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Proc. n.º 202/04
2ª Secção Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, no Tribunal Constitucional:
A – O relatório
1 - A. reclama para a conferência, nos termos do n.º 3 do art.º
78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), da decisão sumária proferida pelo relator ao abrigo do n.º 1 do mesmo preceito, em que se decidiu não conhecer do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade da norma “do art.º 312º, n.º 4, do Código de Processo Penal, quando interpretado no sentido de que a sua aplicação não é obrigatória, impondo-se dessa forma que o Recorrente fosse patrocinado, em sede de audiência de discussão e de julgamento, por advogado diverso do mandatário que escolheu e constituiu nos autos”.
2 - A decisão reclamada tem o seguinte teor:
«1 - A., com os sinais dos autos, recorre para o Tribunal Constitucional do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14 de Janeiro de
2004, que lhe indeferiu a arguição de nulidade do acórdão condenatório proferido pelo mesmo Supremo Tribunal, em 12 de Novembro de 2003, pretendendo que se aprecie «a inconstitucionalidade do art. 312º, n.º 4, do Código de Processo Penal, quando interpretado no sentido de que a sua aplicação não é obrigatória, impondo-se dessa forma que o Recorrente fosse patrocinado, em sede de audiência de discussão de audiência de julgamento, por advogado diverso do mandatário que escolheu e constituiu nos autos, o que se traduz na violação do artigo 32º, n.º
3, da Constituição da República Portuguesa (CRP)».
2 - Considera, porém, o relator ser caso de não conhecimento do objecto do recurso, pelo que, ao abrigo do disposto no art.78º-A, n.º 1 da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), se profere decisão.
3 - Senão vejamos. Estabelecem os arts. 280º, n.º1, al. b), da CRP e
70º, n.º1, al. b), da LTC que cabe recurso para o Tribunal Constitucional de decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo. Segundo a jurisprudência constante e uniforme deste Tribunal, constituem pressupostos específicos do recurso interposto ao abrigo destes preceitos que a norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie tenha constituído a ratio decidendi da decisão ou o fundamento normativo do seu próprio conteúdo, nisso se traduzindo a aplicação em concreto da norma, e que a questão de inconstitucionalidade tenha sido suscitada em tempo e por modo funcionalmente adequado para que o tribunal recorrido pudesse conhecer dela. A exigência daquele requisito encontra a sua razão de ser na própria natureza da função jurisdicional (aqui constitucional), dado que lhe cumpre apenas conhecer e decidir de controvérsias concretas e não de situações apenas académicas: se a norma cuja validade constitucional se questiona não serviu de fundamento à decisão, nunca a pronúncia sobre a sua eventual inconstitucionalidade poderia ter quaisquer reflexos jurídicos sobre a decisão, permanecendo-lhe estranha. Já relativamente ao ónus de suscitação, a questão tem que vem com o sistema de fiscalização concreta de constitucionalidade das normas que a nossa Lei Fundamental adoptou, de controlo difuso por via do recurso. Como nota Cardoso da Costa (A jurisdição constitucional em Portugal, in Estudos em homenagem ao Professor Doutor Afonso Rodrigues Queiró, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, I, 1984, pp. 210 e ss.), «quanto ao controlo concreto – ao controlo incidental da constitucionalidade (…), no decurso de um processo judicial, de uma norma nele aplicável – não cabe o mesmo, em primeira linha, ao Tribunal Constitucional, mas ao tribunal do processo. Na verdade, não obstante a instituição de uma jurisdição constitucional autónoma, manteve-se na Constituição de 1976, mesmo depois de revista, o princípio, vindo das Constituições anteriores (…), segundo o qual todos os tribunais podem e devem, não só verificar a conformidade constitucional das normas aplicáveis aos feitos em juízo, como recusar a aplicação das que considerarem inconstitucionais
(…). Este allgemeinen richterlichen Prüfungs - und Verwerfungsrecht encontra-se consagrado expressamente (…), e com o reconhecimento dele a Constituição vigente permanece fiel ao princípio, tradicional e característico do direito constitucional português, do “acesso” directo dos tribunais à Constituição (…). Quando, porém, se trate de recurso de decisão de aplicação de uma norma (…) é ainda necessário que a questão da inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, em consequência do que o juiz tomou posição sobre ela (…). Compreende-se, na verdade, que a invocação da inconstitucionalidade unicamente ex post factum (depois de proferida a decisão) não seja suficiente para abrir o recurso para o Tribunal Constitucional (sob pena, além do mais, de se converter num mero expediente processual dilatório)». Torna-se, pois, necessário que a questão de inconstitucionalidade tenha sido suscitada durante o processo. A suscitação durante o processo tem sido entendida, de forma reiterada pelo Tribunal, como sendo a efectuada em momento funcionalmente adequado, ou seja, em que o tribunal recorrido pudesse dela conhecer por não estar esgotado o seu poder jurisdicional. É evidente a razão de ser deste entendimento: o que se visa é que o tribunal recorrido seja colocado perante a questão da validade da norma que convoca como fundamento da decisão recorrida e que o Tribunal Constitucional que conhece da questão por via de recurso, não assuma uma posição de substituição à instância recorrida, de conhecimento da questão de constitucionalidade fora da via de recurso. É por isso que se entende que não constituem já momentos processualmente idóneos aqueles que são abrangidos pelos incidentes de arguição de nulidades, pedidos de aclaração e de reforma, dado terem por escopo não a obtenção de decisão com aplicação da norma, mas a sua anulação, esclarecimento ou modificação, com base em questão nova sobre a qual o tribunal não se poderia ter pronunciado (cfr., entre outros, os Acórdãos n.º 496/99, publicado no Diário da República II Série, de 17 de Julho de 1996, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 33º vol., pp.
663; n.º 374/00, publicado no Diário da República II Série, de 13 de Julho de
2000, BMJ 499º, pp. 77, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 47º vol., pp.713; n.º 674/99, publicado no Diário da República II Série, de 25 de Fevereiro de
2000, BMJ 492º, pp. 62, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 45º vol., pp.559; n.º 155/00, publicado no Diário da República II Série, de 9 de Outubro de 2000, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 46º vol., pp. 821, e n.º 364/00, inédito). Excepção a tal regra são apenas aquelas hipóteses ditas excepcionais em que o recorrente é confrontado com a utilização insólita e imprevisível por parte da decisão da norma, ou seja, naqueles casos em que seria desrazoável e inadequado exigir do interessado um prévio juízo de prognose relativo a tal aplicação em termos de se antecipar ao proferimento da decisão, suscitando antecipadamente assim a questão de inconstitucionalidade (cfr., entre outros, os Acórdãos n.º 489/94, publicado no Diário da República II Série, de 16 de Dezembro de 1994, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 28º, pp. 415; n.º
310/00, publicado no Diário da República II Série, 17 de Outubro de 2000, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 47º vol., pp.853 e n.º 120/02, publicado no Diário da República II Série, de 15 de Maio de 2002, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 52º, pp. 575).
Mas o ónus de suscitação da constitucionalidade durante o processo tem ainda uma outra vertente. É que a questão de constitucionalidade da norma cuja apreciação se requer ao Tribunal Constitucional por via do recurso tem de ser colocada ao tribunal recorrido em termos de este saber que tem que apreciar e decidir essa concreta questão de constitucionalidade, ou seja, que a questão seja colocada ao tribunal recorrido em termos perceptíveis (cfr., Acórdão n.º 178/95, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30º vol., pp. 1118). A este respeito, escreveu-se no Acórdão n.º 560/94 (publicado no Diário da República II Série, de
10 de Janeiro de 1995) que «a exigência de um cabal cumprimento do ónus de suscitação atempada - e processualmente adequada - da questão de constitucionalidade não é [...] “uma mera questão de forma secundária”. É uma exigência formal, sim, mas essencial para que o tribunal recorrido deva pronunciar-se sobre a questão de constitucionalidade para o Tribunal Constitucional, ao julgá-la em via de recurso, proceda ao reexame da questão (e não a um primeiro julgamento de tal questão». Deste modo, a questão de constitucionalidade tem de ser colocada ao tribunal recorrido em termos de este saber que tem essa concreta questão de constitucionalidade para resolver. Donde resulta que o questionante tenha de colocar, em termos perceptíveis, qual a concreta questão de normatividade jurídica cuja validade constitucional controverte. E note-se que os termos em que essa questão é colocada se tornam verdadeiramente essenciais na perspectiva do recurso de constitucionalidade para o Tribunal Constitucional. É que se é certo que este pode conhecer da questão de inconstitucionalidade normativa, já não tem competência para conhecer da inconstitucionalidade da decisão judicial em si própria. A violação directa das normas e princípios constitucionais pela decisão judicial apenas pode ser conhecida no plano dos recursos previstos na respectiva ordem de tribunais.
4.1 - Ora, o que acontece, no caso sub judicio, é que o recorrente não colocou ao tribunal recorrido a questão de saber se «é inconstitucional o artigo 312º, n.º 4, do Código de Processo Penal, quando interpretado no sentido de que a sua aplicação não é obrigatória, impondo-se dessa forma que o Recorrente fosse patrocinado, em sede de audiência de discussão de audiência de julgamento, por advogado diverso do mandatário que escolheu e constituiu nos autos, o que se traduz na violação do artigo 32º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa
(CRP)» em termos tais que esse tribunal soubesse que era essa a questão que tinha para resolver em matéria de constitucionalidade. Senão vejamos. A dois dias da realização da audiência de julgamento no Supremo Tribunal de Justiça, designada para o dia 12 de Novembro de 2003, a senhora advogada do ora recorrente enviou um fax no qual - aduzindo ter já outra diligência marcada para o mesmo dia, pelas 10 horas, em processo da 1ª Secção do
1º Juízo do Tribunal Criminal da Comarca de Lisboa, e não lhe ter sido possível encontrar, dado o curto espaço de tempo verificado entre a data da notificação e a data da diligência, um colega com disponibilidade de agenda para aceitar substabelecimento - requereu que “nos termos do art. 312º, n.º 4, do Cód. Processo Penal, se digne designar nova data de julgamento dos presentes autos”, logo informando ter disponíveis as datas de 19 de Novembro e 3 de Dezembro. A audiência de julgamento não foi, porém, adiada, tendo nela intervindo uma defensora oficiosa indicada pela Ordem dos Advogados.
4.2 - Por requerimento apresentado em 5 de Dezembro de 2003 veio então o recorrente arguir a nulidade do julgamento e dos actos subsequentes dizendo, em síntese, o seguinte:
«[...]
4. Não obstante, a referida audiência de discussão e julgamento foi realizada, tendo sido o arguido 'assistido' por defensor oficioso nomeado no acto.
5. Nos termos do art.º 32º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa
(C.R.P.), o arguido tem direito a escolher defensor e ser por ele assistido em todos os actos do processo, especificando a lei os casos é que essa assistência
é obrigatória.
6. A assistência do arguido pelo seu defensor em julgamento, é obrigatória.
7. Deste modo, verifica-se que o arguido ficou impedido, por causa que não lhe é imputável, nem ao seu defensor escolhido, de ser por ele assistido no julgamento a que nos vimos reportando.
8. A privação da assistência do arguido pelo seu defensor escolhido, é inconstitucional, porque viola o disposto no art.º 32º, n.º 3, da C.R.P..
9. Acresce que, a ausência do seu defensor, que teve lugar por via do incumprimento do disposto no art.º 312º, n.º 4, do Cód. Proc. Penal, determina a nulidade insanável prevista no art.º 119º, al. c), do Cód. Proc. Penal, nulidade essa que ora se arguiu e para todos os legais efeitos.
10. A nulidade ora arguida, afecta o acto em que teve lugar - audiência de discussão e julgamento de 12/11/2003 - bem como todos os actos subsequentes.
NESTES TERMOS
e nos mais e melhores de direito a suprir doutamente, deve a presente arguição de nulidade ser julgada totalmente procedente e, em consequência, a) ser declarada a inconstitucionalidade da substituição do defensor escolhido pelo arguido, por aquele que lhe foi nomeado no julgamento que teve lugar no dia
12/11/2003, pelas 10.30 horas, por violação do art.º 32º, n.º 3, da C.R.P.; b) ser o julgamento declarado nulo, nos termos do art.º 119º, al. c), do Cód. Proc. Penal, por o mesmo ter decorrido na ausência do defensor do arguido; c) serem declarados nulos todos os actos subsequentes ao julgamento; d) ser ordenado o reenvio dos autos para novo julgamento.».
4.3 - Por acórdão de 4 de Janeiro de 2004, o Supremo Tribunal de Justiça indeferiu a reclamação com base na fundamentação do seguinte teor:
«Tudo visto e considerado:
A) Relativamente à arguida nulidade do julgamento:
O arguido, agora requerente, defende que à sua mandatária não foi possível comparecer no julgamento efectuado em 12-11-2003, nem que foi possível substabelecer, mas, tal falta não constitui motivo de adiamento, nos termos dos arts. 330º, n.º 1, e 422º, n.º 2, ambos do Cód. Proc. Penal, tendo sido nomeado, em audiência, um defensor oficioso, de harmonia com a lei, que assegurou a sua defesa. Logo, improcede a invocada nulidade.
B) Quanto à inconstitucionalidade agora invocada:
Efectivamente, o arguido tem o direito a escolher o seu defensor; a defensora escolhida pelo arguido, faltou ao julgamento e não se fez representar por outro advogado, mediante substabelecimento, pelo que este Supremo em obediência à lei
– art.º 422º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal –, nomeou outro advogado para, em julgamento, assegurar a defesa do arguido, agora reclamante. Não se mostra, desta sorte, violada qualquer norma constitucional, designadamente o disposto no art. 32º, n.º 3, da Constituição.».
4.4 - Como se vê do requerimento feito em 10 de Novembro de 2003, a senhora advogada limita-se a requerer o adiamento da audiência de julgamento do Supremo Tribunal de Justiça, invocando como fundamento jurídico o disposto no art. 312º, n.º 4, do Código de Processo Penal. Não antecipou aí a Requerente qualquer posição de inconstitucionalidade relativamente à possível interpretação da norma em causa por parte do tribunal solicitado no sentido da sua aplicação não ser obrigatória em relação às audiências de julgamento no Supremo Tribunal de Justiça, de a audiência do julgamento não ser adiada, antes se realizando a mesma com substituição do defensor do arguido, por aplicação do disposto no art. 422º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Penal. Ora, tendo em conta os efeitos jurídicos estabelecidos neste preceito para a falta de comparência do defensor do arguido e a posição que o Supremo tinha de tomar sobre ela no próprio acto da audiência de julgamento, era tal momento de apresentação daquele requerimento o momento funcionalmente adequado, do ponto de vista processual, para se suscitar a questão de inconstitucionalidade da norma do art. 312º, n.º
4, na interpretação agora questionada. Era, pois, de exigir do requerente, segundo as regras comuns de prudência técnico-jurídica ou as leges artis da profissão de advogado, um juízo prévio de prognose quanto à aplicação da norma no sentido que o Supremo veio a efectuar e, consequentemente, de antecipar, relativamente, ao momento da audiência e em que haveria de tomar-se uma decisão sobre a matéria, a colocação da questão de inconstitucionalidade da norma, na dimensão ora apontada.
4.5 - Mas mesmo que se entenda que seria desrazoável ou inadequado, em tal momento, exigir-se do requerente esse juízo prévio de prognose quanto à utilização do preceito no sentido apontado, ainda assim terá de concluir-se que o recorrente não suscitou a questão de inconstitucionalidade do art. 312º, n.º
4, do Código de Processo Penal, na dimensão agora definida no requerimento de interposição do recurso perante o Supremo Tribunal de Justiça, no requerimento de arguição da nulidade do julgamento efectuado, atrás transcrito na parte útil. Na verdade, em tal requerimento, o que o recorrente faz é imputar a inconstitucionalidade ao acto de privação de assistência ao arguido por parte do seu defensor constituído e à sua substituição por um defensor oficioso ( pontos
6 do requerimento: «Assistência do arguido pelo seu defensor em julgamento é obrigatória.»; 7: «Deste modo, verifica-se que o arguido ficou impedido, por causa que não lhe é imputável, nem ao seu defensor escolhido, de ele ser assistido no julgamento que nos vimos reportando» e 8: «A privação da assistência do arguido pelo seu defensor escolhido é inconstitucional, porque viola o disposto no art. 32º, n.º 3, da CRP.»). Ou seja, o que o recorrente controverte é a constitucionalidade da própria decisão judicial, na medida em que ela privou o arguido de ser assistido pelo seu defensor constituído e o substituiu por um defensor nomeado para o acto. O recorrente acaba por pôr em causa não o art. 312º, n.º 4, do CPP, que respeita a um momento anterior ao da audiência de julgamento, mas sim aqueloutro da realização da audiência no recurso interposto, regulado, não em tal preceito, mas sim no art. 422º, n.os 1 e 2, do CPP. E tanto assim é que foi exactamente neste sentido que o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça entendeu a questão de inconstitucionalidade e a resolveu, como se colhe do extracto de tal decisão acima transcrito, sendo certo que, mesmo tratando-se de inconstitucionalidade de decisão, o Supremo tem competência para conhecer dela, mas já não este Tribunal Constitucional, como acima se disse.
4.6 - Interpretando o requerimento de arguição de nulidade do julgamento não é possível chegar ao entendimento de que a questão de inconstitucionalidade que o recorrente coloca é em torno do art. 312, n.º 4, do CPP, e muito menos que a dimensão normativa desse preceito que controverte, sob o prisma de constitucionalidade, é o sentido interpretativo segundo o qual «a sua aplicação não é obrigatória, impondo-se dessa forma que o Recorrente fosse patrocinado, em sede de audiência de discussão de audiência de julgamento, por advogado diverso do mandatário que escolheu e constituiu nos autos, o que se traduz na violação do artigo 32º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP)». No que concerne ao art. 312º, n.º 4, do CPP, o requerente limita-se a alegar
(ponto 9) que «acresce que a ausência do defensor, que teve lugar por via do incumprimento do disposto no art. 312º, n.º 4, do Cód. Proc. Penal, determina a nulidade insanável prevista no art. 119º, alínea c), do Cód. Proc. Penal, nulidade essa que aqui se argui e para todos os efeitos» e que (ponto 10) «a nulidade ora arguida afecta o acto em que teve lugar – audiência de discussão e julgamento de 12/11/2003 - bem como todos os actos subsequentes». Por isso bem se compreende, também, que o acórdão recorrido nem uma palavra tenha dito sobre a inconstitucionalidade da dimensão normativa ora questionada de não ser obrigatório o disposto no art. 312º, n.º 4, do CPP, e de se poder impor ao arguido, na audiência de julgamento, por via do seu não cumprimento, um defensor diferente do escolhido. Daí que, mesmo considerando ser este requerimento de arguição de nulidade ainda um momento processualmente adequado para se suscitar a inconstitucionalidade da dimensão normativa do art. 312º, n.º
4, do CPP, recortada pelo recorrente, sempre se terá de concluir não ter ela sido aí suscitada de modo perceptível pelo tribunal recorrido.
E face a tudo o exposto também não pode considerar-se o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade como momento adequado de suscitação da questão de inconstitucionalidade, por a utilização da normatividade jurídica cuja validade constitucional se discute, por parte da decisão recorrida, não poder ser tida como insólita ou imprevisível
5 - Destarte, atento tudo o exposto, decide-se não tomar conhecimento do recurso. Custas pelo recorrente com taxa de justiça que se fixa em 6 UC.».
3 - Refutando o decidido, diz, em síntese, o reclamante:
«[...]
5. Era, absolutamente, desrazoável exigir que o ora reclamante fizesse um juízo de prognose quanto à decisão que o Supremo Tribunal de Justiça viria a tomar, na sequência do requerimento de 10 de Novembro de 2003.
6. Pelo que, o primeiro e único momento de que dispôs para suscitar a questão constitucional que pretende ver apreciada, foi na sequência da notificação do acórdão final, e o meio próprio, o requerimento de arguição de nulidade que juntou aos autos.
7. Da leitura conjugada do [de todo o] requerimento de arguição de nulidade, resulta, de forma clara que a questão de inconstitucionalidade formulada é em torno da interpretação do art.º 312º, n.º 4 do Cód. Proc. Penal,
8. Questão essa que figura, inclusive, no relatório do acórdão objecto do recurso que se interpôs, pelo que [se] mostrou perceptível perante o Tribunal recorrido.».
4 - O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal Constitucional respondeu à reclamação, afirmando que «a presente reclamação é manifestamente improcedente, já que o ora reclamante não suscitou, durante o processo, - tendo tido perfeita oportunidade para o fazer - a questão de inconstitucionalidade que só intempestivamente colocou», «não sendo obviamente “desrazoável” o juízo de prognose acerca da interpretação normativa que o Supremo veio efectivamente a acolher.».
B – A fundamentação
5 - A argumentação do reclamante não consegue abalar a bondade dos diversos fundamentos autónomos em que se baseia a decisão reclamada que aqui, por isso, se renovam.
Relativamente ao carácter não inesperado da interpretação feita pelo Supremo Tribunal de Justiça da norma do art.º 312º, n.º 4 do Código de Processo Penal, cabe acentuar aqui novamente, por um lado, que a aplicação de tal preceito foi convocada expressamente pelo próprio reclamante no referido requerimento em que pediu a esse Tribunal o adiamento da sessão de julgamento do recurso, e, por outro lado, que não é nada desrazoável, sob o ponto de vista dos deveres de prudência técnica e das leges artis da profissão de advogado, exigir-lhe que antecipe um entendimento desse preceito na acepção que foi a adoptada, de não obrigar ao adiamento da sessão de julgamento nesse tribunal de recurso quando este, eventualmente, não haja diligenciado junto do advogado constituído no sentido da concertação da data de tal sessão, e que suscite a sua inconstitucionalidade, face à circunstância desse preceito legal nada dispor directamente sobre os efeitos da omissão da diligência tendente à concertação da data de julgamento ou sobre a inviabilidade ou impossibilidade de acordo quanto
à data (com o que se acaba por remeter o intérprete para o regime das nulidades e irregularidades - arts. 118º a 123º, ambos do Cód. Proc. Penal), e os artigos
330º, n.º 1 e 422º, n.º 2, deste mesmo diploma processual preverem, relativamente às audiências de julgamento quer em 1ª instância, quer em recurso, um regime de substituição do defensor que nelas não compareça.
Dito de um modo mais simples: não é desrazoável exigir ao advogado a antecipação do resultado do seu requerimento no sentido do mesmo poder ser indeferido com base nas disposições legais que regem sobre a sua falta na audiência de julgamento.
C – A decisão
6 - Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 15 UC.
Lisboa, 31 de Março de 2004
Benjamim Rodrigues Maria Fernanda Palma Rui Manuel Moura Ramos