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Processo n.º 893/03
3ª Secção Rel. Cons. Vítor Gomes
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. A., impugnou, no Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa,
“o acto de autoliquidação da taxa incidente sobre a comercialização de produtos de saúde, instituída pelo artigo 72º da Lei n.º 3-B/2000, de 4 de Abril, relativo ao mês de Fevereiro de 2002 [ ...], no valor de 12.414,21 EUR”.
Por sentença de 20 de Março de 2003, do 2º Juízo desse Tribunal, a impugnação foi julgada procedente ( fls. 92-100).
Desta sentença interpôs a Fazenda Pública recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, que, por acórdão de 29 de Outubro de 2003, lhe concedeu provimento, revogando a sentença recorrida e julgando improcedente a impugnação
( fls.172-178).
Nesse acórdão, embora se rejeitasse a tese da recorrente no sentido de o tributo em causa ser classificado como taxa e se considerasse que o mesmo “está sujeito ao disposto no artigo 103º, n.º 2, da Constituição: só a lei pode criá-lo, determinar a sua incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias” entendeu-se que esta exigência de determinabilidade se mostrava, no caso, satisfeita, porquanto:
“ Estabelece esta norma [o nº 3 do artigo 72º da já referida Lei n.º 3-B/2000] que «a taxa incide sobre o valor de vendas de cada produto, tendo por referência o respectivo preço de venda ao consumidor final, constituindo receita própria daquele instituto, e sendo o seu valor pago, mensalmente, com base nas declarações de vendas mensais, nos termos e com os elementos a definir pelo mesmo Instituto». Temos, pois, nesta norma, a determinação da incidência, expressa na sua primeira parte: a taxa incide sobre o valor das vendas de cada produto. A alusão feita ao preço de venda ao consumidor final não faz senão estabelecer um valor de referência limite, não consubstanciando um factor de incidência real; este está integral e objectivamente definido pelo legislador naquela primeira parte. Por isso, e tal como se afirma no acórdão de 4 de Junho de 2003, «na parte final do dito incisivo normativo refere-se apenas ao pagamento do tributo, cujos termos e elementos serão definidos pelo Instituto, a entidade credora: nenhum elemento de incidência resta, pois, para o Regulamento». Deste modo, foi respeitada a reserva de lei formal da Assembleia da República, ao plasmar-se na lei o bastante para determinar a base de incidência do tributo, sem necessidade de posterior intervenção regulamentar, que surge, apenas, «como mero regulamento executivo e instrumental», no dizer do já falado acórdão deste Tribunal. Igualmente não colhe a objecção da conclusão n.º 12 da recorrida, segundo a qual há violação do artigo 104º n.º 2 da Constituição, o qual impõe que a tributação das empresas incida fundamentalmente sobre o seu rendimento real. O tributo em análise que «incide sobre o valor de vendas de cada produto», e esse valor de vendas não deixa de constituir um rendimento real da entidade vendedora, só porque referido ao preço de venda ao consumidor final, que pode ser entidade diferente. Não ocorrem, pois, as violações constitucionais apontadas nas conclusões n.ºs. 3 a 5e 9 a 12 da recorrida.”
É deste acórdão que, pela A., vem interposto o presente recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, alterada, por
último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro – LTC), pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade, por alegada violação do artigo 103º, n.º 2, da CRP, da norma do artigo 72º da Lei n.º 3-B/2000, de 4 de Abril, da norma regulamentar correspondente à denominada Circular n.º 1/2000 do INFARMED e da norma regulamentar correspondente à “Declaração de Vendas” estabelecida por Despacho do Conselho de Administração do INFARMED, de 28 de Abril de 2000, inconstitucionalidade essa suscitada na petição inicial da impugnação judicial e nas contra-alegações para o Supremo Tribunal Administrativo.
A recorrente apresentou alegações, no termo das quais formulou as seguintes conclusões:
“A. A denominada «taxa sobre comercialização de produtos de saúde» corresponde a um verdadeiro imposto, devendo como tal respeitar as exigências do princípio da legalidade em matéria de impostos, decorrentes do artigo 103.°, n.º 2, da CRP, designadamente, a respectiva criação, taxa e incidência deverão constar de lei formal. B. O n.º 3 do artigo 72.° da Lei n.º 3-B/2000, de 4 de Abril, que criou a «taxa sobre comercialização de produtos de saúde», é materialmente inconstitucional, uma vez que não define a base de incidência objectiva do imposto criado. C. O conceito geral de preço de venda ao consumidor final dos produtos de saúde, no qual se baseia a incidência objectiva do imposto em causa, não é passível de ser concretizado pelos respectivos sujeitos passivos, no momento de efectuar a autoliquidação do imposto, o que torna a sua base de incidência objectiva indeterminável. D. A redacção do n.º 3 do artigo 72.° da Lei n.º 3-B/2000 assentou no facto de o legislador, inspirado na taxa de comercialização de medicamentos, ter
«importado» o esquema de funcionamento desta última, sem se aperceber que, ao fazê-lo, estava a criar um imposto cuja base de incidência não é determinável pelos respectivos sujeitos passivos, dado não existir, no que respeita aos produtos de saúde, um regime de preços fixos que permita saber, a priori, o preço de venda ao consumidor final. E. A expressão «tendo por referência o preço de venda ao consumidor final» não surge de forma subordinada, como mero limite, no texto do n.º 3 do artigo 72.° da Lei n.º 3-B/2000, mas antes como a própria definição da base de incidência objectiva do imposto, já que o que se afirma é que esta última corresponde à aplicação da taxa estabelecida sobre o volume de vendas dos sujeitos passivos, calculado por referência, não ao preço por estes praticado, mas antes ao preço de venda ao consumidor final. F. A Circular n.º 1/2000 do INFARMED, bem como o modelo de «Declaração de Vendas» estabelecido por despacho do Conselho de Administração deste Instituto, são indirectamente ilegais e inconstitucionais, por violação do artigo 72.º, n.º
3, da Lei n.º 3-B/2000 e do princípio da legalidade em matéria tributária previsto no artigo 103.º, n.º 2, da CRP. G. Na medida em que o imposto criado pelo artigo 72.° da Lei n.º 3-B/2000 implica uma tributação sobre o rendimento de pessoas colectivas, e o n.º 3 do mesmo artigo sujeita os respectivos sujeitos passivos ao pagamento de um valor calculado por referência a um preço estabelecido e recebido por outras entidades que não aqueles sujeitos passivos, este último preceito é inconstitucional, por violação do imperativo resultante do n.º 2 do artigo
104.º da Constituição da República Portuguesa, que exige que a tributação das empresas incida fundamentalmente sobre o seu rendimento real.”
A representante da Fazenda Pública, “em representação do INFARMED – Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento”, contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:
“1.ª – O tributo em questão configura um imposto, sendo que os seus elementos essenciais resultam com suficiente e adequado grau de concreção (sendo, nessa precisa medida, determinados ou, ao menos, determináveis), ou seja, com a densidade ou espessura normativas bastantes, directa e imediatamente da lei;
2.ª – O mesmo não enferma de qualquer inconstitucionalidade, porque criado pelo
órgão originariamente competente;
3.ª – A circular normativa e o modelo de declaração de vendas elaborados pelo INFARMED dão corpo a uma regulamentação de feição estritamente executiva, não se afastando, em nenhum ponto e qualquer detalhe, da moldura legal, correspondendo, assim, a uma sua concretização absolutamente secundum legem;
4.ª – O INFARMED não interferiu por qualquer forma no campo de incidência da taxa, que foi exclusivamente definida por lei;
5.ª – O campo de incidência da taxa é apenas e só o volume de vendas dos produtos por ela abrangidos, por parte dos obrigados ao seu pagamento, para os quais o preço de venda ao consumidor final é o preço a que os mesmos vendem os seus produtos àquele que lhos adquire, seja ele armazenista, distribuidor grossista ou consumidor final;
6.ª – É que, ao contrário do que a recorrente erradamente entende, se os sujeitos passivos da taxa fossem taxados sempre pelo valor de venda do produto ao consumidor final, estar-se-ia perante uma solução contrária a todo e qualquer dos mais elementares princípios constitucionais e legais de justiça tributária que o INFARMED igualmente tem de observar, visto que, numa tal situação, como os produtos em causa não têm preço fixado por lei, podendo cada agente económico praticar um preço diferente, os sujeitos passivos poderiam ser colocados na situação de pagar uma taxa cujo valor poderia ser bastante superior ao próprio benefício económico decorrente da colocação do produto no mercado, o que contraria tudo o que são princípios de justiça fiscal;
7.ª – Ao criar por lei da Assembleia da República a presente taxa, o Estado português não violou, de forma alguma, qualquer das suas obrigações, enquanto Estado membro da Comunidade Europeia, isto é, não criou qualquer disposição interna que contrariasse o disposto na legislação legitimamente emanada dos
órgãos comunitários competentes;
8.ª – Acresce que a interpretação e aplicação efectuada pelo INFARMED no que respeita à liquidação da referida taxa está correcta e tem fundamento legal, expressamente reconhecido e reiterado pelo legislador no artigo 58.º da Lei n.º
30-C/2000, de 29 de Dezembro, no artigo 55.º da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, e nos artigos 1.º, n.º 3, e 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 312/2002, de 20 de Dezembro, que constituem leis interpretativas do citado artigo 72.º da Lei n.º 3-B/2000, de 4 de Abril, e por isso se integram na lei interpretada
(artigo 13.º, n.º 1, do Código Civil);
9.ª – O douto acórdão recorrido não merece qualquer censura.”
Cumpre decidir.
2. A questão da constitucionalidade da norma do artigo 72º, n.º 3, da Lei n.º 3-B/2000 foi, entretanto, apreciada no Acórdão n.º 127/2004 pelo plenário do Tribunal Constitucional, em recurso interposto pelo Ministério Público de sentença que recusara a sua aplicação com fundamento em inconstitucionalidade e em que figurava como requerida a ora recorrente, tendo sido julgado que tal norma não violava nem o princípio da legalidade tributária, nem o princípio da tributação do rendimento real das empresas, consagrados nos artigos 103º, n.º 2, e 104º, n.º 2, da CRP.
É esta entendimento que aqui se reitera, remetendo-se para a fundamentação desse Acórdão n.º 127/2004, cujo texto integral se encontra disponível em www.tribunalconstitucional.pt .
3. Relativamente às “normas” constantes da Circular n.º 1/2000 do INFARMED e do modelo de «Declaração de Vendas» estabelecido por despacho do Conselho de Administração deste Instituto, às quais a recorrente imputa vícios de ilegalidade e de inconstitucionalidade (cfr. conclusão F. das alegações) – independentemente da questão de saber se estamos perante normas, no sentido relevante para efeitos do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade pelo Tribunal Constitucional –, há que ter presente, por um lado, que não compete a este Tribunal apreciar a questão de ilegalidade por alegada violação do artigo 72º, n.º 3, da Lei n.º 3-B/2000 e, por outro lado, que a questão de “inconstitucionalidade indirecta” ou consequencial dependeria do juízo de inconstitucionalidade quanto à norma do artigo 72º, n.º 3, da Lei n.º 3-B/2000. Assim, face ao decidido quanto a esta última, fica prejudicada a apreciação da alegada “inconstitucionalidade indirecta”.
4. Decisão
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso e condenar a recorrente nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 13 de Abril de 2004
Vítor Gomes Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Gil Galvão Bravo Serra Luís Nunes de Almeida