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Processo n.º 168/99
2ª Secção Relator – Cons. Paulo Mota Pinto (Cons. Guilherme da Fonseca)
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional: I. Relatório
1. A Câmara Municipal de Constância veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional, 'ao abrigo do disposto no artigo 70º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro', do acórdão n.º 1/99, do Tribunal de Contas, proferido em sessão plenária da 3ª Secção, de 3 de Fevereiro de 1999, que negou provimento ao recurso interposto pela mesma Câmara 'da decisão que fixou os emolumentos a pagar pela Autarquia pela devolução da conta de gerência n.º
271/96', dizendo, após convite nesse sentido do relator no Tribunal Constitucional, que 'a norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada, e se pretende ver apreciada por esse Alto Tribunal, é a do artigo 9º, n.º 1, do Regime de Emolumentos do Tribunal de Contas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º
66/96, de 31 de Maio'. Nas suas alegações, concluiu assim a Câmara recorrente:
'1º) A norma do artigo 9º, n.º 1, do Regime dos Emolumentos do Tribunal de Contas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/96, de 31 de Maio, ao introduzir, por confronto com o regime legal que revogou e substituiu, um aumento de 700%
(setecentos por cento) no emolumento devido pelo julgamento das contas sujeitas
à apreciação do Tribunal de Contas, viola o princípio da proporcionalidade;
2º) Tal violação torna-se patente se se atentar em que, como resultado da aplicação do novo regime emolumentar, os Municípios mais pequenos do País, e com menor volume de receitas, automaticamente ficam equiparados ao Concelho de Lisboa, que arrecada maior volume de receitas, como é facto notório, atingido igualmente o limite máximo previsto para o emolumento em causa, e suportando com ele um custo proporcionalmente muito maior;
3º) O que é tanto mais injusto quando é certo que, no regime legal anterior, enquanto que o Município de Lisboa atingia, dado o seu volume de receita, o limite máximo então fixado para o emolumento, um Município pequeno, como o Recorrente, estava sujeito ao pagamento de cerca de metade desse valor;
4º) Donde resulta, agravando o efeito discriminatório, um aumento maior, não só em termos relativos como em valor absoluto, do emolumento a pagar pelo Município mais pequeno, como o recorrente, relativamente ao Município de Lisboa;
5º) Do mesmo passo que se concedem, na prática, injustificadas isenções às empresas de fim lucrativo, sujeitas à fiscalização sucessiva do Tribunal de Contas, se as contas de gerência não registarem lucros;
6º) O que mal se compreende, se se tiver em conta a filosofia que presidiu ao novo regime emolumentar, que levou a uma drástica restrição das isenções como tal denominadas, praticamente limitadas aos pareceres sobre as Contas Gerais do Estado e das Regiões Autónomas;
7º) Tanto mais quanto é certo que, estabelecendo-se um limite máximo para o emolumento, as empresas sem lucros, se não fossem dispensadas do respectivo pagamento, limitar-se-iam a prestar uma contrapartida razoável pelo serviço traduzido no julgamento das suas contas;
8º) Sendo, de todo, inadmissível que um Município de parcos recursos se tenha visto a pagar um emolumento de 2 700 000$00 (dois milhões setecentos mil escudos), tanto como Lisboa, quando pagaria apenas 367 846$00 (trezentos e sessenta e sete mil oitocentos e quarenta e seis escudos), pelo regime legal anterior, ao mesmo tempo que empresas como a 'Parque Expo' não pagam nada, porque não dão lucros, apesar de movimentarem valores muitas vezes superiores à receita anual da Recorrente;
9º) O que, tudo, importa violação do princípio da igualdade, que proíbe a discriminação negativa, assim como do princípio da proporcionalidade, daquele decorrente, que proscreve o arbítrio, ferindo o preceito do artigo 13º da Constituição da República.' Tudo visto, e após mudança de relator por vencimento, cumpre decidir. II. Fundamentos A) Objecto do recurso
2. Importa começar por precisar o objecto do presente recurso. A Câmara recorrente interpôs oportunamente recurso da decisão do Tribunal de Contas 'relativamente ao emolumento cobrado pela Devolução da Conta de Gerência n.º 2718/96 (referência da Direcção-Geral: ofício circular n.º6343/98, de
27/05/98; Doc. de cobrança n.º 12905/98-C)', no montante de 2 7000 000$00, daí tendo resultado o acórdão recorrido, que dele conheceu. Ora, a condenação em custas fundamentou-se no artigo 9º do 'Regime Jurídico dos Emolumentos do Tribunal de Contas', aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/96, de 31 de Maio. Dispõe esta norma:
'1 - Pelo julgamento ou verificação, pela certificação ou pelo arquivamento de contas são devidos emolumentos no montante de 1% do valor da receita própria da gerência.
2 - (...)
3 - Os emolumentos previstos nos números anteriores têm valor máximo de 50 vezes o VR e o mínimo 5 vezes o VR.
(...)' Foi, na verdade, por aplicação do modo de cálculo emolumentar previsto neste artigo 9º que, quanto às contas de 1996, se chegou ao valor de 2 942 767$83, passando para 2 700 000$00, por ser o limite máximo previsto no citado n.º 3 – ou seja, 50 vezes o 'valor de referência', abreviadamente designado 'VR', que, nos termos do n.º 3 do artigo 2º do citado diploma, 'corresponde ao índice 100 da escala indiciária das carreiras de regime geral da função pública, arredondado para o milhar de escudos mais próximo, ou, se a proximidade for igual, para o imediatamente superior.' A norma aplicada não foi, como se vê, apenas a do n.º 1 deste artigo 9º, mas também o seu n.º 3. Uma vez que a aplicação do critério geral previsto no n.º 1, de 1% do valor da receita própria da gerência, conduziria a uma condenação em custas superior a 50 vezes o valor de referência, aplicou-se este limite máximo previsto no n.º 3 desse artigo 9º. O artigo 9º, n.º 1, – cuja constitucionalidade a recorrente esclareceu pretender ver apreciada – apenas foi aplicado, portanto, enquanto a forma de cálculo nele previsto levou a que se aplicasse à recorrente o limite máximo previsto no n.º
3, e não um valor superior a este limite. Tal não obsta, porém, ao conhecimento do presente recurso, uma vez que o n.º 1 do artigo 9º foi aplicado – em conjunto com o n.º 3 – na decisão recorrida. B) Questão de inconstitucionalidade orgânica
3. Está em causa no presente processo o valor dos emolumentos cobrados à Câmara Municipal de Constância pela verificação das suas contas, tal como resulta do artigo 9º do Regime Jurídico dos Emolumentos do Tribunal de Contas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/96, de 31 de Maio. No recurso da decisão interposto ainda no Tribunal de Contas a recorrente suscitou a inconstitucionalidade orgânica desse regime, por, em seu entender, consagrar 'um verdadeiro imposto, não existindo correspectividade e correlação entre o valor cobrado e o serviço prestado, não se configurando o emolumento como uma genuína taxa, pelo que carecia o Governo de competência para legislar sobre a matéria (...)'. Na verdade, dispunha a Constituição no seu artigo 168.º (actual artigo 165º), à data em que o Decreto-Lei n.º 66/96 foi aprovado, que:
'1. É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo: (…) i) Criação de impostos e sistema fiscal;' E o regime jurídico em questão no presente processo foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/96, de 31 de Maio, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo
201º da Constituição. A arguição de inconstitucionalidade orgânica foi desatendida no acórdão sob recurso (ponto 3.1.), tal, como, aliás, também já tinha sido considerada improcedente no parecer do representante do Ministério Público nesse Tribunal. Por outro lado, se no requerimento de recurso a recorrente ainda indicou, como preceito constitucional violado, também o artigo 165º, n.º 1,alínea i), da Constituição (querendo referir-se, com certeza, à norma correspondente, depois da IV revisão constitucional, ao artigo 168º, alínea i)), já nas alegações de recurso no Tribunal Constitucional considera a norma em questão apenas ferida de inconstitucionalidade material, por violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade. Poderia, assim, concluir-se que, nestas alegações, a recorrente abandonou a questão da inconstitucionalidade orgânica da norma em questão. De toda a forma, para além de esta questão ter sido suscitada pela recorrente logo no recurso emolumentar no Tribunal de Contas, e, depois, ainda no requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional, e para além de ela ter sido tratada na decisão ora recorrida, e, ainda, considerando também que – pelo menos numa certa visão das coisas – para tal questão poderá ter consequências a alegação de violação manifesta do princípio da proporcionalidade (que poderia relevar para a qualificação como taxa ou imposto), o Tribunal sempre está autorizado a tratá-la no presente recurso (cf. o artigo 79º-C da Lei do Tribunal Constitucional).
4. Depende a solução da questão da constitucionalidade orgânica de saber se os emolumentos previstos no artigo 9º constituem verdadeiras taxas ou correspondem antes a impostos. Ora, como se sabe, não constitui tarefa fácil a delimitação, no plano conceptual, da taxa – receita cujo montante é também autoritariamente fixado e que pode corresponder a uma procura obrigatória de um serviço – e da diversa realidade tributária que é o imposto. Para responder a tal questão não se afigura indispensável, no presente caso, aprofundar a questão de saber se as pessoas colectivas públicas – no caso, aliás, um município, e não o próprio Estado – podem, em geral, ser sujeitos passivos de imposto – questão, esta, à qual a doutrina não dá uma resposta negativa (v. J. Casalta Nabais, O dever fundamental de pagar impostos, Coimbra,
1998, pp. 286 e s., e já J. M. Cardoso da Costa, Curso de direito fiscal, Coimbra, 1970, pp. 258-261, com indicações da doutrina italiana), que poderia, aliás, eventualmente ser contrariada por várias disposições legais (que prevêem a isenção do Estado, regiões autónomas e autarquias locais de IRC ou que consideram sujeitos passivos de IVA o Estado e as demais pessoas colectivas de direito público quando realizem operações que não se integrem no exercício de poderes de autoridade – assim, J. Casalta Nabais, Direito fiscal, Coimbra, 2000, p.218). Na verdade, já a aplicação dos critérios gerais pelos quais se deve distinguir taxa e imposto nos permite enquadrar os emolumentos em processo de contas, previstos na norma em apreço, na primeira categoria – isto é, como taxas. Conforme, sobre esses critérios, se salientou recentemente no Acórdão n.º 410/00
(publicado no Diário da República [DR], II série, de 22 de Novembro de 2000):
'o Tribunal Constitucional, face aos parâmetros da reserva de lei anteriores à Quarta Revisão Constitucional, sempre sustentou o entendimento de nela só terem lugar a criação de impostos e a determinação da sua incidência, taxas, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes. Citem-se a este propósito e a título meramente exemplificativo, os acórdãos nºs. 205/87, 461/87, 497/89,
268/97 e 504/98, publicados no Diário da República, I Série, de 3 de Julho de
1987 e 15 de Janeiro de 1988, e II Série, de 1 de Fevereiro de 1990, 22 de Maio de 1997 e 10 de Dezembro de 1998, respectivamente.
(...) O Tribunal Constitucional, ao distinguir o imposto da taxa, tem surpreendido unilateralidade naquele e, nesta, carácter bilateral ou sinalagmático (assim, v.g., nos acórdãos nºs. 348/86, 76/88, 1140/96 ou 558/98, publicados no Diário citado, I Série, de 9 de Janeiro de 1987 e de 21 de Abril de 1988, e II Série, de 10 de Fevereiro de 1997 e 11 de Novembro de 1998, respectivamente).' Na distinção entre taxa e imposto, o Tribunal Constitucional tem, pois, seguido o critério da sinalagmaticidade: a taxa constitui, não uma receita unilateral, mas um preço, autoritariamente fixado, correspondente a um bem ou serviço, e mesmo que este seja de procura obrigatória (v., como exemplos referidos em J. J. Teixeira Ribeiro, Lições de finanças públicas, 5ª ed., Coimbra, 1995, pp.
255-257, a hipótese das propinas no ensino obrigatório e o caso dos emolumentos dos serviços de registo e do notariado, mesmo quando a sua procura é obrigatória); o imposto constitui uma receita coactiva unilateral do Estado, sem correspectividade num bem ou serviço. Tal distinção não implica, porém, que o valor da taxa haja de corresponder economicamente ao valor ou ao custo do bem ou serviço em questão – que tenha que existir tal correspectividade económica para se poder afirmar a bilateralidade da receita, enquanto taxa. Na verdade, através da imposição de uma taxa podem prosseguir-se finalidades de interesse público (como a limitação da procura de um bem) conducentes a um montante diverso do correspondente a tal valor ou custo. E ainda nesta hipótese ao pagamento da taxa corresponde a contraprestação de um bem ou serviço por parte do Estado. Daí que, como escrevia Teixeira Ribeiro (op. cit., p. 258),'quando a taxa exceda o custo dos bens, nem por isso tenhamos imposto na parte sobrante, uma vez que, apesar de ser coactiva, ela mantém o seu carácter de prestação bilateral'. Aliás, mesmo sem se excluir que a forma de determinação do montante do tributo em causa possa funcionar como indício para a sua qualificação como taxa ou imposto, entende este Tribunal que apenas a manifesta desproporcionalidade entre o montante do tributo, por essa forma determinado, e o custo do serviço público
(o carácter 'completamente alheio' a este) poderá levar a que o tributo em questão deva ser encarado, de um ponto de vista jurídico-constitucional, como verdadeiro imposto. Foi justamente isto que, afirmando a desnecessidade de correspondência económica entre o custo do serviço e o montante da taxa, este Tribunal disse também no citado Acórdão n.º 410/00:
'para a função da taxa pode ser menos relevante o custo e, por exemplo, mais relevante a contenção da utilização de um serviço – o que significa (e a jurisprudência constitucional tem-se comprometido nesse sentido) que o carácter sinalagmático da taxa não exige a correspondência do seu montante ao custo do bem ou serviço prestado: a bilateralidade que a caracteriza mantém-se, mesmo na parte excedente ao custo (cfr., v. g., o acórdão nº 205/87, publicado no Diário da República, I Série, de 3 de Julho de 1987); não é, por si só, de qualificar a taxa como imposto, ou de lhe conceder tratamento constitucional de imposto, se o respectivo montante exceder o custo dos bens e serviços prestados ao utente
(cfr., v.g., o acórdão n.º 640/95, publicado naquele jornal oficial, II Série, de 20 de Janeiro de 1996). Já se o valor da taxa for manifestamente desproporcionado, ‘completamente alheio ao custo do serviço prestado’, então pode duvidar-se se a taxa não há-de ser encarada de um ponto de vista jurídico-constitucional, como verdadeiro imposto
(citado acórdão n.º 640/95), porque desse modo, e nessa medida, se afectaria a correspectividade. Assim, a desproporcionalidade, desvirtuante da correspectividade, lesaria o critério legitimante da taxa, enquanto a adequação
à capacidade contributiva é característica do imposto (cfr. acórdão n.º
1108/96). Ou seja – e para acompanhar mais uma vez este último aresto – ‘[a] base funcional da distinção entre taxa e imposto não impõe [...] uma sinalagmaticidade pré-jurídica, mas sim uma sinalagmaticidade construída juridicamente e um sentido de correspectividade susceptível de ser entendido e aceite como tal pelos cidadãos atingidos’.'
5. Aplicando tais considerações à norma em apreço, conclui-se pela qualificação como taxas dos emolumentos devidos pela verificação de contas pelo Tribunal de Contas. Trata-se, na verdade, de uma receita bilateral, a cuja obtenção corresponde a prestação pelo Tribunal de Contas de um serviço – no caso, a verificação das contas cuja elaboração e prestação é obrigatória para as autarquias locais (v. o artigo 51º, n.º 1, alínea m) da Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto – Lei da Organização e Processo do Tribunal de Contas) –, como transparece logo da própria formulação do artigo 9º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 66/96. Por outro lado, não pode dizer-se que o carácter bilateral da receita seja infirmado pela consideração da forma como o seu montante é fixado – aliás, de forma idêntica ao que acontecia no anterior regime dos emolumentos no Tribunal de Contas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 356/73, de 14 de Julho (artigo 1º, n.º
1) –, isto é, como percentagem da receita das entidades em questão, com um limite máximo do montante a pagar pelo serviço (n.ºs 1 e 3 do citado artigo 9º). Na verdade, a finalidade da fixação das receitas a cobrar a título emolumentar é a repartição pelos utentes do custo dos serviços prestados, ainda que obrigatoriamente, pelo Tribunal de Contas, sendo que tais receitas são perspectivadas pelo legislador como um 'âutêntico pressuposto da independência e condição de exercício das competências do Tribunal' (preâmbulo do Decreto-Lei n.º 66/96, de 31 de Maio). Ainda que a forma de fixação dos emolumentos prevista na lei possa ter como resultado, em determinados casos, um montante superior ao do custo, para o Tribunal, do serviço prestado à entidade concreta em questão – tal como, por exemplo, a fixação da taxa de justiça (ou seja, pela prestação do respectivo serviço), em regra, também em função do valor do processo em questão, pode conduzir a um montante sem correspondência nos custos da concreta actividade processual –, não pode dizer-se que seja 'completamente alheia' a tal custo. Tal montante, fixado segundo o valor da receita própria do município em causa, reflecte ainda a intensidade da utilização do serviço de verificação das contas, sendo certo poder aceitar-se que, pelo menos em princípio, a verificação das contas (ainda que apenas interna, com 'análise e conferência da conta' para
'demonstração numérica das operações realizadas que integram o débito e o crédito da gerência com evidência dos saldos de abertura e de encerramento e, se for caso disso, a declaração de extinção da responsabilidade dos tesoureiros caucionados' – artigo 53, n.º 2, da citada Lei da Organização e Processo do Tribunal de Contas) tenderá a ser tanto mais complexa, e a implicar tanto mais custos, quanto maior for aquele valor. Justamente porque a aplicação, acima de determinado valor, da percentagem da receita como critério de fixação dos emolumentos – da qual, repete-se, pode resultar, num caso concreto, um montante superior ao custo do serviço – poderia já não ser justificada pela (tornar-se 'completamente alheia' à) finalidade de custeio do serviço e concomitante financiamento do Tribunal de Contas, o legislador estabeleceu um valor máximo no artigo 9º, n.º 3, que foi o aplicado no caso em apreço. Prevendo uma verdadeira taxa, não pode, pois, considerar-se que a norma em questão esteja ferida de inconstitucionalidade orgânica. C) Questões de inconstitucionalidade material
6. A recorrente invoca a violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade pela norma do artigo 9º, n.º 1, do Regime Jurídico dos Emolumentos do Tribunal de Contas. Começando pelo princípio da proporcionalidade, recordar-se-á que este Tribunal Constitucional o tem reconhecido e aplicado, em várias decisões, aferindo frequentemente perante ele, quer normas penais incriminatórias – por exemplo, nos Acórdãos n.ºs 634/93 (inconstitucionalidade da punição como desertor daquele que, sendo tripulante de um navio e sem motivo justificado, o deixe partir para o mar sem embarcar, quando tal tripulante não desempenhe funções directamente relacionadas com a manutenção, segurança e equipagem do mesmo navio), 274/98
(não inconstitucionalidade de norma que pune o não acatamento de ordem de demolição), publicados nos Acórdãos do Tribunal Constitucional [ATC], respectivamente vol. 26º, pp. 205 e ss. e vol. 39º, pp. 585 e ss. –, quer normas de outro tipo, que previam encargos ou limitações a direitos fundamentais – v.gr., os Acórdãos n.ºs 451/95 (inconstitucionalidade de norma que estabelece a impenhorabilidade total de bens anteriormente penhorados pelas repartições de finanças em execuções fiscais), 1182/96 (inconstitucionalidade de normas sobre custas judiciais nos tribunais tributários), 758/95 (inconstitucionalidade de norma que impede a participação pessoal, na assembleia geral dos bancos, e em certas condições, de accionistas que não disponham de 1/300 da soma dos votos possíveis), 176/2000 e 202/2000 (perda dos instrumentos do crime) e 484/00 (não inconstitucionalidade de norma que prevê o indeferimento tácito do pedido de legalização de obras), publicados respectivamente nos ATC, vol. 31º, pp. 129 e ss., vol. 35º, pp .431 e ss., vol. 32º, pp. 803 e ss. e DR, II série, de 27 e 11 de Outubro de 2000 e de 4 de Janeiro de 2001. Relativamente às restrições a direitos, liberdades e garantias, a exigência de proporcionalidade resulta do artigo 18º, n.º 2, da Constituição da República. Mas o princípio da proporcionalidade, enquanto princípio geral de limitação do poder público, pode ancorar-se no princípio geral do Estado de Direito, impondo limites resultantes da avaliação da relação entre os fins e as medidas públicas, devendo o Estado-legislador e o Estado-administrador adequar a sua projectada acção aos fins pretendidos, e não configurar as medidas que tomam como desnecessaria ou excessivamente restritivas. O princípio da proporcionalidade, em sentido lato, pode, além disso, desdobrar-se analiticamente em três exigências da relação entre as medidas e os fins prosseguidos: a adequação das medidas aos fins; a necessidade ou exigibilidade das medidas e a proporcionalidade em sentido estrito, ou 'justa medida'. Como se escreveu no citado Acórdão n.º 634/93, invocando a doutrina:
'o princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios: princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); princípio da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato); princípio da justa medida, ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adoptar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos).' Importa, ainda, fazer uma precisão sobre o alcance do princípio, e seu controlo jurisdicional, para a actividade administrativa e legislativa. Não pode contestar-se que o princípio da proporcionalidade, mesmo que originariamente relevante sobretudo no domínio do controlo da actividade administrativa, se aplica igualmente ao legislador. Dir-se-á mesmo – como o comprova a própria jurisprudência deste Tribunal – que o princípio da proporcionalidade cobra no controlo da actividade do legislador um dos seus significados mais importantes. Isto não tolhe, porém, que as exigências decorrentes do princípio se configurem de forma diversa para a actividade administrativa e legislativa – que, portanto, o princípio, e a sua prática aplicação jurisdicional, tenham um alcance diverso para o Estado-Administrador e para o Estado-Legislador. Assim, enquanto a administração está vinculada à prossecução de finalidades estabelecidas, o legislador pode determinar, dentro do quadro constitucional, a finalidade visada com uma determinada medida. Por outro lado, é sabido que a determinação da relação entre uma determinada medida, ou as suas alternativas, e o grau de consecução de um determinado objectivo envolve, por vezes, avaliações complexas, no próprio plano empírico (social e económico). Ora, não pode deixar de reconhecer-se ao legislador, legitimado para tomar as medidas em questão e determinar as suas finalidades, uma 'prerrogativa de avaliação', como que um
'crédito de confiança' (falando de um 'Vertrauensvorsprung', v. Bodo Pieroth/Bernhard Schlink, Grundrechte. Staatsrecht II, 14ªed., Heidelberg, 1998, n.ºs 282 e 287), na apreciação, por vezes difícil e complexa, das relações empíricas entre o estado que é criado através de uma determinada medida e aquele que dela resulta e que considera correspondente, em maior ou menor medida, à consecução dos objectivos visados com a medida (que, como se disse, dentro dos quadros constitucionais, ele próprio também pode definir). A diferenciação da vinculação pelo princípio da proporcionalidade do legislador e da administração é, aliás, salientada na doutrina nacional e estrangeira (v., para esta, por todos, a obra por último citada), e acolhida na jurisprudência. Assim, escreveu-se recentemente no Acórdão n.º 484/00, citando doutrina nacional:
'O princípio do excesso [ou princípio da proporcionalidade] aplica-se a todas as espécies de actos dos poderes públicos. Vincula o legislador, a administração e a jurisdição. Observar-se-á apenas que o controlo judicial baseado no princípio da proporcionalidade não tem extensão e intensidade semelhantes consoante se trate de actos legislativos, de actos da administração ou de actos de jurisdição. Ao legislador (e, eventualmente, a certas entidades com competência regulamentar) é reconhecido um considerável espaço de conformação (liberdade de conformação) na ponderação dos bens quando edita uma nova regulação. Esta liberdade de conformação tem especial relevância ao discutir-se os requisitos da adequação dos meios e da proporcionalidade em sentido restrito. Isto justifica que perante o espaço de conformação do legislador, os tribunais se limitem a examinar se a regulação legislativa é manifestamente inadequada.' (assim, Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria da constituição, Coimbra, 1998, p.
264), Ora, estando em causa a constitucionalidade de uma norma, é apenas a intervenção do legislador que tem de ser aferida – com os limites assinalados.
(...)' (itálico aditado)
7. A avaliação do regime de emolumentos em questão à luz do princípio da proporcionalidade, com o sentido que se deixou explicitado, impõe, pois, a consideração da sua justificação. Esta pode colher-se do próprio legislador, no preâmbulo do Decreto-Lei nº 66/96, de 31 de Maio:
'O Tribunal de Contas tem vindo a assumir crescente importância nas suas funções de fiscalização e controlo das finanças públicas, sendo de assinalar a sua modernização, actualização e desenvolvimento, quer em termos de evolução estrutural, quer em termos de reconhecimento normativo de novas atribuições e formas de actuação, como se constata através de várias alterações legislativas recentes e em curso. Esta evolução é, aliás, espelho das grandes alterações e desenvolvimento observados nos últimos anos na sociedade portuguesa e na Administração Pública, decorrendo também do contacto com instituições congéneres de outros países e do enraizamento crescente do entendimento de que o Tribunal de Contas, enquanto
órgão fiscalizador, se deve debruçar sobre todo o fenómeno financeiro público e privilegiar mecanismos de fiscalização sucessiva. Tradicionalmente, pelo menos desde 1915, têm os destinatários dos actos do Tribunal suportado, a título de emolumentos, os serviços por ele prestados. Na continuidade desta tradição, justifica-se que o desenvolvimento que o Tribunal tem conhecido ao nível das suas atribuições e competências tenha implicações também a nível emolumentar. A preocupação de assegurar esta reforma prende-se também com o facto de as receitas cobradas a título emolumentar consubstanciarem um autêntico pressuposto da independência e condição de exercício das competências do Tribunal, princípios estes consignados no artigo 3.º da Lei n.º 86/89, de 8 de Setembro, e dos quais deriva a existência de cofres privativos e a sua autonomia administrativa e financeira. Convirá ter presente que o Decreto-Lei n.º 356/73, de 14 de Julho, diploma que actualmente regia a matéria dos emolumentos do Tribunal, surgiu 40 anos após o Decreto n.º 22257, de 25 de Fevereiro de 1933, e teve como objectivos fundamentais a revisão das percentagens emolumentares, bem como das matérias sobre as quais os emolumentos incidiam. Volvidos 23 anos sobre a publicação do Decreto-Lei n.º 356/73 e da sua tabela emolumentar, e apesar das actualizações resultantes dos Decretos-Leis n.ºs
667/76, de 5 de Agosto, e 131/82, de 23 de Abril, encontra-se este regime de novo profundamente desactualizado, quer qualitativa, quer quantitativamente. De facto, a reforma em curso no Tribunal de Contas e os critérios utilizados na tabela, na sua maior parte sem indexações que tivessem em conta os níveis da inflação, tornaram cada vez mais anacrónico o regime emolumentar, não só ao nível das taxas previstas como também da tipologia e natureza dos actos geradores dos emolumentos, hoje já sem integral correspondência nos actos efectivamente praticados pelo Tribunal e seus serviços de apoio.' Ressaltam desta transcrição as finalidades que levaram o legislador a estabelecer o regime dos emolumentos, sendo de considerar a intenção de assegurar por essa via a independência do Tribunal de Contas (artigo 7º, n.º 1, da referida Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas), o relevo da jurisdição que exerce (artigo 1º, n.ºs 1 e 2 e 2º dessa Lei), a sua autonomia administrativa (artigo 31º do citado diploma) e a existência de 'cofres na sede e nas secções regionais, que gozem de personalidade jurídica, autonomia administrativa e financeira e património próprio' (artigo 35º, n.º 1 da mesma Lei), sendo as 'receitas emolumentares' a principal fonte das receitas desses cofres – n.º 2, alínea a) do citado artigo). Ora, a previsão do referido regime não pode ser considerada manifestamente inadequada para conseguir tais objectivos – designadamente, a independência do Tribunal de Contas. Pode, eventualmente, esse novo regime – designadamente, pela elevação da percentagem da receita e do limite máximo dos emolumentos – não corresponder, em determinados casos, à melhor solução, ou à solução mais justa
(como se reconhece na decisão recorrida para a repercussão dos emolumentos nos orçamentos dos municípios, considerando a sua autonomia financeira). Mas a sua previsão enquadra-se ainda no espaço de conformação do legislador, não podendo dizer-se que a possibilidade de um regime melhor adequado a determinadas situações – e, designadamente, que tome em consideração em maior medida o peso dos emolumentos na actividade dos municípios mais pequenos – determina necessariamente a inconstitucionalidade de todas as alternativas.
8. É certo que da alteração do regime fixado em 1996 resultou para a recorrente um aumento significativo dos emolumentos a pagar ao Tribunal de Contas. Tendo em conta a conjugação da elevação da percentagem a aplicar com a passagem do limite máximo para 50 vezes o valor de referência (o que equivalia, no caso, a 2 700
000$00), o valor devido pela recorrente aumentou muito. É o próprio acórdão recorrido a registar, 'a nível factual', que, se fosse aplicável à mesma gerência de 1996 o regime emolumentar anterior, de 1973, 'a mencionada Autarquia teria de pagar 367 846$00 de emolumentos', mas agora exige-se-lhe, com o regime de 1996, o pagamento de 2 700 000$00, que é o limite máximo. A questão a decidir, no aspecto que aqui importa, vem claramente equacionada nestes termos pela Câmara recorrente:
'A alteração do regime emolumentar do Tribunal de Contas operada, em matéria de fiscalização sucessiva, pelo artigo 9º do Regime Jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/96, de 31 de Maio, implicando um aumento, em concreto, de
634% no valor da taxa devida pelo julgamento das contas do Município recorrente comporta-se, ou não, dentro dos limites que ao irrecusável princípio da liberdade de conformação do legislador são negativamente traçadas pelo princípio constitucional da proporcionalidade, ou da proibição do excesso ou do arbítrio?' No artigo 1º da Tabela de Emolumentos Devidos ao Tribunal de Contas, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 356/73, de 14 de Julho, dispunha-se que:
'1 - Por julgamento de contas, e salvo o disposto no número seguinte, sobre o valor da sua receita, própria ou resultante de participação, desde que superior a 1000$: a) Contas dos corpos administrativos e dos órgãos locais de turismo
.........................................................1/8%. b) Restantes contas......................1/2%.
2 - Por julgamento de contas do Banco de Portugal, do Banco de Angola e do Banco Nacional Ultramarino, como caixas gerais do Estado na metrópole e nas províncias ultramarinas, por cada ano completo de gerência, 100 000$.
§ 1º - A liquidação dos emolumentos previstos no n.º 1 do presente artigo terá o limite máximo de 100 000$ e o mínimo de 100$' Segundo o regime vigente desde 1973 até 1996, pelo julgamento das contas dos corpos administrativos e dos órgãos locais de turismo era, pois, devido 1/8% do valor da sua receita, própria ou resultante de participação, desde que superior a 1000$, fixando-se em 1973 um limite mínimo de 100$ e um limite máximo de 100
000$ –actualizado para o dobro em 1976, por força da aplicação do artigo 18º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 667/76, de 5 de Agosto, e para 600 000$ por força do artigo 1º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 131/82, de 23 de Abril. Segundo a norma do artigo 9º, n.º 1, do diploma em apreço, diversamente, são devidos emolumentos pelo julgamento ou verificação, pela certificação ou arquivamento de contas, no montante de 1% da receita própria da gerência. E o limite máximo dos emolumentos, de 50 vezes o valor de referência, era no ano em questão de 2 700 000$. Entende-se, porém, que tal aumento dos emolumentos, embora brusco – uma vez que não se previu qualquer regime de transição –, não pode considerar-se violador do princípio da proporcionalidade. Esta conclusão afigura-se clara quanto à elevação do limite máximo dos emolumentos, aplicado à recorrente. Na verdade, tal limite, fixado em 100 000$ pelo Decreto-Lei n.º 356/73, de 14 de Julho, foi apenas actualizado em conformidade com a desvalorização da moeda, a qual explica a passagem de 100
000$ em 1973 e 600 000$ em 1982 para o montante fixado em 1996: a desvalorização da moeda em 1996 (tal como resulta do coeficiente fixado para efeitos de cálculo da matéria colectável de IRS e IRC pela Portaria n.º 222/97, de 2 de Abril) era desde 1973 de 29,96/1, e desde 1982 (data em que o valor máximo fora pela última vez actualizado) de 4,77/1. Menos clara se afigura a resposta quanto à elevação da percentagem a utilizar para calcular os emolumentos, que é (pelo menos em princípio) independente da desvalorização da moeda. A partir de 1996, os emolumentos devidos pelo julgamento das contas passaram a ser no montante de 1% do valor da receita própria da gerência, e não de 1/8%. Interessa notar, porém, que tal percentagem, que aumentou oito vezes, é aplicada agora apenas à receita própria da gerência, enquanto no diploma de 1973 a base de cálculo era a receita própria ou resultante de participação. Tal aumento da percentagem encontra-se, por outro lado, justificado pelas finalidades enunciadas no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 66/96, que referimos: a crescente importância das funções de fiscalização e controlo das finanças públicas do Tribunal de Contas, sua modernização, actualização e desenvolvimento, em termos estruturais e de reconhecimento normativo de novas atribuições e formas de actuação (v. a citada Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas), e o facto de as receitas emolumentares consubstanciarem um pressuposto da independência e condição de exercício das competências do Tribunal. Perante estas necessidades, o Decreto-Lei n.º 356/73 e sua tabela emolumentar encontrava-se desactualizado, quer qualitativa (assim, ao nível da tipologia e natureza dos actos geradores dos emolumentos, sem integral correspondência nos actos efectivamente praticados pelo Tribunal e seus serviços de apoio), quer quantitativamente. Também por esta razão não detecta este Tribunal, pois, qualquer desconformidade constitucional.
9. No entender da Câmara Municipal recorrente, a norma em questão seria também inconstitucional por violação do princípio da igualdade. O regime emolumentar em questão discriminaria os municípios mais pequenos – com o aumento da percentagem referido e a consequente fixação dos emolumentos, na maioria dos casos, no limite máximo –, quer ao equipará-los a municípios de muito diverso volume de receitas, quer ao, diversamente, não impor o pagamento de emolumentos a
'empresas de fim lucrativo, sujeitas à fiscalização sucessiva do Tribunal de Contas, se as contas de gerência não registarem lucros',
'sendo, de todo, inadmissível que um Município de parcos recursos se tenha visto a pagar um emolumento de 2 700 000$00 (dois milhões setecentos mil escudos), tanto como Lisboa, quando pagaria apenas 367 846$00 (trezentos e sessenta e sete mil oitocentos e quarenta e seis escudos), pelo regime legal anterior, ao mesmo tempo que empresas como a 'Parque Expo' não pagam nada, porque não dão lucros, apesar de movimentarem valores muitas vezes superiores à receita anual da Recorrente;'
10. É sabido que o princípio da igualdade, tal como tem sido entendido na jurisprudência deste Tribunal, não proíbe ao legislador que faça distinções. Proíbe apenas diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, sem uma justificação razoável, segundo critérios objectivos e relevantes. É esta, aliás, uma formulação repetida frequentemente por este Tribunal (cf., por exemplo, os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 39/88, 325/92, 210/93, 302/97, 12/99 e
683/99, publicados, nos ATC, respectivamente, vol. 11º, pp. 233 e ss.,vol. 23º, pp. 369 e ss., vol. 24º, pp. 549 e ss., vol. 36º, pp. 793 e ss., e no DR, II Série, de 25 de Março de 1999, e de 3 de Fevereiro de 2000). Como princípio de proibição do arbítrio no estabelecimento da distinção, tolera, pois, o princípio da igualdade a previsão de diferenciações no tratamento jurídico de situações que se afigurem, sob um ou mais pontos de vista, idênticas, desde que, por outro lado, apoiadas numa justificação ou fundamento razoável, sob um ponto de vista que possa ser considerado relevante. Ao impor ao legislador que trate de forma igual o que é igual e desigualmente o que é desigual, esse princípio supõe, assim, uma comparação de situações, a realizar a partir de determinado ponto de vista. E, justamente, a perspectiva pela qual se fundamenta essa desigualdade, e, consequentemente, a justificação para o tratamento desigual, não podem ser arbitrárias. Antes tem de se poder considerar tal justificação para a distinção como razoável, constitucionalmente relevante. O princípio da igualdade apresenta-se, assim, como um limite à liberdade de conformação do legislador. Como se salientou no Acórdão n.º 425/87 (ATC, vol.
10º, pp. 451 e ss.),
'O âmbito de protecção do princípio da igualdade abrange diversas dimensões: proibição do arbítrio, sendo inadmissíveis, quer a diferenciação de tratamento sem qualquer justificação razoável, de acordo com critérios de valor objectivos constitucionalmente relevantes, quer a identidade de tratamento para situações manifestamente desiguais; proibição de discriminação, não sendo legítimas quaisquer diferenciações de tratamento entre os cidadãos baseadas em categorias meramente subjectivas ou em razão dessas categorias; obrigação de diferenciação, como forma de compensar a desigualdade de oportunidades, o que pressupõe a eliminação pelos poderes públicos de desigualdades fácticas de natureza social, económica e cultural (cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, I vol., 2ª ed., Coimbra, 1984, pp. 149 e segs.). A proibição do arbítrio constitui um limite externo da liberdade de conformação ou de decisão dos poderes públicos, servindo o princípio da igualdade como princípio negativo do controlo. Todavia, a vinculação jurídico-material do legislador a este princípio não elimina a liberdade de conformação legislativa, pois lhe pertence, dentro dos limites constitucionais, definir ou qualificar as situações de facto ou as relações da vida que hão-de funcionar como elementos de referência a tratar igual ou desigualmente. Só existe violação do princípio da igualdade enquanto proibição de arbítrio quando os limites externos da discricionariedade legislativa são afrontados por carência de adequado suporte material para a medida legislativa adoptada. Por outro lado, as medidas de diferenciação devem ser materialmente fundadas sob o ponto de vista da segurança jurídica, da praticabilidade, da justiça e da solidariedade, não se baseando em qualquer razão constitucionalmente imprópria.' Mais recentemente, no Acórdão n.º 409/99 (DR, II série, de 10 de Março de 1999) disse-se que:
'O princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, impõe que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente. Na verdade, o princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a adopção de medidas que estabeleçam distinções. Todavia, proíbe a criação de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, isto é, desigualdades de tratamento materialmente não fundadas ou sem qualquer fundamentação razoável, objectiva e racional. O princípio da igualdade enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se numa ideia geral de proibição do arbítrio (cf., quanto ao princípio da igualdade, entre outros, os Acórdãos nºs 186/90,187/90,188/90,1186/96 e 353/98, publicados in ‘Diário da República’, respectivamente, de 12 de Setembro de 1990, 12 de Fevereiro de 1997, e o último, ainda inédito).' E no Acórdão 245/00 (DR, II série, de 3 de Novembro de 2000) salientou-se que
' (...) tem, de há muito, vindo a afirmar este Tribunal que é ‘sabido que o princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionaridade legislativa, não veda à lei a realização de distinções. Proíbe-lhe, antes, a adopção de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias – e assumem, desde logo, este carácter as diferenciações de tratamentos fundadas em categorias meramente subjectivas, como são as indicadas, exemplificativamente, no n.º 2 do artigo 13º da Lei Fundamental –,ou seja, desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável (vernünftiger Grund) ou sem qualquer justificação objectiva e racional. Numa expressão sintética, o princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se na ideia geral de proibição do arbítrio (Willkürverbot)’ (cfr., por entre muitos outros, o Acórdão nº 1186/96, publicado no Diário da República, 2ª Série, de 12 de Fevereiro de 1997), ou, dito ainda de outra forma, o ‘princípio da igualdade
(...) impõe se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e se trate diferentemente o que diferente for. Não proíbe as distinções de tratamento, se materialmente fundadas; proíbe, isso sim, a discriminação, as diferenciações arbitrárias ou irrazoáveis, carecidas de fundamento racional’ (verbi gratia, Acórdão nº 1188/96, ob. cit., 2ª Série, de 13 de Fevereiro de 1997).'
11. Poderá a norma em apreciação sub specie constitutionis considerar-se violadora do princípio da igualdade, por equiparar a recorrente a autarquias com muito diferente dimensão e volume de receitas? Ou, de outra forma: impõe o princípio da igualdade uma diferenciação do valor dos emolumentos em questão, por forma a atender à diversa dimensão da entidade (no caso, da Câmara Municipal) em causa, e, em particular, ao muito diverso valor da receita própria da gerência? Responde-se negativamente a esta questão. Note-se, desde logo, que a equiparação com autarquias maiores apenas existe quando seja atingido o limite máximo dos emolumentos, como aconteceu no presente caso. Mesmo nesses casos, porém, não pode dizer-se que exista uma obrigação de diferenciação – fazendo ultrapassar esse limite algumas autarquias ou baixando os emolumentos devidos por outras – entre autarquias com diferentes volumes de receitas. Na verdade, ao legislador pode afigurar-se decisivo o facto de em ambos os casos estarem em questão municípios – ou outras entidades sujeitas a elaboração e prestação de contas – com receitas próprias superiores a um determinado montante (no caso, 5000 vezes o valor de referência, como resulta da conjugação dos n.ºs 1e 3 do artigo 9º, em apreciação), para equiparar os emolumentos que por elas são devidos. O legislador poderia mesmo ter estabelecido o valor dos emolumentos devidos fosse num montante fixo – isto é, não variável de todo segundo a receita das entidades em causa, podendo existir diversas justificações para o facto de o montante devido pela apreciação e julgamento de contas de entidades com uma dimensão económica e financeira diversa ser idêntico - assim, desde logo, a circunstância de se entender que o montante dos emolumentos devidos configura um preço por um serviço público que visa assegurar a transparência e a garantia das contas públicas. Por outras palavras: o legislador pode, como se viu, atender ao valor da receita própria para fixar o valor dos emolumentos, mas não tem de atender exclusivamente a este critério, podendo fixar um limite absoluto para o montante devido. Ora, se uma igualação total seria legítima, isso significa que o problema constitucional das normas dos nºs 1 e 3 do artigo 9º do diploma em apreço não se põe em sede de obrigação constitucional de diferenciação, resultante do princípio da igualdade, mas tão-só no confronto com o princípio da proporcionalidade, enquanto proibição de imposição de um gravame emolumentar excessivamente pesado. E já se viu que a norma em apreço não pode ser considerada violadora deste princípio.
12. A idêntica conclusão, de que não existe violação do princípio da igualdade – desta vez, segundo a recorrente, por 'discriminação negativa' –, se chega considerando o alegado desfavorecimento da recorrente, e outras Câmaras Municipais, em relação a estabelecimentos fabris militares ou empresas, entidades com fins lucrativos cujos emolumentos são apurados sobre os lucros da gerência (artigo 9º, n.º 2, do regime em análise).
É o que logo se concluir ao considerar que as entidades referidas são pessoas colectivas com fim lucrativo, cujas finalidades são, pois, bem diversas das de uma Câmara Municipal. Compreende-se, assim, que se utilize como base para o apuramento dos emolumentos devidos, não a receita própria, mas sim os lucros de gerência, e que isso tenha como resultado que tais entidades, com fim lucrativo, não devam emolumentos quando não tenham lucros. O fim lucrativo – gorado quando não se obtiveram lucros – explica, assim, que os emolumentos sejam calculados sobre os lucros da gerência, tendo a distinção em relação a outras entidades sem fim lucrativo – onde, portanto, não podendo por definição existir lucros, se faz relevar a receita própria – um fundamento razoável. Mesmo, pois, deixando em aberto a questão de saber se a violação do princípio da igualdade agora em apreço seria resultante da norma impugnada – o n.º 1 do artigo 9º – ou da norma que manda apurar os emolumentos devidos por estabelecimentos fabris militares e empresas sujeitas a fiscalização do Tribunal de Contas sobre os lucros da gerência – o n.º 2 daquele artigo –, pode, pois, concluir-se que não se detecta, também por este fundamento, qualquer violação do princípio da igualdade.
III. Decisão
Com estes fundamentos, o Tribunal Constitucional decide: a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 9º, n.º 1, do 'Regime Jurídico dos Emolumentos do Tribunal de Contas', aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/96, de
31 de Maio; e b) Em consequência, negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida no que ao juízo de constitucionalidade respeita. Lisboa, 9 de Maio de 2001 Paulo Mota Pinto Bravo Serra Guilherme da Fonseca (vencido, conforme declaração de voto junta) Maria Fernanda Palma (vencida, pelo essencial das razões constantes da declaração de voto do Excelentissimo Senhor Conselheiro Guilherme da Fonseca) José Manuel Cardoso da Costa DECLARAÇÃO DE VOTO
1. Votei vencido, por entender que deveria ser proferido um juízo de inconstitucionalidade, por violação do princípio da proporcionalidade, da norma do artigo 9º, nº 1, do Decreto-Lei nº 66/96, de 31 de Maio, merecendo, assim, e em consequência, provimento o recurso interposto pela Câmara Municipal de Constância. Vejamos porquê, seguindo de perto o projecto de acórdão que apresentei como primitivo Relator do processo. A Câmara recorrente, 'relativamente ao emolumento cobrado pela Devolução da Conta de Gerência nº 2718/96 (referência da Direcção-Geral: ofício circular nº6343/98, de 27/05/98; Doc. De cobrança nº 12905/98-C)', no montante de 2 7000
000$00, interpôs oportunamente recurso de tal decisão e daí resultou o acórdão recorrido, que dele conheceu. A questão a decidir, no que aqui importa, vem claramente equacionada pela Câmara recorrente nestes termos:
'A alteração do regime emolumentar do Tribunal de Contas operada, em matéria de fiscalização sucessiva, pelo artigo 9º do Regime Jurídico aprovado pelo Decreto-Lei nº 66/96, de 31 de Maio, implicando um aumento, em concreto, de 634% no valor da taxa devida pelo julgamento das contas do Município recorrente comporta-se, ou não, dentro dos limites que ao irrecusável princípio da liberdade de conformação do legislador são negativamente traçadas pelo princípio constitucional da proporcionalidade, ou da proibição do excesso ou do arbítrio?' Vejamos a resposta a tal pergunta, tendo em conta a precisão do objecto do recurso, como consta do acórdão. No artigo 1º da Tabela de Emolumentos Devidos ao Tribunal de Contas, aprovada pelo Decreto-Lei nº 356/73, de 14 de Julho, dispunha-se que:
'1- Por julgamento de contas, e salvo o disposto no número seguinte, sobre o valor da sua receita, própria ou resultante de participação, desde que superior a 1000$: a) Contas dos corpos administrativos e dos órgãos locais de turismo ......1/8% b) Restantes contas......................1/2%
2- Por julgamento de contas do Banco de Portugal, do Banco de Angola e do Banco Nacional Ultramarino, como caixas gerais do Estado na metrópole e nas províncias ultramarinas, por cada ano completo de gerência, 100 000$.
§ 1º - A liquidação dos emolumentos previstos no nº 1 do presente artigo terá o limite máximo de 100 000$ e o mínimo de 100$'
Por aplicação deste preceito, e relativamente às contas da mesma autarquia, dos dois anos imediatamente anteriores - 1994 e 1995 -, o modo de cálculo emolumentar determinou um valor de 83 130$00 (para 1994) e 104 681$00 (para
1995). O artigo 9º, ora em causa, do novo Regime Jurídico dos Emolumentos do Tribunal de Contas, aprovado pelo Decreto-Lei nº 66/96, de 31 de Maio, que substituiu aquele artigo 1º, dispõe que:
'1- Pelo julgamento ou verificação, pela certificação ou pelo arquivamento de contas são devidos emolumentos no montante de 1% do valor da receita própria da gerência.
2- (...)
3- Os emolumentos previstos nos números anteriores têm valor máximo de 50 vezes o VR e o mínimo 5 vezes o VR' Por aplicação deste preceito, e quanto ás contas de 1996, o modo de cálculo emolumentar chegou ao valor de 2 942 767$83, passando para 2 700 000$00, por ser o limite máximo.
É certo, como a Câmara recorrente invoca, que o aumento, em concreto, se fixou em 634%, para o que basta fazer o cálculo respectivo, sendo que no acórdão recorrido 'reconhece-se, que o montante de emolumentos devidos pela conta de gerência de 1996 da Recorrente (cuja correcção do cálculo não foi posta em causa) - como, aliás o devido nas mesmas circunstâncias por todos os municípios e freguesias com receita própria da gerência de valores idênticos ao da Recorrente - peca por exagero: já porque, considerando a autonomia financeira dos municípios e das freguesias (artº 2º da Lei nº 42/98, de 6 de Agosto e artigo 1º da anterior Lei das Finanças Locais) o valor das taxas emolumentares a que estão sujeitas têm maior repercussão nos respectivos orçamentos do que o devido por outras entidades com receitas próprias; já porque se trata de uma conta devolvida após verificação interna efectuada pelos serviços de apoio (artº
53º da Lei nº 98/97)' ('Porém, também se reconhece que os critérios fixados pelo legislador no Decreto-Lei nº 66/96 não exorbitam o exercício da sua liberdade de conformação e a pauta de valores adoptada - considerando o preâmbulo do referido diploma legal - está de acordo com e no âmbito da Constituição' - adianta o acórdão, para chegar à decisão de negar 'provimento ao recurso interposto').
2. Focando a censura jurídico-constitucional apenas na pretendida violação do princípio da proporcionalidade, que se colhe dos artigos 2º e 18º, nº 2 da Constituição, tudo está em saber, independentemente da natureza e da justificação ou fundamento das receitas cobradas a título emolumentar pelo Tribunal de Contas (e, por isso, não se vai abordar a temática da inconstitucionalidade orgânica tratada no acórdão), se a apontada variação de aumento dos emolumentos em causa atinge aquele princípio, tendo também em conta a conjugação do 'montante de 1% do valor da receita própria da gerência' com o limite máximo apontado de 2 700 000$00. Com o princípio da proporcionalidade, que é um princípio material inerente ao regime dos direitos, liberdades e garantias - e também um princípio informador e conformador da actividade administrativa (artigo 266º, nº 2) -, tem-se em vista
, num sentido restrito, que aqui interessa, uma 'justa medida', como parâmetro de aferição dos meios legais e dos fins que se querem obter, de modo a evitar-se a adopção de medidas desproporcionadas, excessivas, em relação a tais fins
(Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição anotada, 3ª ed. pág. 152; cfr. também a jurisprudência identificada no acórdão, a propósito de várias decisões do Tribunal Constitucional, relativamente a 'normas penais incriminatórias' ou
'normas de outro tipo'). Com ele pretende-se que a actividade do Estado-legislador e do Estado-administrador se paute de modo a adequar as medidas projectadas aos fins pretendidos, sem enveredar por excessos ou puro arbítrio, embora se reconheça que o alcance para um e para outro não é absolutamente coincidente ( é a ideia de 'excesso legislativo' presente na jurisprudência do Tribunal Constitucional, podendo ver-se o acórdão nº 758/95, nos Acórdãos, 32º volume, pág. 803 e seguintes, reportando-se a uma disposição legal que 'vai para lá da necessidade, da adequação e da 'justa medida' em relação aos fins pretendidos'; cfr. ainda o acórdão nº 70/98, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, nº 474, pág.
19, a propósito de custas judiciais e a desproporcionalidade a atingir 'o acesso aos tribunais para o cidadão médio'). E para o acórdão também não pode contestar-se que 'o princípio da proporcionalidade, mesmo que originariamente relevante sobretudo no domínio do controlo da actividade administrativa, se aplica igualmente ao legislador'. Ora, in casu, e à face da Lei nº 98/97, de 26 de Agosto (Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas), a independência do Tribunal de Contas (artigo
7º, nº 1), o relevo da jurisdição que exerce (artigo 1º, nºs 1 e 2 e 2º), a sua autonomia administrativa (artigo 31º) e a existência de 'cofres na sede e nas secções regionais, que gozem de personalidade jurídica, autonomia administrativa e financeira e património próprio' (artigo 35º, nº 1), sendo as 'receitas emolumentares' a principal fonte das receitas desses cofres - nº 2, a)), ainda que justifiquem a importância da cobrança de emolumentos (cfr. preâmbulo do Decreto-Lei nº 66/96), não justificam, todavia, uma percentagem de aumento tão elevada de um regime de 1973 para outro que o substituiu de 1996 ('peca por exagero', é como se reconhece mesmo no acórdão recorrido, quando se refere o
'montante de emolumentos devidos pela conta de gerência de 1996 da Recorrente
(cuja correcção do cálculo não foi posta em causa) - como, aliás o devido nas mesmas circunstâncias por todos os municípios e freguesias com receita própria da gerência de valores idênticos ao da Recorrente).
É também o próprio acórdão recorrido a registar, 'a nível factual', que, se fosse aplicável à mesma gerência de 1996 o regime emolumentar anterior de 1973,
'a mencionada Autarquia teria de pagar 367 846$00 de emolumentos', mas agora exige-se-lhe, com o regime de 1996, o pagamento de 2 700 000$00, que é o limite máximo (no acórdão acaba por se reconhecer que 'o valor devido pela recorrente aumentou muito'). Se conjugarmos a percentagem do 'montante de 1%' com aquele limite, facilmente se verifica que basta um valor superior a 270 milhões de escudos de receitas próprias autárquicas, para as autarquias ficarem sujeitas ao pagamento do mesmo limite máximo quando umas podem ter receitas potencialmente muito mais elevadas
(de milhões de escudos para mil milhões, se se considerar, por exemplo, municípios urbanos de 1ª ordem e municípios rurais de 3ª ordem).
É patentemente uma elevação excessiva, não se adequando a medida legislativa de
1996 aos fins pretendidos pelo legislador de dignificar e sustentar financeiramente a jurisdição do Tribunal de Contas. E tão desproporcionada que leva autarquias tão diferentes na sua dimensão, como sejam a de Constância e a de Lisboa, a pagar o mesmo limite máximo de 2 700 000$00, com receitas próprias tão díspares (do valor de 294 276 783$00 para Constância e do valor de 54 443
455 794$00 para Lisboa, de acordo com os dados que constam do acórdão recorrido). Na linha do ensinamento do acórdão do Tribunal Constitucional nº 640/95 (in Acórdãos, vol. 32º, págs. 185 e segs.), que acolhe a ideia de que 'o Tribunal tem sempre o poder de aferir as opções do legislador pelo crivo do princípio da proporcionalidade', pode aqui dizer-se que o aumento em causa de emolumentos é manifestamente desadequado aos fins de obtenção de receitas para o Tribunal de Contas. O acórdão, pelo contrário, embora reconheça o caracter 'brusco' do aumento dos emolumentos, conclui pela não desconformidade constitucional da norma questionada, mas, no fundo, arrima-se só à justificação do próprio legislador, transcrevendo o preâmbulo do Decreto-Lei nº 66/96, o que é curto para afirmar, como se afirma, apesar das várias operações contabilisticas que se fazem, que a previsão do regime dos emolumentos 'não pode ser considerada manifestamente inadequada' para consecução dos objectivos a que se propõe o Tribunal de Contas. Tem, antes, de concluir-se - e tanto basta - pela violação do princípio da proporcionalidade. Guilherme da Fonseca