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Processo n.º 519/2012
1.ªSecção
Relator: Conselheiro Fernando Ventura
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, com o n.º 519/12, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, o relator proferiu a decisão sumária n.º 361/12, em que se decidiu não conhecer do recurso interposto para o Tribunal Constitucional pelo arguido A., nestes termos:
«1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, o arguido A., identificado nos autos, foi julgado pelo tribunal coletivo do 2.º Juízo da comarca da Marinha Grande e condenado, pela autoria material, em concurso efetivo, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão; de um crime de homicídio qualificado agravado p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 131.º e 132.º, n.º 2, al. b) do Código Penal e 86.º, n.º s 3 e 4 da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena de 19 anos de prisão; e de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelos artigos 3.º, n.º 4, al. a) e 86.º, n.º 1, al. c) da mesma Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro; em cúmulo, foi condenado na pena única de 21 anos de prisão.
Inconformado, o arguido A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra e viu negado provimento à pretensão recursória, sendo integralmente mantida a decisão proferida em 1ª instância.
Novamente irresignado, o arguido recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, vindo a obter provimento parcial, com redução da medida da pena pelo crime de homicídio qualificado agravado para 18 (dezoito) anos de prisão e a consequente alteração da pena única conjunta, fixada em 19 (dezanove) anos de prisão, sendo mantida, no mais, a decisão condenatória.
2. Veio o arguido A. interpor recurso desse aresto para o Tribunal Constitucional, evocando o disposto nos artigos 70.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, 72.º, n.º 1, alínea b), 75.º, n.º 1 e 78.º, n.º 3, todos da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (doravante Lei do Tribunal Constitucional), e no artigo 32.º da Constituição.
Ainda no Supremo Tribunal de Justiça, notificado nos termos e para os efeitos do artigo 75.º-A, n.º 5 da Lei do Tribunal Constitucional, veio o recorrente A. apresentar o seguinte requerimento:
“A., arguido nos autos à margem identificados, vem, face ao despacho de Vªs. Exªs de fls. (...), indicar as normas cuja inconstitucionalidade pretende que venham a ser apreciadas.
Pretende ver apreciada a inconstitucionalidade do n.º 2 do artigo 374.º do CPP, com a interpretação que lhe é dada pelo acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, no sentido de julgar improcedente a inconstitucionalidade alegada pelo recorrente quanto à aplicação do n.º 2 do artigo 374.º do CPP por violação do n.º 1 do artigo 205.º da CRP;
Pretende ver apreciada a inconstitucionalidade do artigo 163.º n.º 2 do CPP, porque viola os artigos 32.º e 205.º n.º 1 da CRP, assim como o artigo 97.º, n.º 5 do CPP;
Pretende ver apreciada a inconstitucionalidade do artigo 374.º n.º 2, quando conjugada com o artigo 379.º n.º 1 al. a) do CPP, acolhida na decisão recorrida se basta, com a referência à descrição do que disseram as testemunhas em audiência de julgamento, porque viola o artigo 32.º n.º 1 e 5 da CRP;
Pretende ver apreciada a inconstitucionalidade do artigo 358.º n.º 3 do CPP acolhida no tribunal a quo, porque viola o artigo 32.º n.º 1 e 5 da CRP;
Pretende ver apreciada a inconstitucionalidade do n.º 3 e n.º 4 do artigo 86.º da Lei 5/2006 na interpretação que lhe é dada pelo Acórdão do STJ, pois a referência a tal lei deve reporta-se ao crime de detenção de arma proibida e não ao crime de homicídio qualificado, pois, ao não ser assim, a interpretação acolhida pelo Tribunal “a quo” é inconstitucional, por violação aos artigos 32.º n.º 1 e 29.º n.º 5 da CRP”.
O recurso foi subsequentemente admitido.
II. Fundamentação
3. Como se disse, o recorrente dirige-se a este Tribunal ao abrigo da al. b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional. Essa modalidade de recurso de constitucionalidade, como tem sido amiúde salientado, pese embora incida sobre decisões dos tribunais, conforma-se como recurso normativo, ou seja, visa a apreciação da conformidade constitucional de normas, e não das decisões judiciais, em si mesmas consideradas. O seu conhecimento depende da verificação cumulativa de vários pressupostos, de índole formal, entre os quais a suscitação pelo recorrente, em termos tempestivos e adequados, de uma questão de inconstitucionalidade normativa e a efetiva aplicação, expressa ou implícita, dessa mesma norma ou interpretação normativa, como ratio decidendi ou fundamento jurídico da concreta decisão impugnada.
Este Tribunal Constitucional tem afirmado, repetidamente, que recai sobre o recorrente o ónus de enunciar, de forma clara e perceptível, o exato sentido normativo do preceito que considera inconstitucional quando questiona a constitucionalidade de uma norma segundo certa interpretação, sob pena de não conhecimento do objeto do recurso interposto. Quando tal não acontece, pode ter lugar convite ao aperfeiçoamento, impulso que, porém, no caso em apreço, já foi exercido pelo Tribunal a quo e não pode ser renovado (n.º 6 do artigo 75.º-A da Lei do Tribunal Constitucional), pelo que o objeto do recurso a ponderar circunscreve-se aos exatos termos da resposta a esse convite, sem prejuízo de adequado esforço interpretativo.
Cumpre, então, e antes de mais, apreciar da verificação de tais pressupostos formais de admissibilidade, com vista a decidir se se pode conhecer do objeto do recurso, uma vez que a decisão que o admitiu não vincula o Tribunal Constitucional (n.º 3 do artigo 76.º da Lei do Tribunal Constitucional).
4. O recorrente indicou cinco fundamentos distintos para o recurso, três dos quais comungam da ponderação das exigências constitucionais de fundamentação das decisões judiciais. Vejamos cada uma dessas componentes do objeto do recurso.
4.1. A primeira pretensão de apreciação de conformidade constitucional remete para o afastamento da arguição dirigida à concreta aplicação das exigências de fundamentação da decisão em matéria de facto, constantes do n.º 2 do artigo 374.º do CPP, mas vem referida ao acórdão proferido nos autos pelo Tribunal da Relação de Coimbra, não ao acórdão recorrido, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Assim, e de forma manifesta, verifica-se que a pretensão do recorrente não encontra a necessária conexão com qualquer norma, ou interpretação normativa, efetivamente aplicada na decisão recorrida, proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, mas sim com outra decisão judicial, a montante daquela, o que manifestamente escapa ao alcance do recurso apresentado. Caso o recorrente tivesse configurado a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Coimbra como decisão final na vertente da fixação e fundamentação da matéria de facto, incumbia-lhe interpor recurso desse aresto no prazo e na forma prescrita pela Lei do Tribunal Constitucional, o que não aconteceu.
Em consequência, o recurso não reveste condições para ser conhecido nessa parte, face ao disposto na al. b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional.
4.2. A segunda dimensão normativo-constitucional que o recorrente considera infringida versa a norma do n.º 2 do artigo 163.º do CPP, preceito que prescreve o valor da prova pericial, dizendo que sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a divergência. Na visão do recorrente, essa norma viola o artigo 32.º da Constituição, relativo às garantias do processo criminal, e o n.º 1 do artigo 205.º da Constituição, onde se estabelece que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
Essa formulação da pretensão formulada perante este Tribunal encontra conexão com as conclusões 6ª, 7ª e 8ª da motivação do recurso dirigido ao Supremo Tribunal de Justiça e, por seu turno, encontra o seguinte desenvolvimento argumentativo no corpo da motivação:
“O art.º 163, n.º 2, do C.P.P., impõe ao julgador que sempre que discorde do juízo técnico-científico deve fundamentar a discordância.
Inserindo-se este dever de fundamentação no art.º 379.º, n.º 1, al. a), por referência ao art.º 374, n.º 2, ambos do C.P.P., o que traduz uma nulidade insanável, que se tem vindo a arguir.
Na nossa opinião, tal dever de fundamentação, está compreendido no dever geral de fundamentação do Acórdão recorrido, art.ºs 374, n.º 2, e 379, n.º 1, al. a), ambos do C.P.P., sendo não uma irregularidade, mas sim uma nulidade, a ser arguida, como foi, no Recurso (note-se que já no Recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, se arguiu tal nulidade).
Estando sujeita, não ao regime do art.º 123.º do C.P.P., mas sim ao regime dos art.ºs 379.º, n.º 1 al. a), e 374.º, n.º 2, ambos do C.P.P.
Arguida a nulidade tempestivamente, porque nos termos do n.º 2, do art.º 379.º, do C.P.P., sendo que tal regime de arguir nulidades no Acórdão no recurso é extensível a todos os atos decisórios previstos no art.º 97, do C.P.P. (art.º 380.º, n.º 3, do C.P.P.), pelo que é este o regime que se deve aplicar “in casu”, violação do art.º 163, n.º 2, do C.P.P., por falta de fundamentação.
A interpretação acolhida pelo Tribunal recorrido, do art.º 163.º, n.º 2, do C.P.P., viola os art.ºs 32 e 205.º, n.º 1, da C.R.P., assim como o art.º 97.º, n.º 5 do C.P.P., o que aqui se invoca também para dar cumprimento ao disposto no art.º 72.º, da Lei do Tribunal Constitucional”.
Mostra-se, assim, inteligível que a pretensão do recorrente não incide sobre o sentido normativo contido na primeira parte do n.º 2 do artigo 163.º do CPP, em que se estabelece a possibilidade do Tribunal divergir do juízo técnico, científico ou artístico decorrente de pronúncia pericial, antes toma em consideração a exigência de fundamentação acrescida imposta pelo segundo segmento do preceito sempre a decisão de facto comporte distonia relativamente à apreciação pericial.
Porém, tomando o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça recorrido, em nenhum ponto vem afirmada a presença de divergência relativamente juízo técnico, científico ou artístico na decisão condenatória e equacionado o sentido normativo do n.º 2 do art.º 163.º do CPP.
No recurso dirigido ao Supremo Tribunal de Justiça, o recorrente enuncia a exigência de fundamentação imposta no n.º 2 do artigo 163.º do CPP e procura convencer que já sustentara o mesmo vício perante o Tribunal da Relação de Coimbra, com referência às disposições conjugadas da al. a) do n.º 1 do artigo 379.º e do n.º 2 do artigo 374.º, ambos do CPP, quando, na verdade, antes sustentara fundamento de nulidade de sentença distinto: omissão de pronúncia, tipificada na al. c) do mesmo n.º 1 do artigo 379.º do CPP. Acontece que ambos os vícios geradores de nulidade - falta de fundamentação e omissão de pronúncia - mereceram apreciação do Supremo Tribunal de Justiça. Depois de transcrever os segmentos considerados pertinentes do aresto do Tribunal da Relação de Coimbra, concluiu-se:
“Resulta, assim, do trecho transcrito não só que a Relação não omitiu pronúncia acerca da questão da alegada imputabilidade diminuída do arguido, mas também que verificou que a 1ª instância não deixou de tomar consideração o relatório de avaliação médico-legal psiquiátrica quando concluiu que ele detinha capacidade para avaliar a ilicitude da sua conduta.
Deste modo, nenhuma nulidade pode ser assacada à decisão da Relação, que constitui agora objeto do recurso”.
Face ao exposto, dúvidas não restam que a decisão recorrida não inscreveu na sua ratio decidendi, mormente para afastamento da nulidade de sentença suscitada, qualquer dimensão interpretativa da norma do n.º 2 do artigo 163.º do CPP que afaste o dever de fundamentação do julgador sobre valoração negativa de juízo pericial, o que, novamente, veda o conhecimento do recurso de acordo com o disposto na al. b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional.
4.3. Pretende ainda o recorrente ver apreciada outra vertente de desconformidade constitucional reportada ao espectro das exigências de fundamentação das decisões judiciais, reiterando a consideração da norma do n.º 2 do artigo 374.º, n.º 2 do CPP, agora na sua conjugação com o artigo 379.º n.º 1 al. a) do CPP, no sentido normativo de que a fundamentação da decisão em matéria de facto basta-se (pode bastar-se) com a descrição do que disseram as testemunhas em audiência de julgamento, o que considera colidir com as garantias do processo criminal estabelecidas nos n.º s 1 e 5 do artigo 32.º da Constituição.
Porém, essa questão de inconstitucionalidade não foi colocada perante o Tribunal recorrido, nem constitui critério normativo, aplicado como ratio decidendi,, no acórdão prolatado pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Ao contrário do que pretende o recorrente, em nenhum momento da decisão recorrida é acolhido o entendimento normativo referido pelo recorrente. Pelo contrário, o Tribunal a quo alude expressamente a trecho do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra em que se formula exatamente a asserção oposta, ou seja, o sentido que o recorrente considera conforme com os parâmetros constitucionais, aduzindo, ainda, aquele aresto, menção abundante da jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a questão, com o remate: “Daí que não seja admissível que a fundamentação das decisões em matéria de facto se baste com a simples enumeração ou arrolamento dos meios de prova utilizados em 1ª instância, sendo necessário que se faça uma verdadeira reconstrução e análise crítica da prova que conduziu à demonstração de uma certa factualidade”.
Novamente, não se verifica o pressuposto de efetiva aplicação da interpretação normativa enunciada pelo recorrente, imposto pela al. b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional.
5. A quarta questão de inconstitucionalidade formulada dirige-se ao artigo 358.º n.º 3 do CPP, por infração do disposto no art.º 32.º, n.º s 1 e 5 da Constituição, delimitada unicamente com a remessa para os termos da decisão recorrida: “acolhida no Tribunal a quo”. Ora, essa formulação genérica e remissiva não satisfaz as exigências formais do recurso (artigo 75.ºA, n.º 1 da Lei do Tribunal Constitucional) e conduz, novamente, ao não conhecimento do recurso nessa parte.
O Tribunal Constitucional tem entendido que o recorrente tem “o ónus de enunciar, de forma clara e perceptível, o exato sentido normativo do preceito que considera inconstitucional”, quando questiona a constitucionalidade de uma norma segundo certa interpretação, sob pena de não conhecimento do objeto do recurso interposto (cfr., entre muito, o Acórdão n.º 21/2006). Como refere Lopes do Rego (Os recursos na fiscalização concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, 2010, págs. 33 e 34): “... quando se pretenda questionar a constitucionalidade de uma dada interpretação normativa, é indispensável que a parte identifique expressamente essa interpretação ou dimensão normativa, em termos de o Tribunal, no caso de a vir a julgar inconstitucional, a poder enunciar na decisão, de modo a que os respetivos destinatários e os operadores do direito em geral fiquem a saber que essa norma não pode ser aplicada com tal sentido (cfr., entre muitos outros, os Acórdãos n.ºs 367/94 e 178/95, cujo entendimento vem sendo uniformemente seguido e aplicado pelo Tribunal Constitucional”.
No caso em apreço, essa ausência de concretização impede que se verifique a coincidência entre a questão colocada e aquela que mereceu já apreciação por parte do Tribunal Constitucional, com expressão nos acórdãos n.ºs 356/05 e 544/2006.
6. Por último, pretende o recorrente questionar a conformidade constitucional da aplicação da agravação constante dos n.ºs 3 e 4 do art.º 86.º da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro (Lei das Armas), quando reportada também ao crime de homicídio, para o que evoca a violação dos artigos 32.º, n.º 1 e 29.º, n.º 5 da Constituição.
Atenta a concreta formulação do recorrente em resposta ao convite (irrepetível, recorde-se) que lhe foi dirigido, é manifesto que o recurso vem exclusivamente dirigido à aplicação da norma, sem a identificação de qualquer “regra abstratamente enunciada e vocacionada para uma aplicação potencialmente genérica”, distinguível da própria decisão (Lopes do Rego, ob. cit., pág. 32). Como já se disse, não compete ao Tribunal Constitucional sindicar a interpretação e aplicação de normas infraconstitucionais, no âmbito de operações subsuntivas efetuadas pelo julgador.
Mais uma vez, esse fundamento do recurso não se encontra em condições de ser conhecido (artigo 75.ºA, n.º 1 da Lei do Tribunal Constitucional).
7. Nestes termos, há que concluir pela impossibilidade de conhecer do objeto do recurso interposto por este recorrente, por falta manifesta dos respetivos pressupostos legais de admissibilidade, o que determina, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 78.ºA da Lei do Tribunal Constitucional, a prolação de decisão sumária.
2. Inconformado, o recorrente veio reclamar para a conferência, nos termos que seguem:
«1 - Nos presentes autos vindos do S.T.J., o ora Reclamante interpôs recurso, ao abrigo do art.º 70, n.º1, da L.T.C.
2 - O objeto do Recurso incide sobre o Acórdão do S.T.J., mas as mesmas questões já tinham sido suscitadas também no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, num e noutro o Recorrente cumpriu o ónus de suscitação prévia da questão de constitucionalidade normativa, relacionada entre outros com as normas dos arts 163, n.º 2; 374, n.º 2, 379, n.º 1, al. a); 358, n.º3, todos do C.P.P., e art.ºs 205; 32 e 29, todos da C.R.P., e ainda art.º 86., n.º 4, da Lei 5/2006.
3. Aliás, já por requerimento a fls. …, o ora Reclamante tinha suscitado a questão de inconstitucionalidade, ainda durante a Audiência de Discussão e Julgamento em 1ª Instância.
4 – Neste doutro Tribunal Constitucional, foi proferida Decisão Sumária de não conhecimento do Recurso, e é desta que ora se Reclama.
4 – Neste douto Tribunal Constitucional foi proferida Decisão Sumária de não conhecimento do Recurso, e é desta que ora se Reclama.
5 – Não esquece o Reclamante que:
“(...) O Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, serem requisitos cumulativos da admissibilidade do recurso da alínea b) do n.º 1 do artigo 70 da LTC, a existência dum objeto normativo – norma ou interpretação normativa – como alvo de apreciação; o esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70, n.º2, da LTC); a aplicação da norma ou da interpretação normativa, cuja sindicância se pretende, como ratio decidendi da decisão recorrida; a suscitação prévia da questão de constitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado e tempestivo, perante o tribunal a quo (artigo 280, n.º1, alínea b) da Constituição da República Portuguesa (CRP); artigo 72, n.º2 da LCT)”.
6 – No entanto, e salvo o devido respeito, é convicção do ora Reclamante, que cumpriu tempestivamente todos os ónus de invocação prévia, nas várias instâncias, esgotando os Recursos Ordinários.
7 – Entende o Reclamante que os doutos Acórdãos recorridos (1ª Instância, Relação de Coimbra e S.T.J.), não contêm todas as menções referidas no n.º2 do artigo 374.º, do C.P.P. Concretamente, não contêm a exposição dos motivos que fundamentaram a decisão do Tribunal “a quo” de considerar provados os factos, bem como o exame crítico das provas que terão servido para formar a convicção nesse sentido.
8 - Ora, uma fundamentação assim não cumpre a norma do n.º 2, do artigo 374, do C.P.P., pois esta exige, não só a indicação dos meios de prova utilizados concretamente, mas também a explicitação de formação da convicção do Tribunal.
9 – O Tribunal “a quo” não procedeu concreta e objetivamente no que ao aqui Recorrente respeita, a essa explicação.
10 – Deve ser declarado nulo o Acórdão proferido, por não ter sido feito o exame crítico das provas, em clara violação do n.º 2, do artigo 374.º, do C.P.P., violando não só o princípio constitucional do dever de fundamentação das decisões judiciais previsto no n.º 1, do art.º 205.º, da Constituição da República Portuguesa, como também o princípio constitucional das garantias de defesa do processo criminal, previsto no art.º 32, n.º1, da C.R.P.
11 – Ora, no caso concreto, e ao contrário da posição defendida no douto Acórdão recorrido, o dever constitucionalmente garantido no art.º 205, n.º1, da Constituição da República Portuguesa, de fundamentação da sentença, não foi cumprido, como também não tinha sido cumprido no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra.
12 – A fundamentação do Tribunal tem que ser de molde a convencer sendo necessário que o Tribunal indique os fundamentos suficientes.
13 – Porém, não foi este o caminho seguido, no Acórdão de 1ª instância, nem no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, nem sequer no Acórdão do S.T.J., ao julgar improcedente a inconstitucionalidade invocada.
14 – Não só o Tribunal “a quo” violou o disposto no art.º 374, n.º 2, do C.P.P. e consequentemente o art.º 205, n.º1, da C.R.P., como também, o Tribunal da Relação de Coimbra, ao julgar improcedente a inconstitucionalidade invocada.
15 – O Reclamante reitera toda a sua argumentação já expendida nos vários Recursos e no seu Requerimento de interposição de Recurso, que por questões de brevidade, se dão por inteiramente reproduzidos, para todos os efeitos legais, tendo, na sua modesta opinião, cumprido os pressupostos de admissibilidade enunciados nos art.ºs 70 e 72, n.º 2, da L.T.C.
16 – Entende o ora Reclamante que a interpretação acolhida do art.º 374, n.º2, do C.P.P., é inconstitucional, quando interpretada (como foi nos Acórdãos recorridos), no sentido de que a fundamentação das decisões em matéria de facto se basta com a simples enumeração e reprodução, das declarações e depoimentos prestados na Audiência, não exigindo a explicitação do processo de formação da convicção do Tribunal.
17 – Na verdade, cremos que uma interpretação do art.º 374, n.º 2, do C.P.P., conforme à Constituição da República Portuguesa, a fundamentação de uma Sentença Criminal, deve conter duas linhas mestras: uma na enumeração dos factos provados e não provados e outra na exposição completa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com exame crítico das provas que contribuíram para formar a convicção do Tribunal.
18 – Na nossa modesta opinião, e em conformidade com a melhor doutrina e Jurisprudência, o exame crítico deve consistir na explicitação do processo de formação da convicção do julgador, concretizando-se as razões pelas quais, determinados meios de prova foram valorados num certo sentido e outros não, certos depoimentos foram considerados credíveis em detrimento de outros. Quais as razões porque se considerou certos meios de prova como idóneos e credíveis no sentido contrário, devendo atender-se que a explicação dos critérios devem ser lógicos, racionais e compreensíveis.
19 – Ora, no caso concreto, o Acórdão da 1ª instância, e depois também o do Tribunal da Relação de Coimbra e o Acórdão do S.T.J. ora recorrido, não cumprem, com o devido respeito, este normativo legal.
20 – Pretende-se a sindicância do critério normativo, este corresponde a fundamento jurídico determinante da solução dada ao litígio. Esta questão de constitucionalidade, pode repercutir-se, de forma útil e eficaz, na solução jurídica do caso concreto, sendo suscetível de alterar o sentido ou os efeitos da decisão recorrida, implicando uma ponderação da solução dada ao caso, pelo Tribunal “a quo”.
21 – Entende o ora Reclamante, salvo o devido respeito, que enunciou as questões de forma inteligível, pois pretende ver apreciada a inconstitucionalidade do art.º 358, n.º3, do C.P.P., na interpretação no Tribunal recorrido, porque em seu entendimento, tal interpretação viola o art.º 32.º, n.º1 e 5, da C.R.P.
22 – Mais, pretende que aprecie a inconstitucionalidade do art.º 86, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 5/2006, na interpretação que lhe é dada no Acórdão recorrido, pois entende que ao contrário do decidido nesse douto Aresto, a referência a tal lei deve reportar-se ao crime de detenção de arma proibida, e não ao crime de homicídio qualificado (como acontece nos autos), entende que esta interpretação é desconforme à Constituição (art.ºs 32 e 29, n.º 5, da C.R.P.).
23 – Com o mui devido respeito, entende-se que deve o Recurso ser admitido».
Termina pelo provimento da reclamação.
3. O Ministério Público apresentou resposta, no sentido do indeferimento da reclamação.
4. Notificada, a assistente veio ao autos indicar não pretender exercer o direito de resposta.
II. Fundamentação
5. O recorrente reclama para a conferência da decisão sumária proferida, pois considera que o recurso para este Tribunal Constitucional deve ser admitido, quanto a todas as questões de inconstitucionalidade colocadas.
A título prévio, nota-se que o recorrente organiza a reclamação sem circunscrever os fundamentos a que alude, o que dificulta a percepção dos argumentos esgrimidos relativamente a cada uma das cinco questões de constitucionalidade que elencou na resposta ao convite ao aperfeiçoamento que lhe foi dirigido, no Supremo Tribunal de Justiça, e que delimitam o objeto do recurso de constitucionalidade.
6. Compreende-se, ainda assim, e como bem observa o Ministério Público, que o recorrente, ora reclamante, nada diz de específico sobre uma das questões, relativa à «inconstitucionalidade do artigo 163.º, n.º2 do C.P.P.». Mesmo que se entenda que a posição do reclamante encontra expressão no ponto n.º2, em que surge mencionada essa norma, tal indicação encontra-se referida ao cumprimento do ónus de suscitação prévia, quando não foi esse o fundamento da decisão sumária de inadmissibilidade relativamente a essa dimensão do recurso. Considerou-se que a decisão recorrida não inscreveu na sua ratio decidendi a aplicação dessa norma, entendimento que o reclamante não coloca em crise na reclamação.
7. A segunda ponderação que decorre dos termos como vem formulada a reclamação incide sobre as duas questões suscitadas com referência ao artigo 374.º, n.º2 do C.P.P. Recorde-se que o recorrente indicou pretender a apreciação de duas dimensões normativas distintas desse preceito: a primeira delimitada como «a inconstitucionalidade do n.º 2 do artigo 374.º do CPP, com a interpretação que lhe é dada pelo acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, no sentido de julgar improcedente a inconstitucionalidade alegada pelo recorrente quanto à aplicação do n.º 2 do artigo 374.º do CPP por violação do n.º 1 do artigo 205.º da CRP»; a segunda como «a inconstitucionalidade do artigo 374.º n.º 2, quando conjugada com o artigo 379.º n.º 1 al. a) do CPP, acolhida na decisão recorrida se basta, com a referência à descrição do que disseram as testemunhas em audiência de julgamento, porque viola o artigo 32.º n.º 1 e 5 da CRP».
A essa distinção corresponderam, na decisão sumária reclamada, fundamentos de inadmissibilidade do recurso igualmente diversos. Enquanto na primeira questão, foi considerado que o recorrente não orientava a pretensão aos termos da decisão recorrida, proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, e inerentemente, que não estribou a sua pretensão em interpretação normativa aí aplicada, na outra questão atinente à fundamentação das decisões em matéria de facto, entendeu-se que a dimensão normativa formulada pelo recorrente como violadora da Constituição não só não havia sido aplicada como fora expressamente afastada.
A argumentação constante da reclamação aglutina essas duas questões mas, para o que interessa, em nada afasta o entendimento constante da decisão sumária e que cumpre manter.
O recurso de constitucionalidade interposto e admitido incide sobre o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, e não sobre qualquer outra decisão. É certo que pode acontecer que essa decisão incorpore o entendimento normativo acolhido pelas instâncias, através da confirmação da decisão da instância recorrida pelos mesmos fundamentos. Mas também pode acontecer que a decisão impugnada junto do Supremo Tribunal de Justiça seja confirmada por outros fundamentos. Incumbia, então, ao recorrente concretizar, de forma cabal e plena, a norma ou a interpretação normativa efetivamente aplicada pela decisão recorrida, sem lugar a substituição do Tribunal no cumprimento desse dever.
Nessa medida, cumpre considerar que o recorrente não obedeceu, mesmo depois do convite que lhe foi dirigido, às exigências constantes dos n.º 1 e 2 do artigo 75.ºA, da L.T.C., quanto à primeira dessas duas questões.
Quanto à segunda, o recorrente persiste em ler na decisão entendimento que, sem margem para dúvidas, foi expressamente afastado, pelo que a falta de razão da reclamação é manifesta.
Importa acrescentar, face às considerações inseridas na reclamação relativamente à desconformidade da concreta fundamentação dos acórdãos proferidos nos autos – em 1ª instância, pela Relação de Coimbra e pelo Supremo Tribunal de Justiça, referidos conjuntamente como «Acórdãos recorridos», olvidando que apenas este último é susceptível de recurso para o Tribunal Constitucional, como foi – que, como se explicitou no Acórdão deste Tribunal n.º 674/99, ao sistema de fiscalização da constitucionalidade encontram-se sujeitos os atos do poder normativo, e não o ato de julgamento, na sua especificidade indissociável do caso concreto.
8. No que concerne à questão de «inconstitucionalidade do artigo 358.º, n.º3 do C.P.P.», a argumentação do recorrente cinge-se à indicação de que enunciou a questão de forma inteligível.
Porém, não se trata, como se disse na decisão sumária, de obscuridade de formulação da questão, mas de omissão de indicações exigidas pelo ordenamento que rege o recurso para o Tribunal Constitucional. Não basta remeter para a decisão recorrida, pois, repete-se, não se cuida de apreciar o ato de julgamento, mas, tão somente, da conformidade constitucional de normas, ou de interpretação normativa, acolhidas e aplicadas na decisão recorrida como ratio decidendi.
Também aqui, cumpre manter a decisão sumária.
9. A última questão que o recorrente inclui na reclamação prende-se com a aplicação do artigo 86.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º5/2006, de 23 de fevereiro.
A reclamação em nada abala os fundamentos da decisão sumária, limitando-se a recolocar a questão. Como reitera, aliás, na peça processual em apreço, o recorrente insurge-se contra a interpretação daquele preceito, no plano infraconstitucional, pois considera que a sua previsão não abrange o crime de homicídio. Ou seja, pretende ver reapreciado o juízo de subsunção, por entender que o sentido aplicado não se encontra contido na norma típica legal, formulação que corresponde à pretensão de correcção do ato de julgamento, competência que não assiste ao Tribunal Constitucional. Novamente, não se encontra aí suscitada qualquer questão de constitucionalidade normativa, sendo o vício de inconstitucionalidade imputado à própria decisão.
III. Decisão
10. Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão sumária proferida.
11. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Notifique.
Lisboa, 25 de setembro de 2012.- Fernando Vaz Ventura – Maria José Rangel de Mesquita – Rui Manuel Moura Ramos.