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Proc. n.º 807/99 Plenário Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam no Plenário do Tribunal Constitucional:
A – O relatório
1 - Requerente e pedido
O PROVEDOR DE JUSTIÇA, usando os poderes conferidos pelo artigo
281º, n.º 2, alínea d), da Constituição da República Portuguesa (CRP), requereu a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas dos artigos 25º, n.º 2, alínea c), 101º, n.º 1, alíneas a), b) e c), e n.º 2, e
125º do Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, 97º do Código Penal, na versão actualmente vigente, 68º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 59/93, de 3 de Março, e 34º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
Estas normas são do seguinte teor:
A - Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto:
«Artigo 25.º Interdição de entrada
2 - Será igualmente interditada a entrada em território português aos estrangeiros indicados para efeitos de não admissão na lista nacional em virtude de: a) ... b) ... c) Terem sido condenados em pena privativa de liberdade de duração não inferior a um ano.».
«Artigo 101º Pena acessória de expulsão
1 – Sem prejuízo do disposto na legislação penal, pode ser aplicada a pena acessória de expulsão: a) Ao estrangeiro não residente no País condenado por crime doloso em pena superior a 6 meses de prisão; b) Ao estrangeiro residente no País há menos de 4 anos condenado por crime doloso em pena superior a 1 ano de prisão; c) Ao estrangeiro residente no País há mais de 4 anos e menos de 10 condenado em pena superior a 3 anos de prisão.
2 – A pena acessória de expulsão pode igualmente ser aplicada ao estrangeiro residente no País há mais de 10 anos, sempre que a sua conduta constitua uma ameaça suficientemente grave para a ordem pública ou segurança nacional.».
«Artigo 125º Violação da decisão de expulsão
1 - ...
2 – Em caso de condenação, o tribunal decretará acessoriamente a expulsão do estrangeiro.».
B - Código Penal, na redacção do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março:
«Artigo 97º Inimputáveis estrangeiros
Sem prejuízo do disposto em tratado ou convenção internacional, a medida de internamento de inimputável estrangeiro pode ser substituída por expulsão do território nacional, em termos regulados por legislação especial.».
C – Decreto-Lei n.º 59/93, de 3 de Março:
«Artigo 68º Pena acessória de expulsão
1 – Sem prejuízo do disposto na legislação penal, será aplicada pena acessória de expulsão: a) Ao estrangeiro não residente no País condenado por crime doloso em pena superior a seis meses de prisão; b) Ao estrangeiro residente no País há menos de 5 anos condenado por crime doloso em pena superior a um ano de prisão; c) Ao estrangeiro residente no País há mais de 5 anos e menos de 20 condenado em pena superior a 3 anos de prisão.».
D – Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro:
«Artigo 34º Expulsão de estrangeiros e encerramento de estabelecimento
1 – Sem prejuízo do disposto no artigo 48º, em caso de condenação por crime previsto no presente diploma, se o arguido for estrangeiro, o tribunal pode ordenar a sua expulsão do País, por período não superior a 10 anos, observando-se as regras comunitárias quanto aos nacionais dos Estados membros da Comunidade Europeia.».
2 - Fundamentos do pedido
Fundamentando o seu pedido, alega o requerente:
«1.º O Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, regula as condições de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território português.
2.º No seu art.º 25.º estabelecem-se os termos em que deve ser negada a entrada a cidadãos estrangeiros em território nacional, elencando-se no n.º 2 várias causas de inscrição na lista nacional de não admissão.
3.º De entre as várias causas aí especificadas, realço a descrita na alínea c), mandando interditar a entrada em Portugal (e consequentemente no chamado Espaço Schengen) a quem tenha sido condenado em pena de prisão não inferior a um ano.
4.º A inscrição na lista de não admissão e consequente interdição de entrada é automática, não prevendo a norma qualquer ponderação.
5.º Esta consequência automática de uma decisão que não procedeu à valoração expressa da sua adequação e proporcionalidade colide frontalmente com a disposição do art.º 30.º, n.º 4, da Constituição, segundo a qual “nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos.”
6.º Em anotação a este normativo constitucional referem os Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira (cfr. Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, pág. 198) “o que se pretende é proibir que à condenação em certas penas se acrescente de forma automática, mecanicamente, independentemente de decisão judicial, por efeito directo da lei, uma outra pena daquela natureza”.
7.º E fazem notar ainda os mesmos autores que “a teleologia intrínseca da norma consiste em retirar às penas efeitos estigmatizantes, impossibilitadores da readaptação social do delinquente e impedir que, de forma mecânica, sem atender aos princípios de culpa, da necessidade e da jurisdicionalidade, se decrete a morte civil, profissional ou política do cidadão (cfr. Acs. TC n.º 16/84, 91/84,
310/85, 75/86, entre outros)”.
8.º E, como muito bem, tem decidido o Tribunal Constitucional em vários acórdãos, os efeitos das penas traduzem-se materialmente numa verdadeira pena, que não pode deixar de estar sujeita, na sua aplicação, às regras próprias do Estado de Direito democrático, designadamente reserva judicial, princípio da culpa, proporcionalidade da pena, etc. (Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 127/84 e 16/84).
9.º Ora, no caso vertente, faz-se corresponder à aplicação de uma pena de prisão com um mínimo de certa duração a privação do direito, mesmo observadas que estejam as condições legais, de entrar em Portugal.
10.º Julga-se clara a contradição entre o efeito jurídico desta norma e a norma prevista no art.º 30.º, n.º 4, da Constituição, redundando numa inconstitucionalidade material.
11.º A respeito de norma que impunha a expulsão automática de cidadão estrangeiro condenado em pena de certa duração, o hoje revogado art.º 43.º do Decreto-Lei n.º 264-B/81, de 3 de Setembro, e da sua inconstitucionalidade face ao teor do art.º 30.º, n.º 4, introduzido na revisão constitucional de 1982, veja-se o que escreveu o Professor Doutor Figueiredo Dias, no seu Direito penal português. As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993, §§ 225 e 226.
12.º Algumas dúvidas suscita-me a alínea a) do mesmo art.º 25.º, n.º 2, mas julgo possível interpretar essa norma como apenas aplicável durante o período em que tenha sido decretada judicialmente a interdição de entrada, não podendo ser consequência perpétua ou de duração indefinida da pena de expulsão.
[...]
13.º As alíneas a), b), e c), do n.º 1, e n.º 2 do art.º 101º, do citado Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, prevêem de modo genérico a possibilidade de ser aplicada a pena acessória de expulsão, no primeiro caso quanto a estrangeiros não residentes, no segundo quando possuam residência em Portugal há menos de 4 anos, no terceiro quando essa permanência seja entre 4 e 10 anos e na quarta norma identificada quando a residência ultrapasse esse limite.
14.º Faço notar que a lei utiliza como definição de residente, segundo o art. 3.º do mesmo diploma, aquele estrangeiro que esteja habilitado com título válido de residência em Portugal, sendo fácil verificar que esse condicionalismo jurídico pode ser, e geralmente será, desmentido no plano dos factos por uma permanência mais ou menos longa como imigrante dito ilegal.
15.º O art.º 125.º, n.º 2, do mesmo Decreto-Lei n.º 244/98, prescreve como consequência necessária do crime de violação de decisão de expulsão a aplicação de pena acessória de expulsão.
16.º O art.º 97.º do Código Penal, na versão actualmente vigente, permite a substituição da medida de internamento a inimputável de nacionalidade estrangeira pela medida de expulsão.
17.º O art.º 34.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, estabelece, no tocante aos tipos penais contidos nesse diploma, a possibilidade de ser decretada a expulsão caso se trate de cidadãos estrangeiros.
18.º O acórdão do Tribunal Constitucional 181/97 julgou inconstitucional esta última norma por entender que a mesma, em raciocínio que se acompanha, viola as normas dos arts. 33.º, n.º 1, e 36.º, n.º 6, da Constituição, na medida em que seja aplicável a cidadãos estrangeiros que tenham filhos menores de nacionalidade portuguesa com eles residentes em território nacional.
19.º O art.º 125.º, 2, do mesmo Decreto-Lei n.º 244/98, também foi julgado inconstitucional pelo acórdão do Tribunal Constitucional 470/99, em aplicação de raciocínio análogo ao contido no acórdão 181/97.
20.º Na verdade, aplicar uma pena de expulsão a quem tenha consigo a coabitar filhos menores de nacionalidade portuguesa implica, na provável maioria das situações, a saída forçada de território nacional desses cidadãos portugueses.
21.º Não me parece lícito praticar aqui a especiosidade de lembrar que não há um acto jurídico de expulsão nem tão pouco ficam esses menores impedidos de reentrar em território português.
22.º Julgo que aqui como na generalidade da interpretação do Direito há que atentar com mais acuidade na materialidade subjacente ao âmbito de protecção da norma, bastando para se considerar como violado o art.º 33.º, n.º 1, da Constituição, a prática de actos por parte do Estado de que resulte a saída compulsória de cidadãos do país.
23.º No caso vertente, na esmagadora maioria das situações o progenitor expulso tenderá a levar consigo a sua família, nem sequer se podendo falar, a respeito dos menores, num acto voluntário, ainda que inquinado pela coacção exercida pelas circunstâncias, de exílio.
24.º O facto de se tratar de filhos menores, dependentes economicamente, reforça a necessidade do seu afastamento do país, em nada se permitindo diferenciar a situação prevista no art. 97.º do Código Penal, já que os motivos que podem determinar a inimputabilidade penal não são forçosamente causa de inibição de poder paternal ou, o que mais releva, serão necessariamente reconduzíveis à necessidade de afastamento entre pais e filhos.
25.º Disjuntivamente, caso se entenda que a coacção exercida para a saída do país dos filhos menores de nacionalidade portuguesa não é em grau suficiente para se considerar violado o teor do art.º 33.º, n.º 1, da Constituição, não é menos verdade que se violará então, impondo-o como alternativa, a norma prevista no art.º 36.º, n .º 6, da Constituição, separando os pais dos filhos por uma decisão judicial que, manifestamente, não é a que está prevista no inciso final da norma constitucional, por nada ter que ver com as condições do exercício do poder paternal e o seu bom desempenho.
26.º Não creio caberem aqui a contra-argumentação expendida no voto de vencido ao acórdão 181/97, segundo o qual a separação entre pais e filhos é admissível, por ser inerente à pena de prisão, nem os argumentos que tentam levar esta questão para o plano da proporcionalidade das penas em concreto.
27.º Como bem se escreve no acórdão em causa, infirmando-se o acórdão então recorrido, não há analogia entre a separação entre pais e filhos provocada pela prisão e pela expulsão.
28.º Neste último caso, a separação entre pais e filhos é imposta pela própria natureza da pena, salvo o caso previsto na lei para filhos menores de três anos em relação às respectivas mães que estiverem detidas, e não implica qualquer expulsão do território nacional, assim nunca estando em causa uma das normas constitucionais cuja violação se invoca.
29.º No caso que agora me ocupa, trata-se de discutir a admissibilidade de uma pena acessória e a sua conformidade com as normas constitucionais pertinentes.
30.º Não estamos a discutir os efeitos e admissibilidade de uma pena que a Constituição permite para todos os cidadãos, a de prisão, mas sim a de uma pena acessória, a de expulsão, que a Constituição manifestamente não tem por imperiosa, de tal modo que a proíbe expressamente em certos casos.
31.º
É, além do mais, certo que a constitucionalidade da pena de expulsão não é em abstracto questionável se os filhos menores forem também de nacionalidade estrangeira, assim não se separando a família em alternativa à expatriação.
32.º Também não posso concordar com a perspectivação desta questão por via da análise dos casos concretos e da medida em que neles ocorrem ou não argumentos de necessidade, proporcionalidade e adequação desta pena acessória.
33.º Se é certo que perante o caso concreto toda e qualquer pena deve ser sujeita a este crivo, por se tratar de restrição a direitos fundamentais, o que se deve apreciar primeiramente é se a norma em abstracto se conforma com os valores constitucionais, permitindo-se num segundo nível de análise a sua aplicação quando for constitucional e legalmente adequada.
34.º O que ora se contesta é a própria consagração legislativa da pena de expulsão em termos de poder provocar a consequente expulsão de cidadãos nacionais ou, em alternativa, a separação familiar.
35.º Entendo que nessa análise não cabem juízos de proporcionalidade, face ao teor das normas constitucionais afectadas e ao que se passa a expor.
36.º Assim, há que partir do princípio de que a expulsão não pode ser vista como uma discriminação em função da nacionalidade na punição de crimes praticados.
37.º Em tese, a sanção sofrida por um nacional pela prática de determinado crime deve ser idêntica à de um estrangeiro, cœteris paribus.
38.º Só assim não é, podendo apenas o estrangeiro sofrer a pena acessória de expulsão, porque a Constituição proíbe a expulsão de cidadãos nacionais.
39.º O juízo de proporcionalidade opera face ao crime praticado e às circunstâncias objectivas e subjectivas que o rodeiam, alcançando-se uma punição que, à partida, tem que ser idêntica qualquer que seja a nacionalidade do agente.
40.º O contrário seria considerar mais censurável um acto praticado em função da nacionalidade de quem o pratica, discriminação que julgo inaceitável face ao princípio da igualdade e todo o enquadramento constitucional e jus-internacional em matéria de protecção dos direitos do Homem.
41.º Assumindo que está que, no caso concreto, seria proporcional e adequada a aplicação da pena acessória de expulsão, não sendo ela aplicável no casos de cidadãos portugueses também o não pode ser quando reflexa mas directamente ela conduza à saída forçada dos filhos menores de nacionalidade portuguesa ou à sua separação do progenitor.
42.º Defendo assim que este crivo da necessidade, proporcionalidade e adequação deve operar ao nível da escolha e determinação da pena, não ao nível da apreciação da sua licitude face a outros parâmetros constitucionais como os que entendo estarem aqui em causa.
43.º Apesar de já se encontrarem revogadas, o mesmo raciocínio não pode deixar de ser aplicado às normas contidas no art.º 68.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 59/93, de 3 de Março, antecessoras das agora previstas no Decreto-Lei n.º 244/98.
44.º Mesmo considerando o entendimento que o Tribunal Constitucional tem sistematicamente mantido a respeito de normas revogadas, neste caso há manifestamente interesse no conhecimento do fundo da questão, tendo em vista os efeitos retroactivos sobre os casos entretanto transitados em julgado, por via da excepção constante da segunda parte do art.º 282.º, n.º 3, da Constituição».
E o requerente conclui que a norma contida no artigo 25º, n.º 2, alínea c), do Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, é inconstitucional por violação do disposto no artigo 30º, n.º 4, da Constituição e que as normas constantes dos artigos 101º, n.º 1, alíneas a), b) e c), e n.º 2, 125º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, do artigo 97º do Código Penal, do artigo 34º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, e do artigo 68º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 59/93, de 3 de Março, na parte em que permitem a expulsão de cidadãos estrangeiros que tenham a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa, são também inconstitucionais, conjugadamente, por violação do disposto nos artigos 33º, n.º 1, e 36º, n.º 6, da Lei Fundamental.
3 - Resposta do autor da norma
Notificado nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 54º e 55º, n.º
3, da Lei do Tribunal Constitucional, o Primeiro-Ministro respondeu ao pedido, concluindo assim:
«A) Não deve ser declarada inconstitucional a norma ínsita na al. c) do n.º 2 do art.º 25º do Decreto-Lei n.º 244/98, posto que se traduz num acto legítimo de soberania do Estado português. A recusa de entrada no território nacional a todos os estrangeiros condenados em pena privativa de liberdade não inferior a um ano, com a inclusão da sua inscrição na lista de não admissão do SIS (Sistema de Informação Schengen), resulta, objectivamente, de uma Convenção Internacional de que o Estado português é Parte. A protecção de que gozam os estrangeiros (ou apátridas) a quem é negada a entrada em território nacional é, face às autoridades e ordem jurídico-pública nacional (nela incluída a Constituição), de natureza internacional. Os princípios gerais de aplicação da lei no espaço assim o determinam. Não está aqui em causa a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos – o conteúdo da norma em causa não preenche o conceito jurídico-constitucional de perda de direitos civis, profissionais ou políticos – ou a violação do princípio fundamental supremo da dignidade da pessoa humana. E se a teleologia intrínseca à garantia dos limites gerais das penas e medidas de segurança é a de retirar às mesmas efeitos estigmatizantes, impossibilitadores da reinserção e readaptação social do delinquente, essa reinserção e readaptação caberá, em primeira linha, às autoridades jurisdicionais ou administrativas competentes do país de que o estrangeiro é nacional.
B) Não deve ser declarada a inconstitucionalidade das normas constantes dos arts. 101º, n.º 1, als. a), b), c), e n.º 2, e art.º 125º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 244/98, posto não constituírem as penas a que se referem penas acessórias verdadeiras e próprias, mas medidas administrativas de polícia de estrangeiros. A verdade é que as mesmas, independentemente de terem sido decretadas por autoridade judicial ou autoridade administrativa competente, obedecem em tudo às garantias próprias de um Estado de direito, a saber: princípios da legalidade, tipicidade e jurisdicionalidade da sua aplicação. A decisão de expulsão obriga à intervenção de um tribunal nem que seja na fase de recurso. Neste sentido, em matéria de defesa da “unidade da família” e do concomitante
“direito à convivência”, em caso de conflito prático, compete ao juiz e ao tribunal decidir da correcta e justa aplicação da norma. O objecto do juízo constitucional não é o “texto da norma” (Normtext) nem o seu conteúdo, mas a “situação normativa” (Rechtslage, Rechtszustand), isto é, a situação que resulta da aplicação da norma a um contexto particular.
É a aplicação da norma que é objecto de controle e não a questão abstracta e académica que pode colocar-se em casos duvidosos. O princípio da protecção da “unidade da família” e do “direito à convivência”, isto é, o direito dos membros do agregado familiar a viver juntos, não é posto em causa pelas normas impugnadas nos autos, nem tão pouco pela interpretação teleológica objectiva que pode ser retirada do “código legislativo” em que as mesmas se inserem e corporizam.
C) Idêntico raciocínio deverá valer no que concerne às normas constantes do art.º 34º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93 e art. 97º do Código Penal. A justiça da decisão não diz respeito ao procedimento, que deverá ser imparcial
(fairness), mas ao resultado da decisão. O legislador teve o cuidado de deixar bem expressa na sua estatuição essa possibilidade: “pode ser substituída por expulsão do território nacional” (art.º
97º do Código Penal), “o tribunal pode ordenar a sua expulsão do País” (art.º
34º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93). Nada impede, portanto, que, atendendo às circunstâncias do caso, o tribunal venha a decidir no sentido da não aplicação da medida de expulsão de estrangeiro com filhos menores de nacionalidade portuguesa a seu cargo e no exercício legítimo do respectivo poder paternal. O poder de levar a cabo essa decisão judicial responsável é da competência dos tribunais e do poder judicial.
D) Não deve ser declarada a inconstitucionalidade das normas contidas no art.º
68º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 59/93, não apenas pelas razões acima discriminadas, mas ainda pelo facto de se tratar de normas expressamente revogadas. Nem a excepção à regra dos efeitos gerais retroactivos da declaração de inconstitucionalidade prescrita na Constituição (art. 282º, n.º 3) poderá justificar essa apreciação».
4 - Discutido em Plenário, nos termos do art.º 63º, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC ), o memorando apresentado pelo Vice-Presidente do Tribunal, por delegação do Presidente (art.º
39º, n.º 2 da LTC), e fixada a orientação do Tribunal Constitucional, cumpre agora decidir de harmonia com o que então ficou estabelecido.
B – A fundamentação
5 - Questões preliminares
5.1 - O Provedor de Justiça, como se referiu, alega a inconstitucionalidade de diversas normas, aglutinando-as em dois grupos:
– o do artigo 25º, n.º 2, alínea c), do Decreto-Lei n.º 244/98, sustentando que esta norma viola o artigo 30º, n.º 4, da Constituição;
– e o do artigo 101º, n.º 1, alíneas a), b) e c), e n.º 2, e do 125º do Decreto-Lei n.º 244/98; do artigo 97º do Código Penal; do artigo 68º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 59/93; do artigo 34º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93 –, defendendo aqui que estas normas atentam contra o estatuído nas disposições conjugadas dos artigos 33º, n.º 1, e 36º, n.º 6, da Constituição.
Cumpre acentuar que, relativamente a este segundo grupo, o pedido se encontra restringido ao efeito jurídico contido nas normas de possibilidade de expulsão de cidadãos estrangeiros que tenham a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa. Com efeito, o requerimento do Provedor de Justiça conclui dizendo, expressis verbis, que pede a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, das normas dos artigos 101º, n.º 1, alíneas a), b) e c), e n.º 2, e 125º do Decreto-Lei n.º 244/98, 97º do Código Penal, 68º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 59/93, e 34º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, “na parte em que permitem a expulsão de cidadãos estrangeiros que tenham a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa” (itálico acrescentado). Só sendo assim, faz sentido, de resto, a sua invocação da violação do artigo
33º, n.º 1, da Constituição, norma esta que, obviamente, é aplicável apenas a cidadãos nacionais, e cujo conteúdo não pode ser estendido a coberto do princípio de equiparação previsto no artigo 15º, n.º 1, da Constituição, a cidadãos estrangeiros. Por outro lado, só entendendo o pedido nestes termos é que se afigura pertinente a alegação feita pelo Provedor de Justiça, nos arts.
18º e 19º do seu requerimento, da jurisprudência firmada pelo Tribunal nos Acórdãos n.os 181/97 e 470/99, dado que esta só tratou da questão dos filhos menores de nacionalidade portuguesa residentes em território nacional. A tal acepção normativa se encontra, portanto, delimitado o pedido.
5.2 - Finalmente, importa, agora, dar conta de que algumas normas foram objecto de revogação ou de alteração. Tal circunstância demanda que se questione a utilidade do conhecimento do pedido. Antes, porém, são de registar as vicissitudes que ocorreram com as disposições legais.
5.2.1 - Assim, a norma do artigo 68º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 59/93 já não se encontra em vigor, tendo sido revogada pelo artigo 162º do Decreto-Lei n.º
244/98.
Aquela norma determinava o seguinte: “1 – Sem prejuízo do disposto na legislação penal, será aplicada pena acessória de expulsão: a) Ao estrangeiro não residente no País condenado por crime doloso em pena superior a seis meses de prisão; b) Ao estrangeiro residente no País há menos de 5 anos condenado por crime doloso em pena superior a um ano de prisão; c) Ao estrangeiro residente no País há mais de 5 anos e menos de 20 condenado em pena superior a 3 anos de prisão”.
A matéria encontra-se agora regulada no artigo 101º, n.os 1 e 2, daquele Decreto-Lei que assim dispõe:
«1 - Sem prejuízo do disposto na legislação penal, pode ser aplicada a pena acessória de expulsão: a) Ao estrangeiro não residente no País condenado por crime doloso em pena superior a 6 meses de prisão; b) Ao estrangeiro residente no País há menos de 4 anos condenado por crime doloso em pena superior a 1 ano de prisão; c) Ao estrangeiro residente no País há mais de 4 anos e menos de 10 condenado em pena superior a 3 anos de prisão.
2 - A pena acessória de expulsão pode igualmente ser aplicada ao estrangeiro residente no País há mais de 10 anos, sempre que a sua conduta constitua uma ameaça suficientemente grave para a ordem pública ou segurança nacional.».
5.2.2 - Por outro lado, após a entrada do pedido no Tribunal Constitucional, a norma do artigo 25º, n.º 2, alínea c), do Decreto-Lei n.º
244/98 foi alterada, tendo recebido, através do Decreto-Lei n.º 34/2003, de 25 de Fevereiro (art.º 1º), nova redacção.
O novo texto dispõe agora:
«2 – É igualmente interditada a entrada em território português aos estrangeiros indicados para efeitos de não admissão na lista nacional em virtude de: c) Terem sido condenados por sentença com trânsito em julgado em pena privativa de liberdade de duração não inferior a 1 ano, ainda que esta não tenha sido cumprida, ou terem sofrido mais de uma condenação em idêntica pena, ainda que a sua execução tenha sido suspensa».
5.2.3 - Também a norma do artigo 101º do Decreto-Lei n.º 244/98, foi entretanto alterada pelo Decreto-Lei n.º 4/2001, de 10 de Janeiro (tendo, sem alteração de redacção, passado a integrar, por força do disposto no art. 6º do Decreto-Lei n.º 34/2003, a subsecção I, com a epígrafe «Disposições Gerais», da secção I do capítulo IX do Decreto-Lei n.º 244/98), dispondo:
«Artigo 101.º Pena acessória de expulsão
1 - A pena acessória de expulsão pode ser aplicada ao cidadão estrangeiro não residente no País, condenado por crime doloso em pena superior a 6 meses de prisão efectiva ou em pena de multa em alternativa à pena de prisão superior a 6 meses.
2 - A mesma pena pode ser imposta a um cidadão estrangeiro residente no País, condenado por crime doloso em pena superior a 1 ano de prisão, devendo, porém, ter-se em conta, na sua aplicação, a gravidade dos factos praticados pelo arguido, a sua personalidade, a eventual reincidência, o grau de inserção na vida social, a prevenção especial e o tempo de residência em Portugal.
3 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, a pena acessória de expulsão só pode ser aplicada ao estrangeiro com residência permanente quando a sua conduta constitua uma ameaça suficientemente grave para a ordem pública ou segurança nacional.
4 - Não será aplicada a pena acessória de expulsão aos estrangeiros residentes, nos seguintes casos: a) Nascidos em território português e aqui residam habitualmente; b) Tenham filhos menores residentes em território português sobre os quais exerçam efectivamente o poder paternal à data da prática dos factos que determinaram a aplicação da pena, e a quem assegurem o sustento e a educação, desde que a menoridade se mantenha no momento previsível de execução da pena; c) Que se encontrem em Portugal desde idade inferior a 10 anos e aqui residam habitualmente.
5 - Sendo decretada a pena acessória de expulsão, a mesma será executada cumpridos que sejam dois terços da pena de prisão ou, cumprida metade da pena, por decisão do juiz de execução de penas, logo que julgue preenchidos os pressupostos que determinariam a concessão de saída precária prolongada ou liberdade condicional, em substituição destas medidas» [sublinhado acrescentado].
5.2.4 - Finalmente importa dar conta de que também a norma do art.º
125º do Decreto-Lei n.º 244/98 foi alterada, depois da apresentação do pedido, pela mão do Decreto-Lei n.º 34/2003, ao mesmo tempo que passou a constituir o art.º 136º-B do mesmo Decreto-Lei n.º 244/98, integrada no seu capítulo X.
A redacção desta norma passou a ser a seguinte:
«Artigo 136º-B Violação da medida de interdição de entrada
1 - Constitui crime punível com pena de prisão até 2 anos ou multa até 100 dias a entrada em território nacional de estrangeiros durante o período por que a mesma lhe foi interditada.
2 - Em caso de condenação, o tribunal pode decretar acessoriamente, por decisão judicial devidamente fundamentada, a expulsão do estrangeiro.
3 - Sem prejuízo do disposto no n.º 1, o cidadão estrangeiro poderá ser afastado do território nacional para cumprimento do remanescente do período de interdição de entrada, em conformidade com o processo onde foi determinado o seu afastamento.».
5.3 - Como resulta do exposto, verifica-se que todas as normas cuja declaração de inconstitucionalidade foi requerida, à excepção das constantes do artigo 97º do Código Penal e do artigo 34º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, ou foram revogadas, ou foram alteradas. Deste modo - e salvo relativamente aos preceitos acabados de identificar - coloca-se a questão de saber se persiste o interesse no conhecimento do recurso ou se este se tornou supervenientemente inútil, dado constituir jurisprudência pacífica deste Tribunal Constitucional a impossibilidade de “convolação” do pedido mediante a substituição do seu objecto, por tal atentar contra o princípio do pedido que se encontra consagrado no art.º 51º, n.º 5, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão
(LTC).
Constitui, porém, entendimento reiterado deste Tribunal que a circunstância de uma norma se encontrar revogada não conduz automaticamente à inutilidade do conhecimento do pedido de fiscalização abstracta sucessiva de constitucionalidade, uma vez que a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral produz efeitos ex tunc, ou seja desde a data da entrada em vigor da norma declarada inconstitucional (cfr. artigo 282º, n.º 1, da Constituição), havendo, desta forma, interesse na emissão de tal declaração, quando ela seja indispensável para eliminar os efeitos produzidos pela norma questionada durante o tempo em que esta vigorou (cfr., entre outros, os Acórdãos n.º 17/83 e n.º 98/2000, publicados nos ATC, respectivamente, nos vol. 1º, pp.
93 e segs., e vol. 46º, pp. 41 e segs.).
Mas, também, segundo a jurisprudência continuamente renovada do Tribunal, não basta que a norma revogada tenha produzido um qualquer efeito, exigindo-se que exista um interesse jurídico relevante para que se proceda à referida apreciação (cfr., entre outros, os Acórdãos n.º 465/91, n.º 116/97 e n.º 673/99, publicados nos ATC, respectivamente, nos vol. 20º, pp. 279 e segs., vol. 36º, pp. 67 e segs., e vol. 45º, pp. 83 e segs.).
E a propósito da caracterização do interesse na emissão da declaração de inconstitucionalidade, refere o Acórdão n.º 238/88, publicado nos ATC, vol. 12º, pp. 273 e segs.:
«Há-de [...] tratar-se de um interesse 'com conteúdo prático apreciável', pois, sendo razoável que se observe aqui um princípio de adequação e proporcionalidade, 'seria inadequado e desproporcionado accionar um mecanismo de
índole genérica e abstracta, como é a declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade' [...], para eliminar efeitos eventualmente produzidos que sejam constitucionalmente pouco relevantes ou que possam facilmente ser removidos de outro modo. Por conseguinte, estando em causa normas revogadas, a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, só deverá ter lugar - ao menos em princípio - quando for evidente a sua indispensabilidade. O fim que, em primeira linha, se visa atingir com a declaração de inconstitucionalidade, que é o de expurgar o ordenamento jurídico da norma inquinada, esse já foi conseguido com a revogação. Eliminar os efeitos produzidos por essa norma não passa, pois, de uma finalidade marginal, só se justificando, por isso, a utilização daquele mecanismo quando estejam em causa valores jurídico-constitucionais relevantes.».
Ora, tendo por referência a norma do art.º 68º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 59/93, cuja inconstitucionalidade requereu e que já à data da formulação do pedido não estava em vigor [por revogada pelo art. 162º do Decreto-Lei n.º 244/98, tendo com uma nova redacção passado a constituir o seu art.º 101º], o requerente obtemperou que: «[M]esmo considerando o entendimento que o Tribunal Constitucional tem sistematicamente mantido a respeito de normas revogadas, neste caso há manifestamente interesse no conhecimento do fundo da questão, tendo em vista os efeitos retroactivos sobre os casos entretanto transitados em julgado, por via da excepção constante da segunda parte do art.º
282.º, n.º 3, da Constituição».
Pressuposta a aplicabilidade da excepção contemplada na segunda parte do n.º 3 do artigo 282º da Constituição, não pode o Tribunal Constitucional deixar de atribuir a esta alegação do Provedor de Justiça um especial relevo para aferir da existência de um interesse “com conteúdo prático apreciável”, sob o ponto de vista da adequação e da proporcionalidade, por contraponto à utilização deste “mecanismo de índole genérica e abstracta, como é a declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade”.
Nesta senda compreende-se que a resposta que se dê a esse problema possa ser, até, diferente daquela que o Tribunal lhe deu no Acórdão n.º 31/99, publicado nos ATC 42º vol., pp. 7 e ss., quando - colocado perante a circunstância do regime do art.º 68º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 59/93, cuja declaração de inconstitucionalidade [a par da de outras normas] lhe fora pedida, haver sido substituído pelo art.º 101º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 244/98 - teve de ajuizar da existência de um “interesse com conteúdo prático assinalável” e em que concluiu pela inutilidade superveniente do conhecimento do pedido
“quanto a todos os estrangeiros cuja expulsão já se houvesse entretanto efectivado”.
Deste modo - e tida como relevante tal apreensão da utilidade jurídico-prática do conhecimento do pedido - importará agora indagar se, consideradas as normas do n.os 1 e 3 do art.º 282º, da Constituição, se poderá admitir haver o interesse jurídico pressuposto do qual decorra a utilidade do conhecimento do pedido, dentro das balizas acima traçadas e repetidamente assumidas por este Tribunal. Como já se disse, deflui do n.º 1 do art.º 282º da CRP que a inconstitucionalidade produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional, ou seja, ex tunc, e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado. Este efeito da inconstitucionalidade não é, todavia, absoluto. Na verdade, a primeira parte do n.º 3 do mesmo artigo excepciona desse efeito retroactivo os casos julgados. Colocado entre dois campos de interesses opostos - de um lado a consideração do interesse da certeza e segurança jurídicas, a demandar o respeito pelo caso julgado, com a sua natureza definitiva, e do outro o interesse do respeito pela “legalidade” constitucional, a solicitar a reconstituição da ordem jurídica constitucional mediante o afastamento da norma que a violava e de todos os efeitos jurídicos produzidos à sua sombra - o legislador constitucional sobrepôs o primeiro ao segundo, pondo como limite ao efeito ex tunc da inconstitucionalidade a existência de caso julgado formado relativamente a situação em que tenha ocorrido a aplicação da norma declarada inconstitucional. Mas esta opção do legislador constitucional, de respeito pelos casos julgados, não se acha feita de modo também absoluto ou excludente de qualquer outra solução. No segundo segmento do referido n.º 3 do art.º 282º da CRP, o legislador constitucional admite uma outra preferência: aqui a Constituição permite o afastamento do caso julgado formado sobre a aplicação da norma declarada inconstitucional, quando esta “respeitar a matéria penal, disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social e for de conteúdo menos favorável ao arguido”. Ou seja estabelece uma excepção à excepção do respeito pelo caso julgado. Como, porém, se vê do preceito, essa quebra do respeito pelo caso julgado formado sobre a aplicação da lei declarada inconstitucional não opera ope juris: antes, o legislador constitucional cometeu-a à ponderação do Tribunal Constitucional (cfr., entre outros, J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição revista, pp. 1041; Marcelo Rebelo de Sousa, O valor jurídico do acto inconstitucional, Lisboa,
1988, pp. 258 e ss.). O afastamento do princípio do respeito pelo caso julgado, aqui previsto, funda-se em razões de justiça, igualdade e equidade que são especialmente sensíveis nos domínios contemplados – o penal, disciplinar e contraordenacional. Por outro lado, a atribuição, pela Constituição, ao Tribunal Constitucional do poder de afastar o princípio do respeito pelos casos julgados explica-se pelo facto de tal solução envolver sempre a formulação de um concreto juízo de ponderação, com referência à concreta norma jurídica em causa, daquelas razões de justiça, ao qual não poderão ser alheios os princípios da adequação e proporcionalidade. Pode, pois, concluir-se, destes preceitos, que a Constituição assumiu que, sempre que está em causa norma respeitante a matéria penal, disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social, pode o princípio do respeito pelo caso julgado ser afastado por decisão do Tribunal Constitucional para obviar à consolidação de situações de aplicação da lei declarada inconstitucional que seja de conteúdo menos favorável relativamente à norma que passará a reger a mesma situação. Ora, esta norma tanto poderá ser uma norma que a declarada inconstitucional haja revogado como uma dimensão normativa do mesmo preceito, mas expurgado este da dimensão considerada inconstitucional.
Nesta perspectiva, torna-se possível tomar em consideração as normas por aplicação das quais os casos julgados se poderão ter formado, mesmo que revogadas: basta que esteja em causa uma dimensão normativa não inconstitucional, ou dito de outro modo, uma dimensão de certo preceito normativo expurgado já da inconstitucionalidade, que em si seja mais favorável do que esse mesmo preceito ainda não expurgado da inconstitucionalidade ou, então, lei revogada mais favorável ao arguido. A ser assim, para que o Tribunal possa ajuizar do interesse no conhecimento do pedido, impõe-se-lhe que antecipe, embora a título hipotético, o juízo de inconstitucionalidade relativo às normas já revogadas. Ora, partindo do pressuposto de que as normas que se encontram revogadas cuja constitucionalidade se questiona são inconstitucionais na dimensão “em que permitem a expulsão de cidadãos estrangeiros que tenham a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa” residentes em território nacional, é de considerar haver interesse no conhecimento do pedido, porquanto, o Tribunal Constitucional pode permitir a
“revisão” dos casos julgados, eventualmente com limitações, possibilitando a aplicação da dimensão normativa não julgada inconstitucional, uma vez que, desse modo, ficará regulada a situação do arguido em novos termos pela aplicação da dimensão normativa mais favorável, ou seja, pela aplicação dessas normas com o sentido de não permitirem a expulsão de cidadãos estrangeiros que tenham a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa residentes em território nacional. Estão seguramente em tal situação as normas dos artigos 101º, n.º 1, alíneas a), b), e c), e n.º 2, e 125º do Decreto-Lei n.º 244/98, bem como, ainda, a norma constante do artigo 68º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 59/93, pelo que delas se tomará conhecimento.
O mesmo não se poderá sustentar relativamente à norma do artigo 25º, n.º 2, alínea c), daquele Decreto-Lei n.º 244/98. Senão vejamos. A redacção dada ao artigo 25º, n.º 2, al. c), do Decreto-Lei n.º
244/98, pelo Decreto-Lei n.º 34/2003 (art.º 1º), como se vê, veio alargar, em relação ao regime anterior, as causas de interdição de entrada no território nacional. Ora, atenta a natureza específica da norma, é de considerar não haver interesse jurídico relevante, de acordo com a reiterada jurisprudência deste Tribunal Constitucional sobre esta matéria, acima exposta, no conhecimento do pedido de declaração de inconstitucionalidade. Na verdade, não estamos perante uma norma que ordene a expulsão – ao contrário do que sucede com as restantes normas revogadas. No caso destas últimas, a declaração de inconstitucionalidade, operando ex tunc implicará a reabertura dos casos julgados, impedindo a eventual expulsão dos cidadãos estrangeiros do território nacional. No caso da interdição de entrada, se acaso fosse declarada a inconstitucionalidade, dificilmente se poderiam ressalvar efeitos entretanto produzidos e já definitivamente consumados. É certo que o cidadão ao qual foi proibida a entrada veria levantada essa ordem de interdição de entrada. Só que, entretanto, a nova redacção do artigo 25º, n.º 2, alínea c), continua a interditar-lhe a entrada em Portugal. E fá-lo pelos mesmos motivos já constantes da lei anterior. Nesse sentido, se acaso pretendesse entrar agora no território nacional, essa entrada não lhe poderia ser facultada por força da aplicação de um preceito que mantém as causas anteriores de interdição e se limita a aditar novas causas de proibição de entrada. Seja como for, interessa recordar que o Tribunal firmou jurisprudência, no Acórdão n.º 442/93 (ATC, 25º vol., pp. 659 e ss.), nos termos da qual a inconstitucionalidade das sanções acessórias automáticas de expulsão do território nacional só ocorre se se verificar, nos termos da parte final do artigo 30º, n.º 4, da Constituição, perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos”. Vale isto por dizer que – como se conclui no citado Acórdão n.º 442/93 – é necessário, para ocorrer uma violação do disposto naquela norma constitucional, que o cidadão estrangeiro possua um direito a entrar ou permanecer no território nacional, ou seja, um título válido que lhe garanta esse direito.
No caso da norma do artigo 25º, n.º 2, alínea c), do Decreto-Lei nº 244/98, o que está em causa é a interdição de entrada em território nacional. O problema, situa-se, pois, em momento anterior ao da entrada e permanência, legalmente válidas, do estrangeiro em território nacional, isto é, em momento anterior ao da génese, na esfera jurídica do cidadão estrangeiro, de um qualquer direito civil, profissional ou político conferidos pela ordem jurídica portuguesa. Não há que convocar, por conseguinte, o disposto no artigo 15º, n.º 1, da Constituição, pois o princípio de equiparação aí previsto é circunscrito aos estrangeiros que se encontrem ou residam em território nacional – o que não é o caso daquele que pretenda entrar em Portugal, mas que tal entrada lhe seja interdita; a esse aplicar-se-ão os standards mínimos de protecção conferidos pela ordem internacional, mas nesse âmbito de protecção não se inclui, de forma indiscriminada, absoluta ou incondicional, o direito de entrada e permanência no território de um Estado. Nestes termos, considera-se não haver “interesse com conteúdo prático assinalável” para conhecer do pedido de declaração de inconstitucionalidade da norma do artigo 25º, n.º 2, alínea c), do Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto na sua redacção originária, pelo que nessa parte o pedido efectuado se tornou supervenientemente inútil.
6 - Apreciação do pedido
Na apreciação do pedido, proceder-se-á a uma análise autónoma de cada uma das normas impugnadas:
6.1 - As normas dos artigos 101º, n.º 1, alíneas a), b) e c), e n.º 2, e 125º do Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto
6.1.1 - O Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, veio aprovar o novo regime de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território português, dando expressão, tal como é anunciado no respectivo preâmbulo, à
“livre circulação de pessoas nos países que integram a União Europeia e o espaço Schengen”, “peça fundamental na construção europeia, assente na concretização de uma ideia potenciadora de um espaço de liberdade, segurança e justiça”. Relativamente às normas constantes do artigo 101º, n.º 1, alíneas a), b) e c), e n.º 2, do Decreto-Lei n.º 244/98 cumpre relembrar que, apesar da nova redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 4/2001, subsiste o interesse no conhecimento da sua constitucionalidade. A questão colocada pelo Provedor de Justiça respeitante a estas normas é a do seu confronto com os artigos 33º, n.º 1, e 36º, n.º 6, da Lei Fundamental. Ora, quanto a este problema valem aqui as razões expendidas nos Acórdãos n.os
181/97 e 470/99, publicados, respectivamente, nos ATC, 36º vol., pp. 381 e ss.
(tb. Diário da República II Série, de 22 de Abril de 1997) e Diário da República II Série, de 14 de Março de 2000. Escreveu-se, na verdade, no primeiro aresto:
«[...]
Dispõe o artigo 36º, n.º 6, da Constituição o seguinte:
6. Os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial.
Esta garantia, que consiste em os filhos não poderem, em princípio, ser separados dos pais, não constitui apenas um direito subjectivo dos próprios pais a não serem separados dos seus filhos, mas também um direito subjectivo dos filhos a não serem separados dos respectivos pais. Eventuais restrições aos mesmos direitos apenas serão possíveis mediante decisão judicial, nos casos especialmente previstos por lei e verificados os pressupostos expressamente previstos na Constituição: quando se torne necessário salvaguardar os direitos dos menores, por os pais não cumprirem os seus deveres para com eles. Assim se pretende proteger a família, como o impõe o artigo 67º, n.º 1, do texto constitucional.
Esta protecção constitucional dada à família, bem como a concedida à paternidade e à maternidade, nos termos dos artigos 67º e 68º da Lei Fundamental, permite compreender a importância de que se reveste, na nossa ordem constitucional, a específica norma de garantia estabelecida pelo artigo 36º, n.º
6, que reflecte, afinal, em sede de direitos, liberdades e garantias, aquela protecção.
À família, considerada na Lei Fundamental como “elemento fundamental da sociedade”, hão-de ser facultadas “todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros”, seguramente porque se entende depender o harmonioso desenvolvimento do ser humano das relações estabelecidas com a família. Afinal, é aí que o ser humano inicia as suas relações com os outros e desenvolve a sua personalidade, sendo no relacionamento, nomeadamente afectivo, que estabelece com os pais, que desperta a sua consciência individual e colectiva, a sua própria forma de ver o mundo.
A família, sobretudo a família nuclear, contribui, pois, decisivamente para a identificação do próprio indivíduo, sendo aí que ele encontra as suas raízes e os seus primeiros laços afectivos.
Como afirmam J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., anotação V ao artigo 67º, pág. 351):
A protecção da família significa, desde logo e em primeiro lugar, protecção da unidade da família. A manifestação mais relevante desta ideia é o direito à convivência, ou seja, o direito dos membros do agregado familiar a viverem juntos. [...]
Incumbindo aos pais primordial e insubstituível papel na tarefa de educação e acompanhamento dos filhos, apenas em casos extremos, de irresponsabilidade ou negligência, se justificará, assim, a respectiva separação ou afastamento.
15. Assim tem sido entendido pela jurisprudência do Tribunal de Estrasburgo, em aplicação do artigo 8º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Aquele artigo 8º dispõe pela forma seguinte:
1. Toda a pessoa tem o direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência.
2. Não pode haver ingerência da autoridade pública no exercício deste direito senão tanto quanto esta ingerência estiver prevista pela lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a segurança nacional, para a segurança pública, para o bem-estar económico do país, a defesa da ordem e a prevenção das infracções penais, a protecção da saúde ou da moral, ou a protecção dos direitos e das liberdades dos outros.
Embora reconhecendo aos Estados a legítima preocupação em assegurar a respectiva ordem pública e o consequente direito de controlarem a entrada, a permanência e o afastamento de não-nacionais, o Tribunal Europeu considera que as medidas que possam conflituar com o direito à vida familiar têm de ser justificadas por necessidades sociais imperiosas e, além do mais, proporcionadas aos fins legítimos prosseguidos. E, como tal, tem-se pronunciado no sentido de considerar como violadoras do artigo 8º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem medidas de expulsão de estrangeiros com vínculos familiares no país de residência: assim aconteceu no caso Moustaquim c. Bélgica (Revue Universelle des Droits de l'Homme, Vol. 3, n.º 3, 1991, págs. 90 e segs.), bem como no caso Beldjoudi c. França, (Revue Universelle des Droits de l'Homme, Vol.
5, n.º 1-2, 1993, págs. 40 e segs.).
16. Poder-se-ia dizer, aqui chegados, que a medida de expulsão da mãe não implica, necessariamente, a separação entre os filhos e ela, pois pode levá-los consigo.
Efectivamente assim acontece, só que tal implica que os filhos abandonem o território nacional, para poderem acompanhar a mãe. O que, na medida em que esses filhos tenham nacionalidade portuguesa, acaba por colidir com o disposto no n.º 1 do artigo 33º da Constituição.
Este artigo 33º, n.º 1, dispõe:
Não são admitidas a extradição e a expulsão de cidadãos portugueses do território nacional.
É evidente que, em casos como o dos autos, a expulsão da mãe - estrangeira - implica a expatriação dos respectivos filhos menores - ainda que cidadãos portugueses - para que se possa evitar a separação do agregado familiar. O que, de forma indirecta, equivale à respectiva expulsão.
Para evitar situações deste tipo, a lei francesa, no artigo 25º, n.º 5, da ordonnance de 2 de Novembro de 1945 (na redacção dada pela lei de 29 de Outubro de 1981), expressamente proíbe a expulsão de estrangeiro que seja pai ou mãe de um ou mais filhos franceses, sendo que pelo menos um tenha residência em França, excepto se tiver sido definitivamente inibido do exercício do poder paternal.
17. Ou seja, como está concebida, a norma em questão envolve uma de duas consequências: ou a separação entre pais e filhos; ou a expulsão - embora indirecta ou consequencial - dos filhos, a fim de poderem acompanhar o progenitor alvo da expulsão.
De onde decorre, no questionado segmento da norma, uma violação das disposições conjugadas dos artigos 33º, n.º 1, e 36º, n.º 6, da Constituição.
18. Acrescente-se, aliás, que os interesses de ordem pública visados pela norma em apreço nem sequer face à sua própria lógica interna se apresentam como absolutos - o que, também nesta perspectiva, torna a situação sub judicio substancialmente diversa de outras, como, por exemplo, a de separação entre pais e filhos que resulta da própria prisão.
Com efeito, é o artigo 34º, n.º 1, ele mesmo, que estabelece que
'relativamente aos nacionais dos Estados membros da Comunidade Europeia' se observarão 'as regras comunitárias'. E não seria seguramente razoável sustentar que a nossa Constituição pretende tornar mais fácil a expulsão de um cidadão de um país de língua oficial portuguesa, aqui residente com seus filhos menores de nacionalidade portuguesa, que a expulsão de um cidadão britânico, austríaco, sueco ou finlandês, por exemplo.».
E no segundo acórdão afirmou-se, repetindo alguns dos fundamentos constantes daquela decisão judicial:
«[...]
3.1. - Nos termos do n.º 6 do artigo 36º da CR, os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumprem os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial. E, por sua vez, de acordo com o n.º 1 do artigo 67º da Lei Fundamental, a família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito à protecção da sociedade e do Estado e à efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros. Ao que acresce que o artigo 33º não admite a expulsão de cidadãos portugueses do território nacional.
O juízo de inconstitucionalidade que está na origem do presente recurso parte da conjugação destes preceitos, no reconhecimento da suma importância que o nosso ordenamento jurídico concede à família e à sua protecção, 'pretendendo-se que se lhe facultem todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros, porque é dela que depende o desenvolvimento harmonioso de todo o ser humano, sendo aí que se desenvolve a sua personalidade, relacionamento social e afectivo e sua consciência individual e colectiva e forma de ver o mundo', cabendo aos pais um papel primordial e insubstituível na educação e acompanhamento dos filhos.
E, após se citar o artigo 8º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem
(CEDH), sublinha-se a ideia ínsita na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que, nos limites dos interesses que a sociedade democrática deve acautelar, privilegia a protecção do direito à vida familiar, mencionando-se seguidamente o Acórdão n.º 181/97 do Tribunal Constitucional
(publicado no Diário da República, II Série, de 22 de Abril de 1997) para se concluir pela inconstitucionalidade da norma impugnada, enquanto aplicável a cidadãos estrangeiros que tenham filhos menores de nacionalidade portuguesa com eles residentes em território nacional, pese embora, como sucede no concreto caso, o estrangeiro tenha entrado irregularmente em Portugal. Pode dizer-se que subjaz ao juízo decisório em apreço uma ponderação dos interesses em confronto, de ordem pública e de natureza social, por um lado, como sejam a segurança nacional ou pública, o bem estar económico do País, a defesa da ordem e a prevenção de infracções penais, a protecção da saúde e da moral, e por outro lado, a protecção dos direitos e liberdades de terceiros, para utilizar a terminologia do próprio artigo 8º da CEDH.
3.2. - A garantia constitucional que consiste em os filhos não poderem, em princípio, ser separados dos pais, não constitui apenas um direito subjectivo dos próprios pais em não serem separados dos filhos - como se ponderou no Acórdão n.º 181/97 - mas também um direito subjectivo dos filhos a não serem separados dos respectivos pais. As restrições, quando ocorrerem, apenas são possíveis mediante decisão judicial, nos casos expressamente previstos por lei e verificados os pressupostos expressamente previstos na Constituição: “quando se torne necessário salvaguardar os direitos dos menores por os pais não cumprirem os seus deveres para como eles”.
Reconhece-se, por conseguinte, a natureza primordial e insubstituível da intervenção dos pais na tarefa de educação e acompanhamento dos filhos, só se justificando a separação ou afastamento de uns e outros em casos extremos, de irresponsabilidade ou negligência.
É assim que o direito à convivência, para autores como Gomes Canotilho e Vital Moreira, se assume como a manifestação mais relevante da unidade da família, constitucionalmente consagrada, como tal se entendendo “o direito dos membros do agregado familiar a viverem juntos” (cfr. ob. cit., pág. 351).
No mesmo sentido se desenvolve a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem - que a decisão recorrida invoca - inclusivamente nas situações extremas em que o estrangeiro, sem direito a permanecer no país de que não possui nacionalidade, se vê na impossibilidade de se juntar à sua família ou de a sua família se reunir a ele (cfr., Ireneu Cabral Barreto, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem Anotada, 2ª ed., Coimbra, 1999, págs. 180 e segs.).
4. - No concreto caso, está fundamentalmente em causa o vector constitucional relativo ao n.º 6 do artigo 36º - sem prejuízo, no entanto, da sua necessária articulação com a protecção devida ao núcleo familiar, independentemente dos problemas que o respectivo âmbito proporciona (recentemente sopesados, em parte, no Acórdão deste Tribunal n.º 690/98, publicado no Diário da República, II Série, de 3 de Março de 1999).
A esta luz, é incontroversa a proximidade com a situação contemplada no Acórdão n.º 181/97: aí, a expulsão da mãe, estrangeira, ao abrigo do n.º 1 do artigo 34º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, implicava a expatriação dos respectivos filhos menores - ainda que cidadãos portugueses - se se pretendesse evitar a separação do agregado familiar. Como então se escreveu, essa norma, tal como está concebida, envolve uma de duas consequências: ou a separação entre pais e filhos ou a expulsão - embora indirecta ou consequencial - dos filhos, a fim de poderem acompanhar o progenitor expulso.
Nesta perspectiva, as razões de interesse e ordem pública que fundamentam a medida de expulsão deverão ser ponderadas em articulação com o interesse na conservação da unidade familiar, dado nem uns nem outro deverem ser tomados absolutamente. E o balanceamento que dos dois se fizer pode ditar a “inexecução específica” da medida judicialmente decretada.».
Muito embora estivessem em causa disposições legais diferentes - no primeiro acórdão estava em causa a norma constante do art. 34º, n.º 1, do referido Decreto-Lei n.º 15/93 [norma esta cuja declaração de inconstitucionalidade é também aqui pedida], e, no segundo, a do n.º 2 do art.º
90º do Decreto-Lei n.º 59/93 - o certo é que, em ambos, a questão de constitucionalidade se colocou apenas quanto à aplicação da medida de expulsão
“enquanto aplicável a cidadãos estrangeiros que tenham filhos menores de nacionalidade portuguesa com eles residentes em território nacional”. Ora toda a argumentação aí aduzida em torno do desrespeito pelas disposições constitucionais constantes dos artigos 33º, n.º 1, e 36º, n.º 6, é completamente transponível para a norma agora aqui sindicada. E conquanto as referidas normas tenham sido declaradas inconstitucionais na dimensão referida, o certo é que isso se deveu à circunstância de, nos casos apreciados, se pretender acentuar que estava satisfeita a exigência de os menores filhos de cidadãos estrangeiros residirem em território nacional. Na verdade, fundamentando a decisão no direito de os pais não serem separados dos filhos e no direito de os filhos não serem separados dos pais, “salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial” (art. 36º, n.º 6, da CRP), os acórdãos estão a subentender o dever de os pais assistirem em tudo o que a condição de os seus filhos menores reclama e que é traduzido pela expressão “estar a cargo”. Aliás, é dentro desta linha de pensamento que se compreende a invocação da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. De resto, no mesmo sentido vai a sensibilidade colhida do direito comparado. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem afirmado, em reiterada jurisprudência em matéria de estrangeiros, que a criança nascida no âmbito de um casamento legal cria, desde esse momento e só por esse facto, laços que integram o conceito de vida familiar, mesmo que os pais não coabitem, e que esses laços só podem ser quebrados por factos posteriores excepcionais (cfr. os acórdãos Berrehab, de 1985, Gül, de 1996, Ahmut, de 1996; aplicando este critério aos filhos nascidos fora do casamento, cf. os acórdãos C. v. Bélgica, de 1996, Mehemi, de 1997, Dalia, de 1998; e, para um menor só tardiamente reconhecido pelo pai, o acórdão Boughanemi, de 1996).
Necessário é, assim, que o cidadão estrangeiro tenha os filhos a seu cargo, que com eles mantenha uma relação de proximidade, que contribua decisiva e efectivamente para o seu sustento e para o desenvolvimento das suas personalidades. Deste modo, a norma do artigo 101º, n.º 1, alíneas a), b), e c), e n.º 2 do Decreto-Lei n.º 244/98 é materialmente inconstitucional na dimensão em que permite a expulsão de cidadãos estrangeiros que tenham a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa residentes em território nacional, por violação conjugada do disposto nos artigos 33º, n.º 1, e 36º, n.º 6, da Lei Fundamental.
6.1.2 - O Provedor de Justiça impugna também a constitucionalidade da norma do n.º 2 do artigo 125º do Decreto-Lei n.º 244/88, na sua versão originária, disposição esta que determina que, em caso de condenação por violação da decisão de expulsão, “o tribunal decretará acessoriamente a expulsão do estrangeiro”, por violação conjugada dos artigos 33º, n.º 1, e 36º, n.º 6, da Constituição.
A questão coloca-se quanto aos filhos menores a cargo do cidadão estrangeiro residentes em território nacional que possuam a nacionalidade portuguesa, isto
é, como aduz o requerente, em face das disposições conjugadas dos artigos 33º, n.º 1, e 36º, n.º 6, da Constituição. E, neste plano, o problema possui uma clara afinidade com a situação abordada no Acórdão n.º 470/99. Importa recordar que é necessário que o menor possua a nacionalidade portuguesa e esteja efectivamente a cargo do cidadão estrangeiro. E mais ainda: é necessário que o menor resida em Portugal. Se, por hipótese, o estrangeiro abandonar o nosso país e levar consigo os filhos menores, não possuirá o direito de regressar, violando uma ordem de expulsão, mesmo que alegue para o efeito que traz consigo de volta ao território nacional os seus filhos. Nem se afirme que, dessa forma, se está a impedir cidadãos portugueses de entrar em território nacional: é indiscutível que os menores sempre poderão regressar ao seu País; o progenitor estrangeiro é que não poderá acompanhá-los nesse retorno. Aliás, como decerto se concluirá, a hipótese é praticamente académica, pois que, se o cidadão estrangeiro não puder ser expulso quando tenha filhos de nacionalidade portuguesa a seu cargo residentes em território nacional, não poderá existir obviamente qualquer ordem de expulsão cuja violação implique a pena acessória prevista no n.º 2 do artigo 125º do Decreto-Lei n.º 244/98.
Diferente é o caso – e esse não meramente académico – do estrangeiro que é expulso do território nacional e a ele regressa ilegalmente, só então concebendo ou perfilhando menores de nacionalidade portuguesa. Entende o Tribunal que se impõe fazer aqui um juízo de ponderação entre interesses conflituantes: de um lado, o interesse de preservar a legalidade e evitar situações de fraude à lei, e, do outro, o interesse de preservar a relação entre pais e filhos, constitucionalmente tutelado pela norma do artigo 36º, n.º 6. A solução para esse conflito é dada pela exigência de os menores, além de possuírem a nacionalidade portuguesa, se encontrarem efectivamente a cargo do cidadão estrangeiro – o que, como está bem de ver, só poderá ser analisado em concreto, nas circunstâncias de cada caso, sobretudo tendo em conta que o âmbito de protecção da norma constitucional do artigo 36º, n.º 6, da Constituição é limitado pela sua parte final: “Os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial” (itálico acrescentado). De notar que esta ressalva constitui um bom ponto de apoio para a ideia, que se reitera, segundo a qual a proibição de expulsão implica que o progenitor se encontre efectivamente a exercer os seus deveres fundamentais para com os filhos, isto é, quando tenha os menores a seu cargo.
Não por acaso, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, ao definir o conceito de “família” para efeitos de protecção da mesma à luz do artigo 8º da Convenção, no caso dos estrangeiros exige a existência de uma relação não fictícia
(acórdãos Abdulaziz, Cabales e Balkandali, de 1985, Berrehab, de 1985), sem, no entanto, tomar posição quanto à validade do casamento do ponto de vista do direito interno (acórdão Abdulaziz, Cabales e Balkandali, de 1985). Tratando-se de um casal legalmente casado, entende-se que a expressão implica, normalmente, a coabitação (mesmo acórdão) e que o conceito de família engloba a residência em comum desde o momento da entrada no território do Estado-Parte (acórdãos Moustaquim, de 1991, El Boujaïdi, de 1997, Boujlifa, de 1997; no acórdão Berrehab, de 1985, entendeu-se, porém, que a vida em comum não é condição para se falar de vida familiar entre pais e filhos). É, aliás, significativo da cautela do Tribunal Europeu o requisito, construído pela sua jurisprudência, de existirem reais laços sociais com o território do Estado-Parte (acórdãos C. v. Bélgica, de 1996, Bouchelkia, de 1997, El Boujaïdi, de 1997). Como é ilustrativa desta postura cautelar a circunstância de o Tribunal Constitucional da Alemanha ter decidido que, fora do âmbito específico do asilo, do direito à protecção da família, garantido pelo artigo 6º da Lei Fundamental, não se pode retirar um direito de entrada e permanência para o conjunto do agregado familiar de um estrangeiro que se encontre regularmente em território alemão (sentença de 12 de Maio de 1987, in BverfGE 76, 1, 47). Como exemplo de alguma contenção, pode ainda referir-se que a Supreme Court dos Estados Unidos entendeu, no caso Plyer v. Doe (1982), ainda não objecto de qualquer modificação jurisprudencial, que a apreciação do estatuto dos estrangeiros em situação irregular não deveria obedecer ao padrão mais rigoroso do strict scrutiny, pois, entre o mais, os imigrantes clandestinos não representavam uma suspect class, a merecer maior protecção, dado que eles próprios voluntariamente se haviam colocado em situação irregular. A Supreme Court orientou-se antes pelo modelo do intermediate scrutiny, para concluir, ainda assim, e por maioria tangencial, que era inconstitucional uma lei do Texas que instituía um serviço gratuito de educação para os filhos dos imigrantes legais, mas exigia o pagamento de propinas aos filhos de imigrantes clandestinos (cfr., Richard Gambitta, “Plyer v. Doe”, in Kermitt L. Hall (ed.), The Oxford Companion to the United States Supreme Court, Oxford, 1992, p. 638).
Em abstracto, considera-se que, em caso de conflito, o interesse da manutenção do vínculo familiar se deve sobrepor ao interesse do cumprimento da ordem de expulsão. Reconhece-se que a protecção conferida pelo artigo 36º, n.º 6º, da Constituição, não pode ser levada ao limite – um limite que implicaria que, para defesa da integridade do núcleo familiar fosse inadmissível a emigração, o divórcio e a separação de casais ou a aplicação de penas privativas de liberdade, por exemplo.
A necessidade de proceder a um juízo de ponderação nestas situações tem vindo a ser sublinhada em vários lugares. Instâncias como o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias e o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem têm vindo a tomar o princípio da proporcionalidade como quadro de referência fundamental nesta matéria. No caso Rutili (1975) o princípio da proporcionalidade serviu de base à ponderação entre o direito de livre circulação dos trabalhadores e as limitações que os Estados membros são autorizados a definir por razões de segurança nacional e ordem pública [o princípio da proporcionalidade seria aplicado noutras decisões em matéria de estrangeiros: Sagulo (1977), Watson (1977), Giagounidis (1991), Moustaquim
(1991)]. No caso Ahmut (1996), o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem esclareceu que a obrigação de os Estados-Parte admitirem no seu território parentes de um estrangeiro varia de acordo com a situação particular dos interessados e o interesse geral. E, de um modo genérico, tem chamado a atenção para um justo equilíbrio entre os interesses em presença, nos acórdãos Gül
(1996), Boughanemi (1996), C. v. Bélgica (1997), Dalia (1998). Os critérios para avaliação da proporcionalidade deverão ser: (a) a situação pessoal do requerente
(caso Nasri, 1995); (b) a gravidade do crime cometido (caso Moustaquim, 1991);
(c) o tipo de laços estabelecidos no Estado-Parte (casos Berrehab, de 1988, e C. v. Bélgica, de 1996); (d) o tipo de laços com o país de origem (caso Boughanemi, de 1996); (e) a possibilidade de estabelecimento da vida familiar noutro local
(caso Beldjoudi v. França, de 1992). No Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, o princípio de proporcionalidade seria amplamente desenvolvido no caso Beldjoudi v. França, de 1992.
Significativamente, esta orientação do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem encontrado eco em alguns acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça – que, aliás, não deixam de se referir à jurisprudência daquele Tribunal. No seu acórdão de 6 de Fevereiro de 1997, o Supremo Tribunal de Justiça deixou afirmado que “as decisões em matéria de expulsão, tal como o assinala a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, na medida em que podem atentar contra o bem jurídico protegido no artigo 8º da respectiva Convenção, devem pautar-se por critérios de necessidade e proporcionalidade, isto é, deverão procurar o justo equilíbrio entre, por um lado, o direito à vida privada e familiar e, por outro, a protecção de ordem pública e prevenção de infracções”. Mais tarde, em acórdão de 5 de Março de 1997, o Supremo Tribunal de Justiça diria que “de harmonia com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, as decisões em matéria de expulsão, na medida em que podem atentar contra o direito protegido no § 1º do artigo 8º da respectiva Convenção, ‘devem revelar-se necessárias numa sociedade democrática’, isto é, justificadas por uma necessidade social imperiosa e proporcionadas ao objectivo legítimo prosseguido” (cfr. André Gonçalo Dias Pereira, “A protecção jurídica da família migrante”, in José Joaquim Gomes Canotilho (coord.), Direitos Humanos, Estrangeiros, Comunidades Migrantes e Minorias, Oeiras, 2000, p. 96, com amplas citações de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça neste domínio, com destaque para os acórdãos de
26-5-1988, 12-11-1995, 12-6-1996, 2-4-1997, 9-4-1997, 14-5-1997 e de 4-6-1997). Como se vê, a solução de que o cumprimento da ordem de expulsão deve ceder quando o destinatário da mesma seja progenitor de menores a seu cargo de nacionalidade portuguesa posiciona-se na linha seguida pelo direito comparado. Por tudo o que vem de ser exposto há que concluir pela inconstitucionalidade da norma do artigo 125º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 244/88, na sua versão originária, na medida em que seja aplicável a cidadãos estrangeiros que tenham filhos menores de nacionalidade portuguesa a seu cargo residentes em território nacional.
6. 2 - A norma do artigo 97º do Código Penal
Relembra-se que esta norma, na redacção constante do Decreto-Lei n.º 48/95, de
15 de Março, dispõe que “[S]em prejuízo do disposto em tratado ou convenção internacional, a medida de internamento de inimputável estrangeiro pode ser substituída por expulsão do território nacional, em termos regulados por legislação especial”. A redacção original (artigo 96º), que teve por fonte o artigo 129º do Projecto de Parte Geral de Código Penal de 1963, e a Base XIX da Proposta de Lei n.º 9/X, dispunha: “[E]m relação a estrangeiros, o internamento de inimputáveis pode ser substituído pela expulsão do território nacional”.
Ora, é manifesto que a medida substitutiva de expulsão do inimputável estrangeiro não opera automaticamente, como decorre, desde logo, do seu teor literal (“pode ser substituída”). Por outro lado, trata-se de uma “norma aberta”, que remete para legislação especial a respectiva concretização. Tal como se encontra construída, a norma não pode ainda ser utilizada como critério de decisão pelos tribunais. Aqui, tudo dependerá, pois, do modo como a legislação especial venha a regular a sua previsão. Tomada esta em abstracto, torna-se evidente que ela não é inconstitucional. O problema da expulsão de estrangeiros com filhos menores haverá de ser tratado em legislação especial, não sendo de excluir que esta excepcione precisamente aquela situação do seu âmbito de aplicabilidade. E, mesmo que o não faça, tal problema de inconstitucionalidade não reside, como está bem de ver, na norma do artigo 97º do Código Penal, em si mesma considerada, mas na legislação especial produzida ao seu abrigo. Do exposto resulta que a norma do artigo 97º do Código Penal não é inconstitucional.
6.3 - A norma do artigo 68º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 59/93, de 3 de Março
Como se referiu, esta norma determina:
«Artigo 68º Pena acessória de expulsão
1 – Sem prejuízo do disposto na legislação penal, será aplicada pena acessória de expulsão: a) Ao estrangeiro não residente no País condenado por crime doloso em pena superior a seis meses de prisão; b) Ao estrangeiro residente no País há menos de 5 anos condenado por crime doloso em pena superior a um ano de prisão; c) Ao estrangeiro residente no País há mais de 5 anos e menos de 20 condenado em pena superior a 3 anos de prisão».
O requerente situa, uma vez mais, o problema da inconstitucionalidade na articulação entre os artigos 33º, n.º 1, e 36º, n.º 6, da Lei Fundamental. E faz sentido fazê-lo, porquanto, se essa questão for tratada à luz dos artigos 33º e
36º da Constituição, haverá de implicar as limitações atrás referidas: necessidade de existirem filhos, de menor idade e nacionalidade portuguesa, a residirem em território nacional e a cargo do cidadão estrangeiro. Relativamente a esta norma valem aqui por inteiro as razões expendidas atrás no ponto 6.1.1.
6.4 - A norma do artigo 34º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro
Esta norma, como se referiu, foi já julgada inconstitucional pelo Acórdão n.º
181/97 (cit.), em recurso de fiscalização concreta, com base na fundamentação que se deixou atrás registada. Não se vêem razões para que o Tribunal se afaste desta jurisprudência. Nestes termos, impõe-se declarar a inconstitucionalidade da norma do artigo 34º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, por violação das disposições conjugadas dos artigos 33º, n.º 1, e 36º, n.º 6, da Constituição, na medida em que permita a expulsão de um cidadão estrangeiro quando este tenha a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa residentes em território nacional.
6.5 - Fixação de efeitos
De acordo com o disposto no n.º 1 do art.º 282º da Constituição “a declaração de inconstitucionalidade [...] com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado”. E por seu lado, prescreve o n.º 3 do mesmo artigo que “ficam ressalvados os casos julgados, salvo decisão em contrário do Tribunal Constitucional quando a norma respeitar a matéria penal, disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social e for de conteúdo menos favorável ao arguido”. Entende o Tribunal que se justifica o uso do poder conferido na segunda parte deste n.º 3. É que, em boa verdade, existem razões de justiça, igualdade e equidade que militam no sentido de que os menores de nacionalidade portuguesa residentes em território nacional vivam num ambiente familiar consolidado pela presença dos progenitores ainda que estes sejam cidadãos estrangeiros. Tais razões justificam assim que a declaração de inconstitucionalidade não ressalve os casos julgados em que tenham sido aplicadas penas de expulsão ainda não executadas - desde que no momento da execução da pena acessória se mantenham as condições que determinaram o julgamento de inconstitucionalidade. Mas entende, também, o Tribunal que a possibilidade de “revisão” do caso julgado não pode ser concedida ilimitadamente, porquanto, uma vez consumada a expulsão,
é o interesse público da certeza e da segurança jurídicas, justificativo da consagração do caso julgado, que se sobrepõe.
C – A decisão
Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide:
a) – Não tomar conhecimento do pedido quanto à norma do artigo 25º, n.º 2, alínea c), do Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, na sua redacção originária;
b) – Não declarar a inconstitucionalidade da norma do artigo 97º do Código Penal;
c) – Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação das disposições conjugadas dos artigos 33º, n.º 1, e 36º, n.º 6, da Constituição, das normas do artigo 101º, n.º 1, alíneas a), b) e c), e n.º 2, e do artigo 125º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, na sua versão originária, da norma do artigo 68º, n.º 1, alíneas a), b) e c), do Decreto-Lei n.º 59/93, de 3 de Março, e da norma do artigo 34º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º
15/93, de 22 de Janeiro, enquanto aplicáveis a cidadãos estrangeiros que tenham a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa residentes em território nacional;
d) – Fixar os efeitos da inconstitucionalidade das normas referidas na alínea anterior de modo que não fiquem ressalvados os casos julgados relativamente a penas acessórias de expulsão ainda não executadas aquando da publicação desta decisão.
Lisboa, 31 de Março de 2004
Benjamim Rodrigues Vítor Gomes Gil Galvão Maria Fernanda Palma (Vencida quanto à alínea a) da decisão e com declaração de voto quanto à alínea b), nos termos da declaração de voto junta) Mário José de Araújo Torres (vencido quanto às decisões das alíneas a) e b) e, em parte, quanto à decisão da alínea d) – tudo nos termos da declaração de voto junta) Paulo Mota Pinto (vencido quanto à alínea a) da decisão, nos termos da declaração de voto junta) Artur Maurício (com a declaração de que não conheceria do objecto do pedido, enquanto reportado à norma do artº 68º nº1 do DL nº 59/93, por esta se encontrar já revogada à data em que o pedido deu entrada neste Tribunal) Rui Manuel Moura Ramos (vencido quanto à alínea b) da decisão, nos termos da declaração de voto junta). Carlos Pamplona de Oliveira – vencido quanto à alínea c) da decisão apenas por entender que o Tribunal não deveria tomar conhecimento desta matéria, conforme se expõe na parte correspondente da declaração de voto do Exmº Senhor Conselheiro Bravo Serra. Maria dos Prazeres Pizarro Beleza – votei o não conhecimento das normas dos artigos 101º, nº 1, als. A), b) e c) e nº 2, do artigo 125º, nº2 do Decreto-Lei nº 244/98, de 8 de Agosto, na versão originária, e do artigo 68º, nº 1. als. A), b) e c) do Decreto-Lei nº 59/93, de 3 de Março, no essencial, pelas razões constantes da declaração de voto do Senhor Conselheiro Bravo Serra. Acrescento, todavia, que o efeito pretendido pelo acórdão se alcançaria, a meu ver, por força do princípio da aplicação retroactiva da lei penal mais favorável (artº
29º, nº 4, da Constituição) entendido como propus na declaração que juntei ao Ac. nº 677/98 (D.R., II, de 4 de Março de 1999). Maria Helena Brito (vencida quanto ao conhecimento do pedido no que se refere às normas dos artigos 101º, nº 1, alíneas a), b) e c), e nº 2, e 125º, nº 2, ambos do Decreto-Lei nº 244/98, de 8 de Agosto, na sua versão originária, bem como no que se refere à norma do artigo 68º, nº 1, alíneas a) e c) do Decreto-Lei nº
59/93, de 3 de Março, pelas razões constantes do ponto 2 da declaração de voto do Exmº Conselheiro Bravo Serra) Bravo Serra (vencido, nos termos da declaração de voto junta) Luís Nunes de Almeida
Declaração de voto
Votei vencida no presente Acórdão, por ter entendido que se deveria ter tomado conhecimento da norma do artigo 25º, nº 2, alínea c), do Decreto-Lei nº 244/98, de 8 de Agosto. Esta norma, na sua nova redacção – dada pelo Decreto-Lei nº
34/2003, de 25 de Fevereiro –, manteve parcialmente o conteúdo da norma anterior, de modo que, nessa parte, a norma revogada subsiste com idêntica configuração no ordenamento jurídico. O facto de a redacção actual ter aditado novas causas de proibição de entrada e alterado a configuração de causas já previstas (a anterior redacção não se limitava expressamente a condenações transitadas em julgado) não impede que haja um conjunto de situações abrangidas pela norma anterior que subsiste, de acordo com o mesmo critério normativo. Deste modo, mantém-se plenamente a utilidade no conhecimento do objecto do recurso nessa parte. Por outro lado, entendo que a norma do artigo 97º do Código Penal é susceptível de inúmeras interpretações inconstitucionais. Assim, desde logo, no plano da remissão para critérios regulados por legislação especial que apenas exprimam a concretização de uma faculdade sem limites, a norma, por não definir os termos da legislação especial, autoriza o legislador a uma concretização cujo critério não é previsível e torna-se duvidosamente legítima em face da determinabilidade imposta pelo princípio da legalidade. Também entendo que é de duvidosa constitucionalidade uma alternativa ao internamento do inimputável que consista na expulsão (artigo 97º do Código Penal), em todos os casos em que não se siga o estrito critério de uma mais adequada realização da prevenção especial, tendo em conta as próprias necessidades de recuperação e de reintegração do agente inimputável. Razões meramente utilitaristas ou até o interesse na reunião familiar não poderão justificar, à luz a Constituição (artigo 1º), esta medida. Há, assim, uma inconstitucionalidade latente nesta norma, que, duvidosamente, pode ser ultrapassada com a posterior regulamentação. Maria Fernanda Palma
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencido quanto às decisões constantes das alíneas a) e b) e, em parte, quanto à decisão constante da alínea d) do precedente acórdão, pelas razões a seguir sumariamente enunciadas:
1. Entendi que se justificava o conhecimento do pedido também relativamente à constitucionalidade da norma do artigo 25.º, alínea c), do Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, por razões similares às que levaram o Tribunal a decidir pelo conhecimento da constitucionalidade das demais normas impugnadas, apesar de entretanto revogadas ou alteradas.
Na verdade, apesar de se tratar de uma norma relativa à interdição de entrada em território nacional, essa interdição surge ainda como efeito de uma condenação penal, o que permite considerar tal norma como respeitante a matéria penal, possibilitando o uso, pelo Tribunal Constitucional, do poder conferido pelo n.º 3 do artigo 282.º da Constituição da República Portuguesa (CRP). E, no caso, a admissibilidade do exercício desse poder funda-se, a meu ver, nas mesmas razões de justiça, igualdade e equidade, especialmente sensíveis no domínio contemplado, que foram invocadas para as restantes normas.
Só a declaração de inconstitucionalidade da norma que impede a autorização de entrada em território nacional de cidadão estrangeiro que tenha a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa por esse cidadão ter sido condenado em pena privativa de liberdade de duração não inferior a um ano, conjugada com a decisão do Tribunal Constitucional de não ressalvar dos efeitos da inconstitucionalidade os “casos decididos” relativamente a decisões administrativas de recusa de visto de entrada com esse fundamento, é que possibilitaria ao interessado o reagrupamento familiar em causa, pretensão esta que se mostra constitucionalmente tutelada. Surge como irrelevante, para o efeito, o alegado alargamento de casos de interdição de entrada que resultaria da nova redacção dada ao preceito em causa pelo Decreto-Lei n.º 34/2003, de 25 de Fevereiro (o que não é rigorosamente exacto, pois a nova redacção, a par de alargamentos, também contém restrições face à anterior previsão, como, por exemplo, a exigência do trânsito em julgado da anterior condenação). É que contra estas novas restrições o interessado pode reagir judicialmente arguindo a sua inconstitucionalidade, mas contra o caso decidido formado sobre decisão administrativa que interditou a entrada com base na anterior redacção, só a declaração de inconstitucionalidade dessa redacção, acompanhada de decisão de não ressalva de casos decididos, permitiria ao interessado alcançar o seu objectivo de reagrupamento com os seus filhos menores de nacionalidade portuguesa, residentes em Portugal. Por isso, entendi que havia interesse jurídico relevante no conhecimento do pedido também na parte relativa à norma do artigo 25.º, n.º 2, alínea c), do Decreto-Lei n.º 244/98. E, conhecendo dessa parte do pedido, entendo que tal norma devia ser declarada inconstitucional, pelos mesmos fundamentos invocados a propósito das restantes normas constantes da alínea b) da decisão.
Refira-se ainda que não é exacto que o princípio da equiparação consagrado no artigo 15.º, n.º 1, só valha para os estrangeiros que residam ou se encontrem em Portugal em situação regular. O Tribunal Constitucional já decidiu que, de acordo com esse princípio, estrangeiros que não residam nem se encontrem em Portugal, mas que tenham uma conexão relevante com a ordem jurídica portuguesa, podem gozam de direitos, como, por exemplo, o de apoio judiciário: cf., por exemplo, Acórdãos n.ºs 365/2000 (Diário da República, II Série, n.º 263, de 14 de Novembro de 2000, pág. 18 461; Boletim do Ministério da Justiça, n.º 499, pág. 40; e Acórdãos do Tribunal Constitucional,
47.º vol., pág. 669) e 433/2003 (Diário da República, II Série, n.º 260, de 10 de Novembro de 2003, pág. 16 809), o primeiro comentado por Jorge Miranda em “O Tribunal Constitucional em 2000”, Anuário Português de Direito Constitucional, vol. I – 2001, Coimbra Editora, 2004, págs. 177 e seguintes, em especial págs.
181 e 182). E, mesmo quanto aos estrangeiros em situação irregular, jamais lhes poderão ser negados os direitos constitucional e legalmente consagrados que assentem na dignidade da pessoa humana (cf. José Leitão e Luís Nunes de Almeida, “Les Droits et Libertés des Étrangers en Situation Irréguliére – Portugal”, Annuaire International de Justice Constitutionnelle, vol. XIV – 1998, Economica / Presses Universitaires d’Aix-Marseille, 1999, págs. 297 a 309).
2. Votei no sentido da declaração de inconstitucionalidade da norma do artigo 97.º do Código Penal.
Esse preceito consente a substituição da medida de internamento de inimputável estrangeiro pela medida de expulsão do território nacional, sem ressalvar a situação dos estrangeiros que tenham filhos menores a seu cargo, de nacionalidade portuguesa. Aí radica, a meu ver, a sua inconstitucionalidade, por considerar extensíveis a essa norma as razões que levaram à declaração de inconstitucionalidade das normas referidas na alínea b) da decisão.
A remissão para legislação especial da regulação dos termos em que pode operar a substituição dessas medidas não afasta a actual vigência da norma do artigo 97.º do Código Penal. Nem a pretensa não imediata exequibilidade da norma nem a eventualidade de essa regulação vir a alterar ou restringir a sua actual estatuição constituem, a meu ver, razões impeditivas da emissão de juízo de inconstitucionalidade tendo por objecto a norma com a extensão que ela hoje detém.
3. Finalmente, concordando com o uso, feito pelo Tribunal Constitucional, de não ressalvar, dos efeitos da inconstitucionalidade, os casos julgados, já dissenti da decisão de excluir dessa ressalva os casos em que a medida de expulsão já haja sido executada.
Esta circunstância, puramente aleatória, dependente, muitas vezes, da maior ou menor celeridade dos serviços administrativos responsáveis pela execução da medida e da maior ou menor facilidade na obtenção dos meios para tal necessários, não parece que possa constituir critério relevante para determinar os cidadãos estrangeiros a quem se reconhece e aqueles a quem se nega (em termos frequentemente irreparáveis) o direito constitucional à não separação dos seus filhos menores de nacionalidade portuguesa, residentes em Portugal.
Nem se vislumbra a razão pela qual o interesse público da certeza e da segurança jurídicas, que está na base do instituto do caso julgado – e que o Tribunal Constitucional entendeu dever sacrificar perante situações de reconhecida inconstitucionalidade em que, alternativamente, ou era violada a garantia constitucional de os menores de nacionalidade portuguesa não serem expulsos do território nacional ou era violado o direito de esses menores não serem separados dos seus pais –, vê acrescida a sua relevância, pela mera circunstância de a expulsão já ter sido executada (sem, com isso, o interessado ter perdido o seu interesse em reingressar no território nacional, para acompanhar os seus filhos menores), em termos de passar a ser considerado prevalente relativamente aos valores constitucionais violados pelas normas sindicadas.
Mário José de Araújo Torres
Declaração de voto Teria tomado conhecimento do pedido também quanto à norma do artigo 25º, n.º 2, alínea c), do Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, pois não creio que a nova redacção desta norma se tenha limitado a manter as anteriores e a aditar novas causas de proibição de entrada – caso em que poderia duvidar-se da utilidade de uma eventual declaração de inconstitucionalidade desse artigo 25º, n.º 2, alínea c), na redacção já revogada. Designadamente, a nova redacção refere-se apenas a condenações, “por sentença com trânsito em julgado”, em pena de prisão não inferior a um ano, enquanto a anterior redacção, em causa no presente pedido, não se limitava, pelo menos expressamente, a condenações já transitadas em julgado (assim, uma pessoa que tem pendente recurso contra uma condenação em país estrangeiro, por exemplo, em ano e meio de prisão, poderia ver hoje deferida a pretensão de entrada em território nacional). Tomando conhecimento do pedido também quanto a esta norma, teria, porém, concluído pela sua não inconstitucionalidade pelas razões indicadas no final do ponto 5.3 do acórdão. Paulo Mota Pinto
Declaração de voto
Votei vencido quanto à decisão de não declaração de inconstitucionalidade da norma do artigo 97º do Código Penal, na redacção constante do Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março. Considero que o pensamento legislativo nela vertido comporta o entendimento de que a “legislação especial” aí prevista regule tão-só as condições e os termos em que a medida de internamento de inimputável estrangeiro pode ser substituída pela expulsão do território nacional, sem se debruçar sobre o círculo dos nacionais estrangeiros a quem ela seja aplicável. Ou seja: a norma do artigo 97º do Código Penal pressupõe já, nesta compreensão, o regime de expulsão existente, remetendo para a lei exclusivamente os termos e condições da substituição da medida de internamento de inimputável estrangeiro pela sua expulsão. A ser assim, e na medida em que naquele regime de expulsão se permite o afastamento de cidadãos estrangeiros que tenham a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa residentes em território nacional, a norma do artigo 97º do Código Penal deve ser considerada inconstitucional, pelas mesmas razões que levaram o Tribunal a declarar a inconstitucionalidade das outras normas submetidas à sua apreciação no âmbito do presente processo. Rui Manuel Moura Ramos
DECLARAÇÃO DE VOTO
1. Votei vencido quanto às seguintes questões:
a) conhecimento do pedido no tocante às normas ínsitas nos artigos 101º, números 1, alíneas a), b) e c), e 2, e 125º, nº 2, ambos do Decreto-Lei nº 244/98, de 8 de Agosto, na sua versão originária e no artº 68º, nº 1, alínea a), b) e c), do Decreto-Lei nº 59/93, de 3 de Março;
b) declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação das disposições conjugadas dos artigos 33º, nº
1, e 36º, nº 6, da Constituição, declaração essa constante das alínea c) da decisão proferida no acórdão de que a presente declaração de voto faz parte integrante, no que respeita às normas vertidas insertas nos artigos 101º, números 1, alíneas a), b) e c), e 2, e 125º, nº 2, ambos do Decreto-Lei nº
244/98, na sua versão originária.
Cumpre, brevitatis causa, indicar as razões pelas quais dissenti, naqueles particulares, da decisão tomada.
2. Assim, e tocantemente ao conhecimento do pedido referente a normas cuja vigência já não ocorria no momento da decisão tomada por este Tribunal, quer porque já se encontravam revogadas, quer porque a respectiva redacção foi, desde o pedido e até à aludida decisão, objecto de alteração, perfilho a óptica segundo a qual não existe motivo atendível, indispensável ou juridicamente relevante para que este órgão de administração de justiça procedesse à apreciação dos normativos em causa com vista à eliminação dos efeitos produzidos pelos mesmos durante o tempo em que eles estiveram em vigor.
O acórdão a que esta declaração se encontra apendiculada sustenta-se na consideração de acordo com a qual, tendo em consideração o preceituado na segunda parte do nº 3 do artigo 282º da Constituição, haveria interesse no conhecimento das normas acima indicadas, já que, antecipando, hipoteticamente, um juízo conducente a uma declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, e porque esse vício residiria apenas numa dimensão normativa, permitir-se-ia, assim, a «revisão» dos casos julgados, eventualmente com limitações, dessa sorte ficando regulada a situação do arguido em novos termos, pela aplicação da dimensão normativa mais favorável.
Ora, neste ponto, a leitura que faço da parte final do mencionado nº 3 do artigo 282º é a de que o mesmo tem de ser interpretado em relação directa com o seu nº 1. Isto significa, a meu ver, que a possibilidade, conferida a este Tribunal, de excepcionar os casos julgados dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral tem, necessariamente, de pressupor que a declaração de inconstitucionalidade vai
«repristinar» uma outra norma do ordenamento jurídico ordinário que, confrontadamente com aquela que foi objecto da declaração de inconstitucionalidade, se apresenta como possuindo um conteúdo mais favorável ao arguido.
E, mesmo que, antecedentemente à norma analisada, não existisse no ordenamento jurídico uma outra que regulasse a matéria - assim se não podendo, propriamente, falar de «repristinação» - então deverá concluir-se que tal ordenamento, considerado no seu globo, ao fim e ao resto, por não previr a «medida» que, segundo a norma objecto de apreciação, veio conferir ao arguido uma situação menos favorável, efectuava uma regulação que, para o arguido, era, objectiva e subjectivamente, mais favorável do que aquele que, por força da norma apreciada, a previu e, consequentemente, sujeitou o arguido a um mais acentuado desfavor.
Consequentemente, mesmo nesta hipótese, tenho para mim que o nº 3 do citado artigo 283º não se desligará do seu nº 1, ainda que a declaração de inconstitucionalidade da norma apreciada pelo Tribunal Constitucional não tivesse tido como efeito directo a «repristinação» de uma outra concreta norma que aquela que não pôde, naturalmente, revogar.
Nesta visão das coisas, e porque não vislumbro que no ordenamento jurídico ordinário precedente à entrada em vigor dos normativos - acima indicados - de que o Tribunal tomou conhecimento, existissem regras legais que, confrontadamente com estes, se mostrassem de maior favor para o arguido, perfilhei a opinião de que, no caso, se não justificava lançar mão da ressalva da segunda parte do nº 3 do artigo 282º da Constituição.
E, sendo, afinal, o posicionamento contrário, quanto ao uso de tal faculdade, o esteio do presente acórdão para tomar conhecimento do objecto do pedido quanto aos referidos normativos, não dando, como não dou, anuência a esse «pressuposto», votei pelo não conhecimento do pedido, excepção feita, às normas vertidas no artº 97º do Código Penal e do nº 1 do artº 34º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.
3. Mas, não obstante ter votado o não conhecimento do pedido na parte assinalada, essa circunstância não me desvincula da pronúncia sobre a questão de inconstitucionalidade referente às normas acerca das quais, contrariamente à minha postura, o Tribunal entendeu conhecer.
Neste ponto, divergi da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, por violação das disposições conjugadas dos artigos 33º, nº 1, e 33º, nº 6, da Lei Fundamental, das normas dos artigos 101º, números 1, alíneas a), b) e c), e 2, e 125º, nº 2, do Decreto-Lei nº 244/98, do artº 68º, nº 1, alíneas a), b) e c), do Decreto-Lei nº
59/93.
E fi-lo, essencialmente, pelas razões que aduzi na declaração de voto que apus ao Acórdão deste Tribunal nº 181/97, publicado na II Série do Diário da República de 22 de Abril de 1997.
4. E são essas mesmas razões que me conduziram a votar pela não declaração inconstitucionalidade com força obrigatória geral da norma constante do nº 1 do artº 34º do Decreto-Lei nº 15/93.
5. Votei, porém, a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral - e tão somente por violação do nº 4 do artigo 30º do Diploma Básico - incidente sobre as normas insertas nas alíneas a), b) e c) do nº 1 do artº 68º do Decreto-Lei nº 59/93, na dimensão segundo a qual são aplicáveis a cidadãos estrangeiros que tenham filhos menores de nacionalidade portuguesa a seu cargo residentes em território nacional. Bravo Serra