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Processo n.º 343/2012
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A., melhor identificado nos autos, reclama para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual redação (LTC), da decisão sumária proferida pelo relator que decidiu não conhecer das questões de constitucionalidade apontadas no seu requerimento de interposição de recurso.
2. Refutando esta decisão de não conhecimento do objeto do recurso, assim argumentou o reclamante:
«(...)
1 O ora Reclamante, não se tendo conformado com o douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 07/04/20 1 O, notificado por carta em 12/04/2010, veio dele interpor recurso para o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, ao abrigo do disposto no art.° 280° da CRP e n.º 1 do art.° 70° da Lei n.º 28/82 de 15 de novembro, na redação da Lei n.º 13-A/98, com efeito suspensivo e subida nos próprios autos - n.º 1 do art.° 78° da Lei n.º 28/82 e al. a) do n.º 1 do art.° 408° do CPP-, com CONCESSÃO DE APOIO JUDICIÁRO NA MODALIDADE DE PAGAMENTO FASEADO DE TAXA DE JUSTIÇA E DEMAIS ENCARGOS COM O PROCESSO.
2. A interposição do daquele recurso para o Tribunal Constitucional foi feita ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.° 70° da Lei n.º 28/82 de 15 de novembro - Lei Orgânica sobre a Organização Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional -, na redação que lhe foi conferida pela Lei nº 13-A/98 de 26 de fevereiro.
3. Nessa conformidade, conforme então expressou, pretendia em primeiro lugar que fosse apreciada a constitucionalidade do n.º 2 do art.º 495.º do CPP interpretado no sentido de não ser obrigatória a audição presencial do Arguido para efeitos de prolação de despacho de revogação da suspensão da execução da pena de prisão.
4. Uma vez que, salvo o devido respeito, entendia e entende que o douto tribunal então recorrido, ao julgar improcedente o recurso por si interposto da decisão que revogou a suspensão da pena de prisão e ao manter na íntegra a decisão recorrida, violou não só o disposto nos artºs 495.º n.º 2 e 119.º al. c) do CPP, como também o disposto no art.º 32.º n.ºs 1, 5 e 6 da Constituição da República Portuguesa (CRP) – Cfr. no mesmo sentido Ac. RP da 1ª Secção Criminal, Rec. Penal n.º 7704/08, de 04/03/2009, de onde pode ler-se: “A falta de audiência presencial do condenado prevista no n.º 2 do art.º 495.º do Código de Processo Penal preenche a nulidade insanável da al. c) do art.º 119.º do mesmo código.” – itálico e sublinhado nossos.
5. Ademais, como também então expressou, a verdade é que “A decisão que revoga a suspensão da execução da pena deve ser notificada pessoalmente ao condenado.” – itálico e sublinhado nossos – Cfr. Ac. RP da 2ª Secção Criminal (4ª Secção Judicial), Rec. Penal n.º 6849/08 de 28 /01/08 e Vd. 2ª parte do n.º 9 do art.º 113.º do CPP -,
6. Mais tendo referido que, apesar de notificado ao respetivo mandatário judicial, o despacho que revogou a suspensão da pena de prisão aplicada ao condenado não lhe foi pessoalmente notificada pelo que, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 121.º do CPP, se verifica nova nulidade, o que invocou para todos os efeitos legais, tendo também referido encontrarem-se por esse motivo violados os n.ºs 1, 5 e 6 da CRP, uma vez que a primeira parte do n.º 9 do art.° 113° do CPP foi interpretado no sentido de não ser necessária a notificação pessoal ao condenado do despacho que revoga a suspensão da execução da pena de prisão, quando por força daqueles dispositivos constitucionais deve ser interpretada em sentido inverso.
7. Posteriormente, através de requerimento com carimbo de entrada em tribunal de onde consta o dia 29/04/2010, além de solicitar ao Tribunal Recorrido — Tribunal da Relação de Lisboa - a admissão e junção aos autos de comprovativo de notificação da parte contrária relativo ao supra referido requerimento de RECURSO PARA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL que fez dar entrada em tribunal, via fax, no dia 22 de abril de 2012, o qual tempestivamente protestou juntar, o ora Reclamante expôs e requereu o seguinte:
“Por outro lado, tendo constatado que por mero lapso não fez constar daquele requerimento a indicação das alíneas do n.º 1 do art.° 70° da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na atual redação, ao abrigo das quais o recurso foi interposto, vem indicar, por um lado, que a apreciação da constitucionalidade do n.º 2 do art.° 495° do CPP interpretado no sentido de não ser obrigatória a audição presencial do Arguido para efeitos de prolação de despacho de revogação da suspensão da execução da pena de prisão, tal como fez o tribunal a quo, é requerida ao abrigo das al. b) e g) dos referidos número e artigo da Lei n.º 28/82, sendo que, por um lado e para efeitos da referida al. b), essa inconstitucionalidade não foi antes suscitada no processo uma vez não era previsível que fosse cometida em face da jurisprudência constante dos Tribunais da Relação que vai em sentido precisamente contrário — Cfr. a titulo de exemplo, além do Ac. RP da 1ª Secção Criminal, Rec. Penal n.º 7704/08, de 04/03/2009 referido no ponto 3 do requerimento de recurso, o Ac. TRC, Processo n.º 335/0i.5TBTNV-D.C1, de 05/11/2008, in www.dgsi.pt, de onde pode ler-se: “..., tem de se considerar que o art.° 495° n.º 2 do Código de Processo Penal consagra, atualmente, o direito ao contraditório mas, mais, o direito à audiência pessoal e presencial do arguido. — itálico e sublinhado nossos -, e, por outro lado, para efeitos da al. g), a interpretação efetuada pelo tribunal a quo contende com os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 164/99 de 10/03/99, Proc. 533/98, publicado na IIª Série do DR de 28/02/2000 e n.º 298/2005, publicado na IIª Série do Diário da República, n.º 144 de 28/07/2005.
Por outro lado, vem indicar que a apreciação da constitucionalidade do n.º 9 do art.° 113° do CPP, interpretado pelo tribunal a quo no sentido de não ser obrigatória a notificação pessoal ao condenado do despacho que revoga a suspensão da execução da pena de prisão, é também requerida ao abrigo das al. b) e g) dos referidos número e artigo da Lei n.º 28/82, sendo que, por um lado e para efeitos da referida al. b), essa inconstitucionalidade não foi antes suscitada no processo uma vez não era previsível que fosse cometida em face da jurisprudência constante dos Tribunais da Relação que vai em sentido precisamente contrário — Cfr. a titulo de exemplo o Ac. RP da 2ª Secção Criminal (4 Secção Judicia1), Rec. Penal n.º 6849/08 de 28/01/09 citado no ponto 4 do requerimento de recurso - e, por outro lado, para efeitos da al. g), a interpretação efetuada pelo tribunal a quo contende com o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 422/2005 de 17/08/2005, da 2ª Secção, Proc. 572/05; com o Acórdão n.º 476/2004 e com os Acs. 274/2003, 278/2003 e 505/2003, todos daquele venerando tribunal.
Por último, uma vez que também por mero lapso na quinta linha do ponto 5 do requerimento de recurso não se fez referência ao artigo da CRP a que correspondem os números ali referidos, vem solicitar a Vs. Ex.as se dignem relevar-lhe o lapso e considerar que aqueles números se reportam ao art.° 32° do CRP.”.
8. O referido recurso — para este douto Tribunal — veio a ser julgado através da prolação da decisão sumária de que agora se reclama, a qual, sumariamente, considerou o seguinte:
a)- Relativamente ao fundamento do recurso interposto ao abrigo da al. b) do art.° 70.°, n.º 1 da LCT: não tomar conhecimento do objeto do recurso porque, tendo o ora Reclamante tido oportunidade de suscitar durante o processo a questão da inconstitucionalidade, o não fez;
b)- Relativamente ao fundamento do recurso interposto ao abrigo da al. g) do art.° 70.°, n.º 1 da LTC: não tomar conhecimento do objeto do recurso porque, além do mais, a decisão proferida por este douto tribunal através dos Acórdãos n.º 476/2004 e 422/2005, não consistiu num juízo de inconstitucionalidade do art.° 1 13.°, n.º 9, do CPP, interpretado no sentido de não ser obrigatória a notificação pessoal ao condenado do despacho que revoga a suspensão da execução da pena de prisão.”.
9- Ora, ao contrário do considerado na douta decisão sumária de que ora se reclama e no que diz respeito aos fundamentos referidos no ponto anterior, a verdade é que a questão da inconstitucionalidade — ao contrário do expresso no requerimento de recurso, reconhece-se, e devido a mero lapso - foi suscitada perante a 1ª e a 2ª Instâncias, através de requerimentos em cujo carimbo de entrada consta a data de 29/04/2010, de onde pode ler-se, nomeada e respetivamente nos pontos 6 e 8, o seguinte: “... - e viola o disposto nos n.ºs 1, 5 e 6 da CRP.” e “... bem como violação do disposto nos n.ºs 1, 4 e 5 da CRP.”.
10. Deste modo, ao contrário do considerado pela douta decisão de que ora se reclama, deve considerar-se que que a questão da inconstitucionalidade foi suscitada previamente perante os tribunais a quo e que os mesmos, de resto, sobre a questão, não emitiram qualquer tipo de pronuncia.
11. É certo que o ora Reclamante, por mero lapso de escrita, não identificou o art.° da CRP no qual se encontram inseridos os números com base na violação dos quais invocou a inconstitucionalidade.
12. Porém, quer ao abrigo do princípio da cooperação — art.° 266.° do CPC — quer ao abrigo do disposto no art.º 417.º, n.º 3 do CPP, interpretado extensivamente, quer, nos mesmos termos, ao abrigo do disposto no art.° 75.°-A, n.º 5 da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na redação conferida pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de fevereiro, o certo é que os tribunais a quo podiam e deviam ter convidado o ora Reclamante no sentido de vir aos autos prestar/apresentar as indicações/correções que se entendesse serem necessárias,
13. Sem descurar, conforme já referido, que na parte final do requerimento identificado e citado no ponto 7 supra, o ora reclamante procedeu a essa correção.
14. Mas ainda que assim não seja considerado, o que por hipótese meramente académica se admite, o certo é que era imprevisível que o Tribunal da Relação de Lisboa viesse a decidir como decidiu.
15. De facto, a ser entendido que a inconstitucionalidade invocada ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art.° 70.° da LTC não foi antes suscitada no processo, o certo é que nem por isso se deve decidir não tomar conhecimento do objeto do recurso uma vez não era previsível que fosse cometida em face da jurisprudência constante dos Tribunais da Relação que vai em sentido precisamente contrário ao Acórdão da Relação de Lisboa objeto do recurso interporto para este douto tribunal — Cfr. a titulo de exemplo, além do Ac. RP da 1ª Secção Criminal, Rec. Penal n.º 7704/08, de 04/03/2009 referido no ponto 3 do requerimento de recurso para este douto tribunal, o Ac. TRC, Processo n.º 335/O1.5TBTNV-D.C1, de 05/11/2008, in www.dgsi.pt, de onde pode ler-se: “..., tem de se considerar que o art.° 495° n.º 2 do Código de Processo Penal consagra, atualmente, o direito ao contraditório mas, mais, o direito à audiência pessoal e presencial do arguido. — itálico e sublinhado nossos.
16. Por outro lado, a decisão sumária de que ora se reclama julgou não dever tomar conhecimento do objeto do recurso porque, além do mais, a decisão proferida por este douto tribunal através dos Acórdãos n.º 476/2004 e 422/2005, não consistiu num juízo de inconstitucionalidade do art.° 113.°, n.º 9, do CPP, “interpretado no sentido de não ser obrigatória a notificação pessoal ao condenado do despacho que revoga a suspensão da execução da pena de prisão.”.
17. Ora, salvo o devido respeito, o ora Reclamante entende que tais Acórdãos deste douto tribunal, senão expressa pelo menos implicitamente declaram a inconstitucionalidade do art.° 113.°, n.º 9, do CPP, interpretado no sentido de não ser obrigatória a notificação pessoal ao condenado do despacho que revoga a suspensão da execução da pena de prisão., o que requer seja decretado, uma vez que ambos se pronunciam no sentido de, sob pena de inconstitucionalidade, o despacho que revoga a suspensão da execução da pena de prisão ter de ser pessoalmente notificado ao Arguido, ora Reclamante, o que não se verificou.
NESTES TERMOS,
E nos demais de direito, deve a presente reclamação ser admitida e considerada procedente com prosseguimento dos ulteriores termos legais.
(...)»
3. Notificado para o efeito, o Ministério Público respondeu à reclamação, pugnando pelo respetivo indeferimento, em resposta com o seguinte conteúdo:
«(...)
1º
Pela Decisão Sumária 344/12, de 5 de julho (cfr. fls. 1820-1824 dos autos), o Ilustre Conselheiro Relator entendeu, no presente caso, “não tomar conhecimento do objeto do recurso”.
2º
Reporta-se, a mesma Decisão Sumária, ao recurso de inconstitucionalidade oportunamente interposto (cfr. fls. 1757-1759, 1787-1789 dos autos), para este Tribunal Constitucional, pelo recorrente, A., do Acórdão, de 7 de abril de 2010, do Tribunal da Relação de Lisboa (cfr. fls. 1737-1747, 1762-1772, 1791-1801 dos autos).
Recurso de constitucionalidade, esse, complementado por novo requerimento, ulteriormente apresentado pelo arguido (cfr. fls. 1802-1804 dos autos).
3º
O Acórdão recorrido, do Tribunal da Relação de Lisboa, julgou improcedente o recurso anteriormente interposto, para o mesmo tribunal superior, pelo ora recorrente (cfr. fls. 1666-1676, 1681-1691 dos autos), do despacho, de 12 de maio de 2009, do Meritíssimo Juiz do Tribunal Judicial da Lourinhã (cfr. fls. 1654-1659 dos autos), que revogou a suspensão da pena de prisão de 3 anos, que lhe havia sido anteriormente aplicada, tendo determinado o efetivo cumprimento, pelo arguido, desta pena.
4º
O presente recurso de constitucionalidade vem interposto ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alíneas b) e g), da LTC (cfr. fls. 1757, 1787, 1802-1803 dos autos), pretendendo-se ver fiscalizada a constitucionalidade da norma do artigo 495.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (CPP), “interpretado no sentido de não ser obrigatória a audição presencial do arguido para efeitos de prolação de despacho de revogação da execução da pena de prisão” (cfr. fls. 1757, 1787 dos autos), bem como da norma do artigo 113.º, n.º 9, também do CPP, interpretado “no sentido de não ser necessária a notificação pessoal ao condenado do despacho que revoga a suspensão da execução da pena de prisão” (cfr. fls. 1758, 1788 dos autos).
5º
Considerou o Ilustre Conselheiro Relator, deste Tribunal Constitucional, na Decisão Sumária 344/12, ora reclamada, relativamente ao primeiro fundamento para as questões de constitucionalidade suscitadas (alínea b) do nº 1 do art. 70º da LTC), que o arguido não suscitou as referidas questões em termos adequados, claros e percetíveis, durante o processo, de modo a que o tribunal a quo – Tribunal da Relação de Lisboa – as pudesse conhecer, antes de esgotado o seu poder jurisdicional sobre os autos (cfr. fls. 1820-1821 dos autos) (destaques do signatário).
6º
Concluiu, o mesmo Ilustre Conselheiro Relator (cfr. fls. 1822 dos autos), relativamente a esta questão (destaques do signatário):
“Valem estas considerações, no caso concreto, para concluir que, perscrutados os autos, o recorrente teve uma efetiva oportunidade processual para suscitar a constitucionalidade das normas sindicandas, como ressalta do teor do recurso que interpôs para o Tribunal da Relação de Lisboa, onde alegou que “a revogação da suspensão da pena de prisão aplicada ao condenado foi decretada sem que se tivesse procedido à respetiva audição presencial, o que constitui nulidade insanável nos termos do disposto na al. c) do art.º 119.º do CPP (Conclusão L)” e que “apesar de notificado o respetivo mandatário judicial, o despacho que revogou a suspensão da pena de prisão aplicada ao condenado não lhe foi pessoalmente notificada, pelo que, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 121.º do CPP, se verifica nova nulidade (conclusão M)”.
Assim sendo, encontrando-se aí o recorrente a contestar uma alegada interpretação da lei por parte do tribunal de 1.ª instância, podiam perfeitamente ter sido arguidas as inconstitucionalidades referentes às normas cuja aplicação fora contestada, assim prevenindo a possibilidade da instância de recurso manter a decisão aí impugnada.”
7º
Ora, crê-se correctíssima a conclusão do Ilustre Conselheiro Relator, amplamente justificada por anteriores considerações suas, na mesma Decisão Sumária (cfr. fls. 1821-1822 dos autos) (destaques do signatário):
“É evidente a razão de ser deste entendimento: o que se visa é que o tribunal recorrido seja colocado perante a questão da validade da norma que convoca como fundamento da decisão recorrida e que o Tribunal Constitucional, que conhece da questão por via de recurso, não assuma uma posição de substituição à instância recorrida, de conhecimento da questão de constitucionalidade fora da via de recurso (cf., por exemplo, os Acórdãos n.ºs 354/94, 560/94 e 155/95, in Diário da República II Série, respetivamente, de 6 de setembro de 1994, de 10 de janeiro de 1995 e de 20 de junho de 1995).
É certo que tal doutrina sofre restrições, como se salientou naquele Acórdão n.º 354/94, mas isso apenas acontece em situações excecionais ou anómalas, nas quais o interessado não dispôs de oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes proferida ou não era exigível que o fizesse, designadamente por o tribunal a quo ter efetuado uma aplicação de todo insólita e imprevisível.
Usando os termos do Acórdão n.º 192/2000, dir-se-á, ainda, que “quem pretenda recorrer para o Tribunal Constitucional com fundamento na aplicação de uma norma que reputa inconstitucional tem, porém, a oportunidade de suscitar a questão de constitucionalidade perante o tribunal recorrido, antes de proferido o acórdão da conferência de que recorre...”.
E é claro que não poderá deixar de entender-se que o recorrente tem essa oportunidade quando a apreensão do sentido com que a norma é aplicada numa decisão posteriormente proferida poderá/deverá ser perscrutado no(s) articulado(s) processual(ais) funcionalmente previsto(s) para discretear juridicamente sobre as questões cuja resolução essa decisão tem de ditar, por antecedentemente colocadas, e em que aquele sentido, cuja constitucionalidade se poderá questionar, se apresenta como sendo um dos plausíveis a ser aplicados pelo juiz.
Ao encararem ou equacionarem na defesa das suas posições a aplicação das normas, as partes não estão dispensadas de entrar em linha de conta com o facto de estas poderem ser entendidas segundo sentidos divergentes e de os considerar na defesa das suas posições, aí prevenindo a possibilidade da (in)validade da norma em face da lei fundamental.
Digamos que as partes têm um dever de prudência técnica na antevisão do direito plausível de ser aplicado e, nessa perspetiva, quanto à sua conformidade constitucional, postulado pelo facto de o mandato forense estar sujeito a uma habilitação legal. O dever de suscitação da inconstitucionalidade durante o processo e pela forma adequada enquadra-se dentro destes parâmetros acabados de definir.”
8º
Na sua reclamação para a conferência, considera o Réu, designadamente, que «era imprevisível que o Tribunal da Relação de Lisboa viesse a decidir como decidiu” (cfr. fls. 1834,1842 dos autos).
Mas uma tal argumentação, para além de ser de difícil aceitação, não anula, bem pelo contrário, que, nesta matéria, não terá feito uso daquele “dever de prudência técnica” que lhe seria exigível, tanto mais que apresentou, em devido tempo, no seu recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, os seus argumentos sobre a invocada nulidade da alínea c) do art. 119º do CPP, mas não sobre a questão de constitucionalidade que, mais tarde, entendeu de suscitar (cfr. fls. 1676, 1691 dos autos).
Não será, por isso, de estranhar que, como afirma na sua reclamação para a conferência, os tribunais a quo não tenham emitido qualquer tipo de pronúncia sobre a questão de constitucionalidade que invocou (cfr. fls. 1833, 1841 dos autos).
Justamente, porque a mesma não foi suscitada atempadamente, e de forma adequada, enquanto questão de constitucionalidade, perante as referidas instâncias.
9º
Não pode, por outro lado, aceitar-se a sua argumentação (cfr. fls. 1834, 1841 dos autos), de que a questão de constitucionalidade, afinal, “foi suscitada perante a 1ª e 2ª Instâncias, através de requerimentos em cujo carimbo de entrada consta a data de 29/04/2010, de onde pode ler-se, nomeada e respetivamente nos pontos 6 e 8, o seguinte: «…e violou o disposto nos nºs 1, 5 e 6 da CRP», e «… bem como violação do disposto nos nºs 1, 4 e 5 da CRP».
A mera indicação de preceitos constitucionais, pretensamente violados, não traduz, com efeito, a apresentação de uma questão de constitucionalidade normativa, essencial para que um recurso de constitucionalidade possa ser apreciado.
10º
É jurisprudência assente, deste Tribunal Constitucional, que o recurso de constitucionalidade deve integrar uma dimensão normativa, não servindo, apenas, para colocar em causa a bondade da decisão impugnada.
Como referido a este propósito, por exemplo, no Acórdão 633/08 (destaques do signatário):
“Neste domínio, há que acentuar que, nos processos de fiscalização concreta, a intervenção do Tribunal Constitucional se limita ao reexame ou reapreciação da questão de (in)constitucionalidade que o tribunal a quo apreciou ou devesse ter apreciado (nesta linha de pensamento, podem ver-se, entre outros, o Acórdão n.º 155/95, publicado no Diário da República II Série, de 20 de junho de 1995, e, aceitando os termos dos arestos acabados de citar, o Acórdão n.º 192/2000, publicado no mesmo jornal oficial, de 30 de outubro de 2000 ? e sobre o sentido de tal requisito, José Manuel M. Cardoso da Costa, A jurisdição constitucional em Portugal, 3.ª edição, revista e atualizada, pp. 40 e 72), razão pela qual as partes, ao encararem ou equacionarem na defesa das suas posições a aplicação das normas, não estão dispensadas de entrar em linha de conta com o facto de estas poderem ser entendidas segundo sentidos divergentes e de os considerar na defesa das suas posições, aí prevenindo a possibilidade da (in)validade da norma em face da lei fundamental, impendendo sobre elas um dever de prudência técnica na antevisão do direito plausível de ser aplicado e, nessa perspetiva, quanto à sua conformidade constitucional.
Concretizando, ainda, aspetos do seu regime, cumpre acentuar que, sendo o objeto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade constituído por normas jurídicas, que violem preceitos ou princípios constitucionais, não pode sindicar-se, no recurso de constitucionalidade, a decisão judicial em si própria, mesmo quando esta faça aplicação direta de preceitos ou princípios constitucionais, quer no que importa à correção, no plano do direito infraconstitucional, da interpretação normativa a que a mesma chegou, quer no que tange à forma como o critério normativo previamente determinado foi aplicado às circunstâncias específicas do caso concreto (correção do juízo subsuntivo).
Deste modo, é sempre forçoso que, no âmbito dos recursos interpostos para o Tribunal Constitucional, se questione a (in)constitucionalidade de normas, não sendo, assim, admissíveis os recursos que, ao jeito da Verfassungsbeschwerde alemã ou do recurso de amparo espanhol, sindiquem, sub species constitutionis, a concreta aplicação do direito efetuada pelos demais tribunais, em termos de se assacar ao ato judicial de “aplicação” a violação (direta) dos parâmetros jurídico-constitucionais. Ou seja, não cabe a este Tribunal apurar e sindicar a bondade e o mérito do julgamento efetuado in concreto pelo tribunal a quo. A intervenção do Tribunal Constitucional não incide sobre a correção jurídica do concreto julgamento, mas apenas sobre a conformidade constitucional das normas aplicadas pela decisão recorrida, cabendo ao recorrente, como se disse, nos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, o ónus de suscitar o problema de constitucionalidade normativa num momento anterior ao da interposição de recurso para o Tribunal Constitucional [cf. Acórdão n.º 199/88, publicado no Diário da República II Série, de 28 de março de 1989; Acórdão n.º 618/98, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, remetendo para jurisprudência anterior (por exemplo, os Acórdãos nºs 178/95 - publicado no Diário da República II Série, de 21 de junho de 1995 -, 521/95 e 1026/9, inéditos, e o Acórdão n.º 269/94, publicado no Diário da República II Série, de 18 de junho de 1994)].
A este propósito escreve Carlos Lopes do Rego («O objeto idóneo dos recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade: as interpretações normativas sindicáveis pelo Tribunal Constitucional», in Jurisprudência Constitucional, 3, p. 8) que “É, aliás, percetível que, em numerosos casos – embora sob a capa formal da invocação da inconstitucionalidade de certo preceito legal tal como foi aplicado pela decisão recorrida – o que realmente se pretende controverter é a concreta e casuística valoração pelo julgador das múltiplas e específicas circunstâncias do caso sub judicio […]; a adequação e correção do juízo de valoração das provas e de fixação da matéria de facto provada na sentença (…) ou a estrita qualificação jurídica dos factos relevantes para a aplicação do direito […]».
11º
Por outro lado, este Tribunal Constitucional também tem reiteradamente afirmado, que o recorrente tem o ónus de enunciar, de forma clara e percetível, o exato sentido normativo do preceito que considera inconstitucional.
Como se disse, por exemplo, no Acórdão n.º 178/95 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30.º vol., p.1118.) “tendo a questão de constitucionalidade que ser suscitada de forma clara e percetível (cfr., entre outros, o Acórdão nº 269/94, Diário da República, II Série, de 18 de junho de 1994), impõe-se que, quando se questiona apenas uma certa interpretação de determinada norma legal, se indique esse sentido (essa interpretação) em termos que, se este Tribunal o vier a julgar desconforme com a Constituição, o possa enunciar na decisão que proferir, por forma a que o tribunal recorrido que houver de reformar a sua decisão, os outros destinatários daquela e os operadores jurídicos em geral, saibam qual o sentido da norma em causa que não pode ser adotado, por ser incompatível com a Lei Fundamental”.
12º
Crê-se, por esse motivo, que o Ilustre Conselheiro Relator decidiu bem, na Decisão Sumária 344/12, ora reclamada, quanto ao primeiro fundamento invocado para as questões de constitucionalidade suscitadas.
13º
E o mesmo se poderá dizer quanto ao segundo fundamento apresentado - alínea g) do nº 1 do art. 70º da LTC.
O recorrente invoca, com efeito, no requerimento complementar do requerimento inicial de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, que a interpretação feita, pelo tribunal recorrido, da norma constante do art. 495º, nº 2 do Código de Processo Penal, contenderia com jurisprudência deste mesmo Tribunal Constitucional: Acórdãos 164/99, 298/05 (cfr. fls. 1803 dos autos).
Por outro lado, a interpretação feita, pelo tribunal recorrido, da norma constante do art. 113º, nº 9 do Código de Processo Penal, contenderia, também, com jurisprudência do Tribunal Constitucional: Acórdãos 422/05, 476/04, 274/03, 278/03 e 505/03 (cfr. fls. 1803-1804 dos autos).
14º
No entanto, o Ilustre Conselheiro Relator não deixou de sublinhar, muito justamente, que tal não corresponde à verdade, afirmando, a este propósito, na Decisão Sumária 344/12, ora reclamada, quanto ao art. 495º, nº 2 do CPP (cfr. fls. 1822-1823 dos autos) (destaques do signatário):
“Como pode constatar-se a partir da consulta e leitura dos citados arestos, em nenhum deles foi proferido julgamento de inconstitucionalidade do artigo 495.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (CPP), “interpretado no sentido de não ser obrigatória a audição presencial do arguido para efeitos de prolação de despacho de revogação da execução da pena de prisão”.
No acórdão n.º 164/99, o tribunal decidiu negar provimento ao recurso, por formular um juízo de não inconstitucionalidade da norma do artigo 495.º, n.º 2, do CPP; e, no acórdão n.º 298/2005, nem sequer existiu pronúncia sobre esta norma, tendo o julgamento aí em causa incidido sobre as normas constantes dos artigos 4.° da Lei n.° 29/99, de 12 de maio, e 61.°, n.° 1, alínea b), do CPP.”
15º
E mais adiante, a propósito do art. 113º, nº 9 do mesmo CPP, refere o mesmo Ilustre Conselheiro (cfr. fls. 1823-1824 dos autos) (destaques do signatário):
“O mesmo se passa, mutatis mutandis, quanto à norma do artigo 113.º, n.º 9, do CPP, “interpretado no sentido de não ser obrigatória a notificação pessoal ao condenado do despacho que revoga a suspensão da execução da pena de prisão”.
Vejamos.
Nos acórdãos n.ºs 274/2003, 278/2003, decidiu-se “que, in casu, sejam os preceitos constantes dos artigos 334º, nº 8, e 113º, nº 7, da versão do Código de Processo Penal emergente da Lei nº 59/98, de 25 de agosto, correspondentes às dos artigos 334º, nº 6, e 113º, nº 9, daquele Código resultante do Decreto-Lei nº 320-C72000, de 15 de dezembro, conjugadas com o nº 3 do artº 373º, ainda do mesmo Código, interpretados no sentido de que consagram a necessidade de a decisão condenatória ser pessoalmente notificada ao arguido ausente, não podendo, enquanto essa notificação não ocorrer, contar o prazo para ser interposto recurso ou requerido novo julgamento”.
No Acórdão n.º 505/2003, estava em causa a constitucionalidade da norma do artigo 432.º do CPP, pelo que o juízo aí proferido limitou-se a esse mesmo preceito.
No Acórdão n.º 476/2004 foram julgados inconstitucionais “os artigos 113º, nº 9, e 411º, nº 1, do Código de Processo Penal, interpretados no sentido de que a notificação de uma decisão condenatória relevante para a contagem do prazo de interposição de recurso seria a notificação ao defensor, independentemente, em qualquer caso, da notificação pessoal ao arguido, sem excetuar os casos em que este não tenha obtido conhecimento pessoal da decisão condenatória”. O mesmo juízo se fazendo no Acórdão n.º 422/2005 quanto às “normas constantes dos artigos 113.º, n.º 9, 411.º, n.º 1, e 335.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, conjugadas com o artigo 56.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, interpretadas no sentido de que o prazo de interposição de recurso, pelo condenado, de decisão que revogou a suspensão da execução de pena de prisão se conta da data em que se considera efetivada a sua notificação dessa decisão por via postal simples”.
Daqui resulta, claramente, que em nenhuma das referidas decisões foi proferido um juízo de inconstitucionalidade do artigo 113.º, n.º 9, do CPP, “interpretado no sentido de não ser obrigatória a notificação pessoal ao condenado do despacho que revoga a suspensão da execução da pena de prisão”.
16º
Só pode, assim, concluir-se, da leitura deste excerto, que a dimensão normativa da questão de constitucionalidade suscitada pelo arguido, ora recorrente, relativamente ao art. 113º, nº 9 do CPP, não foi a mesma que foi apreciada nos Acórdãos que referiu.
Ora, é jurisprudência assente, deste Tribunal Constitucional, que o recurso feito ao abrigo do art. 70º, nº 1, alínea g), da LTC, pressupõe uma estrita e perfeita coincidência entre a norma ou interpretação normativa já precedentemente julgada inconstitucional e a norma efetivamente aplicada pelo tribunal a quo (cfr., a este propósito, por exemplo, o Acórdão 568/08 e a Decisão Sumária 254/12).
17º
O arguido, aliás, parece reconhecer isso mesmo, ao referir, na sua reclamação para a conferência, que os Acórdãos do Tribunal Constitucional, por ele citados, “senão expressa pelo menos implicitamente declaram a inconstitucionalidade do art. 113º, nº 9, do CPP”.
Ora, como se viu, a invocação da alínea g) do nº 1 do art. 70º da LTC, pressupõe uma estrita e perfeita coincidência entre a norma invocada e a norma julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, o que não é o caso dos presentes autos.
18º
A Decisão Sumária 344/12 não poderia, assim, ter concluído de forma diferente do que concluiu, ao não tomar conhecimento do objeto do presente recurso de constitucionalidade, por se não encontrarem preenchidos os respetivos requisitos de admissibilidade.
Sendo certo, por outro lado, que a falta de pressupostos processuais não justifica convite ao aperfeiçoamento do recurso (cfr. a este propósito, por exemplo, os Acórdãos 99/00, 397/00, 246/06, 33/09, 116/09, 117/12, 244/12, bem como as Decisões sumárias 471/10 e 721/10).
19º
Conclui-se, assim, que a presente reclamação para a conferência não merece provimento, não havendo razões para alterar o sentido da Decisão Sumária 344/12, que determinou a sua apresentação.
(...)»
II. Fundamentação
4. A decisão recorrida tem o seguinte teor:
«(...)
1. A., melhor identificado nos autos, recorre para o Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alíneas b) e g), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual redação (LTC), pretendendo ver fiscalizada a constitucionalidade da norma do artigo 495.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (CPP), “interpretado no sentido de não ser obrigatória a audição presencial do arguido para efeitos de prolação de despacho de revogação da execução da pena de prisão” e da norma do artigo 113.º, n.º 9, do também do CPP, interpretado no sentido de não ser obrigatória a notificação pessoal ao condenado do despacho que revoga a suspensão da execução da pena de prisão”.
2. O recurso foi admitido pelo tribunal a quo. Todavia, como essa decisão, em face do disposto no n.º 3 do artigo 76.º da LTC, não vincula o Tribunal Constitucional e porque o presente caso se enquadra na hipótese delineada no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, passa a decidir-se nos termos e com os seguintes fundamentos.
3. O presente recurso vem interposto ao abrigo da alínea b), do artigo 70.º, n.º 1, da LTC.
Assim sendo, o objeto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, aí previsto, há de traduzir-se numa questão de (in)constitucionalidade da(s) norma(s) previamente suscitada perante o Tribunal a quo e de que a decisão recorrida haja feito efetiva aplicação ou que tenha constituído o fundamento normativo do aí decidido.
Decorre do citado preceito que a questão de inconstitucionalidade tem de ser suscitada em termos adequados, claros e percetíveis, durante o processo, de modo que o tribunal a quo ainda possa conhecer dela antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre tal matéria e que desse ónus de suscitar adequadamente a questão de inconstitucionalidade em termos do tribunal a quo ficar obrigado ao seu conhecimento decorre a exigência de se dever confrontar a norma sindicanda com os parâmetros constitucionais que se têm por violados, só assim se possibilitando uma razoável intervenção dos tribunais no domínio da fiscalização da constitucionalidade dos atos normativos.
É evidente a razão de ser deste entendimento: o que se visa é que o tribunal recorrido seja colocado perante a questão da validade da norma que convoca como fundamento da decisão recorrida e que o Tribunal Constitucional, que conhece da questão por via de recurso, não assuma uma posição de substituição à instância recorrida, de conhecimento da questão de constitucionalidade fora da via de recurso (cf., por exemplo, os Acórdãos n.ºs 354/94, 560/94 e 155/95, in Diário da República II Série, respetivamente, de 6 de setembro de 1994, de 10 de janeiro de 1995 e de 20 de junho de 1995).
É certo que tal doutrina sofre restrições, como se salientou naquele Acórdão n.º 354/94, mas isso apenas acontece em situações excecionais ou anómalas, nas quais o interessado não dispôs de oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes proferida ou não era exigível que o fizesse, designadamente por o tribunal a quo ter efetuado uma aplicação de todo insólita e imprevisível.
Usando os termos do Acórdão n.º 192/2000, dir-se-á, ainda, que “quem pretenda recorrer para o Tribunal Constitucional com fundamento na aplicação de uma norma que reputa inconstitucional tem, porém, a oportunidade de suscitar a questão de constitucionalidade perante o tribunal recorrido, antes de proferido o acórdão da conferência de que recorre...”.
E é claro que não poderá deixar de entender-se que o recorrente tem essa oportunidade quando a apreensão do sentido com que a norma é aplicada numa decisão posteriormente proferida poderá/deverá ser perscrutado no(s) articulado(s) processual(ais) funcionalmente previsto(s) para discretear juridicamente sobre as questões cuja resolução essa decisão tem de ditar, por antecedentemente colocadas, e em que aquele sentido, cuja constitucionalidade se poderá questionar, se apresenta como sendo um dos plausíveis a ser aplicados pelo juiz.
Ao encararem ou equacionarem na defesa das suas posições a aplicação das normas, as partes não estão dispensadas de entrar em linha de conta com o facto de estas poderem ser entendidas segundo sentidos divergentes e de os considerar na defesa das suas posições, aí prevenindo a possibilidade da (in)validade da norma em face da lei fundamental.
Digamos que as partes têm um dever de prudência técnica na antevisão do direito plausível de ser aplicado e, nessa perspetiva, quanto à sua conformidade constitucional, postulado pelo facto de o mandato forense estar sujeito a uma habilitação legal. O dever de suscitação da inconstitucionalidade durante o processo e pela forma adequada enquadra-se dentro destes parâmetros acabados de definir.
Valem estas considerações, no caso concreto, para concluir que, perscrutados os autos, o recorrente teve uma efetiva oportunidade processual para suscitar a constitucionalidade das normas sindicandas, como ressalta do teor do recurso que interpôs para o Tribunal da Relação de Lisboa, onde alegou que “a revogação da suspensão da pena de prisão aplicada ao condenado foi decretada sem que se tivesse procedido à respetiva audição presencial, o que constitui nulidade insanável nos termos do disposto na al.c) do art.º 119.º do CPP (Conclusão L)” e que “apesar de notificado o respetivo mandatário judicial, o despacho que revogou a suspensão da pena de prisão aplicada ao condenado não lhe foi pessoalmente notificada, pelo que, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 121.º do CPP, se verifica nova nulidade (conclusão M)”.
Assim sendo, encontrando-se aí o recorrente a contestar uma alegada interpretação da lei por parte do tribunal de 1.ª instância, podiam perfeitamente ter sido arguidas as inconstitucionalidades referentes às normas cuja aplicação fora contestada, assim prevenindo a possibilidade da instância de recurso manter a decisão aí impugnada.
4. Por outro lado, como se disse, o recurso vem também interposto ao abrigo da alínea g) do artigo 70.º, n.º 1, da LTC, invocando o recorrente que o primeiro critério normativo foi julgado inconstitucional pelos acórdãos n.ºs 164/99 e 298/2005, e, o segundo, pelos acórdãos n.ºs 274/2003, 278/2003, 505/2003, 476/2004 e 422/2005.
Vejamos.
4.1. Como pode constatar-se a partir da consulta e leitura dos citados arestos, em nenhum deles foi proferido julgamento de inconstitucionalidade do artigo 495.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (CPP), “interpretado no sentido de não ser obrigatória a audição presencial do arguido para efeitos de prolação de despacho de revogação da execução da pena de prisão”.
No acórdão n.º 164/99, o tribunal decidiu negar provimento ao recurso, por formular um juízo de não inconstitucionalidade da norma do artigo 495.º, n.º 2, do CPP; e, no acórdão n.º 298/2005, nem sequer existiu pronúncia sobre esta norma, tendo o julgamento aí em causa incidido sobre as normas constantes dos artigos 4.° da Lei n.° 29/99, de 12 de maio, e 61.°, n.° 1, alínea b), do CPP.
4.2. O mesmo se passa, mutatis mutandis, quanto à norma do artigo 113.º, n.º 9, do CPP, “interpretado no sentido de não ser obrigatória a notificação pessoal ao condenado do despacho que revoga a suspensão da execução da pena de prisão”.
Vejamos.
Nos acórdãos n.ºs 274/2003, 278/2003, decidiu-se “que, in casu, sejam os preceitos constantes dos artigos 334º, nº 8, e 113º, nº 7, da versão do Código de Processo Penal emergente da Lei nº 59/98, de 25 de agosto, correspondentes às dos artigos 334º, nº 6, e 113º, nº 9, daquele Código resultante do Decreto-Lei nº 320-C72000, de 15 de dezembro, conjugadas com o nº 3 do artº 373º, ainda do mesmo Código, interpretados no sentido de que consagram a necessidade de a decisão condenatória ser pessoalmente notificada ao arguido ausente, não podendo, enquanto essa notificação não ocorrer, contar o prazo para ser interposto recurso ou requerido novo julgamento”.
No Acórdão n.º 505/2003, estava em causa a constitucionalidade da norma do artigo 432.º do CPP, pelo que o juízo aí proferido limitou-se a esse mesmo preceito.