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Processo n.º 386/03 - 1ª Secção Relator: Cons. Pamplona de Oliveira
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
A sociedade comercial denominada A., notificada do acórdão deste Tribunal de 29 de Outubro do ano corrente que indeferira a reclamação do despacho de não conhecimento do seu recurso, vem pedir a aclaração do aresto invocando a sua
“manifesta ambiguidade”
O acórdão é do teor que integralmente se transcreve:
“1. - No presente recurso, interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro foi lavrada decisão sumária, nos termos do n.º 1 do artigo 78º-A daquele diploma legal, com o seguinte teor: A sociedade comercial denominada A. recorreu para a 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo a impugnar contenciosamente o despacho do Secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território, com data de 22 de Junho de 1995, que, em suma, ordenara o embargo dos trabalhos de alteração da topografia local que se destinam à construção e implementação de um campo de golfe sito em ----------, no --------------. Na altura própria apresentou a sua alegação, rematada por 274 conclusões. Em face daquilo que o Tribunal entendeu ser um caso de prolixidade da peça processual em causa - circunstância que a descaracterizava como conclusões da alegação - a recorrente foi convidada a juntar novo articulado, de carácter sintético, tal como determinava o artigo
690º n. 3 do Código de Processo Civil, na redacção então vigente. A interessada aceitou o convite e fez juntar aos autos uma nova peça na qual, em vez das iniciais 274, apresentava 468 conclusões. Em resultado, o Supremo Tribunal Administrativo considerou que a recorrente não cumprira o ónus de concluir a sua alegação, pelo que nos termos dos ns 1 e 3 do artigo 690º do Código de Processo Civil (na já mencionada redacção anterior à reforma de 1995) decidiu não conhecer do recurso. A interessada recorreu para o Pleno da 1ª Secção daquele alto Tribunal e, invocando os artigos 18º n. 2 e 20 da CR, pediu a revogação do acórdão na parte em que as suas conclusões “não se encontram viciadas de prolixidade ou inconcisão”. Sem sucesso, pois o Tribunal teve por improcedente o seu recurso.
É deste acórdão que a interessada recorre para este Tribunal Constitucional nos termos do requerimento de fls. 1087/1089, recurso logo admitido por despacho de fls. 1093. O recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n. 1 do artigo 70 da LTC, pretendendo a recorrente ver apreciada a conformidade constitucional da norma constante dos ns 1 e 3 do artigo 690º do Código de Processo Civil “quando lida e interpretada de modo a não salvaguardar as partes do recurso não afectadas pelo vício de prolixidade e inconcisão das conclusões”. Acontece, porém, que a decisão recorrida não fez aplicação das normas invocadas com a interpretação aqui questionada, pois tomou em linha de conta que a recorrente se conformara - expressamente, aliás - com o convite do Relator de que faltavam as conclusões da alegação, razão pela qual a única questão a tratar era a de saber se a recorrente dera adequado cumprimento ao ordenado dentro dos parâmetros definidos no despacho, resposta que só poderia merecer uma resposta negativa, dado o alargamento do número das conclusões. Isto é: para o acórdão recorrido, a questão a decidir deixara de ser a de saber se a peça era prolixa e em que pontos poderia ou não ser aproveitada, pois passara a ser apenas a de saber se a interessada dera cumprimento ao despacho do Relator, com aceitação dos pressupostos em que o mesmo se baseara.
Esta dimensão da norma questionada - e só esta dimensão habilita o presente recurso, nos termos da alínea b) do n.1 do artigo 70 da LTC - não vem questionada na presente impugnação. Assim, não pode conhecer-se do objecto do recurso, o que se decide ao abrigo do artigo 78-A da LTC.
2. - A sociedade recorrente suscita a questão da nulidade desta decisão, por violação do “direito de audição da parte” e, subsidiariamente, interpôs recurso para o Plenário do Tribunal, o qual, no entanto, não foi admitido.
3. - No que se refere à presente reclamação, alega a Recorrente que a decisão sumária foi proferida sem lhe ter sido dada oportunidade de se pronunciar sobre a questão, assim se violando o princípio da audição das partes; invoca a seu favor o disposto no nº 1 do artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional. A reclamação deve-se, no entanto, a manifesto lapso.
É que, conforme resulta da análise dos argumentos invocados na reclamação e das citações legais ali efectuadas, a Recorrente não teve em conta as alterações à Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional) e, assim, que a norma do artigo 78º-A, aditada pelo artigo 2º da Lei n.º 85/89, de 7 de Setembro, tem actualmente a redacção dada pelo artigo 1º da Lei n.º 13-A/98, de
26 de Fevereiro, que prevê a possibilidade de prolação de decisão sumária, sem que previamente se ouça o interessado; este, dissentindo dos fundamentos invocados, poderá então reclamar para a conferência, expondo no respectivo articulado as razões que justificariam o conhecimento do recurso, faculdade que, de resto, a Reclamante usou, embora com incorrecto apelo ao Plenário do Tribunal. Não enferma, pois, a decisão sumária da apontada nulidade.
4.- Além disso, aproveitando os argumentos invocados pela Reclamante no pretendido recurso para o Plenário, deve dizer-se que a reclamação é improcedente; na verdade, tal como se diz na decisão reclamada - decisão que aqui se dá por reproduzida e se reafirma e cujo fundamento, aliás, a Recorrente verdadeiramente não questiona - a circunstância de a decisão recorrida (o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo) não ter feito aplicação das normas impugnadas com a interpretação invocada no requerimento de interposição do recurso, inviabiliza liminarmente a sua procedência.
5.- Em face do exposto e nos termos do n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, indefere-se a reclamação, mantendo-se a decisão proferida, no sentido do não conhecimento do objecto do recurso.”
É em relação a esta decisão que a reclamante pede o seguinte esclarecimento:
A., notificada do d. Acórdão de fls. vem pedir aclaração do mesmo por ser manifesta a ambiguidade (art. 690° do CPC) que se patenteia no texto do mesmo. Vejamos: A recorrente foi convidada a formular conclusões. Porquê? Porque as que apresentou eram 'prolixas' mas não porque 'faltavam'; convite que foi aceite pela recorrente. Ou seja, formulou novas conclusões, como também é pacífico e resulta dos autos. Ou seja, a recorrente deu cumprimento ao despacho do Sr . Relator que a convidou a formular novas conclusões e nesse sentido, é verdade, conformou-se com o convite. A questão de interpretação do art. 690°, n.º 3 que a recorrente suscitou e suscita tem a ver com o momento seguinte. E o d. Acórdão, quer na 'decisão sumária', quer agora neste d. Acórdão aclarando, persiste nesta questão do respeito ou não do convite do Sr. Conselheiro Relator do STA. Não é disso que se trata, em toda a alegação da recorrente para este Tribunal Constitucional. Do que se trata então? Não há dúvida que a recorrente formulou efectivamente conclusões, após o convite do Exmº Senhor Relator; Por outro lado, foram as mesmas, porém consideradas excessivas e em desrespeito do convite que a recorrente recebeu. Ora o que a recorrente sustentou e trouxe a este Tribunal Constitucional é efectivamente a questão da interpretação dada ao nº3 do art. 690° do CPC no sentido de que o julgador deveria distinguir, em concreto, as partes do recurso viciadas das que não estão. No caso, alegaram-se cerca de dez vícios. Em relação a alguns vícios cometeu-se a 'loucura' de escrever de mais; Mas sobre um vício só se apresentou uma conclusão e referiu a norma violada. O que sucedeu é que a recorrente sobre um vício - erro sobre os pressupostos de facto do acto - recorrido - em vez de sintetizar alongou-se e não foi capaz de sintetizar e aderir ao princípio 'multa in paucis'. Ora o que vem contestado sempre é a recusa de conhecer dos restantes oito ou nove vícios pelo Tribunal, em violação do direito dos particulares ao recurso. O presente d. Acórdão não responde ao pedido que a recorrente faz. Não se trata de questionar que o Tribunal responda livremente - liberdade de julgar - princípio incontestável e que se aceitaria. Só que não é a liberdade de julgar que está em causa, nem o princípio de colaboração das partes. O que está em causa é o direito fundamental ao recurso. O que o d. Acórdão não aborda é a questão formulada pela recorrente - a conformidade de uma interpretação do n.º 3 do art. 690° do CPC de acordo com o direito ao recurso. Ora o d. Acórdão deve ser aclarado, no nosso modesto entender, esclarecendo a recorrente se ela tem direito ou não a ver apreciado o seu recurso num caso, o destes autos, em que sete em nove vícios tem conclusões breves concisas e precisas. Essa é que é a questão e que tem enorme relevância pois para o particular tem uma repercussão superior a 25 milhões de euros! Sendo certo que a recorrente deu resposta ao convite do Exmº Relator - o que não foi questionado - a verdade é que nas novas conclusões em relação, pelo menos, alguns, diremos, 'maxime' um dos vícios as conclusões existem, são precisas, concisas E dizem qual é a norma concretamente violada.
É ou não chocante que assim sendo se não conheça, desses(s) vício(s)? E que não possa insistir no argumento de que não se respeitou o convite do Sr. Relator? Se o Tribunal não conhece da parte do recurso que tem conclusões precisas e concisas, é ou não caso para dizer que se denega a Justiça? E isto é indiferente ao Tribunal Constitucional, ou a qualquer outro Tribunal? E a ofensa a um direito fundamental. A recorrente insiste em que se leia o que escreveu na alegação de recurso e se dê a resposta adequada sob pena de violação de um direito fundamental. A resposta dada pelo douto Acórdão aclarando e, no mínimo, ambígua. Termos em que pede a aclaração do d. Acórdão no sentido de tornar clara a resposta à questão efectiva colocada pela recorrente. A resposta dada além de ser ambígua, não responde à questão colocada: porque não se conhece da parte do recurso que tem conclusões sem qualquer vício? E isso é matéria constitucional no domínio administrativo ou cível, obviamente.
A MINISTRA DE ESTADO E DAS FINANCAS, ouvida sobre a questão, é, no entanto, de parecer de que o pedido é infundado, concluindo deste modo a sua resposta:
1 - Na sequência do douto Acórdão n° 518/2003, tirado por esse Tribunal em
29.10.2003, através do qual foi indeferida a reclamação - feita para a conferência, do despacho do Venerando Juiz Conselheiro Relator, mediante o qual foi decidido não conhecer do objecto do recurso então interposto - vem ora a recorrente pedir a ACLARAÇÃO do dito acórdão por entender 'ser manifesta a ambiguidade que se patenteia no mesmo'. E isto, segundo a recorrente, por entender que o Tribunal devia conhecer 'da parte do recurso que tem conclusões precisas e concisas'.
2 - Mas, salvo o devido respeito, a argumentação utilizada pela reclamante não tem qualquer cabimento sendo certo que aquilo que a interessada pretende não é qualquer aclaração - até porque não se esclarece onde existe ambiguidade no acórdão - mas antes uma modificação, sem mais, do sentido da decisão do acórdão, por entender que o Tribunal devia expurgar das suas prolixas e enleadas alegações, as conclusões que são breves, concisas e precisas.
3 - Ora, o douto acórdão aclarando, tirado em conferência, ao manter a decisão proferida, no sentido do não conhecimento do objecto do recurso, chama à colação este mesmo despacho no qual, aliás, se esclarece que a reclamante não impugnou a decisão recorrida - e, no caso, o acórdão de 30.07.2002, do Pleno da 1a Secção do Supremo Tribunal Administrativo - uma vez que aquela não faz aplicação das normas que tem por inconstitucionais, in casu os nºs 1 e 3 do Art.º 690° do CPC.
4 - Não há, assim, lugar à aplicação, ao caso concreto, dos normativos contidos nos Arts. 669°, n° 1, al. a) e 670° do C. Proc. Civil, razão pela qual terá de se considerar que a recorrente deduziu um incidente anómalo que terá de ser taxado em custas. É que o douto acórdão aclarando não enferma de qualquer ambiguidade. Ambíguo é aquilo que tem mais do que um sentido. Mas o douto acórdão aclarando torna-se perfeitamente claro e não se presta a equívocos sobretudo porque ali se dá por reproduzida a decisão reclamada e cujo fundamento, como ali se refere, não é questionado pela reclamante. Termos em que deverá indeferir o requerimento de aclaração com a consequente condenação do requerente nas custas do incidente a que deu causa.
Importa, pois, decidir.
E a verdade é que a questão que a reclamante ora coloca ao Tribunal continua a ser a que foi já decidida, visto que, conforme bem detectou a Autoridade recorrida, não manifesta qualquer dúvida quanto ao sentido e alcance decisório do aresto em análise. A reclamante não se conforma com essa decisão; isso é patente. Mas é também certo que sobre o significado e fundamento da decisão não vem expressa qualquer dúvida razoável, não é – salvo o devido respeito – sequer formulada verdadeiramente qualquer questão que se aproxime de um problema de equivocidade lógica da decisão jurisdicional face ao qual, no entanto, foi delineado o meio processual em causa. Pergunta a reclamante:
É ou não chocante que assim sendo se não conheça, desses(s) vício(s)? E que não possa insistir no argumento de que não se respeitou o convite do Sr. Relator? Se o Tribunal não conhece da parte do recurso que tem conclusões precisas e concisas, é ou não caso para dizer que se denega a Justiça? E isto é indiferente ao Tribunal Constitucional, ou a qualquer outro Tribunal? E a ofensa a um direito fundamental. A recorrente insiste em que se leia o que escreveu na alegação de recurso e se dê a resposta adequada sob pena de violação de um direito fundamental.
Este trecho exemplifica o que se procurou já demonstrar, ou seja, que a reclamante procura questionar a bondade da decisão do Tribunal que rejeitou o conhecimento do seu recurso; o que nada tem a ver com a coerência discursiva da decisão aqui acusada de pouco clara ou obscura.
Nestes termos, decide-se indeferir o pedido.
Custas pela Reclamante. Taxa de justiça 10 UC.
Lisboa, 19 de Dezembro de 2003
Carlos Pamplona de Oliveira Maria Helena Brito Rui Manuel Moura Ramos