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Procº nº 787-A/2001.6
2ª Secção. Relator: Bravo Serra.
1. Tendo, por intermédio do Acórdão nº 434/2003, sido indeferida a reclamação deduzida pelo A. do despacho proferido pelo relator em
26 de Maio de 2003, veio o impugnante arguir nulidades daquele aresto, formulando as seguintes «conclusões»:
“1. No entender do reclamante, o douto Acórdão n.º 434/2003 de 30 de Setembro contém elementos que demonstram que a sua estrutura e a actividade jurisdicional desenvolvida para a ele chegar não se compaginam com as disposições legais pertinentes.
2. O reclamante não dispõe de qualquer outra forma de exercer o seu direito a uma tutela jurisdicional efectiva contra a multa que lhe foi aplicada que não através da reclamação nos termos do artigo 668.º, n.º 3, do Código de Processo Civil. Nestas condições, a presente reclamação deve ser admitida. II- Razões de facto e de direito da presente reclamação
4. No entender do reclamante, o douto Acórdão n.º 434/2003 não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (artigo 668.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil a) O douto acórdão não indica os fundamentos de direito que justificam a omissão de pronúncia sobre o facto de a secretaria ter enviado ‘novas guias’ com a notificação do douto ‘despacho reclamado’ i) Tendo em conta que também a actividade do Tribunal Constitucional deve desenvolver-se no respeito do princípio da legalidade processual, essa especificação, no entender do reclamante, era indispensável. ii) Com efeito, a multa cuja legalidade é contestada foi aplicada pela Secretaria do Tribunal Constitucional em processo incidente relativo à legalidade do acto da mesma secretaria pelo qual se notificou a conta de custas n.º 700/2002 antes de ter decorrido o prazo no termo do qual o douto Acórdão n.º
385/2002 se poderia considerar transitado em julgado, caso não tivesse sido impugnado. iii) A indicação da disposição legal que justifica essa decisão era indispensável tendo em conta que o n.º 1 do artigo 265.º do Código de Processo Civil dispõe que ‘cumpre ao juiz. . . sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, providenciar pelo andamento regular
... do processo, ... recusando o que for impertinente ...’. b) O Tribunal Constitucional não especifica fundamentos de facto que justificam a decisão. i) Para demonstrar que era impossível que o reclamante tivesse tomado conhecimento do conteúdo do douto Acórdão n.º 178/2003 antes de 11 de Abril de
2002, o reclamante tinha alegado, entre outros, o seguinte facto: ii) O Tribunal Constitucional não indica os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção de que ‘a invocação do reclamante não é minimamente demonstrativa de que a carta de notificação registada em 7 de Abril de 200(3), efectivamente, não foi recebida pelo mesmo no terceiro dia posterior ao seu registo”. iii) No entender do reclamante, o Tribunal Constitucional, tendo presente o disposto no n.º 2 do artigo 653.º do Código de Processo Civil, não estava dispensado de indicar esses fundamentos.
- Com efeito, a carta registada em 30 de Abril de 2003 e que chegou em 6 de Maio de 2003 ao Tribunal Constitucional percorreu o mesmo trajecto ao inverso. Por outro lado, esses elementos foram indicados pela Secretaria do Tribunal Constitucional no aviso de pagamento da multa. c) No entender do reclamante, a indicação da disposição legal que levou o Tribunal Constitucional a considerar que ‘não é cabido invocar o disposto no n.º
4 do artigo 56.º da Lei n.º 28/82, de 15 de [Novembro] .. .’ era, no caso concreto, necessária, tanto mais que os n.ºs 1 e 2 do artigo 10.º do Código Civil prevêem que ‘os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos’ e que ‘há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas do caso previsto pela lei’.
5. O douto Acórdão n.º 434/2003 permite indicar elementos que demonstram que o Tribunal Constitucional deixou de se pronunciar sobre questões que devia apreciar e conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento (artigos
668.º, n.º 1, alínea d), 660.º, n.º 2, e 664.º do Código de Processo Civil). a) No douto Acórdão n.º 434/2003, o Tribunal Constitucional não se cingiu aos factos alegados pelo interessado nem aos que resultam da instrução e da discussão da causa, pelo que a sua actividade não se desenvolveu de harmonia com o disposto nos artigos 664.º do Código de Processo Civil. i) No douto Acórdão n.º 434/2O03, quanto à prova apresentada pelo reclamante para demonstrar que a notificação não foi efectuada ou ocorreu em data posterior
à presumida, por razões que não lhe são imputáveis, lê-se:
‘Ora, o reclamante limitou-se a dizer que tinha o seu domicílio no Luxemburgo.’
(carregado do reclamante). ii)Lendo o texto da reclamação que deu origem ao douto Acórdão n.º 434/2003 e as conclusões reproduzidas nesse douto acórdão conclui-se que o reclamante não se limitou a dizer ‘que tinha o seu domicílio no Luxemburgo’. iii) Com efeito, na reclamação para a conferência indicou outros factos que foram ignorados. iv) Assim, para tirar a conclusão de que o reclamante se limitou ‘a dizer que tinha o seu domicílio no Luxemburgo’ o Tribunal Constitucional não se serviu dos factos alegados pelo interessado nem dos que resultam da instrução e discussão da causa (artigo 664.º do Código de Processo Civil. v) Decorre dos factos indicados na reclamação para conferência que, para obter o efeito jurídico pretendido, o interessado indicou a circunstância de o seu domicílio se encontrar a mais de 2000 km de distância de Lisboa, local de expedição da notificação de 7 de Abril de 2003. vi) O douto Acórdão n.º 434/2003 não faz qualquer referência a essa circunstância. vii) Ao alegar esta circunstância, o reclamante teve presente que o prazo de três dias previsto no n.º 2 do artigo 254.º do Código de Processo Civil não é um prazo processual. viii) Por outro lado, considera que a presunção aí prevista não constitui a prova de que o acto de processo praticado pelo reclamante deu entrada na Secretaria do Tribunal Constitucional fora do prazo legalmente previsto. ix) Tendo em conta que a própria Lei n.º 28/82, de 15 de Setembro no n.º 4 do artigo 56.º prevê uma dilação de 2 dias para ‘entidades sediadas fora do continente da República’, no entender do reclamante, o Tribunal Constitucional. não podia deixar de emitir um juízo sobre a questão de saber se dava provado que o reclamante tem domicílio a mais de 2000 km de distância de Lisboa e se uma carta expedida de Lisboa para um destinatário com domicílio em qualquer ponto do território de Portugal continental demora, ou não, o mesmo tempo a chegar que uma carta expedida de Lisboa para um destinatário com domicílio em território de outro país que se situa a mais de 2000 km de distância. b) No entender do reclamante, o douto Acórdão n.º 434/2003 conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento. i ) No douto Acórdão 434/2003, lê-se:
‘Com aquela asserção, unicamente se efectua a constatação de que o ónus a que se refere o n.º 4 do artigo 254.º do Código de Processo Civil, no caso, não se vislumbrava como algo impossível ou, ao menos de difícil consecução.’ ii) É útil alegar que os termos da expressão ‘de conhecimento geral’ não são
‘palavras do reclamante’, mas sim do legislador que, no n.º 1 do artigo 514.º do Código de Processo Civil, estabelece que ‘não carecem de prova nem de alegação os factos notórios, devendo considerar-se como tais os factos que são do conhecimento geral’. iii) No entender do reclamante, cumpre a um órgão jurisdicional, que se rege por critérios exclusivamente jurídicos, apreciar se os meios de prova indicados pelo interessado são, ou não, admitidos pela lei ou se os factos indicados no exercício do ónus de afirmação são, ou não conhecidos, de um cidadão comum, regularmente informado. iv) Mas considera que há excesso de pronúncia quando se diz que ‘o ónus a que se refere o n.º 4 do artigo 254.º do Código de Processo Civil, no caso, não se vislumbrava como algo impossível ou, ao menos, de difícil consecução’.
Cumpre decidir.
2. As nulidades ora arguidas, como deflui das transcritas «conclusões», seriam, na perspectiva do arguente, consubstanciadas:
- por um lado, por o aresto em apreço se não ter pronunciado sobre a ocorrência da emissão, pela secretaria, de guias para pagamento da multa prevista no nº 6 do artº 145º do Código de Processo Civil;
- por outro, por o mesmo não ter especificado os fundamentos de facto e de direito que conduziram a que tivesse concluído que as invocações do então reclamante, no sentido de não ter recebido no terceiro dia posterior ao registado da carta que o notificava do Acórdão nº 178/2003, não eram demonstrativas desse facto;
- por outro, por não se ter cingido aos factos alegados pelo então reclamante, já que o acórdão teria apenas vincado que o mesmo se limitara a dizer que tinha o seu domicílio no Luxemburgo, quando, afinal, ele pretendia, de uma banda, que dessa asserção fosse extraída a circunstância de tal domicílio distar mais de dois mil quilómetros de Lisboa, e, de outra, que a presunção constante do nº 2 do artº 254º do Código de Processo Civil não constitui prova de que a apresentação da reclamação dirigida ao Acórdão nº
178/2003 foi efectuada fora de prazo;
- por outro, ainda, que não foi analisado, como se impunha, o argumento que o então reclamante utilizara, quanto a uma aplicação analógica do nº 4 do artº 56º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro;
- por fim, que o aresto sub iudicio tomou conhecimento de questões de que não poderia tomar, ao concluir que o ónus a que se reporta o nº4 daquele artº 254º não se afigurava como algo impossível ou de difícil consecução.
2.1. Quanto à primeira das sintetizadas nulidades, o Acórdão nº 434/2003 tomou expressa posição sobre a não pronúncia sobre o acto da secretaria consistente no envio da guias para pagamento da multa, expondo as razões porque o fazia.
Pode, porventura, o ora arguente não concordar com essas razões. Mas, seguramente, a discordância quanto a esse julgado não acarreta a nulidade por omissão de pronúncia do assim decidido.
2.2. O juízo levado a efeito no acórdão agora arguido quanto à circunstância de o invocado pelo impugnante não ser cabalmente demonstrativo de que, na realidade, não recebeu a carta de notificação no terceiro dia posterior ao seu registo, está, na óptica deste Tribunal, suficientemente ancorado nas premissas de facto que se encontram explanadas no aresto, premissas essas que assentaram na alegação que foi utilizada pelo então reclamante, não sendo da circunstância de se não ter referido que o seu domicílio, por se situar no Luxemburgo, distava mais de dois mil quilómetros de Lisboa, que resulta minimamente que o acórdão se alheasse dessa invocação.
De outro lado, em passo algum do acórdão se extrai qualquer afirmação de harmonia com a qual se teria perfilhado o entendimento de que, de acordo com a presunção vertida no nº 2 do artº 254º do diploma adjectivo civil, estava provado que a carta de notificação tinha chegado ao conhecimento do então reclamante num dos três dias posteriores ao seu registo.
O que se entendeu, isso sim, foi que, em face daquela presunção e porque o reclamante não demonstrou que a aludida carta foi por si recebida passados que foram os três dias constantes da dita presunção, era a este prazo presumido que se teria que atender.
2.3. A menção, no acórdão ora arguido, de que não era cabida a invocação do disposto no nº 4 do artº 56º da Lei nº 28/82, está suportada na razão que ali é aduzida, com a qual o ora arguente pode, ou não, concordar. Mas, ainda que essa razão não tivesse, juridicamente, alguma consistência, isso não implica que o aresto, ao utilizá-la como razão do decidido nesse particular, tenha incorrido num vício gerador de nulidade.
2.4. Finalmente, o Tribunal, ao dizer que se não vislumbrava que, no caso, o ónus a que se refere o nº 4 do artº 254º do Código de Processo Civil se não apresentava como algo impossível ou de difícil consecução, obviamente que não excedeu os seus poderes de pronúncia.
Efectivamente, com aquela asserção, visou-se decidir a questão de saber se, tendo em conta o que se consagra no nº 4 do artº 253º, e não olvidando a presunção constante do nº 2 do mesmo artigo, o então reclamante, no caso, a tinha ilidido ou, não tendo conseguido esse desiderato, se apresentava uma situação de facto da qual resultasse a impossibilidade ou a extrema dificuldade em obter a ilisão. É que se se deparasse uma tal situação, seria, no mínimo, desproporcionado exigir a concreta ilisão.
E, como, na perspectiva do Tribunal, essa situação não ocorreu, não haveria que equacionar a circunstância de saber se a desproporcionalidade naquela exigência poderia conduzir a uma outra solução.
Não se depara, desta sorte, qualquer excesso de pronúncia.
Em face do exposto, desatende-se a arguição deduzida.
Custas pelo arguente, fixando-se a taxa de justiça em dez unidades de conta.
Lisboa, 3 de Dezembro de 2003
Bravo Serra Maria Fernanda Palma Rui Manuel Moura Ramos