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Proc. nº 605/00
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. L... vem recorrer para o Tribunal Constitucional do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16 de Maio de 2000 (de fls. 1339), que concedeu apenas parcialmente a revista do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 29 de Abril de 1998 (de fls. 937), ao abrigo do disposto na al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, pretendendo que seja apreciada a alegada inconstitucionalidade 'do artº 13º, nº 3 do R.J.C.C.I.T., aprovado pelo Dec. Lei 64-A/89, de 27/2 e os preceitos e princípios constitucionais violados são os dos artºs 165º, nº 1, al. b), 59º, nº 1 al. a) e 13º, todos da Constituição da República'.
O recurso foi admitido.
2. Notificadas para o efeito, as partes apresentaram as suas alegações. O recorrente, que esclareceu que a norma cuja inconstitucionalidade suscita é o citado nº 3 do artigo 13º do R.J.C.C.I.T, 'uma vez interpretado e aplicado tal normativo como o foi na decisão recorrida, ou seja, no sentido de que a indemnização de antiguidade deveria ser calculada apenas e tão só a partir da remuneração-base, e ainda por cima continuando a entender esta como sinónimo de
'vencimento-base', ou seja, excluindo todas as outras prestações retributivas não só regulares e periódicas como até fixas, que a R. pagava ao A. e que constituíam, precisamente, a base da remuneração deste', formulou as seguintes conclusões:
'1ª Uma vez interpretado e aplicado como o foi pelo Acórdão recorrido (ou seja, no sentido de a indemnização de antiguidade devida ao A. ser calculada exclusivamente a partir do vencimento base) o nº 3 do artº 13º da L.C.C.T. é, além de erróneo, de modo evidente materialmente inconstitucional, por violar designadamente os artºs 13º e 59º, nº 1, al. a) da C.R.P., (ao tratar desigualmente e sem qualquer justificação situações substancialmente iguais e ao discriminar o trabalhador na situação do A., ainda por cima no momento mais crítico da sua vida profissional, ou seja, o da cessação do respectivo contrato),
2º Bem como é organicamente inconstitucional, por tal matéria de reserva relativa de competência da A.R. não estar abrangida pela Lei de Autorização Legislativa nº 107/88, de 17/9, e logo violar o art. 165º, nº 1 al. b) da C.R.P.
3ª Deverá, pois, a indemnização de antiguidade do A. ser calculada a partir não só do vencimento-base, mas também de todas as prestações fixas, obrigatórias, regulares e periódicas, liquidadas com natureza de contrapartida da prestação de trabalho (v.g. 'despesas de gasolina', de 'representação' e de
'viagens')'.
Por seu lado, a recorrida S..., S.A. pronunciou-se no sentido de que não se verifica 'qualquer inconstitucionalidade nem material, nem orgânica do nº
3 do artº 13º do RJ aprovado pelo DL nº 64-A/89 de 27 de Fevereiro'.
3. A disposição que contém a norma impugnada pelo recorrente, que integra o Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo, aprovado pelo Decreto-Lei nº
64-A/89, de 27 de Fevereiro, insere-se no capítulo relativo ao 'despedimento promovido pela entidade empregadora', e tem o seguinte teor: Artigo 13º Efeitos da ilicitude
1.....
2....
3. Em substituição da reintegração pode o trabalhador optar por uma indemnização correspondente a um mês de remuneração de base por cada ano de antiguidade ou fracção, não podendo ser inferior a três meses, contando-se para o efeito todo o tempo decorrido até à data da sentença.'
Esta disposição é aplicável ao caso dos autos – em que foi o trabalhador que, invocando justa causa, rescindiu o contrato de trabalho –, por força do artigo 36º do mesmo diploma, que determina que a rescisão do contrato de trabalho com justa causa pelo trabalhador com fundamento em factos previstos no nº 1 do artigo 35º lhe confere 'direito à indemnização calculada nos termos do nº 3 do artigo 13º'.
Deste modo, a norma que constitui objecto deste processo é a do nº 3 do artigo 13º do citado Regime Jurídico, quando aplicável à rescisão do contrato de trabalho pelo trabalhador, com justa causa. Rigorosamente, haverá que apreciar a constitucionalidade desta norma, na interpretação acolhida na decisão recorrida. Ora, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, confirmando o que as decisões do 3º Juízo do Tribunal de Trabalho de Lisboa e do Tribunal da Relação de Lisboa tinham determinado, negou a pretensão do recorrente, no sentido de na determinação da indemnização, 'calculada com fundamento na retribuição base', serem 'tidas em conta outras prestações fixas, obrigatórias, regulares e periódicas, com natureza de contrapartida da prestação de trabalho'.
Já o Acórdão do Tribunal de Trabalho de Lisboa afirmara que 'no cálculo da indemnização não se leva pois em conta os restantes acréscimos retributivos, nomeadamente os respeitantes a gasolina, cartão de crédito, viagens, utilização de automóvel (...)'.
Assim, a disposição em causa foi interpretada no sentido de que no conceito de 'remuneração de base' não se integram 'todas as prestações fixas, obrigatórias, regulares e periódicas liquidadas com natureza de contrapartida da prestação de trabalho (v.g. ‘despesas de gasolina’, de ‘representação’ e de
‘viagens’)' (cf. a 3ª conclusão das alegações do recorrente).
4. Cabe começar por analisar a alegação de inconstitucionalidade orgânica, tendo em conta a versão da Constituição vigente à data da aprovação do Decreto-Lei nº 64-A/89 e a circunstância de este diploma ter sido emitido ao abrigo da autorização legislativa concedida pela Lei nº 107/88, de 17 de Setembro.
O acórdão recorrido considerou, em primeiro lugar, que o 'direito à indemnização, obtido por opção do trabalhador' não se inclui no âmbito dos direitos liberdades e garantias dos trabalhadores previstos na Constituição; em segundo lugar, que a Lei nº 107/88, que autorizou o Governo a rever o regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e a revogar a legislação até aí vigente, estabeleceu na alínea b) do seu artigo 2º, como um dos princípios fundamentais da autorização da legislação autorizada, o
'condicionamento do cálculo de remunerações de base vincendas ao trabalhador despedido de forma ilícita...'; em terceiro lugar, que a alínea d) do artigo 2º da Lei nº 107/88 autoriza o Governo a legislar sobre a 'admissibilidade de substituição judicial da reintegração do trabalhador por indemnização em caso de despedimento declarado ilícito...', quando o trabalhador opte por esta. 'Ora – argumenta o Acórdão –, nesta autorização da referida substituição da reintegração pela indemnização terá de se compreender, igualmente, o modo de cálculo da mesma, pois, caso contrário, ficaria sem sentido o permitir-se legislar sobre a apontada admissibilidade e não se permitir o modo como a mesma se efectuaria, designadamente o modo do seu cálculo'.
O recorrente, porém, sustenta que a Lei nº 107/88, de 17 de Setembro, não conferiu 'autorização para que o Governo alterasse os critérios de cálculo da indemnização por antiguidade'. Sendo a matéria em causa referente a
'direitos dos trabalhadores', integraria o âmbito da reserva parlamentar, como resultaria do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 168º da Constituição.
5. A questão da inconstitucionalidade orgânica do nº 3 do artigo 13º do referido Regime Jurídico foi, entretanto, apreciada por este Tribunal no seu acórdão nº 583/00, publicado no Diário da República, II Série, de 22 de Março de
2001, nos seguintes termos:
'Decorre do que fica exposto que se pode considerar integrado no
âmbito dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores, designadamente no direito à segurança no emprego, o direito à reintegração no posto de trabalho e a substituição da reintegração por uma indemnização no caso de despedimento ilícito, mas já não integra tal regime o modo de cálculo de tal indemnização.
No entanto, face ao sistema ressarcitório delineado pela Lei de Autorização Legislativa, o legislador governamental tinha de encontrar uma forma mínima de cálculo da indemnização que tratasse todos os trabalhadores por forma idêntica, o que só podia ser conseguido através da fixação da base indemnizatória num máximo denominador comum que pudesse ser aplicado em geral e fosse igual para todos os trabalhadores de certa categoria e ramo de actividade. A forma encontrada foi a da remuneração de base que está prevista nas convenções colectivas de trabalho e constitui a base salarial das diversas categorias profissionais dentro de cada actividade.' O mesmo acórdão julgou ainda que 'a matéria de base de cálculo da indemnização por despedimento ilícito é algo que releva da liberdade de conformação do legislador governamental'.
6. Deve recordar-se que a apreciação da questão de constitucionalidade em causa neste recurso respeita ao nº 3 do artigo 13º do Regime Jurídico aprovado pelo Decreto-Lei nº 64-A/89, mas apenas na medida em que é aplicável, por força do disposto no artigo 36º, ao cálculo da indemnização devida pelo empregador por rescisão do contrato de trabalho pelo trabalhador, com base na verificação de um dos comportamentos – que integram o conceito de justa causa – previstos no nº
1do artigo 35º (mas já não das referidas no nº 2); ocorrendo uma dessas situações, o trabalhador tem direito, por força do artigo 36º, a uma
'indemnização calculada nos termos do nº 3 do artigo 13º'.
O recorrente fundamenta a alegação de inconstitucionalidade orgânica, antes de mais, na circunstância de a matéria em causa integrar a reserva parlamentar, 'porque referente a direitos dos trabalhadores' (cf. as alegações apresentadas, fl.s 1388). Ora, esta afirmação não é rigorosa, já que a invocada alínea b) do nº 1 do artigo 168º (hoje, artigo 165º) da Constituição se refere a 'direitos, liberdades e garantias', o que significa que na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República não cabem todos os 'direitos dos trabalhadores', ou sequer todos os direitos fundamentais dos trabalhadores, mas apenas aqueles que devam qualificar-se como 'direitos, liberdades e garantias'.
Assim, ainda que se defenda que decorre da garantia da segurança no emprego, prevista no artigo 53º da Constituição, um direito dos trabalhadores a rescindirem com justa causa o contrato de trabalho, perante comportamentos graves e culposos do empregador, e que como consequência de tal rescisão, tem o trabalhador direito a ser indemnizado, nem por isso se torna lícito concluir que o modo de cálculo de tal indemnização se deve incluir na matéria dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores. Ao invés, pode afirmar-se, de modo paralelo ao que se fez no já citado Acórdão nº 583/00, que tal matéria 'releva da liberdade de conformação do legislador governamental'.
Improcede, pois, a alegação de inconstitucionalidade orgânica.
7. No toca à questão da alegada inconstitucionalidade material, cabe lembrar que o recorrente considera terem sido violados o artigo 13º (princípio da igualdade) e a alínea a) do nº 1 do artigo 59º, ambos da Constituição.
Quanto à violação do princípio da igualdade, o recorrente sustenta que a norma impugnada, na interpretação adoptada pela decisão recorrida, 'trata desigualmente (...) situações que são substancialmente iguais'. E exemplifica do seguinte modo:
'A título de exemplo, considerem-se de novo 3 trabalhadores que, exercendo todos a mesma actividade e – mais ainda! – dentro da mesma empresa, auferem, todos, a mesma retribuição média mensal de Esc. 500.000$00 sendo que o primeiro tem 500.000$00 de ordenado base e não tem comissões, o segundo tem
50.000$00 de ordenado base e Esc. 450.00$00 de comissões, e o terceiro tem
275.000$00 de ordenado base e Esc. 225.000$000 de comissões.
Ora, na interpretação novamente perfilhada pelo Acórdão do S.T.J., a tais trabalhadores, em situação substancialmente igual (auferindo, indiscutivelmente, a mesma remuneração de 500.000$00 mensais) e com antiguidade igual, seriam afinal pagas indemnizações em absoluto desiguais'.
Relativamente a questão análoga, respeitante ao nº 3 do artigo 13º do citado Regime Jurídico, quando aplicável ao modo de cálculo da indemnização por despedimento ilícito do trabalhador, o Acórdão nº 583/00 pronunciou-se nos seguintes termos:
'Os recorrentes consideram ainda que a norma do n.º 3 do artigo 13º do Decreto-Lei nº 64-A/89 é inconstitucional por violar o princípio da igualdade constante do artigo 13º da Constituição.
Esta inconstitucionalidade material resultaria do facto de a norma tratar desigualmente trabalhadores que gozem do mesmo nível retributivo mas tenham remunerações de base diferentes.
Vejamos.
Segundo a jurisprudência uniforme e constante do Tribunal Constitucional, o princípio da igualdade reconduz-se a uma proibição de arbítrio, tornando inaceitável quer a diferenciação de tratamento sem justificação razoável quer o tratamento igual para situações desiguais.
A proibição do arbítrio constitui um limite externo da liberdade de conformação do legislador, actuando o princípio da igualdade como princípio negativo de controlo. O Tribunal tem afirmado uniformemente que a fiscalização da constitucionalidade não pode pôr em causa a liberdade de conformação do legislador, que goza de uma razoável margem de discricionaridade (cf. neste sentido, o Acórdão nº 150/2000' publicado no Diário da República, II Série, de 9 de Outubro de 2000). 'Cabe, assim, ao legislador ordinário definir ou qualificar as relações da vida a tratar igual ou desigualmente, dentro dos limites constitucionais, devendo os tratamentos diferenciais ser fundamentados através de critérios constitucionalmente relevantes e ser censurados apenas os casos de desrazoável desigualdade, mas sem que o julgador possa controlar se, num caso concreto, o legislador encontrou a solução mais adequada, razoável ou justa (cf. Acórdão nº 186/90, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 16º Vol., p.383).
No caso em apreço, o legislador respeitando embora o núcleo essencial do direito constitucional dos trabalhadores afectados por um despedimento ilícito – o direito à reintegração no respectivo posto de trabalho e o direito a substituir essa reintegração por uma indemnização – alterou porém a base de cálculo da própria indemnização.
Ora, ao optar por fixar como base do cálculo da indemnização substitutiva da reintegração a remuneração de base em vez da retribuição efectiva, o legislador não fez uma opção arbitrária ou intolerável. Pelo contrário, tal opção permite um tratamento igual de situações idênticas mediante um critério objectivo e razoável.
Não é legítimo fazer comparações em que as diferenças de montantes indemnizatórios decorram de se ter em consideração num caso a remuneração de base e num outro a remuneração efectiva: a utilização de critérios diferentes tem de produzir diferentes resultados.
Conclui-se assim que a solução encontrada na norma do nº3 do artigo
13º do Decreto-Lei nº64-A/89, de 27 de Fevereiro não se apresenta como injustificada ou irrazoável, não violando o artigo 13º da Constituição.'
O sentido da jurisprudência transcrita vale, claramente, para os casos em que o nº 3 do artigo 13º é aplicável para determinar a indemnização devida por rescisão com justa causa do contrato trabalho pelo trabalhador.
8. Para o recorrente, a norma impugnada viola ainda a alínea a) do nº 1 do artigo 59º da Constituição (integrada nos direitos e deveres económicos, sociais e culturais), que estabelece: Artigo 59º Direitos dos trabalhadores
1. Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito: a. à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza, e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna;
(...)
Afigura-se manifestamente improcedente esta alegação de inconstitucionalidade, já que a norma impugnada não regula o 'direito à retribuição do trabalho'. Acresce que, como já se afirmou, não é estabelecida nenhuma discriminação arbitrária relativamente ao modo de cálculo da indemnização devida em caso de rescisão com justa causa do contrato de trabalho pelo trabalhador. Assim, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se o acórdão recorrido no que respeita ao julgamento da questão de constitucionalidade. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 ucs. Lisboa, 23 de Maio de 2001- Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Messias Bento José de Sousa e Brito Luís Nunes de Almeida