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Proc. n.º 628/03
1.ª Secção Relator: Cons. Rui Moura Ramos
I – A CAUSA
1. A., recorreu para o Tribunal Constitucional do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) (Acórdão de 08/07/03, de fls. 51/54), que, no âmbito de uns autos de providência cautelar de suspensão de despedimento, requerida por B. e outros, não admitiu um recurso pretendido interpor para o STJ, respeitante a um Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que, revogando decisão de primeira instância, decretou a referida providência cautelar.
Este recurso para o STJ fundava-o a recorrente numa invocada oposição entre o Acórdão da Relação de que pretendia recorrer e um outro do mesmo Tribunal, invocando como fundamento desse recurso o disposto nos artigos 387.º-A e 678.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil (CPC).
1.1. Com interesse para o presente recurso, importa sublinhar que a recorrente, previamente à decisão do STJ aqui recorrida, na peça processual constante de fls. 2/10 (reclamação para a conferência), havia defendido, relativamente ao disposto no artigo 40.º, n.º 1 do Código de Processo de Trabalho, o seguinte:
“(...) VII – Interpretando-se o n.º 1 do Art.º 40.º do CPT no sentido de que não é admissível o recurso previsto no n.º 4 do art.º 678.º do CPC, para uniformização de jurisprudência, ofendem-se os direitos e expectativas protegidos constitucionalmente, nomeadamente o princípio constitucional da igualdade, proclamado no art.º 13.º da CRP. VIII – Com tal interpretação é ofendido, ainda, o direito, também fundamental, de acesso ao direito, consagrado no Art.º 20.º da CRP.”
O STJ, na decisão aqui recorrida, consignou o seguinte, em apoio do entendimento segundo o qual o artigo 40.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho exclui o recurso para o Supremo Tribunal, mesmo em situações de conflito entre decisões de Tribunais da Relação:
“ (...)
3. Na vigência do CPT de 1981 entendia-se, de modo uniforme, que era inadmissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação proferido em processo cautelar de suspensão de despedimento (cfr., entre outros, os arestos citados no despacho reclamado). Isso com base no artigo 44.º, n.º 1, desse diploma, que, reportando-se à suspensão de despedimento, dispunha: “A decisão sobre a providência é fundamentada sumariamente e admite recurso para a Relação, restrito à matéria de direito.” A recorrente sustenta, porém, que é agora supletivamente aplicável a disposição do artigo 387.º-A do CPC, aditada pelo Decreto-Lei n.º 375-A/99, de 20 de Setembro, que passou a consignar o seguinte: “Das decisões proferidas em procedimentos cautelares não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível.” A ressalva contida na parte final deste dispositivo permite que seja admitido recurso de segundo grau, mesmo no âmbito das providências cautelares, nos casos previstos nos n.ºs 2, 3, 4 e 6 do artigo 678.º do CPC, e, designadamente, quando se trate de solucionar conflitos jurisprudenciais surgidos ao nível das relações, hipótese expressamente contemplada naquele n.º 4 (LOPES DO REGO, ob. cit., pág. 283). A referida disposição sobrepõe-se, portanto, à do artigo 754.º do CPC, cujo n.º
2, referindo-se à admissibilidade do recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça, foi igualmente alterado por aquele diploma de 1999. Essas normas, todavia, não ampliaram, antes restringiram, a possibilidade de recurso de agravo de 2.ª instância, deixando claro que esse recurso só poderá ter lugar em casos de oposição de julgados e nas situações ressalvadas nos n.ºs
2 e 3 do citado artigo 678.º. Todavia, o novo CPT, tendo sido aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro, para entrar em vigor em 1 de Janeiro do ano seguinte – e sendo, por conseguinte, posterior às referidas alterações do CPC -, continua a prever uma norma que reproduz praticamente a precedente disposição do artigo 44.º, n.º 1, persistindo em declarar, com referência aos procedimentos cautelares, que “da decisão final cabe sempre recurso para a relação”. O CPT de 1999 – que constitui lei nova especial posterior à reforma do CPC -, não reflecte a orientação decorrente dos citados artigos 387.º-A e 754.º, n.º 2, deste diploma, que, apesar de introduzirem mecanismos de recurso mais restritivos, sempre admitiam uma abertura ao agravo de 2.ª instância, mormente no caso em que o recurso se baseasse em conflito de jurisprudência. Ora, havendo uma disposição do CPT que, segundo entendimento jurisprudencial unânime, confina o recurso de agravo, em matéria de procedimentos cautelares laborais, à decisão de primeira instância – e que ainda se mantém -, não há nenhum motivo para considerar aplicável supletivamente o disposto no artigo
387.º-A do CPC. Com efeito, a lei processual comum apenas poderá ser subsidiariamente aplicável se o caso se não encontrar expressamente prevenido na própria legislação processual laboral, como é próprio da natureza da norma supletiva e logo ressalta do disposto no artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do CPT. E, por outro lado, como tem vindo a ser entendido pelo Tribunal Constitucional, a diferenciação de tratamento quanto à admissibilidade de recurso, desde que baseada em fundamento material bastante, como sucede quando se reporta a modelos processuais distintos, não implica uma violação do princípio da igualdade (cfr. acórdãos n.ºs 441/93 e 209/99, publicados no Diário da República, II Série, de
23 de Abril de 1993, e de 6 de Fevereiro de 2001, respectivamente).
(...)”.
1.2. É a esta decisão que se refere o presente recurso, interposto nos termos da alínea b), do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), indicando a recorrente como objecto do mesmo:
“ (...) A norma (...) do n.º 1 do art.º 40.º do CPT interpretada no sentido de que não
é admissível o recurso de agravo em 2.ª instância para uniformização de jurisprudência regulado no art.º 678.º, n.º 4 do CPC, não obstante o disposto nos arts. 1.º, n.º 2, a) e c) e 32.º, n.º 1 do CPT.
(...) O art.º 40.º, n.º 1 do CPT, delimitado negativamente pelo art.º 678.º, n.º 4 do CPC, na interpretação do douto Acórdão, viola (...) os princípios constitucionais da igualdade (art.º 13.º CRP) e do acesso ao direito e aos tribunais (art.º 20.º, n.º 1 CRP).
(...)”
1.3. Admitido o recurso, foram produzidas, neste Tribunal, as competentes alegações, rematando-as a recorrente com as seguintes conclusões:
“ I – O presente Recurso vem interposto do douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que recusou tomar conhecimento do Recurso de Agravo para uniformização de jurisprudência interposto do Acórdão proferido no Tribunal da Relação em que se decretou Providência Cautelar de Suspensão de Despedimento. II – No mesmo Acórdão, agora sob recurso, invoca-se como fundamento para esse conhecimento a inadmissibilidade resultante do n.º 1 do art.º 40.º do Código de Processo de Trabalho. Invocada vem, ainda, a não supletividade do n.º 4 do Art.º
678.º do CPC, relativamente à uniformização de jurisprudência. III – Todavia, o n.º 1 do Art.º 40.º do CPT não interdita o recurso para o STJ. Esta interdição só existe “ex vi” do Art.º 387.º-A do CPC. IV – Ora, se o Art.º 387.º-A do CPC serve para, supletivamente, limitar esse grau de jurisdição, terá necessariamente de, supletivamente também, permitir o recurso para o STJ nos casos em que o recurso é sempre admissível, ou seja, para além de outros, nos casos previstos no n.º 4 do Art.º 678.º do mesmo diploma
(Uniformização de Jurisprudência). V – Acontece até que a regulamentação dos recursos em Processo do Trabalho é de tal modo limitada que seria impensável não se recorrer à supletividade do CPC, aliás, expressamente, admitida e imposta em disposições como as constantes dos Arts. 32.º e 79.º do CPT. Os recursos em 2.ª Instância nem sequer são regulamentados pelo CPT. VI – A interpretação dada ao n.º 1 do Art.º 40.º do CPT no sentido de que não é admissível o recurso previsto no n.º 4 do Art.º 678.º do CPC para a uniformização de jurisprudência ofende direitos e garantias constitucionalmente protegidas, nomeadamente o princípio da igualdade (Art.º 13.º da CRP) e do acesso ao direito e aos tribunais (Art.º 20.º, n.º 1, da CRP). VII – A norma, assim interpretada, cria desigualdade entre os ex-trabalhadores da mesma empresa já que, uns, no processo que intentarem, viram o recurso de agravo da Relação para o Supremo ser admitido e apreciado, encontrando-se a uniformização de jurisprudência já fixada. Outros, que, em paralelo, intentaram processo idêntico contra a mesma requerida, com a mesma causa de pedir e respectivo pedido viram recusado o conhecimento desse mesmo recurso e, consequentemente, a impossibilidade de obterem a uniformização de jurisprudência. VIII – O direito de acesso aos tribunais é, assim, também violado pela já referida interpretação do n.º 1 do Art.º 40.º do CPT uma vez que cerceando-se a possibilidade de recurso para mais uma instância está-se perante uma limitação que não tem qualquer justificação plausível ou racional. Impede-se pura e simplesmente de se proceder à uniformização de acórdãos que, pela sua contraditoriedade acerca da mesma questão, só podem ser geradores de incertezas de surpresas e de desigualdades. IX – A jurisprudência constitucional que invocada vem no Acórdão “sub judice” é de todo irrelevante já que atinente a casos que nada têm a ver com o dos autos.”
As recorridas, por sua vez, pugnando pela improcedência do recurso, formularam as seguintes conclusões:
“ 1 – O Art.º 40.º, n.º 1 do CPT estabelece que da decisão final das providências cautelares de suspensão de despedimento só é admissível recurso até
à Relação (veja-se neste sentido Código do Processo do Trabalho Anotado, 2001, de Carlos Alegre, em comentário ao artigo 40.º, pág. 144, bem como a jurisprudência, unânime, do STJ).
2 – E nem o facto do art.º 678.º, n.º 4 do CPC dizer que “é sempre admissível recurso, a processar nos termos dos artigos 732.º-A e 732.º-B, do Acórdão que esteja em contradição com outro”, afasta o disposto no artigo 40.º, n.º 1 do CPT, já que,
3 – de acordo com o art.º 1.º, n.º 2 do CPT o processo de trabalho é regulado pelas normas constantes do Código de Processo de Trabalho, excepto nos casos omissos em que se recorre à legislação processual comum, civil ou penal, que directamente os previna.
4 – Assim, o recurso à legislação processual civil só é admissível nos casos omissos, isto é, nos casos em que o Código de Processo de Trabalho não preveja solução para determinado caso.
5 – Ora, o caso “sub judice” é regulado pelo Código do Processo de Trabalho, que nos diz, expressamente, que das decisões finais das providências cautelares de suspensão do despedimento só é admissível recurso até à Relação, pelo que, não é admissível recurso para o Supremo Tribunal das decisões finais em providência cautelar da suspensão de despedimento (individual e colectivo).
6 – Não existe qualquer interdição ao direito de acesso aos tribunais, já que é a lei que determina as instâncias de recurso, e no caso concreto determina que o recurso só é admissível até ao Tribunal da Relação, sendo admissível a diferenciação de tratamento em termos de admissibilidade de recurso quando com fundamento material bastante como acontece com modelos processuais distintos.
7 – De facto, criar-se mais uma instância de recurso ao sabor dos litigantes, ainda que ao arrepio da legislação em vigor, e para satisfazer necessidades de casos concretos, é que seria uma violação da Constituição, já que a lei é geral e abstracta...”
II – FUNDAMENTAÇÃO
2. Está em causa um processo de suspensão de despedimento individual – ou seja um procedimento cautelar específico da jurisdição laboral
[artigos 34.º e segs. do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo DL n.º
480/99, de 9 de Novembro (adiante designado CPT)] – em que uma das partes pretendeu recorrer, para o STJ, do Acórdão do Tribunal da Relação que decretou a suspensão do despedimento. No Supremo Tribunal este recurso foi considerado (em conferência) inadmissível, com base numa interpretação do n.º 1 do artigo 40.º do CPT, que exclui, em quaisquer circunstâncias, a possibilidade de recurso para o STJ. Para compreensão do problema importa sublinhar que a recorrente fundava o recurso pretendido interpor no disposto no artigo 678.º, n.º 4 do CPC, alegando a existência de oposição entre o Acórdão proferido no Tribunal da Relação e um outro aresto do mesmo Tribunal.
Como já se indicou a questão suscitada pela recorrente, na sua dimensão de problema de inconstitucionalidade normativa, foi tempestivamente colocada ao STJ
– ou seja, antes do Acórdão da conferência - que, aliás, se pronunciou expressamente a tal respeito.
Em termos práticos, a desconformidade constitucional invocada traduz-se em saber se nos procedimentos cautelares da jurisdição laboral, por força do artigo 40.º, n.º 1 do CPT, se pode, como aqui entendeu o STJ, afastar a regra do processo civil comum, no qual também as decisões das Relações não são, em regra, recorríveis, mas onde se admite, como excepção (logo podendo haver recurso para o Supremo Tribunal), os “casos em que o recurso é sempre admissível” (artigo
387.º-A do CPC), sendo que um destes é, precisamente (artigo 678.º, n.º 4 do CPC), a existência de oposição de Acórdãos da Relação “sobre a mesma questão fundamental de direito”.
Tendo por base estes dados, podemos enunciar a questão de constitucionalidade como reportada ao artigo 40.º, n.º 1 do CPT, interpretado como vedando o recurso para o STJ, mesmo nos casos previstos no artigo 678.º, n.º 4 do CPC, ou seja, quando no processo civil comum seria admissível tal recurso, nos termos do artigo 387.º-A do CPC.
Esta interpretação (que aqui foi a adoptada pelo STJ) violaria, na óptica da recorrente, o princípio constitucional da igualdade [artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (CRP)] e do acesso ao direito e tutela jurisidicional efectiva (artigo 20.º da CRP).
2.1. É o seguinte o teor da norma directamente em causa:
Artigo 40.º
(Recurso)
1. Da decisão final cabe sempre agravo para a Relação.
2.
....................................................................................................
3.
...................................................................................................
Paralelamente rege no processo civil comum, em matéria de procedimentos cautelares, o artigo 387.º-A (aditado pelo DL n.º 375-A/99, de 20 de Setembro) que diz o seguinte:
Artigo 387.º-A
(Recurso)
Das decisões proferidas nos procedimentos cautelares não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível.
A situação de admissibilidade que aqui nos interessa decorre do n.º 4 do artigo
678.º do CPC (na redacção do DL n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro), que prescreve:
Artigo 678.º
(Decisões que admitem recurso)
1.
..............................................................................................
2.
..............................................................................................
3.
..............................................................................................
4. É sempre admissível recurso, a processar nos termos dos artigos 732.º-A e
732.º-B, do Acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, sobre a mesma questão fundamental de direito e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do Tribunal, salvo se a orientação nele perfilhada estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça.
5..............................................................................................
6..............................................................................................
No CPT anterior (o Código de 1981, aprovado pelo DL nº. 372-A/81, de
30 de Setembro), face a uma disposição equivalente (o artigo 44º., nº. 1) mas não exactamente igual à actual (“A decisão sobre a providência (...) admite recurso para a Relação, restrito à matéria de direito”), era entendido uniformemente que o recurso para o STJ não era admissível neste tipo de providências. Dizia-se então que com a referência ao recurso ser admissível para a Relação, restrito à matéria de direito, se pretendia “fazer duas afirmações: uma respeitante à jurisprudência ad quem, referindo apenas a Relação; outra relativa à exclusão da matéria de facto” (Acórdão do STJ de 1.07.1998, Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal Administrativo, Ano XXXVIII – 1999, nº. 445, pág.
133/134; v. no mesmo sentido a jurisprudência citada por Abílio Neto no Código de Processo do Trabalho anotado, 3ª. Ed., Lisboa, 2002, pág. 113, que se refere sempre a decisões anteriores ao CPT actual).
Presentemente, com o emprego do advérbio «sempre», tornou-se inequívoco que, independentemente do valor processual fixado ao procedimento, haverá sempre um duplo grau de jurisdição a exercer através do recurso de agravo para o Tribunal da Relação.
A questão que se coloca – e que aqui nos aparece configurada como de inconstitucionalidade – tem que ver com a possibilidade de acesso à jurisdição do Supremo Tribunal, naquelas situações excepcionais em que no processo civil comum – isto desde 1999, com a reforma consubstanciada no DL nº. 375-A/99, de 20 de Setembro – uma decisão da Relação, relativamente a um procedimento cautelar,
é recorrível para o STJ. Note-se que anteriormente à limitação introduzida pela referida reforma do processo civil de 1999, nos procedimentos cautelares era possível, obviamente quando a alçada permitisse, recorrer para o Supremo Tribunal, concretamente através de agravo em 2ª. instância (v. Manuel Baptista Lopes, Dos Procedimentos Cautelares, Coimbra, 1965, págs. 54/56). Só através da introdução, pelo DL nº. 375-A/95, do artigo 387º.-A, se “(elimina) a possibilidade de agravo para o Supremo de quaisquer decisões – interlocutórias ou finais – proferidas em sede de procedimentos cautelares, por se entender que o triplo grau de jurisdição é incompatível com a celeridade e provisoriedade que caracterizam a essência de tais procedimentos” (Carlos Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civl, Coimbra, 1999, pág. 283). Ou seja, como anotam a esse artigo 387º–A, Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto,
“mantém-se a (...) recorribilidade para a Relação, nos termos gerais do artigo
678º., nº. 1, mediante agravo (artigo 738º.); mas as decisões proferidas pela Relação são definitivas, a menos que ocorra algum dos casos em que o recurso é sempre admissível, de acordo com o artigo 678º., nºs. 2, 3 e 4 (...). A provisoriedade da providência cautelar explica esta limitação, não obstante a importância prática que ela pode concretamente ter para a efectiva realização do direito” (Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º., Coimbra, 2001, pág. 40).
2.2. A leitura do artigo 40º., nº. 1, do CPT feita pela decisão recorrida, assenta implicitamente na ideia segundo a qual esta norma contém várias possibilidades interpretativas (polissemia de sentidos), sendo que o entendimento que subjaz ao Acórdão aqui impugnado, mais não representa que uma dessas possíveis interpretações: a que, entendendo que o CPT vigente constitui
“lei nova especial, posterior à reforma do CPC,” e que não reflecte “abertura ao agravo de segunda instância,” baseado em conflito de jurisprudência, lê o regime do recurso nas providências cautelares laborais, como permitindo sempre o recurso para a Relação, mas como vedando sempre o recurso, em quaisquer circunstâncias, para além desta, ou seja, para o STJ.
Não obstante, tomando a letra da lei nos seus exactos termos (“Da decisão final cabe sempre agravo para a Relação”), não se pode excluir como descabido – ou seja, como não tendo “na letra da lei um mínimo de correspondência verbal” (artigo 9º, nº 2, do Código Civil) – um entendimento que afirme que o nº. 1, do artigo 40º, do CPT, apenas quis tornar inequívoco que, independentemente do valor da causa, haverá recurso para o Tribunal da Relação, mas que este já não terá pretendido dispor quanto à possibilidade de recurso para o Supremo, aplicando-se nesta matéria o regime geral comum do processo civil (o artigo 387º-A do CPC).
Aliás, esta possibilidade de distintas alternativas quanto ao entendimento do regime de recursos desenhado pelo artigo 40º, nº 1 do CPT, aparece-nos claramente demonstrada nestes autos. Com efeito, se aqui se entendeu não ser (nunca ser) possível o recurso para o STJ com fundamento em contradição de Acórdãos da Relação, constata-se, pelo Acórdão junto a fls. 88/95 [Acórdão do STJ de 01-10-2003 (Jurisprudência nº 1/2003), publicado no Diário da República – I Série-A, de 12-11-2003, pág. 7647], que o mesmo Supremo, numa acção em tudo igual a esta, mas movida por outros trabalhadores da aqui recorrente, aceitou, sem qualquer dúvida, o recurso interposto ao abrigo do nº 4 do artigo 678º do CPC, decidindo-o no sentido propugnado pela mesma recorrente [lê-se no referido Acórdão: “(...) a requerida recorre para o STJ, ao abrigo do disposto no nº 4 do artigo 678º do CPC, ex vi do disposto no artigo 387º-A, in fine, do mesmo diploma legal, por remissão do artigo 32º do CPT, recebido como agravo e com subida imediata nos próprios autos (...)”].
2.3. Estando em causa o confronto entre legislação adjectiva laboral e comum, a questão que se coloca prende-se, desde logo, com a compatibilidade constitucional de diferenciações entre as duas áreas do processo [interessa-nos aqui, exclusivamente, o processo civil, embora o CPT também contenha preceitos
(artigos 187º a 200º) de processo penal], particularmente tomando por referência os princípios constitucionais da igualdade e do acesso ao direito e aos tribunais (artigos 13º. e 20º., da CRP).
Este Tribunal já teve oportunidade de se pronunciar quanto à diversidade de regimes entre o processo civil de trabalho e o processo civil comum, designadamente em matéria de direito ao recurso, reconhecendo que, estando vedado ao legislador disciplinar de forma arbitrariamente limitativa o direito ao recurso em processo laboral, nada o impede de estabeler neste regimes distintos do processo comum, concretamente mais preclusivos, exigentes ou limitativos, em homenagem à “particular celeridade e economia processual exigida no processo de trabalho” [Acórdão nº. 403/00, nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 48º. Vol., págs. 95/121 (115), no qual estava em causa o artigo
72º., nº. 1, do CPT de 1981, ao exigir, diversamente do que sucede no processo civil comum, que a arguição de nulidades da sentença constasse do próprio requerimento de interposição do recurso].
Com efeito, uma acrescida necessidade de celeridade processual é vista como fundamento válido da diferenciação de regimes em várias situações entre o processo laboral e o tronco comum do processo civil. Aliás, a própria existência com autonomia de um direito adjectivo do trabalho é explicada, em grande medida, pela presença neste ramo do direito de especiais exigências de uma justiça célere. Raul Ventura, nos anos sessenta, aquando da publicação do CPT de 1963 (aprovado pelo DL nº 45.497, de 30-12-1963), indicava como um dos princípios estruturantes do processo do trabalho - e que, de alguma forma justificava a sua autonomização - o princípio da celeridade, afirmando a propósito:
“(são) constantes as referências doutrinais à exigência de celeridade e a justificação é óbvia, pelas necessidades dos trabalhadores. Além destes interesses pessoais, um motivo de ordem geral exige nestes processos maior celeridade: a preservação da paz social. Não se trata apenas do fermento da inquietação social que qualquer litígio individual de trabalho pode produzir; trata-se sobretudo de evitar que, pela demora da solução do litígio, ele tenda a reproduzir-se, isto é, que a falta de definição de direitos individuais venha a conduzir – de boa ou de má fé – à repetição dos factos que dão origem ao litígio e que a pluralidade do litígio venha até a transformar-se em colectivização dele.” (Princípios Gerais de Direito Processual do Trabalho, in Curso de Direito Processual do Trabalho, Lisboa, 1964, págs. 35/36)
No presente, podendo continuar a afirmar-se a validade da ideia de uma justiça célere, como princípio estruturante do direito adjectivo laboral, também não deixa de ser verdade que a questão da celeridade e da simplificação processual vem justificando sucessivas reformas do processo civil, em termos tais que, como certeiramente observa Isabel Alexandre, sendo “o próprio legislador no preâmbulo do CPT/99, a referir como causa da reforma do processo laboral a reforma do processo civil não é de excluir que a manutenção do CPT se justifique apenas por razões históricas ou de facilidade de consulta dos textos legais, isto é, que a importação de soluções da recente reforma do processo civil para o processo do trabalho tenha definitivamente contribuído para a perda da autonomia do direito processual laboral” (Princípios Gerais do Processo do Trabalho, in Estudos do Instituto de Direito do Trabalho, Coimbra, 2002, pág.
393).
De qualquer forma, sendo inegável que a evolução do processo civil comum retirou, em matéria de simplificação e de celeridade, muito do espaço de afirmação do direito adjectivo (autónomo) laboral, não deixamos ainda de encontrar neste elementos – embora cada vez mais escassos – que, não obstante, são explicáveis, enquanto diferenciação do tronco comum do processo civil, através da ideia de maior celeridade e simplificação. No caso concreto dos procedimentos cautelares laborais, não sendo muito significativas as especialidades, não deixa de se poder assinalar que, para além “de haver (uma) maior preocupação do que nos procedimentos cautelares cíveis com a conciliação das partes (veja-se o artigo 32º, nº 2), se procura também que o procedimento seja mais célere (veja-se os nºs. 1 e 3 deste preceito)” (Isabel Alexandre, ob. cit., pág. 409).
Também quanto aos recursos, sendo igualmente pouco significativas as peculiaridades do processo laboral, não deixam de estar presentes pequenas especificidades reportáveis à ideia de celeridade e simplificação processual. É o que sucede com a situação referida no Acórdão nº 403/00, que embora diga respeito ao CPT de 1981 (artigo 72º, nº 1), vale também, por idênticas razões, para o regime substancialmente igual do artigo 77º, nº 1 do Código actual (v. Isabel Alexandre, ob. cit. pág. 416/418).
2.4. Quando o recorrente na apreciação da decisão impugnada se refere, como norma constitucional violada, pela interpretação aí adoptada do artigo 40º, nº 1 do CPT, ao disposto no artigo 20º da CRP, há que ter presente não colher o argumento que reporta essa violação ao que, usualmente, se qualifica como dimensão do direito de acesso à justiça traduzida num direito genérico ao recurso. Com efeito, a norma em apreciação garante um duplo grau de jurisdição, indo, por isso, além daquilo que a Constituição exige (“Da decisão final cabe sempre agravo para a Relação”). Note-se que este Tribunal vem entendendo, desde há muito e invariavelmente, que “(fora ) do âmbito processual penal (...) a garantia de um duplo – ou, por maioria de razão, triplo – grau de jurisdição não goza de protecção generalizada, não se podendo, nomeadamente, considerar incluída no direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo
20º, nº 1 da CRP.” (Carlos Lopes do Rego, O Direito Fundamental do Acesso aos Tribunais e a Reforma do Processo Civil, in Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues – I, Coimbra, 2001, pág. 763; cfr. entre muitos possíveis, o Acórdão nº 100/99, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 42º vol., págs. 443/456).
A questão do direito ao recurso colocar-se-ia assim numa perspectiva distinta, aquela onde ocorreria uma sobreposição entre os artigos 20º, nº 1 e 13º da CRP, e se traduziria na afirmação segundo a qual, prevendo a lei do processo que o acesso aos tribunais se possa realizar em mais de um grau, teria “o legislador ordinário de abrir a todos essas várias e sucessivas vias judiciárias, garantindo que o direito ao recurso se possa efectivar sem discriminação alguma”
(Carlos Lopes do Rego, ob. e loc. cit.).
Nesta perspectiva haverá que determinar se a consequência directa do entendimento que subjaz à decisão recorrida, ou seja a exclusão dos procedimentos cautelares laborais da possibilidade de uniformização, prevista no nº 4 do artigo 678º do CPC, dos conflitos jurisprudenciais ocorridos ao nível das Relações, se tal entendimento, dizíamos, não traduz uma limitação arbitrária para os «utentes» do processo laboral, na modalidade de procedimento cautelar, face àqueles outros que, no processo civil comum, dispõem, pelo encadeamento dos artigos 387º-A e 678º, nº 4 do CPC, da possibilidade de ultrapassar esse mesmo conflito jurisprudencial. Note-se, relativamente ao direito adjectivo comum, que o artigo 678º, nº 4 já contém um importante mecanismo redutor dos recursos, quando exclui aquelas situações em que o motivo da irrecorribilidade se prende com a alçada do tribunal (ou seja, com o valor da acção). Este aspecto particular dessa norma foi considerado por este Tribunal, no já citado Acórdão nº 100/99, conforme à Constituição.
A questão que subsiste – e é aquela que se configura neste recurso – tem que ver com todas aquelas situações em que a alçada permite o acesso ao Supremo Tribunal, mas em que outra regra processual veda tal acesso [é este o único sentido possível do trecho do nº 4:“(...) e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal”]. É nestas situações de recorribilidade extraordinária dos procedimentos cautelares no processo civil comum, que se coloca a questão da igualdade relativamente às situações equivalentes geradas no processo civil laboral.
2.5. Encarando esta questão, dir-se-á que o confronto da decisão recorrida, no aspecto particular da admissibilidade do recurso, com o Acórdão documentado a fls. 88/95, tirado pelo Pleno da Secção Social do STJ, poderia ilustrar uma situação de divergência interpretativa eventualmente indutora de alguma incerteza quanto ao alcance de regras processuais e, em certo sentido, geradora de diferenciações de tratamento. Não obstante, ainda estamos, com a decisão aqui recorrida, num domínio em que o resultado interpretativo alcançado, encarado numa perspectiva de constitucionalidade é ainda passível de justificação por referência a um valor (celeridade através da limitação dos graus de recurso) que o torna – a esse resultado interpretativo – constitucionalmente tolerável.
Valem aqui, também, os fundamentos que conduziram este Tribunal, no já indicado Acórdão nº 403/00, a considerar o artigo 72º, nº 1 do CPT de 1981, na interpretação acolhida pela decisão aí recorrida, como constitucionalmente conforme, “por razões de economia e celeridade processual”, válidas no direito adjectivo laboral e, como tal, passíveis de justificar regimes distintos do processo civil comum.
Assim sendo, o tratamento diferente que o (seguramente muito reduzido) grupo de situações nas quais, seguindo a interpretação aqui em causa, o eventual conflito jurisprudencial criado numa providência cautelar laboral, não seria ultrapassado através de recurso para o Supremo Tribunal, como sucederia no processo civil comum, tal tratamento diferente, dizíamos, porque explicável em função dum valor relevante no processo civil do trabalho, não pode ser considerado arbitrário.
Verifica-se, é certo, uma distinta visão do artigo 40º, nº 1 do CPT ilustrada pela decisão aqui recorrida e pela decisão junta a fls. 88/95. Porém, quanto a este aspecto, não compete ao Tribunal Constitucional imiscuir-se em questões interpretativas resolvidas pelas decisões impugnadas, quando essas questões não apresentem, como aqui sucede, relevância juridico-constitucional.
III - Decisão
3. Assim, e pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida, no que à questão de constitucionalidade diz respeito.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) ucs.
Lisboa, 13 de Abril de 2004
Rui Manuel Moura Ramos Carlos Pamplona de Oliveira Maria Helena Brito Artur Maurício Luís Nunes de Almeida