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Proc. n.º 394/04
3ª Secção Relator: Cons. Gil Galvão
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório.
1. Por acórdão do Tribunal Central Administrativo, de 29 de Abril de 2003, foi decidido conceder provimento a um recurso, interposto pela Fazenda Pública, de uma decisão do Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto e, conhecendo em substituição, julgar improcedente a impugnação que a ora reclamante, sociedade A., havia interposto de uma liquidação de IRC de 1992.
2. O acórdão foi notificado à ora reclamante em 2 de Maio de 2003. Em 30 de Maio de 2003, a ora reclamante pretendeu interpor recurso para o Tribunal Constitucional. O recurso não foi admitido por despacho do Relator, de 13 de Janeiro de 2004. É o seguinte o seu teor:
“[...] Requerimento do recurso de fls. 436: Importa considerar que: O Acórdão do TCA de que se pretende interpor recurso é de 29/04/2003 e foi notificado à recorrente por via postal registada em 03/05/2003 sendo que só em
30/05/2003 foi apresentado o requerimento do recurso.
É perante tal factualidade que temos de apreciar da tempestividade do recurso. O prazo para interpor recurso é de dez dias nos termos do artigo 75.º da Lei
28/82 de 15/11 na redacção dada pela Lei 13/A/98 de 26/02, sendo certo que no caso dos autos não é admissível recurso ordinário para o STA em virtude de a petição de impugnação ser de 29/06/98 (posterior a 15/09/97 data de entrada em funcionamento do TCA) e por atenção ao disposto nos artigos 103.º, n.º 1, a) e
120.º do ETAF na redacção introduzida pelo D.L. 229/96 de 29 de Novembro, 5.º, n.º 1 do mesmo D-Lei e 114.º do mesmo ETAF. Ora é manifesto que na data da apresentação do requerimento de recurso há muito que se havia esgotado o prazo de 10 dias que a impugnante tinha para recorrer. Pelo exposto não se admite o recurso com o fundamento na sua extemporaneidade.
[...]”.
3. É desta decisão que vem interposta a presente reclamação, que a reclamante fundamenta nos seguintes termos:
“[...] 1. Estabelece o artº. 75º., n.º 1, da Lei 28/82, de 15/11, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 13-A/98, que “o prazo de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional é de 10 dias (..)”
2.- Por sua vez, determina o artigo 69º., n.º 2, da citada Lei do Tribunal Constitucional, que os recursos que apliquem norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade haja sido suscitada durante o processo. - tal como sucede no caso vertente - só podem ser interpostos de decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou por haverem já sido esgotados todos os que no caso cabiam salvo os destinados a uniformização de jurisprudência”
3. Pretende-se com a referida disposição normativa que a decisão, no momento em que é interposto o recurso para o Tribunal Constitucional, já não seja passível de ser alterada pelas demais instâncias jurisdicionais.
4. A decisão cuja constitucionalidade foi suscitada pelo Reclamante não admite recurso ordinário.
5. Porém, a circunstância de não admitir recurso ordinário, não significa que a mesma adquira, pelo simples facto de ser irrecorrível, imediata estabilidade no sentido de, a partir desse momento, não poder ser alterada.
6. Pelo contrário, a decisão proferida pelo Tribunal Central Administrativo é ainda, em abstracto, passível, seja oficiosamente, seja por requerimento das partes, de aclaração, rectificação, reforma ou mesmo de ser declarada nula por padecer de irregularidade insanável.
7. Assim, a decisão, embora não admitindo recurso ordinário, apenas se torna definitiva após o decurso do prazo de 10 dias, a que acresce o prazo fixado no artº. 144º. do Código Civil para a prática do acto com multa, sem que sobre ela tenha sido arguida a sua nulidade ou requerida aclaração ou reforma.
8. No caso vertente, tendo a decisão recorrida sido notificada o Reclamante por carta registada em 03/05/03 – notificação que deve ter-se por efectuada em
06/05/03 (três dias após a data constante do registo) -, temos que o prazo para arguir nulidades, requerer a aclaração ou reforma da decisão apenas terminou em
16/05/03.
9. Por outro lado, atento o disposto no artº. 144 do Cod. Civil [em rigor, é o artigo 145º do Código de Processo Civil que se pretende invocar], aqueles actos
– arguição de nulidades, aclaração ou reforma da decisão – poderiam ainda ter sido praticados até ao terceiro dia útil seguinte, ou seja, até 21/05/03.
10. Face ao exposto, o prazo de 10 dias estabelecido pelo artº. 75º., n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, iniciou a sua contagem em 22/05/03 tendo o seu termo a 02/06/03 (salienta-se que o dia 01/06/03 foi domingo.
11. Por que o Reclamante interpôs o presente recurso por requerimento que deu entrada no Tribunal Central Administrativo em 30/05/03, deve o mesmo considerar-se tempestivo e, consequentemente, ser admitido o recurso interposto. Termos em que deve ser admitida a presente reclamação, revogando-se o despacho de não admissão do recurso para o Tribunal Constitucional e, consequentemente, considerar-se o mesmo admitido por tempestivamente interposto, com todas as consequências legais. [...]”
4. Já neste Tribunal foram os autos com vista ao Ministério Público, que emitiu parecer no sentido da manifesta improcedência da reclamação apresentada, posição que fundamentou nos seguintes termos:
“A presente reclamação é manifestamente improcedente, confundindo o reclamante, de forma indesculpável, situações processuais perfeitamente diferenciadas. Na verdade – e como é óbvio – a prorrogação do prazo para interpor recurso, prevista no artigo 686º do CPC, pressupõe que alguma das partes haja efectivamente suscitado algum dos incidentes pós-decisórios, ali previstos – não sendo naturalmente possível alongar o prazo legal de interposição de recurso de uma decisão insusceptível de ser objecto de recurso ordinário com o argumento consistente em que, em abstracto, as partes poderiam, eventual e hipoteticamente, ter usado dos meios processuais previstos no referido art. 686º
- quando realmente deles se não serviram.”
Dispensados os vistos, cumpre decidir.
II. Fundamentação.
5. O recurso de constitucionalidade interposto e não admitido é efectivamente extemporâneo. Com efeito, tal recurso apenas foi apresentado em 30 de Maio de
2003, sendo certo que o acórdão recorrido (de 29 de Abril de 2003) foi notificado ao mandatário da ora reclamante, por carta registada, em 2 de Maio de
2003. É que, contrariamente ao sustentado pela reclamante, o prazo de 10 dias para interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, previsto no n.º 1 do artigo 75.º da LTC, conta-se a partir da notificação da decisão recorrida
(artigo 685º, n.º 1, do Código de Processo Civil, por força do disposto no artigo 69º da LTC), e não a partir do trânsito em julgado dessa decisão. A solução defendida pela reclamante, aliás, além de pressupor que seria admissível recorrer de uma decisão já transitada em julgado, sempre seria incompatível com a estatuição da segunda parte do n.º 1 do citado artigo 75.º, que determina que a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional interrompe os prazos para a interposição de outros recursos que porventura caibam da mesma decisão.
Tanto basta, pois, para que se conclua pela impossibilidade de conhecer do objecto do recurso que a reclamante pretendeu interpor e, em consequência, para que se indefira a presente reclamação.
III – Decisão
Nestes termos, indefere-se a reclamação. Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 2 de Abril de 2004
Gil Galvão Bravo Serra Luís Nunes de Almeida