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Proc. nº 751/2003
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de reclamação, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que figura como reclamante a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia e como reclamados A. e outros, a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, invocando a inconstitucionalidade do artigo
24º, nº 2, alínea c), do Código das Expropriações. O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 11 de Novembro de 2002, negou provimento ao recurso.
2. A Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia interpôs recurso de revista, com fundamento em oposição de acórdãos, para o Supremo Tribunal de Justiça. O recurso foi admitido pelo Relator no Tribunal da Relação do Porto, por despacho de 16 de Dezembro de 2002 (fls. 259). O Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se no sentido da inadmissibilidade do recurso. Na sequência do despacho de 9 de Maio de 2003 (fls. 313), a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia pronunciou-se sobre a questão prévia da inadmissibilidade do recurso (fls. 314 e ss.), não suscitando qualquer questão de constitucionalidade normativa. O recurso foi rejeitado por despacho de 5 de Junho de 2003, tendo sido invocados os artigos 678º, nº 3, 732º-A e 732º-B, do Código de Processo Civil (fls. 318 e
318 verso). A Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia interpôs recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, do despacho de 5 de Junho de 2003, para apreciação da conformidade à Constituição do artigo 24º, nº 2, alínea c), do Código das Expropriações. O recurso de constitucionalidade foi rejeitado por despacho datado de 3 de Julho de 2003, com o seguinte teor:
O problema, agora, está na rejeição do recurso para este Supremo Tribunal, e, sobre essa decisão, não vem alegado pelo Recorrente qualquer vício de inconstitucionalidade. Por isso, também rejeito o recurso de constitucionalidade.
3. A Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia reclamou do despacho de 3 de Julho de 2003, ao abrigo dos artigos 76º e 77º da Lei do Tribunal Constitucional, afirmando o seguinte:
1°. Conforme decorre dos autos, Recurso de Revista do Acórdão da Relação do Porto, com vista à fixação de jurisprudência.
2º. Tal Recurso foi rejeitado.
3°. Acontece que no Recurso para a Relação foi suscitada a inconstitucionalidade do art. 24° n° 2 al. c) do Cód. Exp. 1991.
4°. Inconstitucionalidade essa que foi apreciada no dito Acórdão da Relação do Porto.
5°. Ora, sendo rejeitado o Recurso de Revisão para fixação de jurisprudência, também não foi apreciada, ex oficio, como podia sê-lo, a questão da inconstitucionalidade.
6°. Assim, e tendo em consideração o disposto no n° 6 do art. 70 da Lei n°
28/82, de 15 de Novembro, deve ser revogado o despacho de fls... rejeitante do Recurso para o Tribunal Constitucional.
O Ministério Público pronunciou-se nos seguintes termos:
Incumbe ao recorrente, em processo constitucional, o ónus de identificar claramente a decisão que pretende impugnar e endereçar o respectivo requerimento de interposição ao órgão jurisdicional que proferiu a decisão recorrida, a fim de que este possa admitir ou rejeitar liminarmente tal recurso. No caso dos autos, a entidade recorrente endereçou o requerimento de interposição, de p. 320, ao relator do processo junto do STJ, peticionando-lhe expressamente (p. 321)a respectiva admissão, sendo proferido – naquele Supremo
(p. 325) o despacho ora reclamado. Ora, como é manifesto, a decisão proferida pelo STJ não aplicou as normas do Cód. Expropriações que constituem objecto do recurso, já que se limitou a dirimir a questão, estritamente procedimental, da admissibilidade de recurso ordinário para o Supremo, com base em invocada contradição jurisprudencial, ao nível das Relações. Por outro lado, se a entidade recorrente pretendia impugnar o acórdão da Relação, teria necessariamente de endereçar ao relator de tal decisão o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade – estando irremediavelmente precludida a presente reclamação pelo facto de – por conduta processual imputável ao recorrente – o requerimento de recurso (enquanto se entendesse reportado ao referido acórdão da Relação) ter sido apreciado por entidade incompetente (estando obviamente fora de questão que este TC pudesse ordenar a quem não foi o autor da decisão recorrida que admitisse o recurso de constitucionalidade, caso a reclamação fosse, porventura, de deferir). Nestes termos, somos de parecer que a presente reclamação deverá ser julgada improcedente.
Cumpre apreciar.
4. A reclamante, nos presentes autos de reclamação, pretende ver admitido um recurso de constitucionalidade, interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, que tem por objecto a norma do artigo 24º, nº 2, alínea c), do Código das Expropriações. Tal norma foi aplicada pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 11 de Novembro de 2002, que apreciou de mérito a questão debatida nos autos. Porém, o recurso de constitucionalidade foi endereçado ao relator do processo no Supremo Tribunal de Justiça. Ora, na decisão do Relator junto do Supremo Tribunal de Justiça, de 5 de Junho de 2003, apenas se apreciou a questão relativa à admissibilidade do recurso interposto do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 11 de Novembro de 2003, invocando-se, para o efeito, os artigos 678º, 732º-A e 732º-B, do Código de Processo Civil. Não se procedeu, no Supremo Tribunal de Justiça, à apreciação da questão controvertida no processo que implicava a aplicação do artigo 24º do Código das Expropriações. A reclamante sustenta, no entanto, que a questão de constitucionalidade podia ter sido apreciada “ex officio”. Contudo, no Supremo Tribunal de Justiça apenas estava em apreciação, como se referiu, a questão de admissibilidade do recurso interposto. A decisão proferida não fez aplicação da norma impugnada no recurso de constitucionalidade e a recorrente não impugnou, na perspectiva da constitucionalidade, as normas relativas aos poderes cognitivos do Supremo Tribunal de Justiça, pelo que não cabe agora averiguar se o tribunal a quo apreciou ou não as questões que devia ter apreciado. Desse modo, o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade foi endereçado a tribunal que não proferiu a decisão que aplicou a norma impugnada. Caso a reclamante pretendesse interpor recurso de constitucionalidade do acórdão do Tribunal da Relação do Porto (acórdão que fez aplicação da norma impugnada), então o respectivo requerimento teria de ser dirigido a esse Tribunal. Com efeito, não cabe ao Tribunal Constitucional determinar a admissão do recurso de constitucionalidade por entidade diversa da que proferiu a decisão recorrida
(artigo 76º, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional). Assim, não tendo o Supremo Tribunal de Justiça proferido decisão que aplicasse a norma impugnada e não tendo o recurso de constitucionalidade sido endereçado ao Tribunal da Relação do Porto (instância que proferiu decisão que aplicou a norma impugnada), o recurso de constitucionalidade interposto não podia vir a ser admitido, pelo que a presente reclamação é improcedente.
5. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação.
Lisboa, 12 de Dezembro de 2003
Maria Fernanda Palma Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos