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Processo n.º 83/2004
3ª Secção Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Pelo acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 23 de Junho de 2003, de fls. 163, foi decretada a extradição do cidadão ucraniano A.. Inconformado, o arguido recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça. Nas alegações então apresentadas, a fls. 200, o mesmo arguido deu conta de que tinha pedido que lhe fosse concedido asilo político em Portugal e de que, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 5º da Lei n.º 15/98, de 26 de Março, a pendência da respectiva apreciação implicava que ficasse suspensa “a decisão final a proferir” no processo de extradição. Por acórdão de 24 de Julho de 2003, de fls. 240, o Supremo Tribunal de Justiça anulou o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, considerando verificada a nulidade prevista na al. a) do artigo 379º do Código de Processo Penal (falta de exame crítico das provas, exigida pelo artigo 374º, n.º 2, do mesmo Código), e determinando a sua reformulação de modo a indicar “de forma concisa, qual o valor que mereceu a prova apresentada”, determinação que veio a ser executada pelo acórdão de 8 de Agosto de 2003, de fls. 285, que decretou a extradição do arguido. O arguido recorreu novamente para o Supremo Tribunal de Justiça, voltando a colocar a questão da suspensão da decisão final a proferir no processo de extradição (cfr. alegações de fls. 295), por estar pendente um pedido de asilo
(o pedido de reapreciação da decisão que o negou, e que veio a ser indeferido, como se pode verificar a fls. 254 e segs). O Supremo Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso (acórdão de 8 de Setembro de 2003, de fls. 327). Para o que agora releva, o Supremo Tribunal disse que “E, por outro lado, não deverá aqui deixar passar-se em claro – cfr. fls. 259/283 – que também o pedido de asilo formulado pelo ora requerente em
02JUN03, com os mesmos fundamentos de natureza política, foi considerado
‘manifestamente infundado’ tanto pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (em
18JUL03) como, em reapreciação, a pedido do interessado, pelo Comissariado Nacional para os Refugiados (em 5AGO03)”. Em nota, o mesmo acórdão referiu que
“o extraditando requereu, no seu recurso de 20AGO03 (já depois de apreciado – e reapreciado – o pedido de asilo!) que ‘a decisão final a proferir neste processo ficasse suspensa enquanto o pedido de asilo estiver em apreciação (cfr. o n.º 2 do art. 3º da citada Lei 15/98)”. Deste acórdão, A. recorreu para o Tribunal Constitucional, Tribunal que, pelo acórdão n.º 564/2003, de fls. 354, decidiu não conhecer do recurso. O processo regressou ao Tribunal da Relação de Guimarães e foram emitidos os mandados necessários à execução da decisão de extradição, entretanto transitada em julgado.
2. Pelo requerimento de fls. 425, de 18 de Dezembro de 2003, A. veio “requerer, nos termos do disposto no n° 2, do art. 5° da Lei 15/98, de 26 de Março, que essa decisão fique suspensa até ser proferida decisão final no processo de asilo político por si requerido, o qual se encontra pendente no Tribunal Administrativo do Círculo do Porto, com o nº 798.03 – 6° Juiz.”.
O requerimento foi, porém, indeferido, pelo despacho de fls. 427, de
5 de Janeiro de 2004, nos seguintes termos: “A questão suscitada pelo requerente já foi objecto de apreciação e decisão pelo S.T.J. (cfr. fls. 332 e vº).
No entanto, sempre se dirá que os presentes autos se encontram em fase de execução”.
A. reclamou desse despacho, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo
700º do Código de Processo Civil e no artigo 4º do Código de Processo Penal
(cfr. reclamação de fls. 439), sustentando que o Supremo Tribunal de Justiça não tinha decidido tal pedido, apenas o tinha referido; e que, ainda que assim não fosse, o Tribunal da Relação de Guimarães não ficava impedida de suspender a decisão de extradição. Disse também que o processo relativo ao pedido de asilo ainda estava a correr, na fase judicial, e concluiu afirmando que “o Requerente entende que o n.º 2 do artº 5º da Lei 15/98, de 26 de Março, tem de ser interpretada no sentido de que a extradição não pode ser executada enquanto o pedido de asilo estiver pendente, quer na fase administrativa, quer na fase judicial. Outra interpretação, como a que parece ter sido acolhida pelo douto despacho em mérito, ofende, salvo melhor opinião, o n.º 7 do artº 33º [actual n.º 8] da CRP e é, por isso mesmo, inconstitucional”. Por acórdão de 24 de Janeiro de 2004, de fls. 496, o Tribunal da Relação de Guimarães decidiu não decretar a suspensão requerida, nos seguintes termos:
«A questão que o extraditado pretende ver esclarecida consiste no essencial em saber se a decisão de extradição, proferida nestes autos, transitada em julgado, deverá, ou não, ficar suspensa, enquanto o pedido de asilo formulado pelo extraditado se encontrar em apreciação quer na fase administrativa, quer na fase judicial. Posta a questão entremos na sua apreciação. Dispõe o n° 2 do artº 5° da citada Lei n° 15/98. de 26 de Março que 'A decisão final sobre qualquer processo de extradição do requerente que esteja pendente, fica suspensa enquanto o pedido de asilo se encontre em apreciação quer na fase administrativa, quer na fase judicial'. Será então que o teor de tal preceito legal consente a interpretação que lhe é dada pelo extraditado, isto é, de que a extradição não pode ser executada enquanto o pedido de asilo estiver pendente, quer na fase administrativa quer na fase judicial ? E o que desde já se dirá, é que a resposta a esta pergunta não pode, salvo o devido respeito, deixar de ser vincadamente negativa. Primeiro porque o legislador fala em decisão final e não em entrega ou remoção do extraditado. A nosso ver, se o legislador se tivesse querido exprimir no sentido proposto pelo extraditado, certamente que não se teria referido a decisão final, tanto mais que, como é óbvio, não desconhece o regime constante da citada Lei n°
144/99, de 31 de Agosto, maxime o que se estatui nos artºs 57° (decisão final),
60° (entrega do extraditado) e 61° (prazo para remoção do extraditado ).
É que a prática dos actos processuais têm momentos próprios e distintos que são bem definidos na lei. O momento para apreciar e decidir quanto aos argumentos aduzidos pelo extraditado nestes autos já foi ultrapassado, uma vez que, repitamo-lo, o Tribunal já decidiu que era de extraditar, por isso que, neste momento, estamos falar de extraditado e não de extraditando. E tal decisão transitou em julgado. Depois porque, em bom rigor o processo está numa fase que não se pode considerar judicial, antes se trata de uma fase mais de natureza administrativa. A lei fala, como anteriormente sublinhámos, em entrega de extraditado e remoção de extraditado. Em suma, a decisão final sobre a questão da extradição foi tomada, há algum tempo e essa decisão tomou-se segura e indiscutida com o respectivo trânsito. Daí que, não faz sentido, a nosso ver, declarar a pretendida suspensão, pois tal, só seria de decretar, caso a decisão final não tivesse ainda sido alcançada. Por isso que, apesar do esforço argumentativo do extraditado, ao assim se decidir, não se está a violar qualquer norma constitucional, maxime a que vem apontada pelo extraditado. Em conclusão, o facto de existir um pedido de asilo político formulado pelo extraditado A., em apreciação, seja na fase administrativa, seja na fase judicial, não é fundamento bastante para o decretamento da pretendida suspensão dos presentes autos de extradição.»
3. Veio então A., novamente, recorrer para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, “para apreciação da inconstitucionalidade da norma contida no nº 2 do art. 5º da Lei 15/98, de 26 de Março, na interpretação – ofensiva do disposto nos nºs 7 do art. 33º [n.º 8] da CRP – adoptada pelo Tribunal recorrido, segundo a qual a pendência do processo de concessão de asilo político apenas suspende a decisão do processo de extradição e não a execução dessa mesma decisão, entretanto, proferida.”
Afirma ainda que “suscitou a questão de inconstitucionalidade que pretende ver apreciada no requerimento que apresentou em 18 [isto é, 8] de Janeiro de 2004, sobre o qual incidiu o douto acórdão recorrido.”
4. Notificadas para o efeito, as partes apresentaram alegações. Quanto ao recorrente, começou por «recordar o desenvolvimento processual que culminou com a decisão agora posta em crise. O Recorrente é arguido no processo de extradição em que este recurso se insere e, no dia 2 de Junho de 2003, requereu ao SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS a concessão de asilo político, extensivo à sua mulher e filha. Na motivação do recurso interposto, em 7 de Julho de 2003, para o Supremo Tribunal de Justiça, do acórdão da Relação de Guimarães, proferido no dia 23 de Junho de 2003, que decretou a sua extradição, o ora Recorrente pediu que 'a decisão final a proferir neste processo fique suspensa enquanto o pedido de asilo estiver em apreciação' . O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 24 de Julho de 2003, revogou aquele acórdão da Relação de Guimarães, tendo este Tribunal renovado a anterior decisão de extradição por acórdão de 8 de Agosto de 2003, do qual o ora Recorrente interpôs novo recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, em 19 de Agosto de 2003, em cuja motivação renovou o pedido de suspensão do processo. Este último recurso foi julgado improcedente, por acórdão de 8 de Setembro de
2003, que, além do mais, considerou a questão do suspensão do processo de extradição ultrapassada com base no errado pressuposto de que o pedido de asilo político já tinha sido apreciado, reapreciado e indeferido . Tratou-se, como é bom de ver, dum lapso, por desatenção ao facto de a rejeição vestibular do pedido de asilo se encontrar, à data, pendente de recurso no Tribunal Administrativo do Círculo do Porto. Ainda antes de transitar em julgado a decisão de extradição (que foi objecto de recurso para o Tribunal Constitucional, rejeitado por falta de verificação dum pressuposto processual), o Recorrente, em l8 de Dezembro de 2003, pediu à Relação de Guimarães que a decisão de extradição ficasse 'suspensa até ser proferida decisão final no processo de asilo político”, com o que pretendia evitar a sua entrega às autoridades do País Requerente e a eventual passagem de mandados de remoção (artºs 60º e 61° da Lei 144/99), ou seja, e numa palavra, a execução de decisão de extradição. Por despacho do Exmº Desembargador-Relator, proferido no dia 5 de Janeiro de
2004, a Relação de Guimarães considerou que a questão já fora objecto de apreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça e que, além disso, 'os presentes autos se encontram em fase de execução”. O ora Recorrente requereu então que sobre a matéria desse douto despacho fosse proferido acórdão e, nesse requerimento, suscitou a questão da inconformidade constitucional da interpretação do n° 2 do artº 5° da Lei 15/98 que admita que uma extradição pode ser executada enquanto o pedido de asilo se encontre pendente, quer na fase administrativa, quer na fase judicial. O Tribunal da Relação não foi sensível aos argumentos do Requerente e, por acórdão de 14 de Janeiro de 2004, reafirmou a posição já constante daquele douto despacho, decidindo que, embora esteja pendente o processo de pedido e concessão de asilo político do Recorrente, a extradição deve ser cumprida e executada, uma vez que o nº 2 daquele artº 5 não se aplica após o trânsito da decisão final que ordena a extradição. Já depois de proferido o acórdão de que agora se recorre, o Recorrente foi notificado de que, por sentença de 12 de Janeiro de 2004 – de que se Junta cópia
–, o Tribunal Administrativo do Círculo do Porto anulou o despacho da COMISSÁRIA NACIONAL ADJUNTA PARA OS REFUGIADOS que tinha rejeitado o pedido de asilo formulado, com o que ficou evidente o lapso que acima se apontou ao douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça. Temos, por conseguinte, e em suma, uma situação de facto que se caracteriza pela pendência dum pedido de asilo recebido por decisão judicial, e duma ordem, ainda não executada, de extradição do Recorrente.» E, após sustentar a inconstitucionalidade da norma que impugnou, formulou as seguintes conclusões:
“1. O douto acórdão recorrido interpretou o n° 2 do artº 5° da Lei 15/98, de 26 de Março, no sentido de que a pendência do processo de pedido de asilo apenas suspende a fase declarativa do processo de extradição.
2. Esta interpretação é inconstitucional, porque ofende o conteúdo útil do direito de asilo e, portanto, o n° 7 do artº 33° CRP, o qual impõe que a extradição dum estrangeiro não seja executada, ainda que, porventura, tenha sido ordenada, se e enquanto não for proferida decisão definitiva no processo de concessão de asilo que o mesmo tenha requerido.
3. A interpretação dessa norma conforme à Constituição implica a suspensão de todas as decisões e procedimentos judiciais e administrativos conducentes a efectivar a entrega do extraditando ao país requerente enquanto se mantiver pendente o processo de asilo.
4. Deve, por isso, declarar-se a inconstitucionalidade daquele preceito, na interpretação adoptada pelo douto acórdão impugnado.”
Quanto ao Ministério Público, começou por formular obstáculos ao conhecimento do mérito do recurso. Em primeiro lugar, pôs em causa que a norma impugnada tivesse constituído a ratio decidendi do acórdão recorrido, nos seguintes termos:
«É, desde logo, duvidoso se a “ratio decidendi” de tal acórdão não é, pura e simplesmente, o caso julgado material formado no âmbito do processo de extradição, na sequência da decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça ( cfr., fls. 498, onde se afirma que 'o momento para apreciar e decidir quanto aos argumentos aduzidos pelo extraditado nestes autos já foi ultrapassado, uma vez que, repitamo-lo, o Tribunal já decidiu que era de extraditar, por isso que, neste momento, estamos a falar de extraditado e não de extraditando. E tal decisão transitou em julgado'. A ser assim, como é evidente, a pronúncia sobre a questão lateral da pretensa
'inconstitucionalidade' da norma do artigo 5°, n° 2, da Lei n° 15/98 mais não seria que mero 'obiter dictum', o que naturalmente levaria a que nem sequer se devesse conhecer do recurso». Em segundo lugar, por já ter sido anteriormente formulado e negado o mesmo pedido de suspensão:
«Note-se, aliás, que este pedido de suspensão tinha sido anteriormente deduzido no âmbito do processo de extradição (fls. 299 verso), tendo o Supremo Tribunal de Justiça rejeitado explicitamente tal pretensão (ponto 6.5., a fls. 332). Ora, se o recorrente entendia que a interpretação normativa, feita pelo Supremo, acerca da norma que agora vem invocar, padecia de inconstitucionalidade, é evidente que deveria ter incluído a mesma no âmbito do recurso que, a fls. 336,
– interpôs para este Tribunal Constitucional – e não fazê-lo na sequência de uma artificiosa 'ressuscitação' de tal questão, num momento em que já havia sido proferida decisão final sobre o pedido de extradição, obstando obviamente o caso julgado material à reapreciação de tal matéria». De qualquer modo, o Ministério Público pronunciou-se sobre o objecto do recurso, sustentando a manifesta falta de fundamento da inconstitucionalidade apontada:
«é por demais evidente o artificialismo (e o carácter manifestamente infundado) da argumentação do recorrente, que pretende suspender um processo de extradição que já está findo, após ter sido apreciado exaustivamente por todos os graus de jurisdição possíveis.
É que a 'suspensão do processo de extradição', prevista em tal norma, configura-se, do ponto de vista técnico-jurídico, como uma suspensão da instância, por prejudicialidade, em tudo idêntica à prevista no artigo 7°, n°
2, do Código de Processo Penal: na verdade, para se decidir acerca do decretamento da extradição pode ser necessário ou conveniente julgar uma
'questão não penal”, consubstanciada no pedido de asilo, deduzido perante os tribunais administrativos.»
E formulou as seguintes conclusões:
1 - A 'ratio decidendi' do acórdão proferido pela Relação de Guimarães circunscreve-se à invocação do trânsito em julgado da decisão final, proferida nos autos de extradição pelo Supremo Tribunal de Justiça, o qual constitui naturalmente obstáculo a que - no momento da execução de tal decisão definitiva
- se 'ressuscite' artificiosamente a questão da suspensão, por prejudicialidade, da instância no processo crime, com fundamento na pendência de pedido de asilo perante os tribunais administrativos.
2 - Questão que, aliás, o recorrente já havia colocado à apreciação do Supremo, vendo-a rejeitada por decisão que, nesse momento, não impugnou 'sub specie constitutionis'.
3 - Não viola qualquer preceito ou princípio constitucional o entendimento segundo o qual a suspensão da instância num processo crime por prejuducialidade, decorrente da pendência de outro processo perante a jurisdição administrativa, só é possível enquanto a 'instância' não se encontrar extinta, em consequência do julgamento definitivo.
4 - Termos em que - a conhecer-se do objecto do recurso - deverá o mesmo improceder ».
Notificado para se pronunciar sobre os obstáculos ao conhecimento do recurso suscitados pelo Ministério Público, o recorrente veio sustentar a sua improcedência.
5. É o seguinte o texto do n.º 2 do artigo 5º da Lei n.º 15/98:
Artigo 5º Efeitos do asilo sobre a extradição
(...)
2. A decisão final sobre qualquer processo de extradição do requerente que esteja pendente fica suspensa enquanto o pedido de asilo se encontre em apreciação, quer na fase administrativa, quer na fase judicial”.
(...)
Constitui, então, o objecto do presente recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade a norma do n.º 2 deste artigo 5º quando interpretada no sentido de que “a pendência do processo de concessão de asilo político apenas suspende a decisão do processo de extradição e não a execução dessa mesma decisão, entretanto proferida”. Antes, porém, de passar à correspondente apreciação, cumpre fazer determinadas observações. Assim, e em primeiro lugar, há que ter presente que, neste recurso, apenas pode ser considerada a questão da conformidade constitucional da norma acabada de enunciar; não cabe no seu âmbito qualquer apreciação, nem sobre o lapso que o recorrente atribui ao Supremo Tribunal de Justiça quando, “por acórdão de 8 de Setembro de 2003 (...) considerou a questão da suspensão do processo de extradição ultrapassada, com base no errado pressuposto de que o pedido de asilo político já tinha sido apreciada, reapreciado e indeferido” (alegações do recorrente), nem sobre a eventual relevância que pudesse ter a sentença do Tribunal Administrativo do Círculo do Porto cuja cópia é junta a fls. 528. Em segundo lugar, há que analisar os obstáculos apontados pelo Ministério Público ao conhecimento do objecto do recurso. Com efeito, o Ministério Público observa que é “duvidoso” que a norma impugnada tenha sido aplicada como ratio decidendi pelo acórdão recorrido, e que essa ratio não tenha antes sido a verificação de que já tinha transitado em julgado a decisão proferida no processo de extradição. Ora a verdade é que é justamente a interpretação normativa que levou à consequência extraída desse trânsito que o recorrente questiona, ao apontar ao n.º 2 do artigo 5º em causa a inconstitucionalidade da sua interpretação, tal como foi perfilhada pelo acórdão recorrido. Para além disso, o Ministério Público diz ainda que, tendo já sido rejeitada anteriormente a mesma pretensão de suspensão do processo de extradição, a inconstitucionalidade deveria ter sido suscitada no recurso interposto em primeiro lugar para o Tribunal Constitucional, e não agora. Sem prejuízo da pertinência desta observação, cumpre todavia lembrar que não foi com esse fundamento que o acórdão recorrido – contrariamente ao despacho de fls.
427 – negou o pedido de suspensão. Assim sendo, passa-se ao conhecimento do objecto do recurso.
6. A verdade, todavia, é que carece de fundamento a acusação de inconstitucionalidade da norma impugnada. Com efeito, pese embora a inclusão, entre os direitos, liberdades e garantias, da garantia de reconhecimento do direito de asilo aos estrangeiros e apátridas, nos termos constantes do n.º 8 do artigo 33º da Constituição, nem por isso se pode afirmar, como pretende o recorrente, que a norma aplicada pelo acórdão recorrido “ofende o conteúdo essencial do direito de asilo”. O regime aplicável ao exercício do direito de asilo consta, hoje, da Lei n.º
15/98, alterada pela Lei n.º 67/2003, de 23 de Agosto, que veio transpor a Directiva n.º 2001/55/CE, do Conselho, de 20 de Julho, relativa a normas mínimas em matéria de concessão de protecção temporária no caso de afluxo maciço de pessoas deslocadas e a medidas tendentes a assegurar uma repartição equilibrada do esforço assumido pelos Estados membros ao acolherem estas pessoas e suportarem as consequências decorrentes desse acolhimento. Como resulta do n.º 1 do artigo 5º da Lei n.º 15/98, quando tenha sido concedido asilo, não pode ter seguimento um processo de extradição – hoje regulado pela Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, com as alterações introduzidas pela Lei n.º
104/2001, de 25 de Agosto, e pela Lei n.º 48/2003, de 22 de Agosto – “fundado nos factos com base nos quais o asilo é concedido” (n.º 1 do artigo 5º da Lei n.º 15/98). Como garantia desta prevalência do direito de asilo sobre o pedido de extradição, o n.º 2 do mesmo artigo 5º determina que, caso esteja a correr um processo de extradição, a respectiva “decisão final” fica suspensa até ser decidido o pedido de concessão de asilo, o que é uma mera consequência da manifesta relação de prejudicialidade existente entre os dois processos. Entendeu o acórdão recorrido que esta “decisão final” a que se refere este n.º 2
é a decisão judicial transitada em julgado, proferida após terem sido percorridas a fase administrativa e a fase judicial de que se compõe o processo de extradição (n.º 1 do artigo 46º da Lei n.º 144/99); no caso, essa decisão final foi o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Setembro de 2003, que negou provimento ao recurso interposto pelo arguido do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães que decretara a sua extradição. Assim, para o acórdão recorrido, portanto, um pedido de suspensão formulado depois desse trânsito em julgado já não pode ser atendido, pois está definitivamente apreciado o pedido de extradição; por esta via, o acórdão recorrido está também a reconhecer que, correndo um processo de extradição, para o efeito de obter s sua suspensão, a concessão de asilo só pode ser pedida até ao trânsito em julgado da decisão que decretou a extradição, e não entre esse momento e o da efectiva execução respectiva. O arguido, por seu turno, considera que é essa efectiva execução da decisão de extradição que marca o momento até ao qual pode ser requerida a suspensão do processo de extradição – ou melhor dizendo, da execução da extradição decretada. Daqui se retira, pode concluir-se, que deveria ser possível apresentar o pedido de asilo depois de julgado, mas ainda não executado, o pedido de extradição.
7. Não se encontra, porém, qualquer fundamento para entender que o reconhecimento constitucional do direito de asilo implica que haja de ser sustada a execução de uma decisão judicial que verificou, com trânsito em julgado, que estavam preenchidos os requisitos para ser decretada a extradição, quando a lei garante ao arguido as condições necessárias e o tempo suficiente para, em momento anterior, formular o pedido de asilo e requerer a suspensão do processo de extradição. Note-se que o processo de extradição comporta o contraditório do arguido (n.º 3 do artigo 46º e artigo 55º da Lei n.º 144/99); prevê que lhe seja nomeado defensor se não tiver advogado constituído (n.º 3 do artigo 53º); estabelece que o mesmo se faça acompanhar de intérprete quando é ouvido ao ser apresentado em tribunal (artigo 54º); e admite sempre recurso para o Supremo Tribunal de Justiça da decisão final, recurso ao qual é atribuído efeito suspensivo, imperativamente (artigo 49º da mesma Lei). Não se vê, assim, nem que o arguido disponha de um prazo tão curto para formular o pedido de asilo que eventualmente ainda não tenha sido deduzido e para, em qualquer caso, para vir ao processo de extradição requerer a sua suspensão, nem que não lhe estejam garantidos os meios indispensáveis para se defender, nomeadamente por essa via indirecta.
8. Diferente seria se fosse desrazoável, desnecessário ou excessivo o estabelecimento de um prazo para o exercício do direito de asilo em caso de estar a correr um processo de extradição; ou se o prazo fosse de tal modo exíguo que inviabilizasse esse exercício; ou, ainda, se as condições de defesa do extraditando fossem de tal forma insuficientes que, na prática, conduzissem à mesma inutilização. Têm pois, aqui cabimento as considerações que o Tribunal Constitucional por diversas vezes formulou a propósito de outros casos em que o legislador define prazos para o exercício de direitos constitucionalmente tutelados, justamente para o efeito de determinar se podia entender-se que a lei estava a regular (de forma admissível) o exercício de tais direitos ou, diferentemente (e de forma inadmissível) a impor-lhe restrições vedadas pelo n.ºs 2 e 3 do artigo 18º da Constituição (cfr., a propósito do direito de recurso contencioso, consagrado no n.º 4 do artigo 268º da Constituição, o Acórdão n.º 92/2001, Diário da República, II série, de 22 de Maio de 2001, e a jurisprudência nele citada). Também aqui se justifica que o limite para o exercício do direito de asilo e consequente pedido de suspensão do processo de extradição se encontre no momento em que se torna definitiva a decisão de extradição.
Assim, decide-se negar provimento ao recurso. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 ucs.
Lisboa, 30 de Março de 2004
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Vítor Gomes Gil Galvão
Bravo Serra Luís Nunes de Almeida