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Proc. nº 375/2004
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
I Relatório
1. Nos presentes autos de reclamação, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que figura como reclamante A. e como reclamado o Ministério Público, o reclamante interpôs recurso do acórdão que o condenou pela prática em co-autoria de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade. Nas respectivas alegações não foi suscitada qualquer questão de constitucionalidade normativa (cf. fls. 303 a 316). O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 21 de Janeiro de 2004, decidiu negar provimento ao recurso.
2. A. interpôs recurso de constitucionalidade nos seguintes termos:
A., arguido nos autos acima referenciados, tendo sido notificado do Acórdão neles proferido e não se conformando com o mesmo, dele vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo. O presente recurso funda-se no disposto nas al. g) e i) do art.º 70º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, na medida em que pelo Acórdão recorrido é aplicado o disposto no art.º 412°, n.º 3 e 4 do Cód. Proc. Penal com inobservância do estabelecido no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 337/00 publicado no Diário da República, 1ª Série, de 21.07.2000. O presente recurso funda-se ainda no disposto na al. b) do art.º 70° da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, por o Acórdão ora recorrido fazer a aplicação de normas jurídicas em sentido que se pugnou pela inconstitucionalidade das mesmas, mormente por violação do disposto nos n.º 1 e
2 do art.º 32° da Constituição da República Portuguesa. inconstitucionalidades essas invocadas no recurso entregue no tribunal de 1ª Instância (3ª Vara Criminal de Lisboa) e que veio a ser remetido para o Supremo Tribunal de Justiça. Por ter legitimidade, estar em tempo, e a decisão ser recorrível, requer seja o recurso agora interposto admitido.
O recurso de constitucionalidade não foi admitido por despacho proferido a 11 de Fevereiro de 2004, com o seguinte teor:
1. O arguido, A., foi condenado, em 1ª instância, pela prática de factos consubstanciadores da autoria material de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punível nos termos do disposto no art. 25.º al. a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão. O arguido trouxe recurso do acórdão condenatório para esta instância, tendo-se decidido negar-lhe provimento, nos termos do acórdão que precede.
2. Deste acórdão, o arguido vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional. Ampara o recurso no disposto nas alíneas b), g) e i), do art. 70.º, da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, de organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional (LOFPTC) . Alega (i) que o acórdão recorrido fez «aplicação de normas jurídicas em sentido que se pugnou pela inconstitucionalidade das mesmas, mormente por violação do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 32.º, da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidades essas invocadas no recurso entregue no tribunal de 1ª instância»; (ii) que o acórdão recorrido aplicou «o disposto no art. 412.º n.ºs
3 e 4, do Cód. Proc. Penal com inobservância do estabelecido no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 337/00».
3. Importa decidir sobre a admissibilidade do recurso agora interposto pelo arguido, nos termos prevenidos no art. 76.º n.º 1, da referida LOFPTC. Afigura-se que o recurso não pode ser admitido. Por duas ordens de razões:
1.ª - Tendo em vista a invocada alínea b) do art. 70.º da LOFPTC não pode deixar de reconhecer-se que o recorrente não especifica, na minuta, quais «as normas jurídicas em sentido que se pugnou pela inconstitucionalidade das mesmas, mormente por violação do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 32.º, da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidades essas invocadas no recurso entregue no tribunal de 1.ª instância». Ainda assim, admitindo que terá pretendido fazer remissão para as conclusões da motivação do recurso que o arguido levou do acórdão da 1.ª instância, há-de conceder-se que, também ali (designadamente nas conclusões 14.ª e 15.ª, que reportam uma violação dos n.ºs 1 e 2 do art. 32º, da Constituição) o recorrente não identifica, devida e cabalmente, qualquer normativo, ou interpretação dele, aplicado pelo Tribunal recorrido em infracção constitucional, antes identifica o juízo fáctico, lógico e subsuntivo levado a cabo pelo acórdão recorrido como padecendo do vício de inconstitucionalidade, não se lobrigando em ponto algum da motivação do recurso a imputação de tal vício à forma como teriam sido interpretados os normativos arrolados (arts. 40.º n.º 2 e 71.º n.ºs 1 e 2, do Código Penal).
2.ª - Tomando agora por referência as invocadas alíneas g) e i) do art. 70.º, da LOFPTC e, bem assim, o Acórdão, do Tribunal Constitucional, n.º 337/2000, referenciado pelo arguido recorrente, tem de ressaltar-se que este Tribunal não fez apreciação sobre a prolixidade ou a concisão das conclusões da motivação do recurso, limitando-se (no ponto 7 do acórdão revidendo, atinente à demarcação do objecto do recurso) a afirmar que «do teor e do próprio corpo da motivação recursória, resulta que o recorrente demarca o objecto do recurso em questões de direito (por isso que não dá cumprimento ao disposto nos n.ºs 3 e 4, do artigo
412.º, do CPP)». Por isso que, também neste particular, se não pode reconhecer a pretextada aplicação do disposto nos n.ºs 3 e 4, do artigo 412.º, do CPP, em infracção da jurisprudência fixada no mencionado Acórdão n.º 337/2000.
4. Assim e pelos fundamentos sumariamente expostos, entende-se que a decisão deste Tribunal não admite o recurso em referência - art. 76.º n.º 2, da LOFPTC.
5. Termos em que se indefere o requerimento em referência.
3. A. vem agora reclamar do despacho de não admissão do recurso, ao abrigo dos artigos 76º e 77º da Lei do Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
RECLAMAÇÃO PARA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL sendo o arguido requerente de apoio judiciário. O recurso do arguido fundou-se no disposto nas al. b), g) e i) do art.º 70° da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, como melhor se afere da leitura do mesmo. O Venerando Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Lisboa, no despacho de não admissão do recurso, entende '(...) que a decisão deste Tribunal não admite o recurso em referência - art. ° 76° n. ° 2, da LOFPTC'. Cumpre assim averiguar da admissibilidade do recurso em apreço. Atendendo a que o despacho que não admite o presente recurso acompanha o presente requerimento, abstemo-nos de aqui cansativamente transcrever o mesmo, até por uma questão de economia processual, fazendo-se antes referencias ao mesmo. Assim: a) no que toca ao fundamento do recurso pela al. b) do art.º 70º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, sempre haverá que dizer que se '(...) o recorrente não especifica, na minuta, quais as normas jurídicas em sentido que se pugnou pela inconstitucionalidade (...)', deveria o mesmo ter sido convidado nos termos do n.º 5 do art. 75°-A da LOFPTC a prestar/colmatar a indicação em falta. Por outro lado, a se ter pugnado pela própria aplicação de forma inconstitucional do preceituado nos n.ºs 1 e 2 do art.º 32° da Const. Rep. Portuguesa' haverá que considerar que ao se considerar que '(...) o recorrente não especifica, devida e cabalmente, qualquer normativo, ou interpretação dele aplicado pelo Tribunal recorrido em infracção constitucional (...)' apenas poderia essa falha ser colmatada com a apresentação das alegações referentes ao recurso, que a própria lei refere dever ser apresentadas em momento posterior, uma vez que a indicação das normas violadas foi efectivamente feita. Não sendo de esquecer, que a não ser este o entendimento, deveria o recorrente ter sido convidado a aperfeiçoar o seu recurso, pois a consideração de que a decisão não é susceptível de recurso por no recurso não estar especificado as normas violadas ou o sentido em que as mesmas foram violadas não nos parece, com todo o respeito, a mais correcta interpretação. b) no que toca ao fundamento do recurso pelas al. g) e i) do art.º 70° da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, sempre haverá que dizer que nos parece ser a linha da doutrina contida nos acórdãos n.º 337/2000, de 27 de Junho, e
320/2002, ambos do Tribunal Constitucional, publicados no DR. I-A Série, de 21 de Julho de 2000 e 7 de Outubro de 2002, respectivamente, a do convite ao recorrente para o aperfeiçoameato da motivação em ordem ao suprimento das constatadas lacunas, sob pena de, não o fazendo, ser rejeitado o recurso. Ora, não será de esquecer que foi o recurso interposto na 1ª Instância (3ª Vara Criminal de Lisboa) para o Supremo Tribunal de Justiça, que só conhece de direito, tendo então este tribunal superior se considerado incompetente para julgar do mesmo uma vez que o recurso incidia na '(...) impugnação da matéria de facto, a par da pretensão do reexame da matéria de direito (...)', como se alcança do AC. transitado em julgado do STJ de 2 de Julho de 2003 constante a fls. ... dos autos. Pelo que a demarcação do TRL de não apreciar a matéria de facto por o recorrente ter demarcado o recurso em questões de direito, não obstante o decidido (e transitado em julgado) pelo STJ, não tendo convidado o recorrente a aperfeiçoar o seu recurso e não tendo conhecido oficiosamente os invocados vícios do nº 2 do art. 410º do Cód. Processo Penal, como resulta do Ac. de Fixação de Jurisprudência do STJ n.º 7/95) de 28/12/95, constituem fundamento do presente recurso.
O Ministério Público pronunciou-se do seguinte modo:
(...)
A presente reclamação é manifestamente improcedente, por não se verificarem efectivamente os pressupostos do recurso interposto, pelas razões apontadas na decisão que justificadamente o rejeitou. Na verdade, nem o recorrente suscitou, em termos procedimentalmente adequados, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, susceptível de fundar a interposição do recurso tipificado na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, nem a decisão recorrida aplicou a específica dimensão normativa já anteriormente julgada inconstitucional, o que implica a óbvia inverificação dos pressupostos do recurso previsto na alínea g) de tal preceito legal.
Cumpre apreciar.
II Fundamentação
4. O recorrente interpõe o presente recurso de constitucionalidade ao abrigo da alína b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional. No entanto, no requerimento de interposição do recurso, na presente reclamação e nas alegações de recurso apresentadas perante o Tribunal da Relação de Lisboa não é identificada qualquer questão de constitucionalidade normativa. Na verdade, em momento algum o reclamante indica a norma infraconstitucional que considera violadora da Constituição. Não se verifica, portanto, o pressuposto processual do recurso interposto consistente na suscitação durante o processo da questão de constitucionalidade normativa. Por outro lado, tal deficiência não é susceptível de ser corrigida por via de resposta a um Despacho a proferir ao abrigo do artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional. Nessa medida, tal despacho sempre seria inútil. Por último, o recorrente, na presente reclamação invoca a aplicação “de forma inconstitucional do preceituado nos nºs 1 e 2 do artigo 32º da Constituição”. Ora, é manifesto que tal questão, pelo modo como o recorrente a define, é absolutamente insusceptível de constituir objecto de um recurso da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional. Não se tomará, portanto, conhecimento do objecto do recurso.
5. O recorrente interpõe também o presente recurso ao abrigo das alíneas g) e i) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional. No que respeita à alínea i) do mencionado preceito, é manifesto que não se verificam os respectivos pressupostos. Na verdade, é evidente que o acórdão recorrido não recusou a aplicação de uma norma com fundamento em violação de convenção internacional nem aplicou qualquer norma em desconformidade com o anteriormente decidido pelo Tribunal Constitucional quanto a questão dessa natureza. No que se refere ao recurso da alínea g) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, o recorrente pretende a apreciação do artigo 412º, nºs
2 e 3, do Código de Processo Penal, e invoca o Acórdão nº 337/2000 (foi este o aresto indicado no requerimento de interposição do recurso, pelo que é este o aresto relevante no recurso interposto; nessa medida, não tem qualquer relevância a invocação na presente reclamação do Acórdão nº 320/2002). A decisão recorrida, no que se refere aos “poderes de cognição do tribunal ad quem”, ao “objecto do recurso” e às “questões a examinar” entendeu o seguinte:
Conquanto os poderes cognitivos deste Tribunal ad quem alcancem a revisão, não apenas da matéria de direito, mas também da matéria de facto (artigos 364.º e
428.º, do Código de Processo Penal, certo é que, do teor e do próprio corpo da motivação recursória, resulta que o recorrente demarca o objecto do recurso em questões de direito (por isso que não dá cumprimento ao disposto nos n.ºs 3 e 4, do artigo 412.º, do CPP), cumprindo assim examinar apenas as seguintes questões:
(a) da errada escolha e medida da pena; (b) da indevida declaração de perda de bens apreendidos.
Ora, no Acórdão nº 337/2000, o Tribunal Constitucional decidiu julgar inconstitucional a norma resultante dos artigos 412º, nº 1, e 420º, nº 1, nos termos da qual a falta de concisão das conclusões da motivação levam à rejeição imediata do recurso, sem que ao recorrente seja previamente facultada a oportunidade de suprir o vício dessa falta de concisão.
É, portanto, manifesto que a dimensão normativa aplicada na decisão recorrida não corresponde à dimensão normativa julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional no Acórdão indicado. Desse modo, também não se verificam os pressupostos processuais do recurso da alínea g) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional. Assim, o recurso de constitucionalidade interposto não podia ser admitido, pelo que a presente reclamação não se afigura procedente.
III Decisão
6. Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UCs.
Lisboa, 31 de Março de 2004
Maria Fernanda Palma Benjamim Rodrigues Rui Manuel Moura Ramos