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Proc. n.º 780/03
3ª Secção Relator: Cons. Gil Galvão
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório.
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que figuram como recorrente A. e como recorrido B. foi proferida decisão, em 12 de Junho de
2003 (fls. 315 a 327), na qual se decidiu negar provimento a um recurso de agravo que a ora recorrente havia interposto de um anterior acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido em 12 de Dezembro de 2002, o qual, por sua vez, já havia negado provimento a um primeiro agravo interposto do despacho do Juiz da Comarca da Santiago do Cacém, de 2 de Abril de 2002, que indeferira liminarmente uma providência cautelar não especificada requerida pela ora recorrente contra o ora recorrido.
2. Inconformada com aquela decisão do Supremo Tribunal de Justiça, a ora recorrente veio aos autos 'requerer a reforma do aliás douto acórdão ora notificado, consoante lho faculta o disposto no artigo 669 n° 2 alínea a) do C.P.C., e bem assim arguir a nulidade do mesmo', por omissão de pronúncia, e solicitar ainda o julgamento ampliado de revista, ao abrigo do disposto no artigo 732º-A do Código de Processo Civil. Nesse requerimento, referiu-se à relação entre determinadas normas do Código de Processo Civil e a Constituição, alegando, nomeadamente, que:
'[...] Salvo o devido respeito os artigos 497 e 498, com relação aos artigos 671 e 673, todos do C.P.C., foram interpretados com um sentido que não é constitucionalmente admitido. Desse modo, foram determinadas normas, por via interpretativa daqueles preceitos, que violam o disposto no artigo 2° da Constituição, onde se garante a efectivação dos direitos e liberdades fundamentais, com relação ao disposto no artigo 27 da mesma constituição, onde se consagra a certeza e a segurança do direito, como anota J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, sob o n°. VII, Coimbra Editora Limitada, 1978, quando dizem:
'não se restringe à protecção contra detenções arbitrárias, significa também a garantia de segurança jurídica, de certeza quanto ao exercício de direitos ...)' e, ainda, com relação ao disposto nos artigos 13° n° 1 e 20° n° 4 da dita Constituição, na medida em que a violação do caso julgado, para além de mexer com a segurança e a certeza do direito, mexe com o direito ao critério de a situações logicamente idênticas, decisões idênticas, segundo uma motivação equivalente, a afastar qualquer, hipótese de arbítrio. Ora, nos termos do artigo 204.º da Constituição 'nos feitos sujeitos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou nos princípios nele consignados'.
[...] Além disso, contestou longamente a 'interpretação dos citados normativos que é, salvo o devido respeito, errada, e por via desse erro, foram determinadas normas, extraídas desses preceitos, que violam a constituição nos preceitos já indicados.'
3. O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 18 de Setembro de 2003 (fls.
343 a 345), decidiu indeferir, 'in totum' o requerimento apresentado. Para tanto, escudou-se na seguinte fundamentação:
'[...] 3. A reforma da decisão pode ser pedida quando 'tenha ocorrido manifesto lapso do juiz na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos' - conf artº 669°, n° 2 , al. a) , do CPC . Ora, nada disso ocorre na hipótese «sub judice» . Versou a pronúncia do acórdão sobre uma invocada excepção de caso julgado, a qual foi considerada improcedente, face à inverificação do chamado princípio da
'tríplice identidade' a que se reportam os artºs 497° e 498° do CPC. A requerente parece não concordar com a interpretação que de tais normas foi feita, bem como com o juízo jurídico-subsuntivo a final extraído, e está no seu direito. Mas o que não pode é invocar qualquer manifesto lapso nos juízos emitidos por reporte às correspondentes premissas decisórias . Improcede , pois, esse 1º segmento do requerimento em apreço.
4. Ainda que sem o substanciar devidamente, parece pretender a requerente arguir a nulidade do acórdão por uma suposta omissão de pronúncia; e isto por o aresto se não haver debruçado «ex professo» sobre todas e cada uma das conclusões por si formuladas. Mas, como constitui jurispudência uniforme deste Supremo, só ocorre uma tal causa de nulidade quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões temáticas centrais e não sobre argumentos, motivos ou razões esgrimidas pelas partes na defesa das respectivas posições/pretensões. No fundo, confunde também a requerente nulidade do acórdão com um pretenso erro de julgamento, só sindicável por via recursal, como é sabido. Improcede, pois, e também, tal arguição.
5. Sugere por último a requerente o julgamento ampliado de revista. Mas - dando de barato que se verificassem os pressupostos dos artsº 732°-A e
732°-B do CPC - o que, diga-se desde já não sucede, tal requerimento, para poder ser considerado, teria de ter sido apresentado até «à prolação do acórdão» e não depois, tal como postula o n.º 1 desse citado art.º 732°-A.
6. Em face do exposto, decidem indeferir 'in totum' o requerimento apresentado'[...].
4. Foi desta decisão que foi interposto o presente recurso de constitucionalidade, através de um requerimento que tem o seguinte teor:
'[...], notificada do douto Acórdão desse Supremo Tribunal de Justiça, proferido sobre o pedido de reforma e sobre a arguição da respectiva nulidade, por omissão de pronúncia -, e porque na aludida peça em que requereram a reforma e em que arguiram a nulidade, suscitaram a questão da inconstitucionalidade de normas aplicadas, com um sentido diverso do permitido pela Constituição, extraídas dos preceitos que identificaram como sendo os dos artigos 497, 498, 671 e 673, todos do C.P.C., na interpretação dada pelo Acórdão de que pediam essa referida reforma e nulidade; e cujo sentido conforme com a Constituição apuraram ao longo do respectivo requerimento, nele indicando a dimensão interpretativa das identificadas normas que pretendem submeter à apreciação do Tribunal Constitucional, que na interpretação do Alto Tribunal recorrido, terão violado, como se expõe e suscita no dito requerimento, o artigo 2° com referência ao artigo 27, 13 n° 1 e 20 n° 4, todos da Constituição -, dele pretende pelo presente requerimento interpor o competente recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70 n. 1, alínea b) da Lei 28/82, de 15/11, com as alterações posteriormente verificadas por força da Lei 143/85, de 26/11, Lei 85/89, de 7/9, Lei 85/95, de 1/9, e Lei 13-A/98, de 26/2. Assim, e nos termos do n. 1 e 2 do artigo 75-A da citada Lei e suas alterações, deve a recorrente indicar as normas cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie e que são as já identificadas dos artigos 497,
498, 671 e 673 todos do C.P.C., com o sentido dado pelo douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de que se requereram respectivamente a reforma, nos termos do artigo 669 n° 2 alínea a) do C.P.C., e a nulidade, nos termos dos artigos 762 n° 1, 749, 732 716 n° 1 e 668 n° 1 alínea d), todos do C.P.C.. O recurso vem interposto do douto Acórdão proferido sobre o pedido de reforma e arguição de nulidade na medida em que deveria ter procedido à reforma e em que deveria ter suprido a nulidade, ou o erro, que parece aceitar, de julgamento, e que deveria ter sido sanado nos termos do artigo 669 n° 2 alínea a) do C.P.C., a pedido da parte, e 666 n° 2 do mesmo Código, não sendo de confundir o lapso manifesto a que alude o artigo 667 n° 2 do C.P.C., com o manifesto lapso do juiz a que alude o artigo 669 n° 2 alínea a) 'que se não refere a erros revelados no próprio contexto da sentença ou de peças para que ele remete, nem de omissões sem consequência no conteúdo da decisão, mas de erro revelado por recurso a elementos que lhe são exteriores' (Prof. José Lebre de Freitas, e outros, Código de Processo Civil Anotado, página 674.) Tendo a ora recorrente demonstrado o erro no sentido dado aos preceitos pelo Alto Tribunal recorrido, sobretudo quando este o admite, embora implicitamente, deveria esse erro ter sido corrigido. [...] Mas uma questão fulcral, e que se sobrepõe e se destaca, é a de saber se tendo aplicado norma inconstitucional, como de facto se entende e se defende que se aplicou, não deveria esse Alto Tribunal, ora recorrido, reformar a sua decisão. Dito de outro modo, se uma interpretação inconstitucional, de quatro normas, suscitadas como tendo sido inconstitucionalmente interpretadas, é ou não um[a] caso de manifesto lapso do juiz na aplicação da norma, que o obriga a reformá-la, nomeadamente a requerimento da parte, perante a suscitação. Se o julgador não pode aplicar normas inconstitucionais é obvio que se efectivamente as tiver aplicado só pode ter sido por erro manifesto, porventura por não ter tido em conta a nossa Lei Fundamental. Nestes termos, porque o recurso está em tempo, e é - salvo melhor opinião - admissível, requer a V. Exa. se digne admitir o presente recurso, fixando-lhe o efeito e o regime de subida. [...]'
5. Na sequência, foi proferida pelo Relator do processo neste Tribunal, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão sumária no sentido do não conhecimento do objecto do recurso. É o seguinte, na parte decisória, o seu teor:
'A admissibilidade do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional - o interposto pela ora recorrente - pressupõe, nomeadamente, que a decisão recorrida tenha efectivamente aplicado, como ratio decidendi, a norma cuja constitucionalidade o recorrente pretende ver apreciada. Ora, como vai sumariamente ver-se, é manifesto que tal não aconteceu. Efectivamente, a decisão recorrida - expressamente identificada no requerimento de interposição do recurso, por mais de uma vez, como a decisão do STJ de 18 de Setembro de 2003, que supra já transcrevemos integralmente - manifestamente não aplicou os artigos 497º, 498º, 671º e 673º, todos do Código de Processo Civil, limitando-se a decidir, com base em outros preceitos, designadamente os constantes dos artigos 668º, 669º, n.º 2, al. a), e 732º-A, do mesmo diploma, que não havia que proceder à reforma do anterior acórdão de 12 de Junho de 2003, que se verificava a alegada nulidade do mesmo, nem era possível o julgamento ampliado de revista. Dessa forma, e sem necessidade de maiores considerações, torna-se evidente que não pode conhecer-se do objecto do recurso de constitucionalidade que a recorrente pretendeu interpor, por falta de um dos seus pressupostos legais de admissibilidade; a saber: ter a decisão recorrida efectivamente aplicado, como ratio decidendi, as normas cuja constitucionalidade pretendia ver apreciadas'.
6. É desta decisão que vem interposta a presente reclamação para a Conferência, que a recorrente fundamenta nos seguintes termos:
'[...] Atentemos em primeiro lugar na decisão sob reclamação. Os factos
1. A decisão ora notificada fundamenta-se na circunstância de a decisão recorrida vir identificada, 'por mais de uma vez, como a decisão do STJ; de 18 de Setembro de 2003' a qual manifestamente não terá aplicado 'os artigos 497,
498, 671 e 673 todos do C.P.C , limitando-se a decidir, com base em outros preceitos, designadamente os constantes dos artigos 668, 669 n° 2 alínea a) e
732-A do mesmo diploma', a negar haver que proceder, à reforma do anterior acórdão, de 12 de Junho de 2003.
2. É com tais fundamentos que se declara inadmissível o recurso e, por isso, decide-se não tomar conhecimento do seu objecto.
É o seguinte o direito que a recorrente acredita dever ser aplicado I-O objecto do recurso, para o Tribunal Constitucional, (qualquer que seja) há-de dever cingir-se a inconstitucionalidades de normas aplicadas cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada, entre os demais requisitos legais. E as normas do nosso sistema jurídico hão-de constituir uma unidade; cada uma, e todas elas, com a sua ratio, ou finalidade, a dever ser atendida (artigo 9° do Código Civil), a justificar o que dispõe o preceito anterior do mesmo diploma, no seu n° 3, em execução da Constituição. II Na mesma esteira, da certeza e da segurança do direito, nomeadamente, rege o artigo 249 do Código Civil: 'O simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá o direito à rectificação desta.' Portanto, e dito de outro modo, deve atender-se ao querer na sua substância e não aos símbolos linguísticos que o exprimem, ainda que repetitivamente errados. III -Tenhamos ainda presente a lição de KARL ENGISCH, in Introdução ao Pensamento Jurídico, Edição da Gulbenkian, que no primeiro capítulo logo nos adverte para a circunstância de a previsão legal, enquanto elemento da estrutura de uma norma, poder subsumir factspecies cujo conteúdo é preenchido com o que vem disposto na estrutura de outras normas. Por exemplo: 'Aquele que com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito de outrem'... é pressuposto do preenchimento de previsões de outras normas do ordenamento jurídico com aptidão para fazer funcionar o respectivo comando que é o outro elemento fundamental da estrutura da citada norma, a saber: 'responde pelos prejuízos causados'. E tenhamos também presente que sendo certo que há hipóteses cujos efeitos jurídicos não têm de coincidir com a realidade apurada em outras ciência, como também adverte o citado autor na mesma obra e capítulo, o certo é que no domínio da linguagem jurídica, como no da linguagem vulgar, o que primordialmente importa é o querer na sua substância, como resulta da disposição citada do artigo 249 do Código Civil e das regras da interpretação da lei ao mandar atender à finalidade ainda que contenha na sua letra um pensamento incorrectamente expresso. IV -É pois com fundamento no artigo 249 do Código Civil que há que aclarar o objecto do recurso ou a pretensão de recorrer. Vejamos pois a questão no âmbito das normas cuja inconstitucionalidade foi suscitada em confronto com as normas aplicadas nas decisões de 12 de Junho de 2003 (folhas 315 a 327) e de 18 de Setembro de 2003 (folhas 343 a 345), perante a declaração da pretensão de recorrer. E isto em conjugação, por último, com as normas em que se fundamentou o direito de recorrer (nomeadamente, o artigo 70 n° 1 alínea b) da Lei do Tribunal Constitucional). Assim, alegou a recorrente que o Supremo Tribunal de Justiça aplicou, no acórdão de 12 de Junho de 2003 (folhas 315 a 327) normas inconstitucionais e fê-lo alegadamente também ao abrigo do disposto nos artigos 669 n° 2 alínea a) do C.P.C.. Alegou ainda que não se tendo o Acórdão pronunciado sobre a questão da oposição existente nos acórdãos da Relação de Évora - outro dos fundamentos do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, claramente resultante do requerimento de interposição - havia sido cometida a nulidade prevista no artigo
668 n° 1 alínea d), do C. P. C., para além da violação das normas constitucionais referidas que o artigo 8° n° 3 do Código Civil executa. Alegou-se por último que estando a ser violada uma outra doutrina do mesmo Supremo Tribunal, que assenta na circunstância de, em certos casos - como o presente - não se poder desligar a fundamentação, daquilo que está contido na parte decisória, por esta constituir antecedente lógico indispensável, deveria haver julgamento ampliado nos termos do artigo 732-A do Código de Processo Civil. V - Assim se alegou, no que concerne ao último parágrafo do número anterior, a pensar na problemática dos requisitos de caso julgado, por se entender que o primeiro Acórdão da Relação entende, nos seus fundamentos, e abstraindo, a suspensão de direitos de sócia decretada em sentença, de uma forma restrita ao que dispõe o actual artigo 381 n° 1 do C.P.C., ao abrigo da qual foi decretada, aliás, em consonância com o que dispõe o artigo 18 n° 2 da Constituição
(antecedente lógico indispensável), e, desse modo, como não impeditivo do direito da sócia de agir em juízo, em representação da sociedade; enquanto no segundo Acórdão da mesma Relação se entende a mesma suspensão de direitos de sócia como impeditiva do direito de agir em juízo em representação da sociedade, numa interpretação extensiva e irrestrita do mesmo e actual artigo 381 n° 1 do C.P.C. (ainda, em causa, o antecedente lógico indispensável) A primeira interpretação do artigo 381 n° 1 do C.P.C., vem na esteira da decisão que decretou a suspensão, visto que tal decisão, com a suspensão dos direitos da sócia (numa sociedade de apenas dois sócios com iguais quotas partes de capital social) concedeu ao outro sócio poderes de gestão restritos aos negócios correntes, a indicar que prevalecia o órgão Assembleia-Geral, ficando este
último sócio - nos termos da decisão - com poderes para a convocar, caso em que a sócia cujos direitos se suspendiam passaria a poder dar entrada nas instalações sociais para nela deliberar, exercendo o seu direito de voto. A segunda interpretação vem em rota de colisão com a própria decisão que decretou os direitos de sócia, da ora reclamante, e com os seus fundamentos, pelo exposto. E, em ambos os casos, ou por violação de caso julgado ou com fundamento na oposição de acórdãos haveria que conhecer e pôr de pé a interpretação do artigo
381 n° 1 do C. P. C. com as restrições ditadas pela Lei Fundamental, o que vai, como se disse, no sentido que decorre da própria decisão que decretou a suspensão dos direitos de sócia, da ora reclamante, em execução dessa norma. VI - Por outro lado, o Supremo Tribunal de Justiça, entendeu não dever subsumir-se em nenhum dos preceitos, em que a ora recorrente se estribara, a situação de erro, de contradição, de omissão de pronúncia ou da necessidade ou conveniência do julgamento ampliado, que a recorrente neles entendia dever subsumir-se, e, por isso, não os aplicou, deixando, na essência, prevalecer o erro que as inconstitucionalidades suscitadas consubstanciam; ou aplicou-os, e não as normas que fundamentam as inconstitucionalidades suscitadas, como se entende na douta decisão sob reclamação, devendo o recurso ter antes por objecto o Acórdão anterior do mesmo Supremo Tribunal. Só que, a ser assim, certo é também que não se deixou, necessariamente, de apreciar as normas cuja inconstitucionalidade foi suscitada, para se entender que não houve lapso na determinação daquelas, aplicadas, erro esse em que se fundamentou o pedido de reforma do primeiro acórdão do Supremo. Mas se, porventura, e apesar do exposto, nesta última parte do parágrafo anterior, se deve entender ser aquele, referido em segundo lugar, o simbolismo linguístico a utilizar - aplicação de outras normas que não aquelas cuja inconstitucionalidade se suscitou - e resultando de todas estas circunstâncias descritas que a recorrente no seu querer apontou armas foi para impugnar as inconstitucionalidades contidas na decisão primeira, tem, no mínimo, direito a ver rectificado o seu pensamento e vontade, pelo simbolismo linguístico entendido como adequado, o que para essa hipótese se requer. Tenha-se no entanto em conta que o Código de Processo Civil atribui os seguintes efeitos jurídicos à decisão, em caso de deferimento: 'considera-se complemento e parte integrante da sentença' artigo 670 n° 2 do Código de Processo Civil. Nada se diz para a hipótese de indeferimento, na medida em que se impede que dela haja recurso ordinário - citado preceito primeira parte. Porém, parece de interpretar a segunda parte do citado artigo 670 n° 2 do C.P.C., extensivamente, a abarcar as hipóteses de recurso para o Tribunal Constitucional. E sendo a decisão de folhas 343 a 345, parte integrante da anterior, como parece que será, e não contendo o requerimento de interposição qualquer restrição, antes dele resultando, com clareza, qual a questão de que se pretende recorrer, e que são as inconstitucionalidades contidas no acórdão de folhas 315 a 327, suscitadas no pedido de reforma, e indeferidas no acórdão de folhas 343 a 345, declara a lei haver que dever entender-se, em caso de decisões distintas, e na falta de especificação, abarcar o requerimento de interposição tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente
(artigo 684 n° 2, última parte, do C.P.C.); a incluir, portanto, ambos os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, na referência que se fez ao último, por força do citado artigo 670 n° 2 do C. P. C. VII - Parece portanto, numa visão atenta, pelos vários ângulos, os do direito substantivo e os do direito adjectivo, que o recurso deve ser admitido, assim o devendo ser sempre em caso de dúvida.[...]”
7. Notificado para se pronunciar, querendo, sobre a reclamação apresentada, o recorrido nada disse.
Dispensados os vistos legais, cumpre decidir.
II - Fundamentação.
8. Na decisão sumária reclamada decidiu-se não ser possível conhecer do objecto do recurso por não ter a decisão recorrida - expressamente identificada naquele requerimento, por mais de uma vez, como a decisão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Setembro de 2003 - aplicado, como ratio decidendi, as normas cuja inconstitucionalidade a recorrente pretendia ver apreciadas.
Com a presente reclamação a ora reclamante vem fundamentalmente alegar que a identificação daquela decisão como sendo a decisão recorrida se ficou a dever a uma espécie de 'lapso de escrita', que agora pretende aclarar ou rectificar.
Mas, como se verá, não tem razão.
Que não se tratou de mero 'lapsus calami', ao contrário do que a reclamante alega, resulta, claramente, do teor do próprio requerimento de interposição do recurso. Com efeito, no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, a recorrente não se limitou a identificar a decisão recorrida por mera remissão para folhas do processo ou por referência à decisão proferida em determinada data. A recorrente optou por identificar expressamente a decisão recorrida, e por duas vezes, como sendo o 'douto Acórdão desse Supremo Tribunal de Justiça, proferido sobre o pedido de reforma e sobre a arguição da respectiva nulidade, por omissão de pronúncia', ou, mais à frente naquele requerimento, e de forma igualmente concludente, 'o douto Acórdão proferido sobre o pedido de reforma e arguição de nulidade na medida em que deveria ter procedido à reforma e em que deveria ter suprido a nulidade, ou o erro, que parece aceitar, de julgamento, e que deveria ter sido sanado nos termos do artigo 669 n° 2 alínea a) do C.P.C., [...]' (sublinhados nossos).
Resulta, assim, evidente que o que a recorrente pretendeu - e, efectivamente, fez - foi recorrer do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18 de Setembro de 2003, que decidiu que não havia que proceder à reforma do anterior acórdão de
12 de Junho de 2003, que não se verificava a alegada nulidade do mesmo, nem era possível o julgamento ampliado de revista, e este, como já se demonstrou na decisão reclamada e a recorrente verdadeiramente não contesta, não aplicou as normas cuja inconstitucionalidade pretendia ver apreciada.
Nesses termos, pelas razões já constantes da decisão reclamada - que mantém inteira validade, em nada sendo abalada pela reclamação apresentada - é efectivamente de não conhecer do objecto do recurso que a recorrente pretendeu interpor.
III - Decisão
Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada no sentido do não conhecimento do objecto do recurso.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 (quinze) unidades de conta.
Lisboa, 13 de Janeiro de 2004
Gil Galvão Bravo Serra Luís Nunes de Almeida