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Processo nº 204/2002
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência,
1. A fls. 49 foi proferida a seguinte decisão sumária:
'1. A veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional do despacho do Presidente do Tribunal da Relação do Porto de fls. 36, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro. Tal reclamação foi deduzida contra o 'despacho que admitiu o recurso do despacho que julgou improcedente a arguição da NULIDADE DA acusação e da PRONÚNCIA, a subir nos próprios autos, com o recurso interposto da decisão que tiver posto termo à causa e com efeito não suspensivo' , como se pode ler no despacho recorrido. O Presidente do Tribunal da Relação do Porto, invocando o nº 1 do artigo 405º do Código de Processo Penal e considerando que a reclamação se destinava tão somente a reagir contra o efeito atribuído ao recurso, decidiu que estava 'precludido o conhecimento da (...) reclamação, porquanto não cabe ao Presidente da Relação alterar o efeito atribuído ao regime do recurso'.
2. Depreende-se da leitura da parte do requerimento de interposição de recurso intitulada de 'desenvolvimento do recurso' que o recorrente considera que 'o conteúdo exarado na reclamação objecto do recurso para este Tribunal Constitucional violou claramente o disposto no artº 405º nº 1 do CPP e assim o disposto no arº 32º nº 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa', pois entende que 'a reclamação ao não se pronunciar sobre a pretensão do recorrente – ou seja, que fosse atribuído efeito suspensivo, ao recurso interposto do despacho do Juiz de 1ª Instância, – abstraiu-se da faculdade/dever que lhe era imposto pelo disposto no arº 405º nº 1 do CPP. E esse, direito só podia ser exercido mediante o recurso/reclamação para (outro) Tribunal. Foi assim coartado ao arguido o exercício do direito de recurso, furtando-se a garantia jurídica prevista no artº 20 nº 1 da Constituição da República Portuguesa, não sendo asseguradas todas as garantias de defesa do arguido'. Daqui e de considerações relativas às garantias que, por imposição constitucional, têm de ser reconhecidas ao arguido, extrai o recorrente que
'deveria ser substituído o despacho de fls... por outro que admita que o recurso suba imediatamente e com efeito suspensivo dado que a sua [retenção o tornaria] manifestamente inútil (artigoº 407º nº 2 do CPP, artigoº 734º nº 2 do CPC'.
3. Esta transcrição tem por fim justificar por que não pode o Tribunal Constitucional tomar conhecimento do presente recurso. Com efeito, o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade destina-se a que este Tribunal aprecie a conformidade constitucional de normas, ou de interpretações normativas, que foram efectivamente aplicadas na decisão recorrida, não obstante ter sido suscitada a sua inconstitucionalidade 'durante o processo' (al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82), e não das próprias decisões que as apliquem. Assim resulta da Constituição e da lei, e assim tem sido repetidamente afirmado pelo Tribunal (cfr. a título de exemplo, os acórdãos nºs 612/94, 634/94 e 20/96, publicados no Diário da República, II Série, respectivamente, de 11 de Janeiro de 1995, 31 de Janeiro de 1995 e 16 de Maio de
1996). Ora o recorrente não aponta nenhuma inconstitucionalidade a nenhuma norma que a decisão recorrida tenha aplicado; antes acusa a própria decisão de infringir as regras constitucionais que indica, por não ter conhecido do objecto da reclamação. Estão, pois, reunidas as condições para que se proceda à emissão da decisão sumária prevista no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro. Assim, nos termos previstos no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, decide-se não conhecer do objecto do recurso. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 ucs.'
2. Inconformado, veio reclamar para a conferência, nos termos do disposto no nº
3 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, sustentando, em síntese, não ser exacto que não tenha suscitado devidamente a inconstitucionalidade de nenhuma norma ('(...) o recorrente na reclamação apresentada e dirigida ao Presidente da Relação do Porto, já tinha suscitado, a inconstitucionalidade do artº 407º nº 2 do C.P.P. e não 'deixou cair' a invocada inconstitucionalidade do artº 407º do C.P.P. quando recorreu para o Tribunal Constitucional') e padecer de nulidade a decisão reclamada, formulando as seguintes conclusões:
1. A atribuição de um sentido funcional à expressão ‘durante o processo’ em que assenta a citada jurisprudência do Tribunal, conduz logicamente à exigência de que a questão de inconstitucionalidade tenha sido suscitada de forma adequada perante qualquer das instâncias intervenientes ao processo, de modo a poder ser tida em conta na decisão correspondente.
2. Isto pressupõe que o Tribunal recorrido tenha tido ou deva ter tido conhecimento da questão de constitucionalidade, quer por ela ter sido suscitada directamente perante ela, quer por ter sido suscitada directamente em altura anterior, perante qualquer das instâncias antecedentes para efeito das respectivas decisões.
3. Deve considerar-se, em princípio, irrelevante que a parte tenha abandonado na alegação do recurso com fundamento de direito – a violação da Constituição – que anteriormente suscitara, porque a obrigação de apreciação da inconstitucionalidade incumbe aos tribunais (artigo 207º), não podendo ser afastada pela vontade das partes.
4. O recorrente na reclamação apresentada e dirigida ao Presidente da Relação do Porto, já tenha suscitado a inconstitucionalidade do art. 407 n.º 2 do C.P.P., no entendimento perfilhado pelo Exmº Juiz da 1.ª instância, e não 'deixou cair' a invocada inconstitucionalidade quando recorreu para o Tribunal Constitucional.
5. Deve assim, o Tribunal Constitucional tomar conhecimento do recurso interposto e decidir em conformidade com a lei.
6. No nosso entendimento, a decisão sumária proferida pela Exmª relatora é nula, dado que a dita decisão padece de omissão de pronúncia, não se pronunciando sobe questões que devesse apreciar – cfr. Art. 668 n.º 1 al. d) do C.P.C..
7. Por fim, a decisão sumária proferida padece ainda de excesso de pronúncia – art. 668º n.º 1 al. d) 2ª Parte do C.P.C..
8. Na verdade, os poderes de cognição do Tribunal Constitucional circunscrevem-se à reapreciação do específico fundamento utilizado na decisão do Juiz de 1ª Instância e implicitamente corroborado pelo Exmº Presidente da Relação do Porto.
9. Assim, o Tribunal Constitucional, não podia verificar, como verificou, se ocorria qualquer outro fundamento de inadmissibilidade, começando, naturalmente pela própria irrecorribilidade da decisão.'
Notificado para o efeito, o Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação, nos seguintes termos:
1. A presente reclamação é manifestamente infundada.
2. Na verdade, pretende o reclamante eximir-se, através da argumentação nela deduzida, ao ónus que inquestionavelmente lhe assiste de suscitar, em termos idóneos e inteligíveis, a questão de inconstitucionalidade normativa que integra o objecto do recurso, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida.
3. Não sendo obviamente 'irrelevante' face às exigências contidas no artigo 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional, que o reclamante haja 'abandonado' tal questão na 'alegação de recurso' apresentada perante aquele Tribunal.
4. É, por outro lado, verdadeiramente ininteligível a arguição de 'nulidade' da decisão sumária proferida, sendo evidente que nela cumpria obviamente apreciar a existência dos pressupostos de admissibilidade do recurso interposto – o que naturalmente se fez.'
3. Com efeito, a presente reclamação é manifestamente improcedente, não tendo, aliás, em conta a natureza e a função do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade de normas. Em primeiro lugar, e no que respeita à definição do objecto do presente recurso, não interessa saber se eventualmente foi ou não devidamente suscitada no tribunal recorrido qualquer inconstitucionalidade normativa se, ao recorrer para o Tribunal Constitucional, o recorrente a não tiver colocado perante este Tribunal. É no requerimento de interposição de recurso que essa definição há-de ser feita pelo recorrente. Em segundo lugar, o recurso para o Tribunal Constitucional foi interposto de uma decisão do Presidente do Tribunal da Relação do Porto que não conheceu da reclamação perante ele deduzida, por entender não lhe caber alterar o efeito atribuído ao recurso anteriormente interposto pelo ora reclamante. O reclamante sustenta que esta decisão, ao não conhecer da reclamação apresentada, na qual alegara a inconstitucionalidade 'do entendimento perfilhado pelo Mº Juiz da 1ª Instância, ao artº 407 nº 2 do C.P.P., violava claramente os artº 1º, 2, 3, 16, 32 nº 1, 2, 4 e 5 do C.R.P.', se pronunciara 'implicitamente pela constitucionalidade desse artigo'; e considera ser 'irrelevante que a parte tenha abandonado na alegação de recurso com fundamento de direito – a violação da Constituição – que anteriormente suscitara, porque a obrigação de apreciação da inconstitucionalidade incumbe aos tribunais (artigo 207º), não podendo ser afastado pela vontade das partes'. Não se compreende a que alegação se refere, uma vez que não foi notificado para alegar no Tribunal Constitucional, e parece estar a referir-se a este Tribunal quando afirma que não abandonou a questão de inconstitucionalidade: '(...) o recorrente na reclamação apresentada e dirigida ao Presidente da Relação do Porto, já tinha suscitado do artº 407 nº 2 do C.P.P. e não 'deixou cair' a invocada inconstitucionalidade do artº 407º nº 2 do C.P.P. quando recorreu para o Tribunal Constitucional'. A verdade, todavia, é que, nem implicita, nem explicitamente, o despacho do Presidente do Tribunal da Relação do Porto se pronunciou sobre a questão da inconstitucionalidade da norma apontada pelo reclamante; nem faria sentido que a tivesse apreciado, uma vez que a sua decisão respeitou apenas à falta de competência para se pronunciar sobre a questão que lhe foi colocada. Nunca, portanto, poderia o Tribunal Constitucional apreciar de qualquer questão de constitucionalidade referida ao nº 2 do artigo 407º do Código de Processo Penal, por não ter sido norma aplicada pela decisão recorrida.
4. Finalmente, cumpre observar que não é compreensível por que razão o reclamante vem arguir a nulidade da decisão reclamada, como observa o Ministério Público. Relativamente à omissão de pronúncia que lhe é atribuída, não concretizando o reclamante em que consistiria, o Tribunal Constitucional apenas pode afirmar que a decisão sumária se pronunciou sobre todas as questões de que devia tomar conhecimento. Quanto ao excesso de pronúncia, o modo como é invocado (cfr. transcrição feita atrás) revela que o reclamante não tem em conta a função do recurso de constitucionalidade que interpôs, não tendo qualquer cabimento. Nestes termos, indefere-se a reclamação e confirma-se a decisão reclamada. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 ucs. Lisboa, 3 de Julho de 2002- Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida