Imprimir acórdão
Procº nº 376/2003.
3ª Secção. Relator: Bravo Serra.
1. Em 11 de Junho de 2003 o relator lavrou decisão ao abrigo do disposto no nº 1 do artº 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, por intermédio da qual se não tomou conhecimento do objecto do recurso intentado interpor pelo arguido A. relativamente ao despacho proferido em 24 de Março de
2003 pelo Presidente da Relação de Lisboa, despacho este que indeferiu a reclamação deduzida pelo arguido do despacho, lavrado em 14 de Outubro de 2002 pela Juíza do 3º Juízo-A do Tribunal e Instrução Criminal de Lisboa e que não admitira o recurso interposto de um despacho de 17 de Junho anterior e por via do qual foi indeferida a realização de um interrogatório do mesmo arguido e a inquirição de seu pai.
Em 29 de Setembro de 2003, e relativamente a dois requerimentos apresentados pelo arguido, capeando uma peça processual consubstanciadora da reclamação daquela decisão de 11 de Junho de 2002, o relator proferiu despacho com o seguinte teor:
“Proferida pelo relator e em 11 de Junho de 2003 decisão nos termos do nº 1 do artº 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, notificada ao mandatário do recorrente A. por intermédio de carta registada expedida em 7 de Julho seguinte, veio o mesmo, em 25 de Setembro de 2003, apresentar dois requerimentos, capeando uma reclamação que deduziu daquela decisão.
No primeiro dos indicados requerimentos escreveu:
‘A., Arguido e recorrente ora melhor identificado nos presentes autos, encontrando-se desde as 23h40m do dia 24/09/2003 a tentar enviar para os n.º de fax ---------------- e ----------------- a sua Reclamação para a Conferência nos autos em apreço, sem, porém, o conseguir, por aqueles ambos n.º de fax não darem qualquer resposta, vem por este meio electrónico, requerer e informar Vossas Excelências daquela impossibilidade, que constitui justo impedimento que ora se invoca, uma vez que, por informação da B. através dos seus serviços de avarias Nº -----------, foi o ora signatário informado - pelos funcionários daquela empresa Sr.ª C. e supervisor Sr. D. - da existência de uma avaria nas referidas linhas, estando nesta data a decorrer naquelas linhas e zona respectiva uma
‘Telemanutenção na rede’ que impossibilita o envio de qualquer documento para os fax desse Tribunal Constitucional, pelo que se requer que a Reclamação para a Conferência enviados pelo signatário por email para esse Tribunal seja aceite dado o justo impedimento existente’
E, no segundo, escreveu:-
‘A., Arguido e recorrente ora melhor identificado nos presentes autos, encontrando-se desde as 23h40m do dia 24/09/2003 a tentar enviar para os n.º de fax ----------------- o presente documento junto sem o conseguir por o mesmo não dar resposta, vem por este meio enviar para o presente nº ------------------ os documentos em anexo’.
Como resulta do que acima se veio de expor, tendo carta registada dirigida ao mandatário do requerente sido expedida em 7 de Julho de 2003, de presumir é que a sua notificação ocorreu em 10 dos mesmos mês e ano (cfr. nº 2 do artº 254º do Código de Processo Civil), pelo que o prazo para deduzir reclamação da decisão objecto daquela notificação terminaria em 19 de Setembro seguinte (de 16 de Julho a 14 de Setembro é o período correspondente às férias judiciais, durante o qual se não praticam os actos processuais - cfr. artº 12º da Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro, e nº 1 do artº 143º do Código de Processo Civil).
É intento do recorrente, como se alcança designadamente pelo teor do primeiro dos transcritos requerimentos, justificar a impossibilidade de, atempadamente, ter apresentado neste Tribunal o requerimento corporizador da reclamação deduzida da decisão prolatada em 11 de Junho de 2003, para tanto esgrimindo com uma factualidade que, em seu entender, configurará um justo impedimento.
Simplesmente, nos termos do nº 2 do artº 146º do Código de Processo Civil, a parte que alegar o justo impedimento oferecerá logo a respectiva prova.
Ora, in casu, o recorrente não ofereceu qualquer prova, nomeadamente
juntando o relatório dos tentados envios dos faxes, no qual, certamente, constaria, ou a menção da impossibilidade de recepção por banda dos aparelhos existentes neste órgão de administração de justiça, ou a menção de impossibilidade de transmissão. E, por outro lado, não peticionou a efectivação, pelo mesmo órgão, de produção probatória destinada a confirmar o evento imprevisível e a si não imputável que obstou à atempada apresentação da reclamação.
Limitou-se, isso sim, a indicar que foi informado por determinados funcionários da B. que teria ocorrido uma avaria nas linhas telefónicas da zona onde se encontra sediado este Tribunal.
Aquela mera indicação não consubstancia, de todo, o ónus a que se reporta o falado nº 2 do artº 146º, já que não ofereceu demonstração da mesma ou, sequer, peticionou a realização de prova que a atestasse.
Neste contexto, não julgo verificado o justo impedimento, desta arte considerando extemporânea a apresentação da reclamação da decisão de 11 de Junho de 2003”.
Do transcrito despacho solicitou o arguido esclarecimento e a respectiva reforma, o que motivou a prolação, em 16 de Outubro de 2003, do despacho seguinte:-
“1. Notificado do despacho proferido pelo relator em 29 de Setembro de
2003, veio o recorrente A. solicitar o respectivo esclarecimento e reforma.
Em síntese, defendeu:
- que aquele despacho, ao referir que o recorrente, indicando que tinha sido informado por determinados funcionários da B. que existiria uma avaria nas linhas telefónicas que servem o Tribunal, não estava a oferecer prova ou solicitar a produção dela para os efeitos do nº 2 do artº 146º do Código de Processo Civil, incorreu em ambiguidade;
- que houve manifesto lapso na qualificação jurídica dos factos e na determinação das normas aplicáveis.
Ao requerimento consubstanciador dos pedidos de esclarecimento e reforma, apresentado em 13 de Outubro de 2003, juntou o peticionante fotocópia do «relatório» do intentado envio, via fax, da peça processual da reclamação da decisão lavrada em 11 de Junho de 2003 ao abrigo do nº 1 do artº 78º-A da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro, a fim de demonstrar o justo impedimento de envio dessa mesma peça, vindo ainda solicitar o benefício de apoio judiciário na modalidade de ‘dispensa total do pagamento das taxas de justiça e demais encargos com o processo’.
O Ex.mo Representante do Ministério Público junto deste Tribunal, ouvido sobre o pedido de reforma agora formulado, veio dizer que o despacho em crise era perfeitamente claro e insusceptível de dúvidas, não constituindo fundamento para o pedido de aclaração ou reforma a simples discordância do solicitante quanto à interpretação das regras do ónus que recai sobre a parte que invoca o justo impedimento.
2. É por demais claro que o esclarecendo e reformando despacho não se encontrava eivado de qualquer vício susceptível de justificar os pedidos agora em análise.
Na verdade, resulta claramente de tal despacho que, tendo em atenção que o nº 2 do artº 146º do Código de Processo Civil impõe que a parte que alegar o justo impedimento oferecerá logo a respectiva prova, o recorrente não cumpriu o ónus a que se reporta aquela disposição, pois que, por um lado, não ofereceu, no momento em que veio invocar os factos que, na sua perspectiva, seriam subsumíveis ao conceito de justo impedimento, prova da impossibilidade de praticar o acto processual em causa, nem, por outro, solicitou que viesse a ser produzida demonstração desses factos.
E, quanto a este último aspecto, é inquestionável que nos requerimentos a que se aludiu no despacho de 29 de Setembro o impugnante não peticionou a inquirição dos funcionários da B. que referira num deles, nem fez juntar qualquer documento, emitido por aquela empresa, comprovativo da avaria com que argumentara.
Por isso se disse no despacho que a mera indicação da informação que lhe teria sido transmitida pelos funcionários da B. não podia ser entendida como integrando o ónus exigido pelo citado nº 2 do artº 146º.
Não existe, pois, qualquer ambiguidade passível de esclarecimento ou erro na determinação dos factos ou na sua qualificação, ou na determinação das normas aplicáveis à situação, erros estes susceptíveis de conduzir à reforma do decidido.
Em consequência, indeferem-se os deduzidos pedidos de esclarecimento e reforma.
3. Vem agora o recorrente fazer juntar o «relatório» do seu fax, a fim de tentar comprovar a impossibilidade de envio, em 24 e 25 de Setembro de 2003, para os aparelhos de recepção com os números -------------------------- e
------------------------.
Independentemente da questão de saber se a menção, nesse «relatório», de «PARAR PRESSION.», constitui prova da uma impossibilidade de recepção por banda do aparelho respeitante ao primeiro número (questão que, porventura, já se não poria quanto à menção de «SEM RESPOSTA»), o que é certo é que a prova agora desejada fazer por intermédio da junção do «relatório» é apresentada a destempo, ex vi do já mencionado nº 2 do artº 146º, razão pela qual é de manter o decidido no despacho reclamado.
4. Como se disse já, veio o impugnante requerer o benefício do apoio judiciário na modalidade indicada.
De acordo como artº 85º da Lei nº 28/82, nos recursos para o Tribunal Constitucional podem as partes litigar com benefício de apoio judiciário, nos termos da lei.
Actualmente, o regime do apoio judiciário encontra-se consagrado na Lei nº 30-E/2000, de 20 de Dezembro, estabelecendo-se no nº 1 do seu artº 21º que a decisão sobre a concessão do apoio judiciário compete ao dirigente máximo dos serviços de segurança social da área de residência do requerente.
Não está aqui em causa nenhuma situação daquelas a que se refere o Capítulo VI da referida Lei (artigos 42º a 47º).
Consequentemente, a decisão sobre o pedido ora formulado não incumbe a este Tribunal”.
2. É deste último despacho (e, se bem se entende, não obstante a ambiguidade com que a questão é posta na peça apresentada pelo arguido, também do despacho de 29 de Setembro de 2003) que o arguido vem reclamar para a conferência.
Em síntese, sustenta nessa reclamação:
- que o passo no qual se entendeu que não incumbe a este Tribunal proferir decisão sobre o pedido de apoio judiciário está ferido “de manifesto lapso na qualificação jurídica dos factos porquanto a norma aplicável ao caso em apreço, não é a do nº 1 do artigo 21º, nem a dos artigos 42º a 47º daquela Lei [reporta-se o reclamante à Lei nº 30-E/2000, de 20 de Dezembro], mas antes a constante do nº 3 do seu artigo 57º”, já que o reclamante “é arguido em processo crime do qual resultou o recurso para este superior Tribunal”, razão pela qual deverá ser tomado conhecimento de tal pedido, deferindo-se o mesmo;
- que, contrariamente ao que se contém no despacho reclamado (recte, será, porventura, nos despachos reclamados), o reclamante tomou “as providências necessárias para obter” da B. “a informação técnica que carreou para os autos e tendo a devida cautela de identificar, registar e indicar o nome dos respectivos responsáveis”, sendo que, atenta a hora em que ocorreram os acontecimentos, “impossível seria, conseguir obter qualquer documento da B.”;
- que, “mesmo que viesse a apresentar tal documento da B. mais tarde, ..., também o Excelentíssimo Juiz Conselheiro Relator viria a indeferir tal pretensão como o fez com a junção do ‘Relatório do Fax’ do mandatário do recorrente”;
- que este «relatório» é “periódico emitido pela própria máquina após certo número de registos, não tendo sido notória e tecnicamente possível apresentá-lo de imediato com os autos ou mais cedo”.
O Ex.mo Representante do Ministério Público, ouvido sobre a reclamação, veio dizer, de um lado, que se pode, efectivamente, duvidar, face à autonomia do processo constitucional perante o «processo-pretexto» em que se insere o recurso de fiscalização concreta interposto, da aplicabilidade da regra contida no artº 58º da Lei nº 30-E/2000, já que, sendo o pedido de apoio judiciário deduzido no âmbito da tramitação do recurso de constitucionalidade, não é líquido que o seja em processo penal; e, de outro, quanto à questão do justo impedimento, afigurava-se-lhe que cumpria efectivamente ao reclamante o
ónus de produzir prova convincente do invocado impedimento técnico da prática atempada do acto, requerendo logo as pertinentes inquirições ou juntando os documentos que certificassem a impossibilidade da transmissão.
Cumpre decidir.
3. A reclamação para conferência ora sub iudicio, apresenta duas vertentes, a saber: uma incidente sobre a questão de não competir a este órgão de administração de justiça decidir dos pedidos de apoio judiciário formulados nos recursos a que se reporta o nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, e outra tocante à não aceitação do invocado justo impedimento.
3.1. Quanto à primeira, e como se viu, o reclamante esgrime com o argumento de acordo com o qual houve “manifesto lapso na qualificação jurídica dos factos”, por isso que a norma aplicável na situação em espécie era a inserta no nº 3 do artº 57º da Lei nº 30-E/2000.
Não tem, porém, razão.
Os recursos visando a fiscalização concreta da constitucionalidade e legalidade normativa são tramitados de harmonia com as disposições ínsitas no Subcapítulo II do Capítulo II do Título III da Lei nº
28/82 e nas do Código de Processo Civil, em especial as respeitantes ao recurso e apelação (cfr. artº 69º daquela Lei).
Sendo assim, não se pode afirmar que o processo atinente aos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade e legalidade normativa, ainda que emergentes de feitos criminais, tome um cariz que lhe permita ser tratado unicamente como um processo penal, ainda que a afirmação que ora se faz não implique minimamente significar que se trata de um processo configurável como uma questão prejudicial.
Trata-se, antes, de um processo cuja tramitação decorre, no que ora interessa, de acordo com a normação subsidiária constante do diploma adjectivo civil.
Neste contexto, sendo certo que não está aqui em causa nenhuma das situações a que se refere o Capítulo VI da Lei nº 30-E/2000, e porque os pedidos visando a concessão de apoio judiciário com vista aos feitos regulados pelo Código de Processo Civil são decididos pela entidade mencionada no nº 1 do artº 21º daquela Lei, se a formulação de um tal pedido for deduzida no processo de fiscalização concreta da constitucionalidade ou legalidade normativa, é a essa entidade a quem compete tomar decisão.
3.2. Pelo que tange à reclamação sobre o decidido na parte em que se não atendeu ao invocado justo impedimento, falece razão ao ora impugnante.
Na verdade, reafirma-se que o mesmo, aquando da invocação do circunstancialismo que, na sua óptica, integraria a ocorrência de um evento, ao mesmo não imputável, e que obstou ao envio atempado para este Tribunal da peça da reclamação da decisão tirada em 11 de Junho de 2003, não apresentou qualquer prova da impossibilidade do envio daquela peça (como, posteriormente e, portanto, a destempo, intentou fazer, juntando fotocópia do
«relatório» do seu fax), nem requereu a produção de prova tendente a demonstrar aquele invocado circunstancialismo.
Reitera-se igualmente que a invocação da ocorrência do evento alegadamente constitutivo do justo impedimento não é, nem pode ser, confundida com o oferecimento da prova da ocorrência.
Daí que, neste particular, não mereça censura o despacho
(recte, os despachos) ora impugnados.
Termos em que se indefere a reclamação, condenando-se o impugnante nas custas processuais, fixando em dez unidades de conta a taxa de justiça.
Lisboa, 3 de Dezembro de 2003
Bravo Serra Gil Galvão Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida