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Procº nº 674/2003.
3ª Secção. Relator: Conselheiro Bravo Serra.
1. Notificado do Acórdão nº 568/2003, por intermédio do qual foi indeferida a reclamação da decisão lavrada em 27 de Outubro de 2003, a qual não tomou conhecimento do objecto do recurso intentado interpor para este Tribunal pelo arguido A. e relativamente ao acórdão proferido em 18 de Junho de
2003 pelo Supremo Tribunal de Justiça, veio o dito arguido requerer a aclaração daquele Acórdão nº 568/2003, o que fez nos seguintes termos:
“1. O Recorrente apresentou requerimento de reclamação do douto acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional que decidiu não tomar conhecimento do objecto do recurso por si interposto.
2. No seu requerimento de interposição de recurso, alegou, quer as normas que considerou afectadas pela inconstitucionalidade - artigos 61°, n° 1, al. c) e n°
3, al. b), 127° e 140°, n° 3 e 132°, n° 1, als. b) e d) do Código de Processo Penal, quer os fundamentos de incompatibilidade com a Lei Fundamental - violação do artigo 32°, n°s 1, 2 e 5, e 205° da Constituição da República Portuguesa - por a interpretação dada, quer pelo Tribunal de primeira instância, quer pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, que acolheu a mesma interpretação, a tais normas não ter assegurado as garantias de defesa do arguido e a exigência de fundamentação das decisões judiciais.
3. Consta da douta decisão cuja aclaração ora se requer, que dos artºs 11 ° a
76° da motivação de recurso do Recorrente para o Supremo Tribunal de Justiça,
‘não se lobriga minimamente que tivesse sido posta em causa a incompatibilidade com o Diploma Básico da interpretação normativa que, pela decisão então impugnada, foi conferida a certos preceitos, nomeadamente os indicados no ponto
7 do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional’.
4. E mais adiante refere ainda que: ‘o que naquela motivação se surpreende é que, em dados passos, foi esgrimido o argumento de que o acórdão do tribunal da
2ª instância teria, ele mesmo, contrariado alguns preceitos ou princípios constitucionais, nunca tendo sido colocado a questão de a decisão ou decisões insitas em tal aresto se terem devido à circunstância de nele se ter perfilhado uma interpretação normativa que seria colidente com a Lei Fundamental’.
5. Sucede que o que o Recorrente afirma é, precisamente, que a interpretação dada, quer pelo Tribunal de primeira instância, quer pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, que acolheu a mesma interpretação, às normas aludidas não assegurou as garantias de defesa do arguido e a exigência de fundamentação das decisões judiciais, motivo pelo qual se encontra em oposição à Constituição da República Portuguesa.
6. E tal resulta, aliás, taxativamente do texto do requerimento de interposição de recurso do Recorrente para esse Tribunal Constitucional.
7. No entanto, e salvo o devido respeito por opinião diversa, o douto Acórdão ora em apreço não é suficientemente claro, tornando-se até obscuro, quer porque não se entende, o que se diz com a mais subida vénia, qual o alcance da afirmação transcrita no artº 4° precedente, quer porque não se vislumbra o porquê de, a final, se ter decidido pelo indeferimento da reclamação apresentada pelo Recorrente.
8. É que o Recorrente alegou na sua reclamação, que o Supremo Tribunal de Justiça não apreciou directamente a invocada violação dos preceitos legais supra invocados, apenas se tendo limitado a afirmar que a prova considerada como assente pela primeira instância se encontrava intocável, pelo que as afirmações expandidas pelo Recorrente quanto às declarações do co-arguido José Mário Mendes seriam irrelevantes, tanto mais que assentariam no ‘princípio da íntima convicção do Tribunal', previsto no artº 127° do Código de Processo Penal,
9. tanto mais que, a tal respeito, o Supremo Tribunal de Justiça se limitou a referir que ‘na decisão recorrida não se violaram os art°s 32°, nºs 1 e 2 e
205°, n° 1 da Constituição’, não se tendo debruçado sobre as alegadas inconstitucionalidades.
10. Mais alegou o Recorrente que não se poderá aceitar que o Supremo Tribunal entendesse não estarem correctamente alegadas quaisquer inconstitucionalidades e ainda assim se pronunciasse sobre a existência das mesmas.
11. Ora, a falta de análise directa e circunstanciada das inconstitucionalidades invocadas viola frontalmente a lei, nomeadamente por omissão de pronúncia sobre os factos alegados, sendo certo que o Tribunal Constitucional, no douto acórdão cuja aclaração se requer, nem sequer se debruça sobre as questões ou argumentos aduzidos pelo Recorrente na sua reclamação, apenas se limitando a afirmar que a reclamação terá que ser indeferida, por não se vislumbrar qualquer incompatibilidade com o Diploma Básico da interpretação dada às normas indicadas pelo Recorrente.
12. Ora, tendo em conta que o Acórdão cuja aclaração se requer não é claro, sendo até obscuro, como supra se explanou, torna-se pertinente o seu aclaramento em relação às duas questões acima expostas”.
Ouvido sobre o pedido, o Ex.mo Representante do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido de o mesmo ser manifestamente improcedente, por isso que “se não vislumbra na decisão reclamada qualquer obscuridade que careça de ser aclarada”, não sendo um pedido de aclaração “o instrumento processual adequado para as partes reiterarem a sua discordância quanto ao teor da decisão proferida”.
Cumpre decidir.
2. É por demais óbvia a improcedência do pedido de aclaração ora deduzido.
Na verdade, o aresto que se pretende aclarar é suficientemente explícito no sentido de que, antes da prolação do acórdão tirado no Supremo Tribunal Justiça, o então recorrente não suscitou qualquer questão de desconformidade com a Lei Fundamental reportada a normas constantes do ordenamento jurídico infraconstitucional, ainda que tais normas fossem alcançadas por meio de um processo interpretativo, limitando-se, antes, a brandir com a circunstância segundo a qual o acórdão então impugnado - o acórdão de 15 de Janeiro de 2003 do Tribunal da Relação do Porto - tinha, ele mesmo, contrariado preceitos ou princípios constitucionais.
Sendo assim, e talqualmente se anotou na decisão lavrada pelo relator, porque o objecto dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade é constituído por normas jurídicas e não por quaisquer outros actos do poder público, tais como as decisões judiciais consideradas a se, se um recorrente, antes do proferimento da decisão judicial que se intenta impugnar perante o Tribunal Constitucional, assaca o vício de inconstitucionalidade a essa decisão e não às normas que constituíram o seu suporte jurídico, então falece um dos requisitos do recurso previsto na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, justamente aquele que consiste na suscitação da questão de inconstitucionalidade dirigida aos normativos do ordenamento jurídico ordinário.
Uma última nota para sublinhar que é de todo destituída de fundamento real a afirmação que se surpreende na parte final do item 11 da peça processual consubstanciadora do pedido ora formulado.
Na verdade, em passo algum do aclarando acórdão se refere que a reclamação deduzida da decisão proferida pelo relator teria de ser indeferida por não se vislumbrar qualquer incompatibilidade com o Diploma Básico na interpretação dada às normas indicadas pelo impugnante.
É que, como é nítido, o aclarando aresto não entrou minimamente no conhecimento do mérito da causa, porquanto se limitou a, indeferindo a reclamação da decisão proferida pelo relator, não tomar conhecimento do objecto do recurso.
Termos em que se nega a pretendida aclaração, condenando-se o recorrente nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em doze unidades de conta.
Lisboa, 17 de Dezembro de 2003
Bravo Serra
Gil Galvão Luís Nunes de Almeida