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Processo nº 145/2001
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
A fls. 541 foi proferida a seguinte decisão sumária:
1. Pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de fls. 509, de 20 de Novembro de
2000, foi decidido 'não conhecer do recurso de agravo de fls. 408-410 por extemporâneo e julgar deserto o recurso de agravo interposto como revista pelo requerimento de fls. 413 por falta de alegação', ambos interpostos por M... no
âmbito da acção que instaurou no Tribunal do Trabalho de Viana do Castelo contra a F..., SA. e em que pedia uma indemnização pela morte de um filho seu no exercício da sua actividade profissional. Pelo requerimento de fls. 519, a autora veio requerer a reforma daquele acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, sustentando ter havido 'manifesto lapso na qualificação jurídica do recurso interposto pela A. e designadamente da norma constante do artigo 721º do Cód. Proc. Civil'. Manifestando a sua discordância quanto ao acórdão recorrido, a recorrente, a dado passo do referido requerimento, veio afirmar o seguinte:
'13º. O douto Acórdão limitou-se a referir que o recurso próprio é o de agravo e julgar deserto o mesmo por falta de alegações. Ora,
14º. ainda que o recurso fosse de agravo, nunca tal sanção podia ser aplicada, sob pena de grave violação do princípio constitucional do acesso ao direito e da tutela jurisdicional, consagrados no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa. (...)'. Pelo acórdão de fls. 528, o Supremo Tribunal de Justiça desatendeu o pedido de reforma.
2. Inconformada, M... recorreu para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, sustentando que 'considera que a interpretação e aplicação feita dos arts. 687º nº 4 e 721º do Cód. Proc. Civil e 76º do CPT/81 feita no acórdão de fls...., constitui uma flagrante violação do disposto nos arts. 13 e 20 da Constituição da República Portuguesa'. Afirma ainda ter suscitado a questão da inconstitucionalidade no requerimento em que pediu a reforma do acórdão recorrido.
3. É pressuposto de admissibilidade do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade de normas interposto ao abrigo do disposto na al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, como é o caso, que a inconstitucionalidade haja sido 'suscitada durante o processo' (citada al. b) do nº 1 do artigo 70º), ou seja, colocada 'de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer' (nº 2 do artigo 72º da Lei nº 28/82). Como resulta dos preceitos acima indicados, não é possível considerar 'que a suscitação da questão da inconstitucionalidade feita no pedido de reforma da sentença, ainda se pode, no caso, considerar feita durante o processo, para efeitos da alínea b) do nº 1 do art. 70º da LTC.(..). (...) a possibilidade de reforma da sentença por parte do tribunal a quo depende da verificação dos respectivos pressupostos do instituto que, como decidiu, aliás, o próprio tribunal recorrido, no caso manifestamente não se verificam.
(...) A eventual aplicação de uma norma inconstitucional não configura
(ressalvada alguma hipótese anómala e excepcional, como seja a da inexistência jurídica da norma) uma situação de manifesto lapso do juiz na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos.' (Acórdão nº 418/98, Diário da República, II Série, de 20 de Julho de 1998). Conforme o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado, o recorrente só pode ser dispensado do ónus de invocar a inconstitucionalidade 'durante o processo', nos termos indicados, nos casos excepcionais e anómalos em que não tenha disposto processualmente dessa possibilidade, sendo então admissível a arguição em momento subsequente (cfr., a título de exemplo, os acórdãos deste Tribunal com os nºs 62/85, 90/85 e 160/94, publicados, respectivamente, nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 5º vol., págs. 497 e 663 e no Diário da República, II, de 28 de Maio de 1994). Não é, manifestamente, o caso dos autos. O recorrente podia ter suscitado a questão no requerimento de fls. 502.
4. Por outro lado, da leitura do requerimento de reforma, em particular da parte acima transcrita, verifica-se que a recorrente nunca questionou a constitucionalidade das normas que indica no requerimento de interposição como objecto do recurso de constitucionalidade. Estão, portanto, reunidas as condições para que se proceda à emissão da decisão sumária prevista no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
Assim, nos termos previstos no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, decido não conhecer do recurso. Sem custas (nº 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 303/98, de 7 de Outubro).
2. Inconformada, M... veio reclamar para a conferência. Em síntese, sustentou não ser exacto que não tenha invocado a inconstitucionalidade que pretende que o Tribunal Constitucional aprecie
'durante o processo' (al. b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82), pois que
'entende a recorrente que, para efeitos da al. b) do nº 1 do art. 70 da L.T.C., deve considerar-se suscitada ‘durante o processo’ qualquer questão de inconstitucionalidade levantada em processo onde não tenha sido proferida decisão transitada em julgado', como sucede no caso de ter sido pedida a respectiva reforma. Para além disso, também não é exacto, em seu entender, que tivesse disposto da
'oportunidade processual de levantar a questão da constitucionalidade da interpretação e aplicação feitas do art. 687 nº 4 e 721 do Cód. Proc. Civil e 76 do CPT/81 no requerimento de fls. 502', por ter sido 'totalmente imprevisível e inesperada, pelo que muito surpreendeu a ora recorrente'. Finalmente, alega ter invoca do a inconstitucionalidade das normas indicadas no requerimento em que requereu a reforma do acórdão de fls. 509, acórdão esse que deveria ter sido reformado por ocorrer o lapso manifesto previsto no artigo
669º, nº 2, a), do Código de Processo Civil, 'sendo que in casu tal lapso constante do acórdão de fls. 509 é manifestamente inconstitucional por violar os arts. 13 e 20 da Constituição da República Portuguesa'. Em seu entender, o rigor exigido pela lei para a indicação da norma que se pretende apreciada e das normas ou princípios constitucionais para o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, constante do artigo 75º-A da Lei nº 28/82, não vale para o requerimento em que se requer a reforma de uma decisão; e do seu requerimento resultaria 'de forma clara e evidente que a recorrente entende ser inconstitucional por violação do princípio da igualdade e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional, a interpretação feita pelo Tribunal recorrido dos normativos legais que regem a qualificação dos recursos'. Respondeu a F..., SA, pronunciando-se no sentido da improcedência da reclamação.
3. Não tem razão a reclamante, pelas razões constantes da decisão reclamada. Em primeiro lugar, conforme ali se esclarece – aplicando o disposto no nº 2 do artigo 72º da Lei nº 28/82 e decidindo conforme abundante jurisprudência deste Tribunal – suscitar uma inconstitucionalidade durante o processo não tem o sentido pretendido pela reclamante, já que, como se sabe, este requisito se destina a que o Tribunal Constitucional venha apreciar a questão de constitucionalidade que lhe é colocada depois de a mesma ter sido apreciada no tribunal recorrido. É essa a razão pela qual só seria processualmente adequado para o efeito o requerimento de reforma se aquela questão pudesse ser apreciada no seu âmbito.
4. Em segundo lugar, é manifesto que a reclamante poderia ter suscitado a inconstitucionalidade das normas em causa no requerimento de fls. 502, pois que veio responder ao despacho de fls. 498 em que o relator, precisamente, se pronunciou no sentido de 'não se poder conhecer do objecto dos recursos interpostos pelos requerimentos de fls. 413 e 424 e que o recurso interposto a fls. 413 é de agravo e não de revista', sendo esta a razão que o levou a determinar que tal despacho fosse notificado às partes, 'nos termos dos artºs
702º e 704º do Cód. Proc. Civ., para se pronunciarem, querendo, no prazo de 10 dias, sobre o apontado erro na espécie de recurso e sobre a impossibilidade de se conhecer de ambos os recursos'. Quanto à impossibilidade de conhecimento do recurso de agravo (que era o devido, como ali se diz, 'nos termos dos artºs
721º, 722º e 754º do C.P.C.'), interposto como revista, o relator explica, justamente, que ela resulta da não inclusão da alegação no requerimento de interposição, 'conforme preceitua o artº 76º do C.P.T.'. Ora foi com este fundamento e com base nos preceitos indicados que o acórdão de fls. 509 decidiu 'não conhecer do recurso de agravo de fls. 408-410 por extemporâneo e julgar deserto o recurso de agravo interposto como revista pelo requerimento de fls. 413 por falta de alegação'. Finalmente, note-se que a reclamante nem refere o nº 4 do artigo 687º do Código de Processo Civil no pedido de reforma.
5. Quanto à razão indicada em último lugar – a verdade é que não foi, simplesmente, invocada no requerimento de pedido de reforma a inconstitucionalidade das normas constantes do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional.
Assim, indefere-se a presente reclamação, e confirma-se a decisão reclamada. Sem custas (nº 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 303/98, de 7 de Outubro). Lisboa, 10 de Maio de 2001 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida