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Proc. nº 409/2003
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta de constitucionalidade, vindos do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa, em que figura como recorrente o Ministério Público e como recorrida a Câmara Municipal de Lisboa, o tribunal a quo considerou o seguinte na sentença de 14 de Março de 2003:
Feito este breve parênteses, entremos na abordagem da questão levantada pela impugnante, da inconstitucionalidade da taxa de publicidade. Com efeito, entende que não se trata de uma taxa mas sim de um imposto. A taxa de licença para propaganda ou publicidade é, como o próprio nome indica, uma taxa, por se tratar de uma prestação que uma pessoa tem de pagar à Câmara Municipal como retribuição pela licença que esta lhe concede para afixar ou manter afixada uma mensagem publicitária visível da via pública. Na verdade, a contraprestação da CMLisboa é a remoção de limites jurídicos à actividade do particular. Neste sentido, consultar Acórdão da Relação de Lisboa, de 9.2.1993, em
“Colectânea de Jurisprudência”, ano XVIII, tomo I, págs.156 a 158. Como bem sustenta o Prof. Sousa Franco, em “Finanças Públicas e Direito Financeiro”, 2ª edição, 1988, a págs. 492:
«Em termos jurídicos e financeiros, as taxas podem assumir três formas principais, consoante os seus fundamentos. A primeira é a que resulta de uma concreta relação com um serviço público: isto acontece nas custas judiciais, motivadas pelo facto de ambas as partes se poderem socorrer do tribunal. (...) Na utilização de um bem do domínio público, por seu lado, não há um serviço, mas um acto de utilização que dá origem à obrigação de pagar a taxa. (...) Enfim, consideramos que a remoção, por acto administrativo, de obstáculos jurídicos a um comportamento de particulares, que passa a ser livre, é uma utilidade justificativa da dívida de taxa (licença)” (duplo sublinhado nosso) Por seu lado, o imposto é uma prestação pecuniária, coactiva e unilateral, sem o carácter de sanção, exigida pelo Estado ou por outra pessoa de direito público com vista à realização dos fins públicos.
É certo que tanto o imposto como a taxa são fixadas autoritariamente ou seja coactivamente, no sentido de que não são negocialmente determinadas. Todavia, o imposto é uma prestação unilateral, sem qualquer contraprestação, pois destina-se à satisfação das necessidades colectivas. Por outro lado, a taxa é também uma prestação coactiva mas tem carácter bilateral, pois é paga para se perceber uma contraprestação, há uma contrapartida do serviço público. A taxa é um preço de um serviço público embora fixado coactivamente e não susceptível de negociação (v. na doutrina, José Manuel Cardoso da Costa, Curso de Direito Fiscal, 2ª ed., pág. 4; Prof. Teixeira Ribeiro, Lições de Finanças Públicas, 2ª edição, Coimbra Editora, 1984, p. 207 e segs.; Revista de Legislação e Jurisprudência – Noção Jurídica de Taxa - ano
117º, p. 289/294; Maria Margarida Mesquita Palha, Sobre o Conceito Jurídico de Taxas, Estudos em Comemoração do XX aniversário do Centro de Estudos Fiscais,
1983, Vol. II, p. 575 e segs; António Braz Teixeira, Princípios de Direito Fiscal, 3ª edição, vol. I, Almedina, 1985, p.43; Pedro Soares Martinez, Manual de Direito Fiscal, Almedina, 1983, p. 34 e na jurisprudência, Acs. do STA, em
“Acs. Douts.”, n° 154, pág.1243; 163, pág. 1045; 169, pág. 124 e 178, pág. 1331. Em defesa da tranquilidade pública, do sossego público, dos bons costumes, da segurança e, inclusive, da estética urbana - cfr. art. 1 ° da Lei n° 97/88, de
17.8 -, compete ao Município regular a utilização, nas vias e logradouros públicos e, de um modo geral, nos lugares franqueados ao público ou visíveis da via pública, dos meios de propaganda ou publicidade, quando consistirem na emissão de sons ou ruídos, na instalação de mostruários ou na afixação de letreiros, painéis ou cartazes. Exerce o Município poder de policia sobre o uso de tais instrumentos de difusão, por cujo exercício poderá cobrar a respectiva taxa. E foi o que atrás escrevemos, que agora propositadamente reescrevemos a negrito, que a recente jurisprudência do T. Constitucional não rebateu, ignorando completamente. Em face do explanado, tem de considerar-se que a taxa de publicidade não é um imposto como defende a oponente, mas sim uma taxa. Assim sendo, a taxa em causa não está sujeita ao princípio da legalidade, previsto no art. 106° da CRP , pelo que, nesta parte, não está ferida de inconstitucionalidade. Em abono do atrás defendido já a 2a Secção do Supremo Tribunal Administrativo se pronunciou, no Recurso n° 23 555, em acórdão de 26/05/1999, do qual respigamos:
«A questão suscitada pelo digno agente do M°Pº tornou-se pertinente face à tomada de posição assumida pelo TConstitucional que, entendeu, na esteira de certa doutrina que, quando em causa se encontra uma situação de remoção de um obstáculo jurídico ao exercício de determinada actividade por parte dos particulares, relativamente proibida, a prestação que acompanha a licença respectiva só poderá configurar-se como taxa se com a dita remoção se vier a possibilitar a utilização de um bem semipúblico (ou colectivo, ou suas variantes), pois, de contrário, haverá imposto somente dimanável de lei formal, a cujas características não respondem os regulamentos municipais. Todavia, tal asserto não corresponde à distinção entre taxa e imposto preponderante na doutrina especializada em direito fiscal, onde o tributo que decorre da remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares relativamente proibida, a licença, é qualificável como taxa por ser a contrapartida da actividade da verificação das condições indispensáveis àquela
(aí residiria o carácter sinalagmático próprio da taxa), independentemente da disponibilização cumulativa de bens da provisão pública. E é tão arreigado o assertivo que veio, passados os tempos, a ser contemplado no are 4°/2 da Lei Geral Tributária, entrada em vigor em 1.1.99, que prescreveu assentarem as taxas na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares, tout court, sem que seja acrescentado ao pressuposto qualquer dado referente à utilização de bens da aludida natureza. E a disjuntiva usada no texto - ou - impede a conotação com as demais determinações contidas na hipótese legal do preceito: - prestação concreta de um serviço público e a utilização de um bem do domínio público. Claro que tal lei, pela sua posteridade, não constitui a pressuposição constitucional dos arts. 106°/2 e 168°/1/i da CR, mas, porque repercute a concepção dominante da doutrina fiscalista e também na jurisprudência. E ser-se actualista tem limites em situacões melindrosas para o interesse público, os quais só não relevariam se o caso comportasse (e não comporta) o estabelecimento de um imposto oculto, reconhecível pela desproporção entre o montante da taxa e a actividade de remoção desenvolvida pelo ente público.
(duplamente sublinhado por nós). Assim, constituindo a receita cobrada uma taxa, que não um imposto, não são inconstitucionais as normas regulamentares que a fixaram (arts. 3° e 16° do Reg. de Publicidade do Município de Lisboa, aprovado em execução da Lei 97/88, de
17.8 e arts. 24° e 25° da Tabela de Taxas, Licenças e Outras Receitas Municipais, definidas dentro das competências atribuídas pela Lei das Finanças Locais - art. 11°/h da Lei 1/87, de 6.1 (actualmente arts. 16°, alínea d) e 19°, alínea h) da Lei n° 42/98, de 06/08) -, não padecendo, por tal motivo, de ilegalidade a liquidação impugnada.» Mais recentemente, por acórdão doutamente relatado pelo Exmo Conselheiro Benjamim Rodrigues, a nossa posição quanto a esta matéria foi seguida e, com argumentos sólidos e que rebatem os defendidos pela jurisprudência do T. Constitucional, que aqui damos por reproduzidos, para eles remetendo. O Regulamento sobre Publicidade da CMLisboa, publicado em 19.3.1992, no D.Municipal n° 16 336, foi aprovado em execução da Lei n° 97/88, de 17.8. Por outro lado, o disposto nos arts. 11°, alíneas h) e o), da Lei n° 1/87, de 6 de Janeiro, actualmente, arts.16°, alínea d) e 19º, alínea h) da Lei n° 42/98, de 06/08 e 39º, n° 2, alínea l), do Dec. Lei 100/84, de 29 de Março, actualmente
53°, n° 2, al. e), da Lei n° 169/99, de 18/09, com as alterações da Lei n°
5-A/02, de 11/01, permitem ao Município cobrar as taxas fixadas pela Assembleia Municipal e constantes da Tabela de Taxas e outras Receitas Municipais, publicada pelo Edital n° 100/89, com as alterações que posteriormente, e anualmente, foram sendo introduzidas. Atento o exposto, aquele Regulamento sobre Publicidade da CML, bem como a Tabela de taxas, licenças e outras receitas municipais, não padecem de qualquer ilegalidade e muito menos de inconstitucionalidade, dado que se está no âmbito das taxas e não no domínio dos impostos.
O Ministério Público interpôs recurso de constitucionalidade, nos seguintes termos:
O Magistrado do Ministério Público, em exercício de funções junto deste juízo e secção, não obstante concordar com o decidido, por imposição legal, ao abrigo do estatuído no art. 280°/5 da CRP, 70°/1/g), 72°/3 e 75°-A/1/3 da LTC (Lei 28/82, de 15 de Novembro), vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional, pois que a douta sentença aplicou as normas constantes dos arts. 3° e 16° do Regulamento de Publicidade do Município de Lisboa, publicitado no EDITAL 35/92, publicado no Diário Municipal 16.366, de 19 de Março de 1992 e arts. 24° e 25° da Tabela de Taxas, Licenças e Outras Receitas Municipais, publicada no Edital
80/90 já declaradas inconstitucionais, em sede de fiscalização concreta, pelo Tribunal Constitucional, na interpretação de que é devida taxa de publicidade, ainda que os anúncios sejam afixados em propriedade privada e desde que visíveis de espaços públicos. Efectivamente pelo Ac. 346/2001 foram julgadas inconstitucionais as normas constantes dos arts. 3° e 16° do Regulamento de Publicidade. Pelo Ac. 63/99, publicado no DR, II, de 1999.03.31, foi julgada inconstitucional a norma constante do art. 18° da Tabela de Taxas e Outras receitas da CML, norma correspondente à constante do art. 25° da Tabela de Taxas publicada no Edital
80/90. Pelo Ac. 32/2000. disponível no site WWW.DGSI.PT, ACS. STA, foram julgadas inconstitucionais as normas constantes do referido art. 18° da Tabela de Taxas e
14° do Regulamento de Publicidade da CML, publicado DM 15.616, de 1989.04.26, com alterações constantes do Edital 7/90, este último correspondente ao art. 16° do Regulamento de Publicidade publicado no Edital 35/92. O recurso sobe imediatamente, nos próprios autos, e com efeito suspensivo (arts.
281° do CPPT, 734°, 736° e 740° do C PC e 78°/2 da LTC). Assim, porque o recorrente tem legitimidade e o recurso é tempestivo (art. 75° da LTC) requer seja admitido o presente recurso.
Junto do Tribunal Constitucional o recorrente apresentou alegações que concluiu do seguinte modo:
1° - Conforme jurisprudência reiterada deste Tribunal Constitucional, não se enquadram no conceito jurídico - constitucional de “taxa” as importâncias exigidas por quaisquer entidades públicas a um particular, como mera condição de remoção de um obstáculo jurídico à utilização dos seus bens próprios, sem lhe conferir direito à utilização de bens semi-públicos ou colectivos.
2° - Não constituindo “contraprestação”, susceptível de integrar aquele conceito, o mero exercício de actividades gerais de polícia por tais entes públicos, com vista à fiscalização do cumprimento pelo particular dos condicionamentos ou requisitos a certa e específica utilização dos bens de que
é proprietário, estabelecidos por lei ou regulamento.
3° - Termos em que deverá proceder o presente recurso, em conformidade com o juízo de inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 3° e 16° do Regulamento de Publicidade do Município de Lisboa.
Por seu turno, a Câmara Municipal de Lisboa contra-alegou, concluindo o seguinte:
1. Não existe um conceito constitucionalmente positivado de taxa, pelo que deve o mesmo ser formulado com base nas Fontes de Direito, e com total respeito pela sua hierarquia.
2. O conceito de taxa tem hodiernamente a sua definição no n° 2 do artº 4° da Lei Geral Tributária datada de 1 de Janeiro de 1999, a qual estabelece o seu conteúdo e alcance.
3. O Acórdão n° 313/92 do TC, pioneiro na apreciação da matéria, é utilizado por todos os Acórdãos, do mesmo Tribunal referenciados sobre a questão, como fundamento essencial, alicerçando-se sobre um conceito estabelecido doutrinalmente, que em virtude do decurso do tempo, se encontra ultrapassado pela definição estabelecida pela Lei.
4. É partindo do conceito de taxa determinado pela Lei, que se deve ater a sindicância sobre a presente questão acerca da constitucionalidade da mesma.
5. O tributo exigido pela Recorrida (CML) resulta directamente da remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares (cfr. n° 2 in fine do art. 4° da LGT) , em razão da necessidade absoluta de aqueles serem obrigados a requerer uma licença para o exercício da actividade, a qual apenas pode ser exercida se cumpridos os requisitos e pressupostos decorrentes das normas legais e disposições regulamentares aplicáveis, que à autoridade licenciadora cumpre assegurar o seu cumprimento.
6. A licença de publicidade permite fazer publicidade na via pública ou no espaço aéreo, independentemente do meio, ou do suporte, propiciando a utilização de um bem público (cfr. n° 2 do art. 4° da LGT) , consubstanciado nas ruas, avenidas, praças, jardins, e espaço aéreo onde a mesma é visível, onde circulam as pessoas com as quais se estabelece' o diálogo publicitário, aproveitamento exclusivo para o beneficiário, objectivo visado pela colocação daquela, legitimando a exigência de uma taxa, contrapartida dessa utilização.
7. A verificação da compatibilidade dos reclamos publicitários com a área envolvente e a segurança dos dispositivos, prende-se directamente com um serviço prestado pelo Município exigido na sequência da emissão da correspondente licença, indispensável a tal exercício da actividade publicitária (cfr. n° 2 do art. 4° da LGT). Resulta de todo o exposto a existência da signalagmaticidade, pressuposto da existência da taxa, a qual se basta com a existência de um mínimo de equilíbrio jurídico entre ambas as prestações, indubitavelmente patente no presente caso.
8. Os tributos cobrados, em virtude do licenciamento prévio e manutenção dos meios publicitários, objecto dos presentes autos, revestem, assim, a natureza de taxa.
9. Revestindo a natureza de taxa, ao referido tributo não lhe é aplicável o princípio constitucional da legalidade dos impostos, previsto no ano 1030 da Constituição da República Portuguesa, pelo que não padece o mesmo do vício de inconstitucionalidade;
10. Nesta conformidade, não são inconstitucionais as normas regulamentares que fixaram as taxas em causa - cfr. arts. 3° e 16° do Regulamento de Publicidade - Edital n° 35/92- aprovado em execução da Lei 97/88, de 17.08, e Capítulo IV da Tabela de Taxas e Outras Receitas Municipais para os anos financeiros de 1998,
1999, 2000 e 2001, as quais integram as competências atribuídas pela Lei nº
42/98, de 6 de Agosto (Lei das Finanças Locais) - cfr. al. h) do art. 19° -, não padecendo as liquidações de qualquer ilegalidade;
11. Assim, concluímos pela improcedência do presente recurso, por ser manifestamente legal o tributo liquidado e cobrado, por configurar uma verdadeira “taxa”.
Cumpre apreciar e decidir.
II Fundamentação
2. Nos presentes autos está em causa a apreciação da conformidade à Constituição de uma norma que fixa um montante devido pela afixação de mensagens publicitárias em imóvel pertencente a um particular, não se verificando, nessa medida, qualquer utilização de bens semi-públicos ou colectivos. O tribunal recorrido considerou que tal prestação consubstancia uma taxa. O Tribunal Constitucional tem considerado que não podem configurar-se, do ponto de vista jurídico-constitucional, como taxa as importâncias exigidas pelas autarquias a título de licença de publicidade ou sua renovação, nos casos em que tal licenciamento não confere ao particular a remoção de um obstáculo jurídico à respectiva actividade, consistente na utilização de bens semi-públicos ou colectivos (cf. Acórdãos nºs 558/98 – D.R., II Série, de 11 de Novembro de 1998;
63/99 – D.R., II Série, de 2 de Fevereiro de 1999; 32/2000 – D.R., II Série, de
8 de Março de 2000; 92/2002, de 26 de Fevereiro e 437/2003, de 30 de Setembro – inéditos). No presente recurso confirmar-se-á tal entendimento, a propósito das normas regulamentares questionadas. A decisão recorrida apresenta, contudo, argumentação, para fundamentar a não aplicação da jurisprudência a que se fez referência. O tribunal a quo, assim como a Câmara Municipal, invocam a circunstância de a Lei Geral Tributária ter, no artigo 4º, nº 2, consagrado um conceito amplo de taxa susceptível de abranger a remoção de qualquer obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares, mesmo não estando em causa a utilização de bens semi-públicos ou públicos. Tal metodologia na apreciação de uma questão de constitucionalidade normativa consubstancia, no entanto, uma inversão do raciocínio jurídico a realizar. Com efeito, uma inovação legislativa, no plano infraconstitucional, não tem a virtualidade de, por si, alterar os preceitos constitucionais sobre a matéria sem outras considerações relacionadas com valores constitucionais relevantes, implicando, até, e caso se verifique contradição, a inconstitucionalidade do preceito infraconstitucional. A recorrida afirma, contudo, que o conceito de taxa acolhido pelo Tribunal Constitucional é um conceito estabelecido doutrinalmente, já ultrapassado
(sublinhando a circunstância de a jurisprudência citada fazer referência ao Acórdão nº 313/92). No entanto, o Tribunal Constitucional interpreta a Constituição de acordo, é certo, com vários instrumentos hermenêuticos, mas sempre à luz do que interessa constitucionalmente garantir. Assim, qualquer alteração doutrinária sobre um conceito ou instituto jurídico não pode ser relevante se não tiver de ser considerada como razão que afecte a interpretação de normas constitucionais. Ora, alterações doutrinárias quanto ao conceito de taxa, levando a abranger situações que conceitos mais restritivos não abrangiam, só seriam relevantes na medida em que pusessem em causa a percepção garantística aliada ao conceito de imposto, em casos como o presente. Ora, o Tribunal Constitucional assim não o tem entendido, como se pode verificar pelo Acórdão nº 437/2003, proferido nesta Secção. A decisão recorrida invoca ainda os poderes de polícia exercidos pelo Município no controlo dos instrumentos de difusão de mensagens publicitárias. Porém, tal controlo visa salvaguardar a tranquilidade, a segurança e a ordem públicas, tal como sucede com a actividade policial em geral. Trata-se de uma função de polícia e não de um serviço por cuja realização seja devida uma taxa. Se se admitisse a perspectiva da decisão recorrida, não seria então apenas o proprietário do imóvel no qual é afixada publicidade o obrigado à prestação, mas sim todos os demais beneficiários da actividade policial. Recentemente, o Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 437/2003, apreciou questão idêntica à dos presentes autos, concluindo no sentido da inconstitucionalidade das normas em apreciação. Reitera-se, nos presentes autos, de acordo com a fundamentação aí expendida, tal juízo de inconstitucionalidade.
III Decisão
3. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide julgar inconstitucionais as normas constantes dos artigos 3º e 16º do Regulamento de Publicidade do Município de Lisboa, publicado pelo Edital nº 35/92, que fixam um montante devido pela afixação de mensagens publicitárias em imóvel pertencente a um particular, concedendo provimento ao recurso, e revogando a decisão recorrida que deverá ser reformulada de acordo com o presente juízo de inconstitucionalidade.
Lisboa, 11 de Fevereiro de 2004
Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres Paulo Mota Pinto Benjamim Rodrigues (vencido de acordo com a declaração de voto apendiculada ao Acórdão nº 34/2004) Rui Manuel Moura Ramos