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Processo n.º 612/03
2.ª Secção
Relator: Cons. Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. Relatório
Os recorrentes A. e B. vêm, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 3, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), reclamar para a conferência da decisão sumária, de 16 de Outubro de 2003, que decidiu, ao abrigo do n.º 1 desse artigo 78.º-A, não conhecer do recurso.
1.1. Essa decisão sumária tem a seguinte fundamentação:
“1. A. e B. interpuseram, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (doravante designada por LTC), recurso para este Tribunal Constitucional do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 22 de Maio de 2003, que negou provimento ao recurso por eles deduzido contra o despacho de 9 de Julho de 2002 do juiz do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa (que julgara deserto, por não apresentação tempestiva das alegações, recurso jurisdicional anteriormente admitido), e confirmou este despacho, embora por fundamentos não coincidentes.
No requerimento de interposição de recurso referem interpor recurso:
«Do acórdão proferido a 22 de Maio de 2003 pelo Supremo Tribunal Administrativo:
a) que aplicou os artigos 143.º, n.° 4, 145.°, n.°s 5 e 6, e 150.°, n.ºs 2, alínea c), e 3;
b) que aplicou – embora sem expressa referência – os artigos 3.°-A, 264.°, n.°s 2 e 3, 659.°, n.°s l a 3, 660.°, n.° 2, e 663.°, n.°s l e 2;
todos do Código de Processo Civil, interpretados no sentido de que:
i. O acto processual expedido por telecópia só se considera praticado quando tenha sido integralmente recebido pelo tribunal; e/ou no sentido de que
ii. O acto processual expedido por telecópia só se considera praticado quando tenha sido integralmente recebido pelo Tribunal, ainda que a interrupção da transmissão não seja imputável à parte; e/ou no sentido de que
iii. O Tribunal competente pode desconsiderar a apresentação de parecer técnico emitido pela entidade que tutela a “hora legal” que assegura que o início da expedição teve lugar às 23h 58m e 48s; e/ou ainda no sentido de que
iv. O Tribunal competente pode considerar que só foram expedidas 3 páginas de alegações, apesar de ter sido provado que foram enviadas 41 páginas de alegações.
Nos termos e pelos fundamentos seguintes:
(...)
3. A questão da inconstitucionalidade dos artigos 143.°, n.° 4, 145.°, n.ºs 5 e 6, e 150.°, n.ºs 2, alínea c), e 3, do Código de Processo Civil (tal como interpretados e aplicados pelo douto acórdão ora recorrido) foi oportunamente suscitada nas alegações de recurso apresentadas perante o Supremo Tribunal Administrativo.
4. A questão da inconstitucionalidade dos artigos 3.°-A, 264.º, n.ºs 2 e 3, 659.°, n.ºs 1 a 3, 660.º, n.° 2, e 663.°, n.ºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil, não pôde ser invocada antes da prolação da decisão final, na medida em que esta constituiu “decisão surpresa”, estando esgotadas as instâncias de recurso ordinário.
5. A aplicação dos artigos 143.°, n.° 4, 145.°, n.ºs 5 e 6, e 150.°, n.ºs 2, alínea c), e 3, bem como dos artigos 3.º-A, 264.º, n.ºs 2 e 3, 659.°, n.ºs l a 3, 660.°, n.° 2, e 663.º, n.°s 1 e 2, todos do Código de Processo Civil, nos precisos termos em que foi decidido pelo acórdão ora recorrido, viola os artigos 1.°, 2.°, 9.º, alínea b), 13.°, 16.°, n.°s 1 e 2, 17.°, 18.º, 20.°, n.ºs l e 4, in fine, 202.°, n.° 2, e 268.º, n.° 4, todos da Constituição da República Portuguesa.
6. A aplicação dos artigos referidos no número anterior, no sentido supra exposto, viola ainda:
i. O artigo 10.° da Declaração Universal dos Direitos do Homem, aplicável ex vi artigo 8.°, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa;
ii. O artigo 14.°, n.° l, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, aplicável ex vi artigo 8.°, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa; e
iii. O artigo 6.°, n.° l, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, aplicável ex vi artigo 8.°, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.»
O recurso foi admitido pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal Administrativo, decisão que, porém, não vincula este Tribunal Constitucional (artigo 76.º, n.º 3, da LTC).
E, de facto, entende-se que o presente recurso é inadmissível, o que possibilita a prolação de decisão sumária, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.
2. A admissibilidade do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – que foi o interposto pelos recorrentes – depende da suscitação “durante o processo” da inconstitucionalidade da(s) norma(s) aplicada(s) pela decisão recorrida e cuja conformidade constitucional o recorrente pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional, esclarecendo o n.º 2 do artigo 72.º da mesma Lei que tal recurso só pode ser interposto pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer».
Constitui jurisprudência consolidada deste Tribunal Constitucional que o apontado requisito só se pode considerar preenchido se a questão de constitucionalidade tiver sido suscitada antes de o tribunal recorrido ter proferido a decisão final, pois com a prolação desta decisão se esgota, em princípio, o seu poder jurisdicional. Por isso, tem sido uniformemente entendido que, proferida a decisão final, a arguição da sua nulidade ou o pedido da sua aclaração, rectificação ou reforma não constituem já meio adequado de suscitar a questão de constitucionalidade, pois a eventual aplicação de uma norma inconstitucional não constitui erro material, não é causa de nulidade da decisão judicial, não a torna obscura ou ambígua, nem envolve «lapso manifesto» do juiz quer na determinação da norma aplicável, quer na qualificação jurídica dos factos, nem desconsideração de elementos constantes do processo que implicassem necessariamente, só por si, decisão diversa da proferida. E também, por maioria de razão, não constitui meio adequado de suscitar a questão de constitucionalidade a sua invocação, pela primeira vez, no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade ou nas respectivas alegações.
Só assim não será nas situações especiais em que, por força de uma norma legal específica, o poder jurisdicional se não esgota com a prolação da decisão recorrida, ou naquelas situações, de todo excepcionais ou anómalas, em que o recorrente não dispôs de oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes de proferida a decisão recorrida ou em que, tendo essa oportunidade, não lhe era exigível que suscitasse então a questão de constitucionalidade.
A isto acresce que, como também é sabido, a fiscalização de constitucionalidade posta a cargo do Tribunal Constitucional tem natureza exclusivamente normativa: objecto do recurso de constitucionalidade só poder ser a questão de inconstitucionalidade de normas (ou de interpretações normativas), e já não a eventual violação da Constituição por decisões judiciais, actos administrativos ou processuais ou comportamentos das partes, em si mesmos considerados.
3. No presente caso, constata-se que: (i) a interpretação normativa arguida de inconstitucional pelos recorrentes nas alegações para o Supremo Tribunal Administrativo não foi aplicada no acórdão recorrido; e (ii) a interpretação normativa efectivamente assumida por este acórdão não foi arguida de inconstitucional – podendo sê-lo – «durante o processo».
Na verdade, a (única) questão de inconstitucionalidade suscitada naquelas alegações foi relativa à «interpretação da norma que se extrai do artigo 150.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Civil, segundo a qual vale como momento da prática do acto o da efectiva e total recepção [do documento remetido por telecópia] pelo tribunal» (cf. conclusão 7.ª), isto é, o entendimento segundo o qual a data da recepção de documento remetido por telecópia não é a data do início da transmissão, mas a data da sua conclusão, e, assim, um documento cujo envio se iniciou antes das 24h00 do dia 17 de Junho de 2002 mas só se concluiu depois das 0h00 da subsequente dia 18, considera-se apresentado neste último dia.
No entanto, o acórdão recorrido não acolheu – e consequentemente não aplicou – esta interpretação normativa, antes explicitamente a repudiou. Na verdade, lê-se no acórdão:
«E admitimos como mais correcto (ainda que a lei o não refira expressamente) que se deva entender por data da “expedição”, para efeito do cômputo dos prazos processuais, a do início dessa mesma expedição, caso a mesma não coincida com a do seu termo, isto é, que não seja irrelevante o momento em que se inicia a transmissão, nas situações em que a mesma, iniciada antes das 24 horas de um determinado dia, se processa continuadamente e se completa já no dia seguinte, mormente em casos de transmissão prolongada, por virtude da extensão dos documentos ou da ociosidade do sistema operativo.»
Os efectivos fundamentos do acórdão recorrido foram outros: por um lado, em sede de apuramento da matéria de facto, o ter-se constatado não terem os recorrentes logrado provar que o início da transmissão ocorrera ainda no dia 17 de Junho de 2002, e, depois – e decisivamente – as seguintes considerações:
«3. Mas, ainda que assim não seja (e se dê crédito ao documento de fls. 941, em que a C. vem, numa segunda declaração a posteriori, referir ter havido um desfasamento horário do seu relógio, de 2 minutos, assim fazendo recuar a hora real da referida chamada para as 23:59:01 horas do dia 17.06.2002), sempre estaria correcta, embora por outros motivos, a decisão que julgou deserto o recurso por extemporaneidade das alegações.
Na verdade, para que possa falar-se de apresentação atempada de alegações (por qualquer das formas legalmente previstas, incluindo por fax ou telecópia), forçoso é que haja alegações, ou seja, que se apresente ou transmita integralmente o referido articulado, não bastando um esboço ou ensaio inacabado dessa apresentação ou transmissão.
O articulado “alegações” é uma peça processual típica e definida, em que o recorrente condensa os motivos determinantes da sua discordância com o julgado que pretende ver alterado pelo tribunal superior, formulando sintéticas conclusões que delimitam o objecto e o âmbito do recurso, nos termos do disposto no artigo 690.°, n.° 1, do Código de Processo Civil.
Ora, como facilmente se vê dos autos, as únicas peças transmitidas por fax foram as de fls. 915 a 917, ou seja, 3 páginas de um total de 233 que constituem as alegações de fls. 677 e seguintes, sendo certo que a primeira dessas páginas nem sequer integra as alegações, sendo o ofício da remessa das mesmas.
Não pode pois afirmar-se que houve apresentação ou expedição das alegações, mas apenas de duas folhas desse articulado que, por si só, não consubstanciam a peça processual em causa.
A entender-se de outro modo, estaria a abrir-se a porta a uma autêntica subversão da lei processual, bastando então ao recorrente redigir e transmitir por telecópia, nos instantes finais do último dia do prazo, a folha inicial do articulado, beneficiando depois do prazo previsto no n.° 3 do artigo 150.° do Código de Processo Civil para efectivamente as completar e remeter ao tribunal.
Não pode, pois, com rigor, afirmar-se que houve transmissão de alegações, pelo que é legalmente correcta a decisão de deserção do recurso por falta ou extemporaneidade da respectiva apresentação.
Também por esta via, e com este fundamento, se imporia sempre a decisão de deserção do recurso por falta ou extemporaneidade das respectivas alegações.»
Constituindo este fundamento a verdadeira ratio decidendi do acórdão recorrido, constata-se que os recorrentes não suscitaram, antes da sua prolação, a questão da interpretação normativa que lhe subjaz, sendo certo que esta interpretação nada tem de inesperado ou insólito que possibilite a sua qualificação como «decisão surpresa».”
1.2. A reclamação apresentada desenvolveu a seguinte argumentação:
“1.º – A decisão reclamada assenta na consideração de que «(i) a interpretação normativa arguida de inconstitucional pelos recorrentes nas alegações para o Supremo Tribunal Administrativo não foi aplicada no acórdão recorrido; e (ii) a interpretação normativa efectivamente assumida por este acórdão não foi arguida de inconstitucional – podendo sê-lo – “durante o processo”» (vide § 3.º da pág. 5 da decisão reclamada).
2.º – Procurando esclarecer as apontadas razões refere-se que a (única) questão de inconstitucionalidade suscitada pelos recorrentes nas alegações foi relativa à interpretação da norma que se extrai do artigo 150.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Civil (de ora em diante abreviadamente designado por CPC), segundo a qual «a data de recepção de documento remetido por telecópia não é a data de início da transmissão, mas a data da sua conclusão» (vide § 4.º da pág. 5 da decisão reclamada),
3.º – Sendo que, «No entanto, o acórdão recorrido não acolheu – e consequentemente não aplicou – esta interpretação normativa, antes explicitamente a repudiou» (vide § 1.º da pág. 6 da decisão reclamada; sublinhado no original).
4.º – De acordo com a decisão reclamada, são outros os fundamentos que constituem a verdadeira ratio decidendi do acórdão proferido: «por um lado, em sede de apuramento da matéria de facto, o ter-se constatado não terem os recorrentes logrado provar que o início da transmissão ocorrera ainda no dia 17 de Junho de 2002» (vide § 2.º da pág. 6 da decisão reclamada), e,
5.º – Por outro lado, citando o acórdão recorrido, «(...) como facilmente se vê dos autos, as únicas peças transmitidas por fax foram as de fls. 915 a 917, ou seja, 3 páginas de um total de 233 que constituem as alegações (...). Não pode pois afirmar-se que houve apresentação ou expedição das alegações, mas apenas de duas folhas desse articulado que, por si só, não consubstanciam a peça processual em causa» (vide §§ 3.º e 4.º da pág. 7 da decisão reclamada).
6.º – Por outras palavras, infere-se da decisão reclamada que, durante o processo, apenas teria sido reputada inconstitucional uma interpretação do artigo 150.º, n.º 2, alínea c), do CPC, que desconsiderasse a data da expedição,
7.º – Não tendo sido suscitada a questão da inconstitucionalidade de uma interpretação que apenas relevasse a data da expedição se esta última fosse integral e ininterrupta.
8.º – Ora, conforme resulta de forma expressa e evidente das alegações apresentadas pelos recorrentes, tal não corresponde manifestamente às palavras que se deixaram escritas!
9.º – Para que dúvidas não subsistam, recorde-se o que, pelos ora reclamantes, foi concluído em alegações apresentadas em sede de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo:
«2. Nos termos do artigo 150.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Civil, vale como data da prática do acto processual, enviado por telecópia, o da sua expedição.
3. A lei considera irrelevante, porque dele se abstrai, o momento da recepção pelo tribunal, efectiva ou presumida, de qualquer acto processual que deva ser praticado por escrito pelas partes no processo.
4. É assim porque o legislador partiu do entendimento, constitucionalmente imposto, de que o momento da prática do acto – e, com ele, o do cumprimento de um determinado prazo devem ser objectivamente controláveis por parte do interessado.
5. Razão pela qual, à semelhança do que sucede para qualquer outra modalidade legal para a prática de actos processuais, o legislador optou pelo momento da expedição, o qual pode ocorrer até às 24 horas do último dia do prazo.
6. Sendo o critério legal para aferir o momento da prática do acto o da expedição, no caso da comunicação por telecópia, a expedição acontece no momento em que é dada a ordem de envio no aparelho de telefax.»
10.º – Porquanto as conclusões da alegação do recurso contêm apenas a enunciação concisa dos fundamentos de facto e de direito das teses desenvolvidas nas alegações apresentadas, importa verificar o que para tanto se explicitou na motivação das mesmas.
11.º – Recorde-se, assim, o exposto na motivação das alegações apresentadas:
«Significa isto que, sendo o critério legal para aferir o momento da prática do acto o da expedição, no caso da comunicação por telecópia, a expedição acontece no momento em que é dada a ordem de envio no aparelho de telefax.
De facto, a incerteza do efectivo momento da recepção do acto processual pelo tribunal é inaceitável, tornando mesmo inconstitucional a interpretação da norma que se extrai do artigo 150.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Civil, segundo a qual vale como momento da prática do acto o da efectiva e total recepção do mesmo pelo tribunal (...)» (sublinhado e realce nosso de agora).
«Com efeito, não poderão ser razões de natureza tão variável como sejam o tipo de peça processual, a sua extensão, a data e o momento em que foi apresentado, etc., que justificariam um tratamento diferente: o legislador estabelece um critério, melhor, traça uma linha, pelo que todo e qualquer acto que se integre na previsão da norma – ou que esteja antes da linha – tem de ser aceite como validamente praticado. (...)
Com efeito, a interpretação da referida norma em qualquer outro sentido faria variar, em função de dados aleatórios e injustificados (a título de exemplo: a maior ou menor rapidez dos aparelhos de telecópia, o (des)congestionamento das linhas telefónicas, o acerto da hora que é colocada pelo utilizador no aparelho receptor), o prazo e os meios de que dispõem diferentes partes em processos idênticos e para a prática do mesmo acto.»
12.º – Assim sendo, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 22 de Maio de 2003, quando sustenta que «não pode (...) afirmar-se que houve apresentação ou expedição das alegações» – baseando-se fundamentalmente na mera expedição de poucas páginas –, assenta numa interpretação do artigo 150.º, n.º 2, alínea c), que foi expressamente qualificada pelos ora reclamantes como inconstitucional.
13.º – Refira-se aliás que a expedição de poucas páginas se deveu a factores alheios aos ora reclamantes (e inteiramente aleatórios), sendo que estes, durante o processo, qualificaram como inconstitucional, precisamente, uma interpretação do artigo 150.º, n.º 2, alínea c), que fizesse «variar, em função de dados aleatórios e injustificados (a título de exemplo: a maior ou menor rapidez dos aparelhos de telecópia, o (des)congestionamento das linhas telefónicas, o acerto da hora que é colocada pelo utilizador no aparelho receptor), o prazo e os meios de que dispõem diferentes partes em processos idênticos e para a prática do mesmo acto».
14.º – Em suma: a interpretação do artigo 150.º, n.º 2, alínea c), do CPC não se esgota na questão de saber qual a data relevante enquanto data da expedição (se a do início, se a do termo),
15.º – Abrange ainda a questão de saber se a expedição relevante tem de ser «efectiva e total» ou se pode relevar uma expedição interrompida por factores alheios à parte.
16.º – Ora, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo opta por um entendimento que foi qualificado como inconstitucional durante o processo pelos ora reclamantes.
17.º – Isto é, opta por um entendimento que não tem por relevante uma expedição interrompida, na qual apenas foram recebidas algumas páginas de alegações.
18.º – Tal é quanto basta para que se deva conhecer do objecto do recurso.
19.º – Porém, ainda que assim não fosse, o que não se concede, sempre haveria que ter em conta que não é absolutamente líquido que os recursos designados de segundo tipo – artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da CRP e artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC – exijam (em qualquer caso) uma prévia invocação da inconstitucionalidade de um norma (ou da interpretação daquela).
20.º – Assim se pronuncia, aliás, Jorge Miranda:
«A exigência do artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição, relativa à invocação da inconstitucionalidade “durante o processo”, deve entender-se, como se lê em sucessivos acórdãos, não num sentido puramente formal (tal que a inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da instância), mas no sentido funcional (tal que essa invocação seja feita em momento em que o tribunal a quo ainda possa conhecer da questão). (...) Pode, contudo, suceder que o interessado não disponha de oportunidade processual de arguir a inconstitucionalidade por não poder ou não lhe ser exigível prever a aplicação da norma». (cf. Manual de Direito Constitucional, tomo VI, 2001, Coimbra, pág. 206).
21.º – Ao contrário do que parece resultar da decisão sumária ora reclamada (vide, em especial, § 2.º da pág. 4 da decisão reclamada), o Tribunal Constitucional tem igualmente entendido que não é exigível ao recorrente que tenha invocado a inconstitucionalidade «durante o processo» quando aquele não tivesse tido a oportunidade processual de invocação, por não lhe ser razoavelmente exigível que antevisse a aplicação da referida norma (cf., a mero título de exemplo, Acórdãos n.ºs 232/94, 499/97 e 221/2000).
22.º – Não nos poderemos esquecer que o Supremo Tribunal Administrativo alterou diametralmente a posição assumida pelo Tribunal Administrativo do Círculo, julgando parcialmente procedente o recurso dos recorrentes, na medida em que considerou que deve ser tida em conta a data de expedição, para efeitos de aferição do cumprimento de prazo processual.
23.º – Porém, foi precisamente por ter assumido uma interpretação inovadora (que nunca antes tinha sido aludida nos autos) que o Supremo Tribunal Administrativo julgou improcedentes as razões dos recorrentes.
24.º – Isto em virtude de considerar que o momento da expedição só deve ser considerado para aferição do cumprimento de prazo processual, caso a transmissão via telecópia seja contínua e completa.
25.º – Como tal, e apesar de nem sequer ser razoável exigir aos recorrentes que antecipassem a adopção da referida interpretação do artigo 150.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Civil que veio de forma imprevisível a ser adoptada pelo Supremo Tribunal Administrativo, facto é que os ora reclamantes alegaram a inconstitucionalidade da referida norma precisamente no sentido que lhe veio a ser dado.
26.º – Neste sentido, veja-se o parecer jurídico emitido pelos Ex.mos Srs. Professor Doutor D. e Dr. E., que se cita:
«Mas sucede, ainda por cima, que os recorrentes não se limitaram – como seria perfeitamente razoável e isento de crítica – a alegar a inconstitucionalidade da norma com o sentido que lhe tinha sido dado até aí no processo e não o sentido imprevisto e imprevisível que lhe veio a ser dado.
Isso depreende-se logo do teor das restantes conclusões.
Na verdade, a conclusão em que a decisão sumária se pretende estribar é a 7.ª ... entre 20. E não é preciso muito para verificar que a posição assumida pelos recorrentes envolve claramente a inconstitucionalidade do sentido que viria a ser atribuído pelo Supremo Tribunal Administrativo.» (in parecer jurídico, ponto 5.1.3., pág. 32, que ora se junta como Doc. n.º 1 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
27.º – Nestes termos, a falta de invocação da inconstitucionalidade «no decurso do processo» não pode valer como fundamento para recusa da admissão do presente recurso, sob pena de denegação de Justiça.
28.º – Tudo o supra exposto é confirmado em parecer jurídico ora junto, cujas conclusões, para o que ora importa, são as seguintes:
«Ao contrário do que à primeira vista possa parecer, a correcta interpretação do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo recorrido conduz à conclusão de que nele não se resolve a questão do momento do início da expedição e respectiva prova.
A única questão que é assumida como relevante e que é decidida é a da aplicação ao caso do critério normativo segundo o qual deve entender-se “por data da «expedição», para efeito de cômputo dos prazos processuais, a do início dessa mesma expedição, caso a mesma não coincida com a do seu termo, isto é, [não é] irrelevante o momento em que se inicia a transmissão, nas situações em que a mesma, iniciada antes das 24 horas de um determinado dia, se processa continuadamente e se completa já no dia seguinte, mormente em casos de transmissão prolongada, por virtude da extensão dos documentos ou da ociosidade do sistema operacional”. Este critério de decisão apresenta dois passos sucessivos: dá por relevante o momento do início de expedição, mas vai além disso, interpretando a data de expedição, de que o artigo 150.º, n.º 2, alínea c), do CPC, fala no sentido de que para efeito do cômputo dos prazos processuais, deve entender-se por data da expedição, a do seu início, desde que, em qualquer caso, a expedição se processe continuadamente, ou seja, sem qualquer interrupções, sejam quais forem os respectivos termos ou causas.» (in parecer jurídico ora junto como Doc. n.º 1, autores citados, págs. 55 e 56).
29.º – Insista-se que a questão da inconstitucionalidade deste critério normativo – inquestionavelmente relevante para o processo [Conforme sustentam D. e E. (cf. parecer jurídico, pág. 26), «é inquestionável a relevância da questão da constitucionalidade do artigo 150.º, n.º 2, alínea c), do CPC, interpretado no sentido de que uma expedição, iniciada ainda dentro do prazo mas concluída já depois do seu termo, deve processar-se em termos de continuidade absoluta e rigorosamente sem excepção. Basta pensar que, se essa interpretação for julgada inconstitucional, a decisão sucumbe necessariamente e no seu todo».] – foi expressamente suscitada durante o processo pelos ora reclamantes, designadamente, quando repudiaram a admissibilidade constitucional de uma interpretação do artigo 150.º, n.º 2, alínea c), que apenas relevasse uma expedição «efectiva e total», privando de importância o momento da ordem de envio.
30.º – O mesmo é sustentado no parecer jurídico supra citado:
«A questão de inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo, sendo insustentável a decisão sumária em sentido contrário proferida no recurso para o Tribunal Constitucional, pois, para além do surpreendente do sentido da decisão do Supremo, uma cuidada análise das alegações para o Supremo Tribunal Administrativo mostra claramente que estas alegaram, com todas as letras, que era constitucionalmente imposta a relevância do momento da expedição entendida como ordem de envio no aparelho do telefax e, mais do que isso, essa alegação não foi puramente casual, mas de caso pensado, pois que se esteada na necessidade de assegurar o controlo objectivo do facto pela parte.» (in parecer jurídico ora junto como Doc. n.º 1, autores citados, págs. 56 e 57).
31.º – Os ora reclamantes aderem integralmente à tese defendida pelos ilustres pareceristas, bem como às conclusões citadas no número anterior, as quais sustentam também a reclamação ora apresentada.”
1.3. Notificada desta reclamação, a recorrida Ministra de Estado e das Finanças apresentou a seguinte resposta:
“1. A. e B. vêm reclamar para a conferência, nos termos do artigo 78.°-A, n.° 3, da LTC, da decisão sumária, exarada na sequência do recurso por aqueles interposto, para esse Venerando Tribunal, do Acórdão do STA, de 22 de Maio de 2003, que negou provimento ao recurso deduzido contra o despacho de 9 de Julho de 2002, do M.mo Juiz do TAC de Lisboa, este a julgar deserto, por falta de alegações, o recurso jurisdicional anteriormente admitido.
2. Na sua alegação dizem ora os reclamantes que o Tribunal Constitucional tem entendido que não é exigível ao recorrente que tenha invocado a inconstitucionalidade «durante o processo» quando aquele não tivesse tido a oportunidade processual de invocação, por não lhe ser razoavelmente exigível que antevisse a aplicação da referida norma. E daí que a falta de invocação da inconstitucionalidade «no decurso do processo» não possa, no entender dos reclamantes, valer como fundamento para recusa da admissão do recurso por eles interposto.
3. Com a sua alegação, os recorrentes juntam um parecer jurídico subscrito pelos Srs. Drs. D. e E.. Trata-se de um douto parecer, bem elaborado, mas que não tem a virtualidade de contrariar, minimamente que seja, o bem fundado da argumentação usada, por esse Venerando Tribunal Constitucional, para chegar à decisão de não conhecimento do recurso, ao abrigo do artigo 78.°-A, n.° 1, da L TC.
4. Na verdade, contra factos não há argumentação que valha. E ao douto parecer jurídico falta argumentação suficiente para a demonstração de que as alegações dos aqui reclamantes haviam sido apresentadas tempestivamente, no Tribunal competente. Não o foram. Houve, de facto, uma ligeira tentativa de remessa, via fax, das alegações, no 3.° dia útil posterior ao termo do prazo.
5. Mas, como flui dos autos, de um total de 233 páginas, os recorrentes apenas conseguiram transmitir 3 páginas por fax. E, dessas 3 páginas, a 1.ª constitui apenas ofício ou carta de remessa das mesmas.
6. Ora, conforme é referido pelo acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, na apreciação do seu caso, houve «um esboço ou ensaio inacabado dessa apresentação ou transmissão». E, perante isto, argumentar-se que a data da expedição deve prevalecer no caso em apreço, afigura-se como algo totalmente irrelevante. É que in casu não pode dizer-se que houve expedição de algo que se consubstancie numa peça processual, como seriam as alegações dos recorrentes.
7. Mas os recorrentes têm bem a clara noção de que por via fax não remeteram quaisquer alegações para o Tribunal ad quem ou, seguindo o que está processualmente preceituado, para o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa.
8. Tanto assim foi que, no dia seguinte ao da tentativa de remessa via fax das alegações, apresentaram «em mão» tal peça processual junto do Supremo Tribunal Administrativo.
9. E foi assim que o Supremo Tribunal Administrativo acabaria por concluir que «os recorrentes não deram cumprimento ao preceituado nas disposições conjugadas dos artigos 150.º, n.°s 2, alínea c), e 3, e 143.°, n.° 3, ambos do Código de Processo Civil», assim confirmando o douto despacho do M.mo Juiz do TAC de Lisboa que julgou deserto o recurso dos recorrentes por falta de alegações.
10. Quanto ao recurso propriamente dito, interposto do acórdão do STA, acima focado e datado de 22 de Maio de 2003, a Ministra de Estado e das Finanças louva-se na douta argumentação e fundamentação contida na decisão sumária tomada por esse Venerando Tribunal Constitucional e que conduziu ao não conhecimento do recurso.
11. Na verdade, também se nos afigura ser inadmissível o recurso dos ora reclamantes para o Tribunal Constitucional ex vi artigo 78.°-A, n.° 1, da LTC, porquanto os reclamantes não suscitaram a questão da inconstitucionalidade de qualquer norma aplicada pela decisão sob recurso, ou seja, pelo Tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer. E porque é assim, torna-se por demais evidente que os reclamantes não vêem preenchido o requisito da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC para a interposição de recurso, uma vez que não estão a recorrer de qualquer decisão que aplique norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
12. Ora, como bem se remata na douta decisão sumária, constituem objecto de recurso de constitucionalidade as questões de inconstitucionalidade de normas, que não a eventual violação da Constituição por decisões judiciais, actos administrativos ou processuais ou comportamentos das partes, em si mesmo considerados.
13. Bem andou assim o Venerando Juiz Conselheiro relator ao decidir-se, neste caso, pelo não conhecimento do recurso dos ora reclamantes, razão pela qual deverá em conferência sustentar-se e manter-se a decisão sumária objecto da reclamação dos recorrentes.”
1.4. Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. Fundamentação
2.1. Antes de mais, cumpre sumariar as vicissitudes processuais que os autos registam e que se mostram relevantes para a correcta compreensão da situação sub judicio:
1) Notificados da sentença do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa (TACL), de 20 de Março de 2002 (fls. 637 a 671), que julgou totalmente improcedente a acção em que peticionavam o reconhecimento do direito a obterem compensação pela depreciação do capital pago pela nacionalização da F., os autores dela interpuseram recurso para o Supremo Tribunal Administrativo (STA), por requerimento apresentado no TACL em 10 de Abril de 2002 (fls. 673 e 674);
2) Esse recurso foi admitido por despacho do Juiz do TACL, de 6 de Maio de 2002 (fls. 676), notificado aos autores por carta registada expedida em 6 de Maio de 2002 (cf. cota de fls. 676);
3) Em 18 de Junho de 2002, os autores recorrentes apresentaram no TACL o original das alegações desse recurso, integradas por 105 folhas de alegações propriamente ditas (fls. 677 a 781 destes autos) e por 6 documentos, estes com a extensão global de 147 folhas (fls. 782 a 910 destes autos, encontrando-se em branco as fls. 781 e 823), ou seja, no total de 252 folhas;
4) Em 20 de Junho de 2002, os autores recorrentes apresentaram no TACL um requerimento (fls. 911 a 914) no qual referem ter procedido à expedição dessas alegações por telecópia, muito próximo das 24 horas do dia 17 de Junho de 2002, último dia para a prática do acto com o pagamento de multa, tendo sido alertados, na manhã do dia 18, “para sua total estupefacção”, pela secretaria do STA que as referidas alegações haviam dado entrada no fax do STA (e não no do TACL), e, tendo procedido ao seu levantamento, constataram que das mesmas constava como data de expedição as 00:01 do dia 18 de Junho de 2002 (dado constante do registo interno do aparelho de telecópia dos autores), pelo que solicitaram esclarecimentos à operadora C., que informou que do n.º 210103700 foi efectuada, às 23:59:55 de 17/6/2002 uma chamada para o n.º 213466129, com duração zero, e às 00:01:13 de 18/6/2002 uma chamada para o n.º 213468129, com a duração de 00:01:55 (fls. 920);
5) No decurso desta última chamada terão sido expedidas as 3 folhas constantes de fls. 915 a 917, sendo a primeira ofício de remessa e correspondendo as restantes às duas primeiras folhas das alegações dos recorrentes;
6) Em 5 de Julho de 2002, os recorrentes apresentaram uma carta da operadora C., em que esta informava que entretanto havia apurado que o relógio interno do seu comutador estava adiantado, em relação à hora legal, cerca de 2 minutos, com uma tolerância de 15 segundos, pelo que a última chamada referida afinal teria tido início entre as 23:58:58 e as 23:59:26 de 17/6/2002 (cfr. fls. 933 a 944);
7) Por despacho de 9 de Julho de 2002 (fls. 945 a 947), o juiz do TACL julgou deserto o recurso jurisdicional interposto para o STA, por entender extemporâneas as alegações apresentadas, por uma tripla ordem de razões: (i) dependendo a validade do acto do pagamento imediato da multa prevista no n.º 5 do artigo 145.º do Código de Processo Civil (CPC), ele não poderia ser praticado depois da hora de expediente dos serviços; (ii) os autos demonstram que o acto só foi praticado no início do dia seguinte; (iii) sempre seria irrelevante que a expedição se tivesse iniciado no final do dia anterior, se concluída apenas no dia seguinte;
8) Deste despacho interpuseram os autores recurso para o STA, suscitando nas respectivas alegações (fls. 957 a 994), além do mais, a questão da inconstitucionalidade da interpretação da norma do artigo 150.º, n.º 2, alínea c), do CPC, segundo a qual vale como momento da prática do acto o da efectiva e total recepção pelo tribunal do documento remetido por telecópia;
9) Em anexo a essas alegações, juntaram documentos visando demonstrar que além das duas primeiras folhas das alegações, remeteram posteriormente as folhas 3 a 11 (cf. fls. 1005 a 1013 destes autos) e 12 a 40, esta incompleta (cf. fls. 1018 a 1046 destes autos), dessa peça processual.
2.2. Face aos dados expostos e aos fundamentos quer do acórdão recorrido, quer do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, já referenciados na decisão sumária ora reclamada, há que apreciar se procede, ou não, a crítica a esta dirigida.
Como se referiu nessa decisão sumária, o acórdão recorrido não acolheu – antes explicitamente a repudiou – a interpretação normativa sufragada no despacho recorrido, e que os recorrentes arguiram de inconstitucional, segundo a qual o que relevava, para a determinação da prática do acto, era, não o momento do início da expedição do documento por telecópia, mas o momento da conclusão da recepção dessa expedição no tribunal. Diversamente, o acórdão recorrido considerou como mais correcto “que se deva entender por data da «expedição», para efeito do cômputo dos prazos processuais, a do início dessa mesma expedição, caso a mesma não coincida com a do seu termo, isto é, que não seja irrelevante o momento em que se inicia a transmissão, nas situações em que a mesma, iniciada antes das 24 horas de um determinado dia, se processa continuadamente e se completa já no dia seguinte, mormente em casos de transmissão prolongada, por virtude da extensão dos documentos ou da ociosidade do sistema operativo”. A referência à continuidade do procedimento de expedição não deve ser entendida – como o fazem os reclamantes – em termos absolutos, o que logo é rejeitado pela expressa admissibilidade de hiatos na transmissão provocada pela “ociosidade do sistema operativo”, isto é, por eventuais “quebras” da ligação: o que é importante é a continuidade do esforço de expedição, que permita atribuir unidade ao acto de comunicação entre a parte e o tribunal.
Reafirma-se que os efectivos fundamentos do acórdão recorrido foram outros: por um lado, em sede de apuramento da matéria de facto, o ter-se constatado não terem os recorrentes logrado provar que o início da transmissão ocorrera ainda no dia 17 de Junho de 2002, e, depois – e decisivamente – a consideração de que “para que possa falar-se de apresentação atempada de alegações (por qualquer das formas legalmente previstas, incluindo por fax ou telecópia), forçoso é que haja alegações, ou seja, que se apresente ou transmita integralmente o referido articulado, não bastando um esboço ou ensaio inacabado dessa apresentação ou transmissão”.
Há, com efeito, que distinguir entre terminus da expedição via telecópia e integralidade da transmissão da peça processual. O acórdão recorrido entendeu que vale como praticado em certo dia o acto cuja expedição por telecópia se iniciou nesse dia, mesmo que essa expedição só tenha terminado no dia seguinte. Mas também entendeu – o que constitui questão diferente – que não vale como apresentação de alegações a remessa de apenas uma parte delas através de telecópia (sendo, para este efeito, indiferente que, no caso, das 105 folhas de alegações propriamente ditas e das 147 folhas de documentos a ela anexos, num total de 252 folhas, só hajam sido expedidas 3 folhas, como se refere no acórdão recorrido, ou 40 folhas das alegações, como sustentam os recorrentes).
Resulta do exposto, tal como se entendeu na decisão sumária reclamada, que, por um lado, o acórdão recorrido não fez aplicação da (antes rejeitou a) interpretação normativa, arguida de inconstitucional pelos recorrentes, segundo a qual relevante para a determinação do momento da prática de acto expedido por telecópia é o termo dessa expedição, e que, por outro lado, a interpretação normativa, por ele aplicada como ratio decidendi, segundo a qual não vale como apresentação de alegações a expedição por telecópia de apenas uma parte dessa peça processual, não foi arguida de inconstitucional pelos recorrentes, sendo certo que tal interpretação nada tem de insólito, inesperado ou anormal, em termos de tornar dispensável essa arguição antes da prolação da decisão impugnada.
Em suma: não tendo sido aplicada a norma arguida de inconstitucional e não tendo sido arguida de inconstitucional a norma efectivamente aplicada, o presente recurso de constitucionalidade é inadmissível.
3. Decisão
Em face do exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 15 (quinze) unidades de conta, por cada um deles.
Lisboa, 7 de Janeiro de 2004.
Mário José de Araújo Torres
Paulo Mota Pinto
Rui Manuel Moura Ramos