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Processo nº 679/2000
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A fls. 164, foi proferida a seguinte decisão sumária:
1. O MINSTÉRIO PÚBLICO recorreu para o Tribunal Constitucional do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de fls. 126 que, negando provimento ao recurso interposto pela Junta de Freguesia de Pedroso da sentença do Tribunal do Trabalho de Vila Nova de Gaia, de fls. 103, julgou ilícito o despedimento de M..., condenando a Junta de Freguesia a reintegrá-la e a pagar-lhe determinada quantia em dinheiro. Segundo o acórdão agora recorrido, entre a JUNTA DE FREGUESIA DE PEDROSA e M... havia sido celebrado, em 1981, um contrato de trabalho, 'tal como é definido nos arts. 1º da LCT, e 115 [1152º] do CC', ao qual era aplicável o regime definido para a cessação do contrato individual de trabalho pelo Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro. Igualmente aplicável era o regime constante sucessivamente do Decreto-Lei nº 184/89, de 2 de Junho, e do Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro (cujos artigos 37º e 38º estabelecem 'um regime de transição do pessoal em situação irregular e um processo de regularização do mesmo pessoal'), alterado pelo Decreto-Lei nº 407/91, de 17 de Outubro, e mandado aplicar à administração autárquica pelo Decreto-Lei nº 409/91, de 17 de Outubro. Destes diplomas resultou, segundo o mesmo acórdão, que tal contrato, celebrado verbalmente e sem prazo, era irregular, 'quanto à forma da sua celebração e manutenção'. Sendo irregular, o contrato não era, todavia, nulo, como decorria, em seu entender, do disposto nos artigos 294º do Código Civil, 37º e 38º do Decreto-Lei nº 427/89 e 53º da Constituição, que proíbe o despedimento sem justa causa. Caberia à Junta de Freguesia ter procedido à respectiva regularização, o que não ocorreu.
'Assim sendo, se tal contrato não era nulo, mas antes válido, embora em situação irregular, só não corrigido por inércia da Ré, não podia esta pôr-lhe termo abruptamente, da forma por que o fez, sem processo disciplinar. Entendemos, assim, ter a Ré agido ilicitamente, quando, em 31.3.98, comunicou à A. que prescindia dos seus serviços, o que correspondeu a um despedimento ilícito, cujas consequências estão fixadas no Dec.-Lei nº 64-A/89. E nem se objecte, como a recorrente, que, por esta forma, se está a violar o art. 47º da Constituição', pelas razões depois desenvolvidas.
2. O recurso, interposto ao abrigo do disposto na al. a) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, funda-se na recusa implícita, pelo acórdão recorrido, da 'aplicação das normas contidas nos artigos 3º, 14º, nºs 1 e 3, e
43º do Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro, que proíbem a constituição de relações de emprego público por conversão do contrato de trabalho a termo certo celebrado com o Estado em contrato de trabalho sem termo e que impunham a aplicação da regra da nulidade estabelecida no artigo 294º do Código Civil, com fundamento na sua inconstitucionalidade, por violação dos princípios da igualdade e da segurança no emprego, com tutela nos artigos 13º e 53º da Constituição da República Portuguesa.' Refere ainda o recorrente que o Tribunal Constitucional, no seu acórdão nº
683/99, 'julgou inconstitucional, por violação do artigo 47º, nº 2, da Constituição, o artigo 14º, nº 3, do Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro, na interpretação segundo a qual os contratos de trabalho a termo celebrados pelo Estado se convertem em contratos de trabalho sem termo, por recurso às normas da lei geral sobre os contratos de trabalho a termo certo, previstas no Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro, já que por essa via se iriam constituir situações laborais definitivas, sem qualquer precedência de concurso'. O recurso foi admitido, em decisão que não vincula este Tribunal (nº 3 do artigo
76º da Lei nº 28/82).
3. Do mesmo acórdão interpôs recurso a JUNTA DE FREGUESIA DE PEDROSA, pelo requerimento de fls. 133. O Tribunal Constitucional, porém, não conheceu do seu objecto, pela decisão de fls. 144, entretanto confirmada pelo acórdão de fls.
157.
4. E também não pode tomar conhecimento do objecto do presente recurso, interposto pelo Ministério Público, por não estarem reunidos os pressupostos respectivos. Com efeito, o Tribunal da Relação do Porto não fundou a sua decisão, nem explicita, nem implicitamente, na recusa de aplicação das normas indicadas pelo recorrente, porque nunca, sequer, colocou a questão da conversão de um contrato a termo num contrato sem termo. Na verdade, o Tribunal da Relação do Porto sempre deu como assente que 'no caso dos autos, a Autora mantinha, em 1991, contrato de trabalho, sem prazo, não reduzido a escrito (...) desde 1981', o que configurava uma 'situação irregular de contrato', cabendo à Junta de Freguesia proceder à respectiva regularização. Ora a Junta, não só não o regularizou, como ainda acabou por decidir 'dispensar a A., em 25.3.98', diz ainda o acórdão recorrido. E termina dizendo que, sendo apenas irregular, o contrato não era nulo, mas válido; não podia, portanto, a Junta de Freguesia pôr-lhe termo 'sem processo disciplinar'. Na verdade, o acórdão recorrido refere, na sua parte final, os princípios da igualdade e da segurança no emprego, princípios que, segundo o recorrente, teriam justificado a recusa de aplicação do conjunto normativo acima identificado. Essa referência, porém, não aparece no acórdão para justificar qualquer afastamento – que, como se disse já, não ocorreu – mas para qualificar a atitude da Junta de Freguesia que, em lugar de proceder à regularização do contrato, os pôs em causa com tal actuação: '(...) foi o comportamento da Ré, irregular e duradouro, servindo-se da A. durante 17 anos, que pôs em causa os princípios da boa fé, da igualdade e da segurança no emprego (cfr. arts. 13º e 53º da Constituição), ao, de modo irrazoável, rescindir, incondicionadamente, o contrato em apreço, num momento em que já nada indicava que tal fosse acontecer'.
Nestes termos, de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, decide-se não tomar conhecimento do recurso.
2. Desta decisão sumária reclamou o Ministério Público para a conferência, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, reiterando ter ocorrido a recusa implícita de aplicação que baseara a interposição do recurso de constitucionalidade. Em seu entender, a 'convalidação, nos termos gerais de direito, de uma relação laboral precária e irregularmente celebrada e mantida com a Administração – desde logo, pelo motivo formal de inexistir – e, portanto, não ter sido naturalmente indicado – o (inexistente) motivo da contratação a termo em relação laboral permanente), é um 'resultado jurídico (...) claramente postergado pelo regime legal vigente e aplicável (...) que 'é plenamente alcancável – e alcançado – através de um juízo de desconformidade com a Constituição, já que a caducidade da dita relação precária e irregular, ao conduzir ao legítimo
‘despedimento’ unilateral do trabalhador, colidiria com os artigos 13º e 52º da Constituição da República Portuguesa'.
3. Sucede, todavia, que, no caso, nem ocorreu nenhuma convalidação – o acórdão recorrido afirmou expressamente que o contrato era irregular, mas válido –, nem se transformou em duradoura uma relação precária por falta de indicação de um
'motivo justificativo da contratação a termo' (como ocorreu nos recursos julgados pelos acórdãos citados pelo reclamante, com os nºs 687/99 e 434/2000). Diferentemente, o acórdão recorrido deu como assente a existência de um contrato válido sem termo; por essa razão, nunca se lhe colocou a questão de transformação de um contrato a termo, num contrato sem termo; e nunca se deparou, portanto, com o obstáculo constante do bloco normativo indicado pelo reclamante ('o definido pelas normas dos Decretos-Lei 184/89 e 427/89 que manifestamente não contemplam a existência de uma relação laboral permanente e duradoura como forma admissível de constituição a relação jurídica de emprego na Administração Pública'); não ocorreu, pois, a recusa de aplicação por inconstitucionalidade, que permitiria o conhecimento do objecto do presente recurso. Nestes termos, indefere-se a presente reclamação. Lisboa, 10 de Maio de 2001 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida