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Proc. n.º 894/03
1ª Secção Relatora: Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. Por decisão sumária de fls. 647 e seguintes, não se tomou conhecimento do objecto do recurso interposto para este Tribunal por A., pelos seguintes fundamentos:
“[...]
9. O presente recurso foi interposto ao abrigo das alíneas b) e g) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (supra, 8.). A circunstância de a decisão recorrida alegadamente revestir o carácter de decisão surpresa (supra,
8.) não constitui, como é óbvio, fundamento de recurso para o Tribunal Constitucional (cfr. as várias alíneas do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional). No que diz respeito ao pressuposto do recurso previsto na referida alínea g) – recurso interposto de decisão judicial que aplique norma já anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal Constitucional –, conclui-se que, no presente caso, não se encontra verificado. Com efeito, a norma que a recorrente pretende submeter à apreciação do Tribunal Constitucional
– a do artigo 29º, n.º 3, da LPTA, com o sentido por si explicitado –, não foi objecto de qualquer pronúncia do Tribunal Constitucional no sentido da sua inconstitucionalidade ou ilegalidade. O acórdão do Tribunal Constitucional n.º
489/97, de 2 de Julho, indicado pela recorrente (supra, 8.), versou sobre o n.º
1 do mesmo preceito legal. Como tal, não pode conhecer-se do objecto do presente recurso, no que diz respeito à alínea g) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, por falta de preenchimento dos pressupostos processuais do recurso aí previsto. No que diz respeito ao recurso previsto na alínea b) do mesmo preceito, verifica-se que os respectivos pressupostos processuais também não se encontram preenchidos. Com efeito, um desses pressupostos processuais é a invocação pela recorrente, durante o processo, da questão de inconstitucionalidade normativa que pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional, sendo que a recorrente, no presente processo, não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade normativa. Contrariamente ao que a recorrente sustenta (supra, 8.), nas alegações que produziu em 22 de Fevereiro de 2002 no recurso interposto para o Supremo Tribunal Administrativo (supra, 6.), não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade de uma norma, tendo-se limitado a imputar inconstitucionalidades à própria decisão então impugnada (cfr. conclusão 29ª), o que é algo de substancialmente diverso. E nas restantes peças processuais que apresentou ao longo do processo também não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade normativa (cfr. relatório supra, n.º s 1 a 8.) Não tendo a recorrente suscitado, durante o processo, a questão de inconstitucionalidade normativa que agora pretende ver apreciada – tendo podido fazê-lo, já que, logo na contestação (supra, 1.), as entidades recorridas sustentaram a aplicabilidade do artigo 29º, n.º 3, da LPTA ao caso concreto, fazendo notar que a recorrente tinha tido conhecimento, há muito tempo, do início da execução do acto –, conclui-se que não cumpriu o ónus a que aludem os artigos 70º, n.º 1, alínea b), e 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional, pelo que não estão preenchidos os pressupostos processuais do recurso aqui previsto. Não pode assim conhecer-se do respectivo objecto.
[...].”
2. Notificada da referida decisão sumária, A. dela veio reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional (fls. 670 e seguintes), alegando, em síntese, o seguinte: a) A apreciação e a decisão constantes da decisão sumária reclamada contrariam o respectivo relatório, sendo este particularmente extenso; b) “[N]ão é exigível à recorrente contar com a aplicação pelo Tribunal recorrido do sentido da norma do artº 29º/1/3/ da LPTA, cuja constitucionalidade pretende ver apreciada, que faz coincidir a notificação da interessada com a pronúncia que emitiu nos termos do artº 54º da LPTA relativamente ao auto de vistoria, documento só ultimamente obtido e que não integrou o processo administrativo remetido a juízo”; c) “[A] norma que a recorrente pretende submeter à apreciação do TC – a do artº 29º/1/3 da LPTA, com o sentido notificatório pessoal e formal por si explicitado – foi objecto de pronúncia pelo TC no sentido da sua inconstitucionalidade/ ilegalidade”, pois que o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 489/97, de 2 de Julho, indicado pela recorrente, se aplica mutatis mutandi aos n.º s 1 e 3 do artigo 29º da LPTA, versando, pelo menos implicitamente, o n.º 3 do mesmo preceito legal; d) A recorrente suscitou, no presente processo, a questão de inconstitucionalidade normativa que pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional, como decorre do texto do próprio acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18 de Junho de 2003; e) O Supremo Tribunal Administrativo conheceu inequivocamente de tal questão, não havendo fundamento para o Tribunal Constitucional não a decidir.
3. A recorrida B. respondeu (fls. 690 e seguintes), tendo, em síntese, sustentado o seguinte:
a) Não existiu, in casu, qualquer decisão surpresa, pelo que não pode a recorrente invocar agora a existência de inconstitucionalidades; b) A recorrente não suscitou, ao longo do processo, a questão da inconstitucionalidade de qualquer norma, tendo-se limitado a invocar a inconstitucionalidade da própria decisão impugnada; c) O acórdão do Tribunal Constitucional n.º 489/97, de 2 de Julho, veio apenas julgar inconstitucional a norma do artigo 29º, n.º 1, da LPTA, interpretada no sentido de mandar contar o prazo para o recurso contencioso de actos administrativos sujeitos a publicação obrigatória da data dessa publicação, não se pronunciando sobre a inconstitucionalidade do n.º 3 do artigo
29º da LPTA; d) Não se encontram, pois, preenchidos os requisitos do artigo 70º, n.º 1, alíneas b) e g), da Lei do Tribunal Constitucional, pelo que não pode este Tribunal conhecer do recurso.
O Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, a Câmara Municipal de Lisboa e a Assembleia Municipal de Lisboa, também recorridos, não responderam à presente reclamação (fls. 695).
Cumpre apreciar.
II
4. Relativamente ao primeiro argumento da reclamante [supra, 2., a)] – e exceptuando apenas a parte em que ele se confunde com o quarto argumento [supra,
2., d)], adiante analisado –, cumpre salientar que não se alcança, pois que a reclamante não explica, em que medida a apreciação e a conclusão constantes da decisão sumária reclamada contradizem o respectivo relatório. De qualquer modo, dessa alegada circunstância não retira a reclamante quaisquer consequências, pelo que seria inútil analisá-la.
A reclamante censura ainda a extensão do relatório da decisão sumária, mas daí também não extrai quaisquer consequências. E não consubstanciando tal alegada circunstância nulidade ou erro da decisão sumária reclamada, não se reveste igualmente de utilidade apreciá-la.
5. Quanto ao segundo argumento da reclamante [supra, 2., b)] – o de que não lhe seria exigível o cumprimento do ónus a que aludem os artigos 70º, n.º 1, alínea b), e 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional –, improcede manifestamente. Explicou-se na decisão sumária reclamada (supra, 1.) que, logo na contestação, as entidades recorridas sustentaram a aplicabilidade do artigo
29º, n.º 3, da LPTA ao caso concreto, fazendo notar que a recorrente tinha tido conhecimento, há muito tempo, do início da execução do acto, pelo que a recorrente podia ter suscitado, durante o processo, a questão da inconstitucionalidade normativa que agora pretende ver apreciada.
Não se pronunciando a reclamante sobre esta explicação – apesar de censurar o carácter excessivamente sintético da fundamentação da decisão sumária reclamada –, não subsistem motivos para afastar a conclusão a que aqui se chegou: a de que a recorrente não havia cumprido (podendo fazê-lo) o ónus a que aludem os artigos 70º, n.º 1, alínea b), e 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional.
6. No que diz respeito ao terceiro argumento da reclamante [supra, 2., c)], registe-se apenas que o artigo 70º, n.º 1, alínea g), da Lei do Tribunal Constitucional, não pode ser interpretado como admitindo recursos para o Tribunal Constitucional de decisões que apliquem normas de conteúdo
(alegadamente) semelhante ao de outras já julgadas inconstitucionais. Tal redundaria, não só em entender que o Tribunal Constitucional pode emitir juízos implícitos de inconstitucionalidade normativa (o que contraria o princípio do pedido, vigente em qualquer recurso), como também em adoptar um critério extremamente impreciso de admissibilidade de recursos para o Tribunal Constitucional: o da semelhança entre normas, que teria de ser apreciada caso a caso por este Tribunal.
É de rejeitar, pois, o referido argumento da reclamante.
7. No que se refere ao quarto argumento da reclamante [supra, 2., d)], decorre claramente do próprio trecho do acórdão citado na reclamação (cfr. fls.
675) que a reclamante nenhuma questão de inconstitucionalidade normativa – maxime, a do artigo 29º, n.º 3, da LPTA – suscitou perante o tribunal recorrido.
Aliás, não só nesse trecho, como no restante texto do acórdão, é patente a ausência de referência a qualquer questão de inconstitucionalidade normativa suscitada pela reclamante. Por isso mesmo se transcreveu quase integralmente tal acórdão na decisão sumária ora reclamada (cfr. fls. 656 a
661): para que não houvesse dúvidas de que a reclamante não havia levantado questão de tal teor perante o tribunal recorrido, que pudesse motivar sobre ela uma pronúncia desse tribunal.
8. Finalmente, não é verdade que o tribunal recorrido tenha apreciado a questão de inconstitucionalidade normativa que a reclamante pretende ver apreciada (cfr. novamente fls. 548 a 553 do acórdão respectivo e fls. 656 a 661 da decisão sumária reclamada), pelo que também improcede o quinto argumento da reclamante [supra, 2., e)].
III
9. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, indefere-se a presente reclamação, confirmando-se a decisão sumária reclamada, na qual não se tomou conhecimento do objecto do recurso.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em vinte unidades de conta.
Lisboa, 13 de Abril de 2004
Maria Helena Brito Carlos Pamplona de Oliveira Rui Manuel Moura Ramos