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Processo n.º 49/12
1.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que são recorrentes A. e B. e são recorridos a sociedade C., Ld.ª e outros, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal de 15 de dezembro de 2011.
2. Pela Decisão Sumária n.º 120/2012, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto.
Desta decisão os recorrentes reclamaram para a conferência. Pelo Acórdão n.º 413/2012 decidiu-se indeferir a reclamação e confirmar a decisão reclamada. Para o que agora releva, esta decisão tem a seguinte fundamentação:
«Nos presentes autos foi proferida decisão de não conhecimento do objeto do recurso, por não se poder dar como verificado o requisito da aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, das normas constantes do respetivo requerimento de interposição.
(…)
5. Os recorrentes requereram a apreciação do artigo 712.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na redação anterior a 2007, conjugado com os artigos 3.º, n.º 3, e 3.º-A do mesmo Código, interpretados no sentido “de não admitirem o recurso de revista para o S.T.J. do Acórdão da Relação que conheça do “mérito da causa” no incidente de habilitação da cessionária na ação executiva, mas permitindo já o mesmo recurso do Acórdão da Relação que conheça do “mérito da causa” executiva principal e por só esta pôr fim ao processo para efeitos da cessionária ocupar o lugar do exequente e não também para a hipótese de procedência do mérito da OPOSIÇÃO a essa habilitação, pondo consequentemente fim à causa executiva principal, relativamente a eles oponentes e por não poderem ser executados pela cessionária”. E na decisão reclamada conclui-se que o tribunal recorrido não aplicou, como razão de decidir, qualquer dimensão interpretativa daquele artigo do Código de Processo Civil, uma vez que se limitou a aplicar a norma deste preceito, segundo a qual cabe recurso de revista do acórdão da Relação que decida do mérito da causa.
Este Tribunal tem entendido, reiteradamente, que um dos requisitos do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC é a “aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, de norma cuja constitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, considerada esta norma na sua totalidade, em determinado segmento ou segundo certa interpretação, mediatizada pela decisão recorrida” (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 232/2002, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). No caso, os recorrentes requereram a apreciação do artigo 712.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na redação anterior a 2007, conjugado com os artigos 3.º, n.º 3, e 3.º-A do mesmo Código, segundo certa interpretação, quando o tribunal recorrido havia aplicado o artigo 712.º, n.º 1. A norma deste preceito legal e não qualquer dimensão interpretativa do mesmo.
6. Os recorrentes requereram a apreciação das “normas extraídas dos artigos 734.º, n.º 1, alínea a) e 754.º, n.os 1 e 3 do C.P.C., conjugadas com a dos artigos 3.º-A e 3.º, n.º 3 do C.P.C., quando interpretadas no sentido de não ser admitido o recurso de agravo para o S.T.J. do Acórdão da Relação que põe “termo ao processo” de habilitação do cessionário na ação executiva, apenas permitindo o mesmo recurso do Acórdão da Relação que põe “termo ao processo” executivo principal e por só este pôr fim ao processo “para efeito da cessionária ocupar, no processo executivo, o lugar da exequente...” (como se escreve no Acórdão recorrido) e não também para a hipótese de procedência do mérito da OPOSIÇÃO a essa habilitação, pondo consequentemente fim à causa executiva principal, relativamente a eles oponentes e por não poderem ser executados pela cessionária”. E na decisão reclamada conclui-se que o tribunal recorrido não aplicou, como razão de decidir, qualquer dimensão interpretativa daqueles artigos do Código de Processo Civil, uma vez que se limitou a aplicar a norma da parte final do n.º 3 do artigo 754.º, que, por seu turno, remete para a norma do artigo 734.º, n.º 1, alínea a), do mesmo Código.
Como já se disse, este Tribunal tem entendido, reiteradamente, que um dos requisitos do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC é a “aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, de norma cuja constitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, considerada esta norma na sua totalidade, em determinado segmento ou segundo certa interpretação, mediatizada pela decisão recorrida” (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 232/2002, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). No caso, os recorrentes requereram a apreciação dos artigos 734.º, n.º 1, alínea a), e 754.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil, conjugadas com a dos artigos 3.º-A e 3.º, n.º 3 do mesmo Código, segundo certa interpretação, quando o tribunal recorrido havia aplicado a parte final do n.º 3 do artigo 754.º do Código de Processo Civil. A norma deste preceito legal, que remete para a norma do artigo 734.º, n.º 1, alínea a), e não qualquer dimensão interpretativa daqueles artigos. Face ao teor da decisão recorrida, é até manifesto que não foi feita qualquer interpretação no sentido de não ser admitido o recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça do Acórdão da Relação que põe “termo ao processo” de habilitação do cessionário na ação executiva.
Em face de tudo o que ficou dito, há que confirmar a decisão reclamada».
3. Notificados desta decisão, os reclamantes apresentaram o seguinte requerimento:
«Nos presentes autos, os recorrentes A. e B. levantaram a questão da inconstitucionalidade da interpretação expendida pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de fls. ..., que não admitiu o recurso de revista interposto para esse mesmo Tribunal.
Concretamente, como logo se deixou dito no requerimento de interposição do presente recurso para este Tribunal Constitucional:
“I – Os recorrentes pretendem ver apreciada a inconstitucionalidade da norma extraída do artigo 721.º, n.º 1 do C.P.C., conjugada com a dos artigos 3.º-A e 3.º, n.º 3, todos do C.P.C., quando interpretadas no sentido de não admitirem o recurso de revista para o S. T.J. do Acórdão da Relação que conheça do imérito da causa no incidente de habilitação da cessionária na ação executiva, mas permitindo já o mesmo recurso do Acórdão da Relação que conheça do mérito da causa executiva principal e por só esta pôr fim ao processo para efeitos da cessionária ocupar o lugar do exequente e não também para a hipótese de procedência do mérito da OPOSIÇÃO a essa habilitação, pondo consequentemente fim à causa executiva principal, relativamente a eles oponentes e por não poderem ser executados pela cessionária.”
II – Os recorrentes pretendem ainda ver sindicada pelo Tribunal Constitucional a inconstitucionalidade das normas extraídas dos artigos 734º, n.º 1, alínea a) e 154., n.os 1 e 3 do C.P.C., conjugadas com a dos artigos 3.º-A e 3.º, n.º 3 do C.P.C., quando interpretadas no sentido de não ser admitido o recurso de agravo para o S.T.J. do Acórdão da Relação que põe “termo ao processo” de habilitação do cessionário na ação executiva, apenas permitindo o mesmo recurso do Acórdão da Relação que põe “termo ao processo” executivo principal e por só este pôr fim ao processo para efeito da cessionária ocupar, no processo executivo, o lugar da exequente... “ (como se escreve no Acórdão recorrido) e não também para a hipótese de procedência do mérito da OPOSIÇÃO a essa habilitação, pondo consequentemente fim à causa executiva principal, relativamente a eles oponentes e por não poderem ser executados pela cessionária.”
Porém, pela Decisão Sumária n.º 120/2012, entendeu a Exm.ª Conselheira Relatora não tomar conhecimento do objeto do recurso.
Inconformados, os recorrentes requereram o esclarecimento da Decisão Sumária proferida e a sua reforma quanto a custas e, cautelarmente, reclamaram para a conferência.
E, pelo Acórdão n.º 413/2012, decidiram na conferência os Exm.ºs Senhores Conselheiros “… indeferir o requerido e, em consequência, confirmar a decisão reclamada, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta”.
Ora, com isto não se podem os recorrentes conformar, pois que o Acórdão proferido fere e não é consentâneo com o Direito e a Justiça, violando e fazendo errada interpretação da lei e enfermando dos vícios que se passam a expor.
Previamente porém à explanação do dissídio para com a decisão recorrida, ressalta a incompreensão e o desgosto dos recorrentes, depois de “correrem Seca e Meca”, relativamente ao modo com que os Tribunais, em particular este Tribunal Constitucional, se têm sucessivamente pronunciado sobre as suas pretensões e causas, conhecendo da forma e nunca do mérito ou conteúdo, portanto, à míngua de qualquer consideração material e ao arrepio dos princípios antiformalistas “pro actione” e “in dubio pro favoritate instanciae”.
I – Da nulidade do Acórdão por falta de fundamentação
No entender dos Exmºs Conselheiros do Tribunal Constitucional, é pressuposto dos recursos de inconstitucionalidade “a aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, de norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, considerada este norma na sua totalidade, em determinado segmento ou segundo certa interpretação, mediatizada pela decisão recorrida” (do Ac. do TC n.º 232/2002, reproduzido no Acórdão da conferência ora em crise).
Na verdade, como é jurisprudência assídua do Tribunal Constitucional, para efeitos da admissibilidade do recurso interposto ao abrigo do artigo 70º, n.º 1, alínea b) da L.T.C., é mister que o tribunal recorrido tenha aplicado, como ratio decidendi, a norma cuja inconstitucionalidade se suscita.
In casu, da leitura atenta dos autos, não restam dúvidas que as normas que os recorrentes reputaram de inconstitucionais foram aplicadas pelo Supremo Tribunal de Justiça (pelo tribunal recorrido), afastando o seu direito de recurso, seja ao não admitir o recurso de revista, seja ao não admitir o recurso de agravo do Acórdão proferido nos autos de habilitação de cessionário pelo Tribunal da Relação de Coimbra.
Com efeito, o S.T.J. aplicou efetivamente, e como sua razão de decidir, o artigo 721., n.º 1 do C.P.C., na interpretação segundo a qual não é admissível o recurso de revista.
E da mesma forma, igualmente como sua ratio decidendi, o S.T.J. aplicou os artigos 734º, n.º 1, alínea a) e 754.º, n.os 1 e 3 do C.P.C., na interpretação segundo a qual não é admissível o recurso de agravo.
Os preceitos legais cuja inconstitucionalidade é suscitada foram pois efetivamente aplicados como fundamento jurídico da decisão recorrida e não sequer como mero adjuvante dessa decisão.
Ou seja, as normas cuja inconstitucionalidade se pretende ver sindicada foram aquelas que o Supremo Tribunal de Justiça aplicou, decisivamente, para efeitos de indeferir o recurso de revista interposto pelos recorrentes A. e B. para aquele Tribunal.
É a norma extraída das sobreditas disposições, em conjugação com os artigos 3.º, n.º 3 e 3-A do C.P.C., que os recorrentes pretendem ver apreciada para efeitos de declaração de inconstitucionalidade, por entenderem que a mesma atenta contra o princípio da igualdade processual entre as partes e o direito a um processo justo e equitativo, decorrentes do artigo 20.º da C.R.P. e do artigo 6.º, n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, pedra angular do Estado de Direito Democrático.
Neste contexto, importa aliás reproduzir aquilo que os recorrentes já aduziram em sede de reclamação para a conferência:
(…)
Porém, para surpresa dos recorrentes, entendeu o Acórdão proferido na conferência que “o tribunal recorrido não aplicou qualquer dimensão interpretativa dos preceitos legais convocados pelos recorrentes”.
Quer isto dizer, nas palavras dos Exm.ºs Senhores Conselheiros, que “os recorrentes requereram a apreciação ... seguindo certa interpretação , mas o tribunal recorrido ter-se-á limitado a aplicar as normas dos referidos preceitos legais “e não qualquer dimensão interpretativa do[s] mesmo[s]”.
Este Tribunal Constitucional limita-se, portanto, a declarar que o recurso interposto não cumpre com o ajuizado requisito ou pressuposto, sem nada mais dizer ou fundamentar.
Este Tribunal renuncia assim em absoluto a qualquer fundamentação, escusando-se a descer à profundidade da “dimensão interpretativa” que o tribunal recorrido aplicou como razão de decidir. Declarando somente, sem mais, que tal “dimensão interpretativa” não existe, ou seja, não chegando sequer a fundamentar, de todo, o sentido da sua decisão.
A douta decisão ora em crise resume-se pois a um excessivo formalismo e artifício, que obsta decisivamente ao conhecimento do recurso interposto, novamente em prejuízo de um conhecimento de mérito da pretensão dos recorrentes.
Na verdade, como admitir que a decisão proferida aplicou as referidas normas sem aplicar qualquer “dimensão interpretativa” das mesmas? Como pode o Tribunal Constitucional ficcionar que nenhuma “dimensão interpretativa” assiste à aplicação daquelas normas?
Com efeito, alguma “dimensão interpretativa” há de necessariamente estar presente na aplicação de uma norma, quanto mais não seja aquela que resulta do seu teor literal. O contrário seria o absurdo.
A interpretação dos artigos 721.º, n.º 1, 734.º, n.º 1, alínea a) e 754.º, n.os 1 e 3, todos do C.P.C., segundo a qual não cabe recurso do Acórdão proferido nos presentes autos pela Relação de Coimbra, não é uma “invenção” dos recorrentes.
Tal interpretação (ou, como se queira, “dimensão interpretativa”) foi efetivamente aplicada pelo tribunal recorrido. Foi o S.T.J., e mais ninguém, que afastou a possibilidade de recurso do Acórdão da Relação de Coimbra. E porquê?
Por interpretar, por um lado, a norma extraída do artigo 721.º, n.º 1 do C.P.C., no sentido de não ser admitido o recurso de revista para o S.T.J. do Acórdão da Relação que conheça do “mérito da causa” no incidente de habilitação da cessionária na ação executiva.
E por interpretar, por outro lado, as normas extraídas dos artigos 734.º, n.º 1, alínea a) e 754.º, n.os 1 e 3 do C.P.C., no sentido de não ser admitido o recurso de agravo para o S.T.J. do Acórdão da Relação que põe “termo ao processo” de habilitação do cessionário na ação executiva.
E tudo isto ignora ou quer ignorar o Acórdão, assumindo que não existe “qualquer dimensão interpretativa”, o que não é correto, como vem demonstrado.
Verifica-se, por conseguinte, uma total ausência de especificação dos fundamentos de facto e de direito que determinaram a convicção do julgador (cfr. Ac. do TRG de 10.11.2011, proc. n.º 631-A/2000.G2). No caso vertente, a ausência de especificação, por este Tribunal Constitucional, da “dimensão interpretativa” que o tribunal recorrido aplicou enquanto sua razão de decidir.
Face ao exposto, o Acórdão ora em crise enferma, desde logo, do vício de nulidade, por falta de fundamentação (artigo 668º, nº 1, alínea b) do C.P.C.), que aqui expressamente se invoca.
II – Do esclarecimento e reforma do Acórdão
a) Do esclarecimento da obscuridade e ambiguidade do Acórdão
Por outro lado, o Acórdão em apreço carece de ser aclarado para que o possamos compreender em toda a sua extensão.
É que, invocando a ratio decidendi do tribunal recorrido, a douta decisão do Tribunal Constitucional não explicita a que ratio decidendi efetivamente aquele se reporta. Limitando-se a sustentar que “o tribunal recorrido; não aplicou, como razão de decidir, qualquer dimensão interpretativa daqueles artigos”.
Ora, salvo o devido respeito, isto não se pode compreender. Alguma “dimensão interpretativa”, como supra se referiu, tem de estar presente na aplicação de uma norma.
E, face ao que acima ficou dito, não restam dúvidas, no entendimento da recorrente sobre quais foram as normas aplicadas pelo tribunal recorrido e sobre qual a ratio decidendi que delas próprias decorre, cuja interpretação (a “dimensão interpretativa” efetivamente aplicada pelo Tribunal recorrido) entendemos e reputamos de inconstitucional, como melhor se explanou.
Deste modo, não se alcança como este Tribunal Constitucional entende não ter sido aplicada pelo Tribunal recorrido (o Supremo Tribunal de Justiça), “como razão de decidir, qualquer dimensão interpretativa” das normas que foram aplicadas pelo mesmo Tribunal.
Sendo como tal ininteligível o Acórdão ora em crise, encontrando-se pois eivado de obscuridade e ambiguidade, cujo esclarecimento igualmente se impõe, nos termos do artigo 669º, nº 1, alínea a) do C.P.C. (ex vi do artigo 69º da L.T.C.).
Pelo que, requer-se a V. Exªs se dignem esclarecer que “dimensão interpretativa” das normas cuja inconstitucionalidade foi suscitada o Tribunal recorrido aplicou como razão de decidir, pois que a “dimensão interpretativa” das mesmas, no entender dos recorrentes, é diferente e é aquela que decorre do requerimento de interposição de recurso e como tal devem essas normas ser aplicadas. Ou dito de outra maneira, a sua aplicação comporta pelo menos duas dimensões interpretativas: uma com o sentido em que o Tribunal recorrido as aplicou e que se reputa de inconstitucional; e outra a que os recorrentes entendem compaginar-se com os princípios constitucionais, nomeadamente da igualdade processual entre as partes e do direito a um processo justo e equitativo. Da leitura e compreensão do Acórdão fica sem se saber a “dimensão interpretativa” com que o Supremo Tribunal aplicou as normas em causa, como razão de decidir.
b) Da reforma do Acórdão por erro na qualificação jurídica
Dispõe a alínea a) do n.º 2 do artigo 669.º do C.P.C. (ex vi do artigo 69.º da L.T.C.): “Não cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz: a) Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos”.
Ora, salvo o devido respeito, que é muito, por lapso dos Exm.ºs Senhores Conselheiros, que entendemos ser manifesto, a douta decisão encontra-se ainda viciada por erro na qualificação jurídica dos factos.
Com efeito, o douto Acórdão em crise erra na qualificação da “dimensão interpretativa” que o tribunal recorrido aplicou como ratio decidendi. Entendendo, sumariamente, que “o tribunal recorrido não aplicou, como razão de decidir, qualquer dimensão interpretativa daqueles artigos”.
Quando, na verdade, como repetidamente já se disse, o S.T.J. aplicou efetivamente, e como sua razão de decidir, o artigo 721º, n.º 1 do C.P.C., na interpretação segundo a qual não é admissível o recurso de revista. E da mesma forma, igualmente como sua ratio decidendi, o S.T.J. aplicou os artigos 734.º, n.º 1, alínea a) e 754º, n.os 1 e 3 do C.P.C., na interpretação segundo a qual não é admissível o recurso de agravo. Interpretações ou “dimensões interpretativas” essas que se julgam, na visão dos recorrentes, inconstitucionais.
Ocorre, pois, erro na qualificação jurídica desse facto, isto é, o ser da “dimensão interpretativa” que o tribunal recorrido deu às normas cuja inconstitucionalidade se invoca. Dito de outra forma: a “dimensão interpretativa” das referidas normas, aplicada pelo S.T.J. enquanto ratio decidendi, é aquela que afastou o direito de recurso dos aqui requerentes. E não “qualquer dimensão interpretativa”, como por lapso manifesto sustenta este Venerando Tribunal.
Assim sendo, requer-se a V. Ex.ªs se dignem corrigir o lapso manifesto e erro na qualificação jurídica do facto acima identificado, reformando o Acórdão e substituindo-o por um outro que entenda que a “dimensão interpretativa” que o tribunal recorrido aplicou é, efetivamente, aquela que os recorrentes reputam de inconstitucional.
III – Da reforma do Acórdão quanto a custas
Os requerentes pretendem, igualmente, a reforma do Acórdão quanto às custas fixadas, ao abrigo do disposto no artigo 669º, nº 1, alínea b) do C.P.C. (ex vi do artigo 69º da L.T.C.).
Com efeito, entenderam os Exm.ºs Senhores Conselheiros condenar os recorrentes em custas, “... fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta”.
Ora, dispõe o artigo 7º do Decreto-Lei nº 303/98, de 7 de outubro, que “Nas reclamações, incluindo as de decisões sumárias, nas arguições de nulidades e nos pedidos de esclarecimento ou reforma de decisões, a taxa de justiça é fixada entre 5 UC e 50 UC”.
E estatui, bem assim, o artigo 9º, nº 1 do mesmo diploma que “A taxa de justiça é fixada tendo em atenção a complexidade e a natureza do processo, a relevância dos interesses em causa e a atividade contumaz do vencido.”
Ora, na visão dos recorrentes, o Acórdão ora em crise enferma de aleatoriedade na condenação em custas, viola as referidas normas legais e não explicita a razão de ser do valor fixado.
Tanto mais que se limita a enunciar, genericamente, sem descer à profundidade do caso concreto e sem fundamento bastante, logo concluindo e sem mais que o Tribunal recorrido não aplicou, como razão de decidir, “qualquer dimensão interpretativa” das normas cuja constitucionalidade foi suscitada.
Com o devido respeito, o Acórdão proferido é eminentemente simples, dela não se atinge qualquer complexidade, simplicidade que até decorre da letra do seu texto, todo ele praticamente composto de transcrições e reprodução das normais legais.
O montante fixado afigura-se, pois, desproporcionado e exagerado, sendo profundamente antipedagógico, tanto mais atendendo à conjuntura económico- financeira que o País atravessa.
Como se disse, os requerentes só pretendem aceder ao direito e obter uma pronúncia de mérito sobre o seu litígio. Porém, este Venerando Tribunal não só não admite o recurso interposto, como comina uma pesada “sanção” para o interesse dos recorrentes na realização da justiça – o equivalente, para que se tenha uma verdadeira noção, a mais de quatro salários mínimos nacionais.
Por outro lado, a “relevância dos interesses em causa e a atividade contumaz do vencido” parecem afastados da ponderação aqui em causa, logo porque se está na presença de um processo que é um incidente processual, de diminuto interesse, do qual não decorre qualquer “atividade contumaz” dos recorrentes, a não ser que se pretenda afastar o direito que lhe assiste do recurso aos tribunais.
Pelo que, com o devido respeito, considerando a ausência de complexidade e de bastante fundamentação do Acórdão proferido, e ainda o que demais se explanou, o prudente arbítrio e o princípio da proporcionalidade impõe-se que a taxa de justiça seja fixada no mínimo legal (5 UC).
E a este propósito entendemos pertinente e até pedagógico transcrever a Conclusão 16 (4ª Secção) resultante do Congresso do VII Congresso da Ordem dos Advogados: “Deve ser de imediato revogado o regime especial de custas do Tribunal Constitucional, por o mesmo não só permitir a fixação de custas elevadíssimas e muito acima do que resultaria da aplicação do regime geral, como também por determinar que as custas e multas fixadas pelo próprio Tribunal Constitucional constituam receita corrente do mesmo Tribunal, tornando-o assim parte objetivamente interessada na improcedência das pretensões dos cidadãos”.
IV – Da intervenção do plenário
Por último, os recorrentes apelam ao prudente arbítrio deste Tribunal, para que o julgamento da causa seja feito com a intervenção do plenário, nos termos do artigo 79º-A da L.T.C.
O intuito do ajuizado preceito, como dele se alcança, é “evitar divergências jurisprudenciais” e sujeitar ao julgamento do plenário questões de elevado grau de complexidade, como é a dos autos. Pois que, do que se trata aqui é de aferir, afinal, qual a “dimensão interpretativa” tomada por um outro tribunal, o que consabidamente comporta elevada carga de subjetividade, sendo ela própria suscetível de diferentes interpretações.
Razão pela qual assume inteira relevância submeter a questão da admissibilidade do presente recurso de constitucionalidade a um julgamento mais amplo, partilhado por todos os Exm.ºs Senhores Conselheiros do Tribunal Constitucional, logo pela necessidade de uniformizar jurisprudência na matéria e também tendo presente o princípio de ampliação do direito de recurso, que no caso, sempre milita a favor do aqui recorrente.
Requer-se, assim a subida ponderação do Exmº Senhor Juiz Conselheiro Presidente e para que requeira que o julgamento se faça com a intervenção do plenário deste Venerando Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 79.º-A da L.T.C.
Termos em que requer:
1- O suprimento da nulidade do Acórdão, pelo vício de falta de fundamentação;
2- O esclarecimento do Acórdão, de forma a aclarar as obscuridades e ambiguidades acima suscitadas, e a sua reforma em virtude de erro na qualificação jurídica;
3- A reforma do Acórdão quanto a custas, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal (5 UC);
4- O julgamento com a intervenção do Plenário do Tribunal Constitucional, o que deve ser promovido pelo Exmº Presidente deste Venerando Tribunal».
4. Notificados desta reclamação, os recorridos não responderam.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
1. Os recorrentes vêm arguir a nulidade do Acórdão n.º 413/2012, por falta de fundamentação, bem como requerer a aclaração e a reforma do mesmo Acórdão.
Segundo o disposto nos artigos 666.º, n.ºs 1 e 2, e 716.º do Código de Processo Civil e 69.º da LTC, proferida a decisão fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quando à matéria da causa, sendo-lhe, porém, lícito suprir nulidades, esclarecer dúvidas existentes na decisão e reformá-la, nos termos dos artigos 668.º e 669.º daquele Código. Com relevo para o que importa apreciar e decidir, a decisão é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que a justificam (alínea b) do n.º 1 do artigo 668.º); a decisão é passível de esclarecimento quando seja obscura ou ambígua (alínea a) do n.º do artigo 669.º); a decisão é reformável quando, por manifesto lapso do juiz, tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos (alínea a) do n.º 2 do artigo 669.º).
Do requerimento agora deduzido não se extrai, porém, qualquer argumento no sentido haver uma qualquer razão para suprir a nulidade invocada pelos reclamantes, bem como para aclarar e reformar o acórdão em causa. É de concluir, isso sim, que toda a argumentação dos requerentes é significativa da sua discordância quanto ao decidido relativamente à não verificação de um dos requisitos do recurso de constitucionalidade interposto – o requisito da aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja apreciação foi requerida a este Tribunal. Tal dita o indeferimento da arguição de nulidade do acórdão, bem como dos pedidos de aclaração e de reforma da decisão.
2. Os reclamantes requerem também a reforma do Acórdão n.º 413/2012 quanto a custas.
De harmonia com o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 669.º do Código de Processo Civil, aplicável por força do que dispõe o artigo 69.º da LTC, qualquer das partes pode requerer no tribunal que proferiu a sentença a sua reforma quanto a custas.
No Acórdão n.º 413/2012, a taxa de justiça de 20 unidades de conta foi fixada respeitando o Regime de Custas no Tribunal Constitucional, previsto no Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro, dentro dos limites estabelecidos no artigo 7.º (entre 5 UC e 50 UC) e com respeito pelo critério constante do artigo 9.º, segundo o qual a taxa de justiça é fixada tendo em atenção a complexidade e a natureza do processo, a relevância dos interesses em causa e a atividade contumaz do vencido.
Inexistem, pois, razões para alterar o montante da taxa de justiça fixado na decisão que conheceu da reclamação para a conferência da decisão sumária que havia sido prolatada.
3. Os recorrentes requerem, ainda, que o julgamento da causa seja feito com a intervenção do plenário do Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 79.º-A da LTC. Não se alcança, de todo, o sentido desta pretensão, considerando o que se dispõe na primeira parte do n.º 1 deste preceito legal: «o presidente pode, com a concordância do Tribunal, determinar que o julgamento se faça com intervenção do plenário, quando o considerar necessário para evitar divergências jurisprudenciais ou quando tal se justifique em razão da natureza da questão a decidir». Além de a LTC não conferir aos recorrentes qualquer poder para desencadear esta intervenção do plenário, a mesma seria sempre extemporânea, face ao disposto no n.º 2 daquele artigo, nos termos do qual aquela faculdade pode ser exercida até ao momento em que seja ordenada a inscrição do processo em tabela para julgamento.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se:
a) Indeferir a arguição de nulidade do Acórdão n.º 413/2012;
b) Indeferir o pedido de esclarecimento do Acórdão n.º 413/2012;
c) Indeferir o pedido de reforma do Acórdão n.º 413/2012;
d) Indeferir o pedido de reforma do Acórdão n.º 413/2012 quanto a custas;
e) Indeferir o pedido de intervenção do plenário.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 6 de novembro de 2012.- Maria João Antunes – Maria de Fátima Mata-Mouros – Joaquim de Sousa Ribeiro.