acto executado (que se havia consolidado na ordem jurídica por falta de atempada impugnação). A recorrente inclui na dimensão normativa definida como se tivesse sido aplicada pelo acórdão recorrido não só a hipótese de existência de vícios próprios do acto de execução, aí não considerada como ratio decidendi, como, contra o aí expressamente afirmado, a de esse acto ter ultrapassado o acto executado.
Temos assim de considerar como norma não aplicada pelo acórdão recorrido a dimensão normativa cuja inconstitucionalidade a recorrente pretende ver apreciada.
7.11 - Da inconstitucionalidade «da norma contida no §4º do artigo
47º do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo, quando interpretada no sentido de que é manifestamente ilegal um recurso interposto de um acto que define uma quantia certa e determinada a pagar a título de juros de mora, só porque havia sido previsto num hipotético acordo a possibilidade do pagamento de juros de mora».
A recorrente vê essa norma assim definida por si aplicada nos seguintes passos do acórdão recorrido:
« d)- E se nada disto que ora asseveramos fosse acertado, ainda teríamos que ser levados a concluir que o acto em crise (deliberação do INGA de 16/2/89) seria irrecorrível pelo facto de ser apenas a decorrência, a tradução prática ou a execução material do acto administrativo representado pela dita Portaria. E, consequentemente, nada inovando em relação ao acto contido na Portaria, a lesividade residiria nesta e não no acto ora sindicado, como é sabido. Circunstância que, portanto, sempre obrigaria a afastar da sindicância contenciosa a deliberação em causa. Também por esta razão se imporia a rejeição do recurso.
[...] Aliás, aos juros se referia já a carta dirigida pela A. ao FA a propósito de um
'acordo' que entre ambos teria sido alcançado (fls. 54 dos autos),da qual se poderá extrair com alguma segurança (independentemente da natureza pública ou privada desse acordo) que a recorrente com eles já contaria por lhes ter dado o seu 'agreement'. Não pode, assim, dizer-se agora surpresa com a deliberação sob censura. E se, por outro lado, a deliberação a eles também se referia, cremos que por idêntica razão perdeu o direito ao recurso com a aceitação demonstrada pelo pagamento efectuado (mesmo que parcelar).
[...]
1.5- No que concerne aos juros (“compensações por mora”), a questão é precisamente a mesma. Além de incidir sobre factos passados, a sua imposição surge com o Despacho n.º A-309/86-X, acto administrativo que também é e que nunca chegou a ser impugnado.
[...] Nestes termos, acordam em revogar a sentença recorrida e, por manifesta ilegalidade, rejeitar o recurso contencioso».
Antes de mais cabe notar que a definição da norma apresentada no requerimento complementar do da interposição do recurso não coincide com a feita neste, dado que ali se acrescenta o segmento “e depois, num despacho a mera possibilidade do pagamento de juros”. Ora, porque a recorrente não foi convidada apenas para “precisar em que segmentos do Acórdão recorrido se mostram acolhidas as diferentes dimensões interpretativas cuja inconstitucionalidade a recorrente pretende ver sindicada, bem como os segmentos do mesmo acórdão em que se mostre efectuada essa aplicação/subsunção», não há que acolher a nova dimensão normativa por ela apresentada, mas sim apenas a efectuada no requerimento de interposição do recurso, por ser este que define o objecto do recurso consubstanciado no respectivo pedido de julgamento de inconstitucionalidade da concreta dimensão normativa aí definida. De qualquer modo - e como resultará do abaixo referido - a solução nunca deixaria de ser a mesma.
Mesmo deixando de parte a questão de saber se estes fundamentos do acórdão recorrido não constituem simples obter dictum ou uma argumentação ad ostentationem, dados os termos em que se encontram enunciados e o discurso que imediatamente os antecede, sempre se terá de concluir que a ratio decidendi do acórdão recorrido não é a que a recorrente consubstanciou na dimensão normativa que definiu: de “acto que obriga ao pagamento, a título de juros de mora, de uma quantia certa e determinada, só porque havia sido previsto, primeiro num hipotético acordo a possibilidade de pagamento de juros” ou, segundo o enunciado do referido requerimento complementar “[...] só porque havia sido previsto, primeiro, num hipotético acordo e, depois, num despacho a mera possibilidade de pagamento de juros de mora”. A ratio decidendi do acórdão não reside numa qualquer norma cuja hipótese inclua o segmento “só porque havia sido previsto, primeiro num hipotético acordo a possibilidade de pagamento de juros” ou o segmento “só porque havia sido previsto, primeiro, num hipotético acordo e, depois, num despacho a mera possibilidade de pagamento de juros de mora”, como a recorrente definiu na norma cuja inconstitucionalidade pretende ver apreciada. A ratio decidendi é diferente, mais lata e mais complexa: em primeiro lugar, é a de que o acto de execução dos juros é um acto que nada inovou em relação ao acto executado, pelo que o acto lesivo é este e não aquele, razão pela qual o acto de execução não pode ser sindicado contenciosamente; depois, é a existência (e não uma simples possibilidade) de um agreement” da recorrente ao pagamento de juros que o tribunal a quo inferiu a partir da carta dirigida pela própria recorrente ao FA «a propósito de um “acordo que entre amos teria sido alcançado”»; em terceiro lugar, é ainda a aceitação da obrigação do pagamento dos juros objecto do acto de execução que o mesmo tribunal depreendeu do pagamento parcial da dívida e, finalmente, quanto aos «juros (“compensações por mora”), além de dizer
“respeito a factos passados (linguagem do acórdão usada para traduzir a consolidação do acto na ordem jurídica), ainda, o facto da sua imposição ter surgido com o acto administativo praticado no Despacho n.º A-309/86-X que não foi impugnado. E cabe aqui dizer que esta ratio decidendi expendida pelo acórdão recorrido não é susceptível de ser controlada, quanto à sua correcção, por este Tribunal Constitucional, tendo a natureza de um dado definido, como acima já se teve ocasião de expor.
Temos assim de concluir que o preceito do § 4º do art.º 47º do RSTA não foi aplicado pelo acórdão recorrido com a dimensão normativa cuja inconstitucionalidade a recorrente pretende ver apreciada.
8 - Destarte, e por tudo o exposto, decido não tomar conhecimento do recurso de fiscalização concreta de inconstitucionalidade de qualquer das normas definidas pela recorrente. Custas pela recorrente com taxa de justiça de 8 UC.».
Cumpre apreciar e decidir.
B – A fundamentação
5 - Como se verifica da reclamação apresentada, a reclamante contesta a decisão sumária, defendendo o conhecimento do recurso apenas relativamente a uma dimensão normativa do artigo 47º § 1º do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo, a duas acepções normativas diferentes do artigo 25º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho, e a uma dimensão normativa do art. 25º, n.º 2 do mesmo diploma.
6 - Como é jurisprudência constante e uniforme deste Tribunal Constitucional, cabe ao recorrente o ónus de proposição do objecto do recurso, tal como decorre do princípio da autonomia processual aceite no domínio do contencioso constitucional, entre outros, e no que aqui interessa, nos arts. 70º, n.º 1, alínea b) e 75º-A, n.º 1 da LTC. E essa delimitação é feita, também de acordo com a mesma jurisprudência, no requerimento de interposição de recurso, compreendendo-se ainda nele o requerimento complementar que o recorrente apresente em resposta ao convite que o relator eventualmente faça nos termos do n.º 5 do mesmo artigo 75º-A. Sendo o objecto do recurso traduzido em normas apodadas de inconstitucionais, é evidente que a delimitação do recurso passa obrigatoriamente pela indicação do preceito de direito ordinário ou, no caso de se questionar apenas um determinado significado do mesmo, pela definição da dimensão ou acepção normativas cuja inconstitucionalidade se pretenda que o Tribunal Constitucional aprecie. Ultrapassados esses momentos, o recorrente apenas poderá abandonar ou reduzir o objecto do recurso nas alegações, mas nunca ampliá-lo (cfr. art. 684º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil, aplicável ao processo constitucional por mor do disposto no art. 69º da LTC). Porque a reclamante convoca a aplicação do princípio pro actione, cabe aqui notar que dele não resulta que tenha de ser admitido o conhecimento de recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade quando lhe falte algum dos pressupostos legais. Basta considerar que, para que possa haver lugar a um acesso efectivo à justiça, pode o direito de acção e de recurso ser sujeito a requisitos de admissibilidade que garantam, entre o mais, a utilidade da decisão, a ordem processual, a celeridade, etc.
7 - Vejamos, então, cada uma das questões postas pela reclamante.
7.1 - Quanto ao sustentado no ponto I (n.os 3 a 12). Antes de mais há que notar que a enunciação da norma recortada na reclamação não coincide em toda a linha com a feita no requerimento de interposição de recurso e apreciada na decisão sumária. Na verdade enquanto agora se questiona a norma contida no artigo 47º,§ 1º do RSTA “quando interpretada no sentido de que o pagamento de
573.114.197$70 corporiza uma aceitação integral de um acto administrativo através do qual é exigido o pagamento de 1.548.122.323$00, mesmo que, a quando do pagamento daquela quantia de 573.114. 197$70, já tivesse sido requerida, ao abrigo do artigo 30º e do artigo 31º do Decreto-Lei n.º 267/85, a notificação, para efeitos de impugnação contenciosa, da fundamentação integral da deliberação em causa”, no requerimento de interposição do recurso disse-se questionar a constitucionalidade da norma “quando interpretado no sentido de que o pagamento de 573.114.197$70 corporiza uma aceitação integral do acto administrativo através do qual é exigido o pagamento de 1.548.122.323$00, sendo que, aquando do pagamento daquela quantia de 573.114.197$00, em 7 de Abril de 1989, já a ora recorrente tinha, em 16 de Março de 1989, requerido, ao abrigo do artigo 30º e do artigo 31º do Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho, que lhe fosse notificada, para efeitos de impugnação contenciosa, a fundamentação integral da deliberação em causa”.
De qualquer modo correspondendo o essencial da definição normativa agora feita à anteriormente desenhada pela recorrente considera-se não haver alteração do objecto do recurso.
No requerimento complementar do de interposição do recurso, apresentado em consequência do despacho do relator “para precisar em que segmentos do Acórdão recorrido se mostram acolhidas as diferentes dimensões interpretativas cuja inconstitucionalidade a recorrente pretende sindicar”, esta respondeu nos seguintes termos:
«O segmento do Acórdão recorrido em que se mostra acolhida esta
«dimensão interpretativa» cuja constitucionalidade se pretende ver agora sindicada e em que se mostra efectuada essa «aplicação/subsunção» é o seguinte:
- “(...) c- A isto acresce um dado importante para que importa chamar a atenção: A recorrente, logo que foi notificada para o pagamento, na sequência da deliberação em crise, aprontou-se a regularizar as suas contas, enviando um cheque no valor de 573.l14.197$00 (ver fls. 23 a 25 do vol. VIII do p. Administrativo apenso) que o INGA imputou à conta da dívida (fls. 45 a 46 do I vol. dos autos). Atitude que só pode ser entendida como «aceitação do acto» e, por isso inibidora do direito ao recurso (art. 47, § 1º do RSTA), tanto mais quanto é certo que a carta que acompanhava o cheque não estabelece qualquer reserva, não manifesta nenhuma vontade contrária ao reconhecimento da «dívida», nem tão pouco faz qualquer restrição sobre o seu alcance. Pelo contrário, segundo o seu texto literal: a importância enviada destinava-se «...a regularização de contas com o ex-Fundo de Abastecimento...»' (fls. 24 e 25).
Isto mesmo voltou a ser confirmado no Acórdão através do qual o STA indeferiu o pedido de aclaração/nulidade do douto Acórdão «sub judice»: 'Na verdade, a fls.
666 dos autos (fls. 25, linha 6 do aresto) o acórdão em exame referiu textualmente que a «aceitação do acto» seria «inibidora do direito ao recurso
(art. 47º, § 1º, do RSTA)».
Apreciando a questão da inexistência dos pressupostos específicos do recurso, relativamente a esta parte do objecto do recurso, escreveu-se, na decisão sumária, especificamente o seguinte, depois do tratamento em geral de tais pressupostos:
«A norma aqui em causa não foi aplicada com o conteúdo normativo definido pela recorrente, mas com um outro, pelo que não pode considerar-se estarmos perante uma norma efectivamente aplicada como ratio decidendi do acórdão. Na verdade, relativamente a esta matéria diz-se o seguinte na decisão recorrida, aliás em parte transcrito no requerimento complementar de interposição do recurso:
« c )- A isto acresce um dado importante para que importa chamar a atenção: A recorrente, logo que foi notificada para o pagamento, na sequência da deliberação ora em crise, aprontou-se a regularizar as suas contas, enviando um cheque no valor de 573.114.197$00 (ver fls.23 a 25 do vol. VIII do p. administrativo apenso) que o INGA imputou à conta da dívida (fls. 45 e 46 do I Vol. dos autos). Atitude que só pode ser entendida como aceitação do acto e, por isso, inibidora do direito ao recurso (art. 47º, §1º, do RSTA), tanto mais quanto é certo que a carta que acompanhava o cheque não estabelece qualquer reserva, não manifesta nenhuma vontade contrária ao reconhecimento da 'dívida', nem tão pouco faz qualquer restrição sobre o seu alcance. Pelo contrário, segundo o seu texto literal: a importância enviada destinava-se «...a regularização de contas com o ex-Fundo de Abastecimento...».
Confrontando este excerto do acórdão com aquela dimensão normativa que foi definida pela recorrente constata-se que a recorrente inclui na normatividade do preceito legal aqui em causa um segmento integrado por uma hipótese factual que não é levado em conta na dimensão do art.º 47º, § 1º do RSTA, qual seja o de «sendo que, aquando do pagamento daquela quantia de
573.114.197$00, em 7 de Abril de 1989, já a ora recorrente tinha, em 16 de Março de 1989, requerido, ao abrigo do artigo 30º e do artigo 31º do Decreto-Lei n.º
267/85, de 16 de Julho, que lhe fosse notificada, para efeitos de impugnação contenciosa, a fundamentação integral da deliberação em causa». Ou seja, a dimensão normativa constitucionalmente sindicada é diferente da aplicada. Por outro lado, verifica-se, ainda, que a recorrente se apresenta, ao fim e ao cabo, a negar o resultado do juízo de facto e a respectiva valoração jurídica que foram feitas pelo tribunal a quo no sentido de que a referida regularização das contas “só poderia ser entendida como aceitação do acto”, elementos esses integrados pelo tribunal a quo na hipótese legal do art.º 47º, § 1º do RSTA. Mas vistas as coisas por este ângulo, a situação traduz-se, então, em a recorrente discutir, não a constitucionalidade do preceito do art.º 47º, § 1º do RSTA, na acepção que foi aplicada pelo STA, mas a própria decisão judicial quanto ao juízo que esta fez sobre a existência de aceitação pela recorrente do acto administrativo judicialmente recorrido [que estaria, na sua óptica, errado, por desconforme com uma outra atitude tomada pela recorrente - a apresentação de pedido da fundamentação integral da deliberação judicialmente recorrida para efeitos de impugnação contenciosa]. Seja por uma razão ou por outra, não se pode tomar conhecimento do recurso constitucional fundado nesta causa de pedir.».
Não se vê que a argumentação da recorrente tenha abalado a consistência das razões expendidas na decisão recorrida para não conhecer do recurso desta dimensão normativa. Mesmo em face da fundamentação agora aduzida pela reclamante, não poderá o resultado ser outro. Na verdade, a reclamante continua a discutir a decisão judicial em si mesma, partindo para a definição da dimensão normativa de um pressuposto diferente daquele que constitui a ratio decidendi: é que o acórdão recorrido, em ponto algum do seu discurso, deu como assente, ou sequer partiu do pressuposto, que a recorrente tenha aceitado apenas parte do conteúdo do acto e que fosse essa aceitação parcial que impedisse a impugnação contenciosa da outra parte; ao invés, falando de “aceitação do acto” sem destrinça de partes do seu conteúdo, quando por natureza, no caso, o acto é divisível, e ao considerar que a “carta que acompanhava o cheque (de pagamento) não estabelece qualquer reserva”, o acórdão deixa bem claro que a aceitação se refere ao acto administrativo no seu todo. A recorrente confunde o resultado do juízo probatório efectuado pelo tribunal a quo (aceitação do acto) com o âmbito material de alguns instrumentos de prova. Bem ou mal não importa aqui curar, o tribunal deu como assente que a reclamante aceitou o acto no seu todo, não obstante esta tivesse pago apenas parte do montante total correspondente ao seu conteúdo global, e que, portanto, não o poderia depois impugnar. Temos, portanto, de concluir, por um lado, que é outra, que não a invocada pela reclamante, a ratio decidendi (a dimensão normativa constitucionalmente sindicada é diferente da aplicada) do acórdão recorrido, e, por outro, que a reclamante continua a discutir o resultado do juízo de facto e respectiva valoração jurídica que foram feitas pelo tribunal a quo.
Não é, pois, de conhecer desta dimensão normativa do art. 47º, § 1º do RSTA.
7.2 - No n.º 13 do ponto II da sua reclamação, a reclamante diz que
“requereu também a apreciação da constitucionalidade da norma contida no artigo
25º/1 do Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho, quando interpretada no sentido de que um acto de execução de um acto administrativo não pode ser impugnado contenciosamente, mesmo que a impugnação se fundamente em vícios próprios desse acto de execução” e que essa dimensão normativa, ao contrário do considerado na decisão reclamada, foi aplicada pelo acórdão recorrido, pois que, além do mais,
“tendo a A., invocado vários vícios próprios e específicos do acto «de execução», o STA, para considerar esse acto inimpugnável, sem se pronunciar acerca desses vícios, teve, sem margem para dúvidas, que interpretar o artigo
25º/1 do Decreto-Lei n.º 267/85, no sentido de que um acto de execução de um acto administrativo não pode ser impugnado contenciosamente, mesmo que a impugnação se fundamente em vícios próprios desse acto de execução”.
Como se disse, a reclamante pede, no requerimento de interposição de recurso, que este Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade dez normas diferentes, quatro das quais traduzidas em dimensões normativas contidas no art. 25º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 267/85 (LPTA). Ora não se vê em tal requerimento - que, como já se acentuou, delimita o objecto do recurso, delimitação essa que corresponde à definição das normas aí feita - a enunciação de uma norma/dimensão normativa igual à agora descrita. Sendo assim, apenas se conhece da reclamação na medida em que a norma agora indicada possa corresponder a alguma das definidas naquele requerimento. A dimensão normativa do art. 25º, n.º 1 da LPTA que mais se aproxima da agora enunciada é a que foi definida pela recorrente na alínea c) do requerimento de interposição de recurso, dado que além da definição acima descrita apenas contém a mais o segmento “designadamente no vício resultante da violação do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 49.168, de 5 de Agosto - que não permitia que a liquidação de juros de mora por dívidas ao Estado ultrapassasse os cinco anos anteriores à data do pagamento da dívida sobre que incidiam”.
Relativamente a essa norma pronunciou-se a decisão sumária reclamada
(7.4) nos termos seguintes:
«De acordo com o seu requerimento complementar do da interposição do recurso, a recorrente vê essa dimensão normativa aplicada nos seguintes excertos do acórdão recorrido:
«E se nada disto que ora asseveramos fosse acertado, ainda teríamos que ser levados a concluir que o acto em crise (deliberação do INGA de 16/2/89) seria irrecorrível pelo facto de ser apenas a decorrência, a tradução prática ou a execução material do acto administrativo representado pela dita Portaria. E, consequentemente, nada inovando em relação ao acto contido na Portaria, a lesividade residiria nesta e não no acto ora sindicado, como é sabido. Circunstância que, portanto, sempre obrigaria a afastar da sindicância contenciosa a deliberação em causa. Também por esta razão se imporia a rejeição do recurso»
e
«E se isto dizemos relativamente aos diferenciais, do mesmo modo se dirá dos proveitos financeiros introduzidos pelo Despacho Conjunto de 30/10/85 dos ministérios das Finanças e do Plano e do Comércio e Turismo. Também aí se está em presença de um acto administrativo que a recorrente não impugnou e que por isso se consolidou. Aliás, aos juros se referia já a carta dirigida pela A. ao FA a propósito de um 'acordo' que entre ambos teria sido alcançado (fls. 54 dos autos),da qual se poderá extrair com alguma segurança
(independentemente da natureza pública ou privada desse acordo) que a recorrente com eles já contaria por lhes ter dado o seu 'agreement'. Não pode, assim, dizer-se agora surpresa com a deliberação sob censura. E se, por outro lado, a deliberação a eles também se referia, cremos que por idêntica razão perdeu o direito ao recurso com a aceitação demonstrada pelo pagamento efectuado (mesmo que parcelar).
* No que concerne aos juros (“compensações por mora”), a questão é precisamente a mesma. Além de incidir sobre factos passados, a sua imposição surge com o Despacho n.º A-309/86-X, acto administrativo que também é e que nunca chegou a ser impugnado».
A dimensão normativa do art.º 25º, n.º 1 do DL. n.º 267/85 que se mostra aplicada no acórdão recorrido não coincide com a definida pela recorrente, conforme se colhe facilmente do seu confronto. No acórdão recorrido, a hipótese normativa que se diz estar excluída da admissibilidade do recurso é a do acto administrativo consolidado na ordem jurídica e do acto que tenha sido aceite pelo recorrente, sendo que, segundo ele, o acto de imposição dos juros se encontrava em tais situações por, surgindo com o Despacho n.º A-309/86-X, nunca ter sido (dentro do prazo legal) judicialmente impugnado e por a recorrente lhe ter dado o seu acordo ao pagar parcialmente a dívida objecto da deliberação contenciosamente impugnada que a eles também se referia. Ao invés, a norma definida pela recorrente cuja constitucionalidade pretende ver apreciada é a de
“um acto de execução de um acto administrativo não pode[r] ser impugnado contenciosamente, mesmo que o recurso se fundamente em vícios próprios desse acto, designadamente no vício resultante da violação do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 49.168, de 5 de Agosto - que não permitia que a liquidação de juros de mora por dívidas ao Estado ultrapassasse os cinco anos anteriores à data do pagamento da dívida sobre que incidiam». Ou seja, a recorrente transporta para o campo da definição da hipótese normativa alegada como aplicada, a situação de facto e de direito que entende verificar-se no caso apreciado, como se ela tivesse sido a afirmada pelo acórdão recorrido. A norma em causa não foi, pois, aplicada nesta dimensão pelo acórdão recorrido. Por isso, também, não se pode tomar conhecimento do recurso.».
Não existem razões para abandonar a decisão sumária reclamada. Por outro lado, decisivamente, constata-se que a recorrente acaba por controverter o conteúdo da decisão judicial no ponto em que esta afirma expressamente não ter o acto de execução “nada inovado (inovando) em relação ao acto contido na Portaria”, pelo que “a lesividade residiria nesta e não no acto sindicado”. Assim, não tendo o acórdão reconhecido ao acto de execução qualquer conteúdo inovatório, ou que fosse além do conteúdo do acto contido na Portaria, e sendo este um pressuposto que se impõe ao Tribunal Constitucional, tem que se reconhecer que a rátio decidendi não se ajusta à insusceptibilidade de impugnação contenciosa de um acto de execução ainda que fundado em vícios próprios desse acto.
7.3 - No ponto III da sua reclamação, a reclamante diz ter requerido ao Tribunal Constitucional “a apreciação da constitucionalidade do artigo 25º/1 da LPTA, quando interpretado no sentido de que se não pode impugnar um acto através do qual é exigido o pagamento, a título de juros, de uma quantia certa e determinada, só porque estava previsto, em abstracto, o dever de pagar juros”
(itálico aditado). Também aqui a reclamante argumenta a partir de uma definição de norma que não corresponde exactamente àquela que enunciou no requerimento de interposição de recurso ou seja, de uma norma de conteúdo algo diferente. A enunciação que lhe está mais próxima é a que deixou precisada na alínea d) do seu referido requerimento, verificando-se a substituição da expressão “ [...] a título de juros de mora, só porque teria havido um acordo público ou privado, a que se refere uma carta (de 13 de Abril de 1981), que faz parte dos autos, em que teria sido prevista a possibilidade de pagamento de juros de mora -, dando-se até o caso de nessa carta não existir qualquer referência ao pagamento de juros” pela locução “[...] a título de juros, de uma quantia certa e determinada, só porque estava previsto, em abstracto, o dever de pagar juros”. Sendo assim o Tribunal apenas conhece da reclamação enquanto referida ao decidido relativamente ao objecto do recurso consubstanciado naquela dimensão normativa. Na verdade, a reclamação não tem a natureza de um primeiro julgamento quanto à matéria conhecida na decisão sumária, mas de um reexame do julgamento aí efectuado. Apreciando este segmento do objecto do recurso de constitucionalidade, escreveu-se na decisão sumária o seguinte:
«Segundo a recorrente esta dimensão normativa resulta do seguinte passo do acórdão recorrido:
«Aliás, aos juros se referia já a carta dirigida pela A. ao FA a propósito de um 'acordo' que entre ambos teria sido alcançado (fls. 54 dos autos),da qual se poderá extrair com alguma segurança (independentemente da natureza pública ou privada desse acordo) que a recorrente com eles já contaria por lhes ter dado o seu 'agreement'. Não pode, assim, dizer-se agora surpresa com a deliberação sob censura. E se, por outro lado, a deliberação a eles também se referia, cremos que por idêntica razão perdeu o direito ao recurso com a aceitação demonstrada pelo pagamento efectuado (mesmo que parcelar).
* No que concerne aos juros (“compensações por mora”), a questão é precisamente a mesma. Além de incidir sobre factos passados, a sua imposição surge com o Despacho n.º A-309/86-X, acto administrativo que também é e que nunca chegou a ser impugnado».
Independentemente de poder entender que se está, em tal segmento do acórdão recorrido, perante a exposição de um argumento aduzido simplesmente ad ostentationem, acontece, também que a norma definida não coincide com o sentido expresso na decisão recorrida. E faz-se aquela reserva, em virtude do tribunal ter inferido a solução da questão a partir apenas dos pressupostos da consolidação do acto da exigência dos juros e da sua aceitação pela recorrente, expressa pelo acto de pagamento parcial da dívida objecto da deliberação impugnada.
Na verdade, o que se infere de tal discurso do acórdão é tão só que o tribunal a quo formou o seu juízo de que a recorrente já contaria com o pagamento dos juros referidos na deliberação impugnada porque a mesma já lhe tinha “dado o seu agreement” porquanto numa carta dirigida ao FA se lhes referia a propósito de um acordo entre ambos alcançado”.
Não se vê, pois, minimamente, aí, que o tribunal a quo tenha entendido a norma do art.º 25º, n.º 1 do DL. n.º 267/85 no sentido de não se poder «impugnar um acto através do qual é exigido o pagamento de uma quantia certa e determinada, a título de juros de mora, só porque teria havido um acordo público ou privado, a que se refere uma carta (de 13 de Abril de 1981), que faz parte dos autos, em que teria sido prevista a possibilidade de pagamento de juros de mora -, dando-se até o caso de nessa carta não existir qualquer referência ao pagamento de juros».
Mais uma vez estamos perante uma transposição para o plano da normatividade de uma posição da recorrente quanto á específica matéria da causa, como se o tribunal a tivesse aplicado, e a mesma correspondesse ao quadro de facto afirmado pelo tribunal, integrante da hipótese normativa, quando, ao contrário, a recorrente formula um juízo de facto tendente a negar o formado pelo acórdão recorrido.
Temos, pois, de concluir que o acórdão recorrido também não aplicou esta dimensão normativa e que a recorrente se apresenta, também, a sindicar a correcção da decisão judicial no terreno do direito ordinário probatório. Faltam, pois, os referidos pressupostos específicos do recurso de constitucionalidade.».
Esta fundamentação é inteiramente de acolher e por isso aqui se renova. Novamente se acentua que a ratio decidendi do acórdão recorrido quanto à inimpugnabilidade do “acto através do qual é exigido o pagamento de uma quantia certa e determinada, a título de juros de mora [...]” consiste não no eventual
“acordo” que teria sido alcançado entre as partes e a que a citada carta se referiria mas na aceitação do acto recorrido (de exigência do pagamento da quantia certa e determinada), cuja existência o tribunal a quo inferiu, designadamente, a partir do acto de pagamento parcial dos juros de mora.
7.4 - No ponto IV (n.os 36 a 42) da sua reclamação, a reclamante diz que “requereu ainda ao Tribunal Constitucional a apreciação da constitucionalidade da norma contida no artigo 25º/2 da LPTA quando interpretada no sentido de que se não pode recorrer contenciosamente dum acto de execução de um acto administrativo contido num diploma regulamentar, desde que o prazo para a impugnação desse acto administrativo tenha caído, antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 267/85” ou “numa outra formulação, o que a A. pretende é que o Tribunal Constitucional aprecie a constitucionalidade dessa norma legal, quando interpretada no sentido de que o artigo 25º/2 da LPTA não se aplica aos actos de execução de actos administrativos contidos em diplomas regulamentares que já constituíam «caso decidido», no momento em que o Decreto-Lei n.º 267/85 entrou em vigor”.
Ora, vistas as dimensões normativas que foram definidas no requerimento de interposição do recurso, que acima se deixou transcrito, verifica-se que a reclamante não requereu, aí, a apreciação de constitucionalidade de qualquer norma com o sentido agora precisado. A reclamante apenas cogitou, relativamente ao artigo 25º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º
267/85, de 16 de Julho, a inconstitucionalidade das dimensões normativas constantes das alíneas f) e g) daquele requerimento e nenhuma delas se justapõe
à acepção normativa cujo recurso pretende agora que seja admitido mediante deferimento da reclamação. Ora, como se disse, sendo o objecto do recurso definido no requerimento de interposição não pode agora ser considerada como incluída nele norma diferente cuja admissibilidade seja conhecida nesta reclamação não em reexame mas em primeiro julgamento. Anote-se que a acepção normativa que agora se aponta como objecto do recurso inclui, no seu conteúdo, uma condição não contida nas formulações dadas naquelas alíneas f) e g) - desde que o prazo para a impugnação desse acto administrativo tenha caído antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 267/85 - e que a ser pressuposta com base no seu texto só poderia ser admitida como acontecendo num momento precisamente oposto (já durante a vigência do referido diploma legal).
C – A decisão
8 - Destarte, atento tudo o exposto, decide este Tribunal Constitucional indeferir a reclamação, confirmando a decisão sumária.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 25 UC.
Lisboa, 21 de Abril de 2004
Benjamim Rodrigues Maria Fernanda Palma Rui Manuel Moura Ramos