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Processo n.º 171/98
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I
1. - Por sentença proferida no processo correccional n.º
259/89, da 1ª Secção do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Matosinhos, A e B, identificados nos autos, foram condenados pela prática de um crime de usurpação, previsto e punido nos artigos 195º, n.º1, e 197º do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 63/85, de 14 de Março, na redacção da Lei n.º 45/85, de 17 de Setembro), e de um crime de concorrência desleal, previsto e punido nos artigos 212º e 213º do Código da Propriedade Industrial – texto aprovado pelo Decreto nº 30 679, de 24 de Agosto de 1940 e alterado pelo Decreto-Lei nº 176/80, de 30 de Maio (as ulteriores citações destes dois Códigos reportar-se-ão aos textos mencionados) – nos seguintes termos: a) O primeiro, como autor, pela prática do crime de usurpação, na pena de 16 meses de prisão e de 130 dias de multa à taxa diária de 6.500$00, o que perfaz o montante global de 845.000$00, ou, em alternativa, em 86 dias de prisão, e, pela prática do crime de concorrência desleal na pena de 140.000$00 de multa e dois meses de prisão; b) O segundo, como autor pela prática do crime de usurpação na pena de 13 meses de prisão e 100 dias de multa à taxa diária de 6.500$00, no montante global de
650.000$00, a que correspondem, em alternativa, 66 dias de prisão, e, como cúmplice pela prática do crime de concorrência desleal, na pena de 80.000$00 de multa. Em cúmulo jurídico das penas de prisão aplicadas ao primeiro arguido, foi este condenado na pena única de 17 meses de prisão. As penas de prisão aplicadas a cada um dos arguidos foram declaradas suspensas na sua execução pelo período de dois anos e meio e, nos termos do artigo 14º, n.º1, alínea b) da Lei n.º 23/91, de 4 de Julho, declarou-se perdoado metade do valor das penas de multa aplicadas e a totalidade do tempo de prisão fixado em alternativa à multa. Nos termos da mesma decisão foram ainda os arguidos condenados solidariamente no pagamento das quantias de 44.851.248$00 a favor da assistente 'BMG – Ariola Munich GMBH', e de 11.398.407$50 aos autores cujas obras foram ilicitamente fabricadas, podendo este último pagamento ser efectuado à Sociedade Portuguesa de Autores, no caso de provar o mandato da parte desses autores.
2. - Inconformados, os arguidos interpuseram recurso para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 5 de Janeiro de 1994, decidiu confirmar, embora com fundamentação diversa, a decisão da 1ª instância de rejeição dos documentos apresentados pelo recorrente A com as suas alegações, e alterar a sentença recorrida nos seguintes termos: a) Condenar B também como autor (e não como cúmplice) de um crime de concorrência desleal, previsto e punido pelos artigos 212º, n.º1 e 213º do Código da Propriedade Industrial, na pena de multa 140.000$00 e dois meses de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de 14 meses de prisão e na multa total de 790.000$00, sendo de 66 dias de prisão a alternativa correspondente à multa parcial de 100 dias de multa à taxa diária de 6.500$00; b) Englobar na suspensão da execução da pena todas as sanções impostas e não só as penas de prisão, reduzindo-se o prazo de suspensão da execução das penas para dois anos; e c) Determinar que o perdão previsto pela Lei n.º 23/91, de 4 de Julho, só seja aplicado, na 1ª Instância, na hipótese de uma eventual revogação da suspensão da execução da pena.
Deste aresto interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça os réus A. por requerimento de fls. 1897, apresentado em 17 de Janeiro de 1994, e B, por requerimento de fls. 1898, da mesma data, ambos pugnando pela sua absolvição, recursos esses que vieram a ser recebidos por despacho do Conselheiro relator datado de 18 de Setembro de 1997 (fls. 1952). Conforme a síntese do acórdão de 16 de Outubro de 1997, concernente à argumentação dos recorrentes: a) O artigo 195º do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos ser inconstitucional, por ofensa dos princípios da legalidade (previsão do facto por lei anterior à prática deste) e da tipicidade; b) Não ter ficado provada a falta de acordo dos autores das obras que se dizem contrafeitas para a prática dos actos que os recorrentes praticaram, pois apenas se terá demonstrado a falta de acordo da Sociedade Portuguesa de Autores, sem que esta represente aqueles, e das produtoras C e D, que não são nem autores, nem artistas ou produtores de fonogramas; c) Os factos terem sido praticados em 1986, data em que a nossa lei não previa a protecção dos produtores fonográficos estrangeiros, qualidade que tinha a assistente C; d) Não haver lugar à fixação da indemnização, em termos de equidade, como foi decidido, por se não ter feito prova da existência dos danos correspondentes; e) O artigo 212º do Código da Propriedade Industrial ser igualmente inconstitucional, por falta de determinação da tipicidade; f) Os factos provados não permitirem ter como configurada a previsão deste artigo; g) A não admissão de documentos apresentados pelo arguido A depois do seu interrogatório, feita pela primeira instância e confirmada pela Relação, ser violadora do princípio da averiguação da verdade material, pelo que deverá ser revogada; h) A condenação do arguido B como autor do crime de concorrência desleal, quando se encontrava acusado como cúmplice, corresponder a uma 'reformatio in pejus' proibida, em virtude de o artigo 7º do Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, ao abrigo do qual foi feita a aplicação do Código de 1929, se dever considerar como inconstitucional, na medida em que mantém em vigor um regime processual penal mais gravoso do que o resultante da aplicação da lei nova.
As assistentes C, e Sociedade Portuguesa de Autores, nas suas alegações conjuntas, vieram defender a manutenção do decidido.
O Ministério Público, em contra-alegações, para além de suscitar a questão prévia da falta de apresentação de conclusões dos recursos dos recorrentes, veio defender que se não verificam os vícios por eles apontados, ainda que, numa visão mais alargada do problema, se possa vir a aceitar a invocada inconstitucionalidade do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 78/87, de 7 de Fevereiro, e, em consequência, a alterar a incriminação do arguido B para a cumplicidade do crime de concorrência desleal, tal como constava da acusação.
3. - O Supremo Tribunal de Justiça, no aludido acórdão de 16 de Outubro de
1997, decidiu que 'os recursos (...) improcedem na totalidade, e a decisão recorrida não enferma de qualquer vício que implique a alteração do julgado, quer quanto ao enquadramento jurídico-penal das condutas dos arguidos, quer quanto às penas, quer, ainda, quanto ao montante das indemnizações arbitradas, pelo que se confirma integralmente a mesma'. Contra este aresto reagiram os recorrentes invocando a nulidade da decisão, alegando que não foram convidados a apresentar as conclusões das suas alegações, que estavam em falta, não terem sido notificados da junção de um parecer jurídico apresentado pelas assistentes posteriormente à junção das respectivas contra-alegações e por não se ter conhecido 'oficiosamente' da prescrição do procedimento criminal, que no seu entendimento já havia ocorrido. Por acórdão de 15 de Janeiro de 1998, o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo pela inexistência das apontadas nulidades, indeferiu o requerido.
4. - Inconformados, vieram os recorrentes interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º1 do art. 70º da Lei n.º 28/82, de
15 de Novembro (LTC), em ordem à apreciação da constitucionalidade: a) Das normas dos artigos 118º, n.º1, 117º n.º1, alíneas c) e d), 119º n.º1, alínea b), e n.º2, e 120º, nº 1, alínea c), e n.º3, todos do Código Penal de
1982, na interpretação feita pelo acórdão de 15 de Janeiro de 1998, em violação do estatuído nos artigos 29º n.ºs 1 e 4, 32º, n.ºs 1 e 2, e 205º, n.ºs 1 e 2, da Constituição; e b) Da norma do artigo 212º do Código da Propriedade Industrial, na interpretação e aplicação dela feita pelo acórdão de 16 de Outubro de 1997, que entendem desconforme com o artigo 29º, n.º1, da Lei Fundamental. Alegaram ainda que só agora suscitaram a primeira questão de constitucionalidade
'por anteriormente, sobre a questão, jamais haver sido proferida decisão expressa desfavorável aos recorrentes, nem tal ser previsível, segundo um critério de normalidade, e, por conseguinte, não ter havido oportunidade e, mais que isso, motivo para a arguir'. Notificados, apresentaram os recorrentes as suas alegações, que concluíram nos seguintes termos:
'1ª) Por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça [...], que confirmou in totum o acórdão do Tribunal da Relação do Porto [...], os ora recorrentes foram julgados autores materiais de: a) um crime de usurpação, previsto e punível nos termos dos artºs. 195, 1, e 197 do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos; b) um crime de concorrência desleal, previsto e punível pelos artºs. 212º, 1º, e
213º do Código da Propriedade Industrial. Os factos por que os réus, aqui recorrentes, foram condenados ocorreram, alegadamente, «entre 1 de Abril de 1986 e 23 de Dezembro do mesmo ano».
2ª) O art.º 118º, 1 do Código Penal (de 1982) preceituava que «o prazo de prescrição para o procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se consumou » mas, «nos crimes continuados (...), desde o dia da prática do último acto criminoso [n.º 2, b)].
3ª) O prazo prescricional que se aplica ao crime de usurpação é de cinco anos
(art.º 117º, 1, c), do Código Penal), pois a pena prevista para punir quem o praticar é a «de prisão até três anos e multa de cinquenta a cento e cinquenta dias» (art.º 195º, 1, e 197º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos); e ao crime de concorrência desleal é de dois anos (artºs. 117, 1, d), do Código Penal), já que a pena prevista é a de «multa, que poderá agravar-se com prisão de quinze dias a seis meses» (artºs. 212º e 213º do Código da Propriedade Industrial).
4ª) Considerando que os factos ocorreram no domínio da vigência do Código Penal de 1982, as declarações prestadas pelos réus, ora recorrentes, em inquérito não tiveram virtualidades para interromper o prazo de prescrição do procedimento criminal (cfr., neste sentido, os acórdãos da Relação de Coimbra, de 28 de Outubro de 1987, e da Relação de Lisboa, de 9 de Dezembro de 1987, in BMJ
370/626 e Colectânea de Jurisprudência 1987-5/238, respectivamente).
5ª) Ainda, porém, que se conferisse eficácia interruptiva da prescrição do procedimento criminal às declarações prestadas pelos réus, em inquérito, e que tal determinou a constituição (deles) como arguidos, haveria a considerar que tal ocorreu em 23 de Dezembro de 1986 [B (I volume /fls. 5 e 6)] e em 11 de Janeiro de 1989 [A (V. volume / fls. 83 e vº)].
6ª) E se se entendesse, mais, que, muito embora os factos tenham alegadamente ocorrido durante a vigência do Código Penal de 1982, hoje está em vigor um novo Código Penal (de 1995), que estatui, no art.º 121º, 1 a), que o procedimento criminal se interrompe «com a constituição de arguido», sempre haveria a ter em linha de conta que, «sucedendo-se leis penais diferentes, desde o momento em que o crime foi cometido, há que averiguar qual o regime mais favorável ao condenado, que possa levar à prescrição do procedimento criminal» (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de Maio de 1992, in Colectânea de Jurisprudência 1992-3/27).
7ª) Com a notificação do despacho equivalente ao de pronúncia, a prescrição suspendeu-se [art.º 119º, 1, b), do Código Penal (de 1982)] e interrompeu-se
(art.º 120º, 1, c), também do Código Penal (de 1982)]. Tal ocorreu, quanto ao réu B, em 14 de Julho de 1989 (V volume /fls. 902), e quanto ao réu A, em 30 de Outubro de 1989 (V volume / fls. 919).
8ª) Nos precisos termos do disposto no art.º 119º, 1, b), e 2, do Código Penal
(de 1982), «a prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que (...) o procedimento criminal esteja pendente, a partir da notificação do despacho de pronúncia ou equivalente, salvo no caso do processo de ausentes», não podendo, neste caso, «a suspensão (...) ultrapassar 2 anos, quando não haja lugar a recurso, ou a 3 anos, havendo-o». Por seu turno, o art.º 120º, 3, também do Código Penal (de 1982) estabelece que:
'(...) A prescrição do procedimento criminal terá sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade (...)».
9ª) A previsão do art.º 119º, 2, do Código Penal (de 1982) sobre o período máximo de suspensão da prescrição – três anos – exclui, por contrária desde logo
à letra desse preceito, a interpretação a que chegou o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, segundo a qual essa suspensão poderia ter a duração máxima de quatro anos.
10ª) Tal interpretação, além de não encontrar um mínimo de correspondência verbal com a estatuição do n.º 2 do art.º 119º, assim violando, desde logo, as normas imperativas constantes do art.º 9º, 1 e 2, do Código Civil, excede o sentido possível das palavras da lei, o que configura interpretação extensiva, a qual, sendo incompatível com o fundamento da segurança jurídica dos princípios nullum crimen sine lege e nulla poena sine lege, é proibida pelo art.º 29º da Constituição [neste sentido, José de Sousa e Brito, A Lei Penal na Constituição, in Estudos sobre a Constituição II (Livraria Petrony, Lisboa, 1978) 253].
11ª) Ao «ler» no n.º 2 do art.º 119º do Código Penal (de 1982) que o mesmo prevê a suspensão da prescrição até quatro anos, o Supremo Tribunal de Justiça não interpretou o citado preceito com um mínimo de correspondência com a letra da lei, exigível para o efeito, segundo o disposto no art.º 9º, n.º 2, do Código Civil, suscitou implicitamente uma lacuna na lei e imediatamente a integrou por analogia.
12ª) A analogia em direito penal é absolutamente proibida [art.º 1º, 3, do Código Penal (de 1982)].
13ª) Assim e por virtude do princípio constante do art.º 29º da Constituição, a norma do art.º 119º, 2, do Código Penal (de 1982), na interpretação que dela fez o Supremo Tribunal de Justiça, é inconstitucional.
14ª) Os réus foram, ainda, condenados pela prática de um crime de concorrência desleal, previsto no art.º 212º e punível nos termos do art.º 213º do Código da Propriedade Industrial.
15ª) O art.º 212º do Código da Propriedade Industrial não determina com qualquer precisão o facto criminoso, a acção ou omissão. Diversamente, descreve a concorrência desleal como uma situação - «acto de concorrência contrária às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade económica» - formulação vaga, incerta e insusceptível de delimitação.
16ª) O art.º 212º do Código da Propriedade Industrial ofende o art.º 29º, 1, da Constituição, sendo, por via disso, inconstitucional. Nestes termos e nos do disposto nos normativos citados supra, bem como em todos os mais, de direito, aplicáveis, que não deixarão de ser supridos, deve ser concedido provimento ao presente recurso, julgando inconstitucionais as normas constantes do art.º 119º, 2, do Código Penal (de 1982), na interpretação que dela fez o acórdão do STJ, de fls. 1953 (rectius: 2051) e segs., e do art.º 212º do Código da Propriedade Industrial, com as legais consequências ...'
5. - O Ministério Público, na resposta à motivação dos recorrentes, suscitou a questão prévia do não conhecimento do recurso na parte respeitante à questão da inconstitucionalidade do artigo 119º, n.º2 do Código Penal - entendendo, ao contrário do invocado pelos recorrentes, que a questão não foi atempadamente suscitada, podendo sê-lo -, e, quanto à norma do artigo 212º do Código da Propriedade Industrial, concluiu nos seguintes termos:
'Constituindo o proémio do artigo 212º´, do Código da Propriedade Industrial, uma cláusula geral, sendo os nove números subsequentes meramente exemplificativos, padecem os tipos legais de crime consagrados naquele preceito de indeterminabilidade, e, assim, de inconstitucionalidade material, por violação do artigo 29º, n.º1, da Constituição'.
Notificados para se pronunciarem quanto à matéria da questão prévia invocada pelo Ministério Público, os recorrentes reiteraram a sua posição já antes explicitada no requerimento de interposição de recurso de que 'apenas então a suscitaram por anteriormente, sobre a questão, jamais haver sido proferida decisão expressa desfavorável aos recorrentes, nem tal ser previsível, segundo um critério de normalidade e, por, conseguinte, não ter havido oportunidade e, mais que isso, motivo para a arguir', salientando, que o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 'fez uma interpretação completamente imprevisível e absolutamente inesperada, do artigo 119º, 2, do Código Penal'.
6. - Em 11 de Fevereiro de 2000, o relator proferiu o seguinte despacho:
'De harmonia com o critério de contagem do prazo prescricional do procedimento criminal utilizado pelo Supremo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 15 de Janeiro de 1998, deverão os autos ser submetidos à apreciação desse Alto Tribunal quanto à eventual extinção daquele procedimento. Assim sendo, remetam-se os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, a título devolutivo, após notificação dos recorrentes e recorridos Ministério Público e assistentes e trânsito.'
Recebidos os autos no Supremo Tribunal de Justiça, lavrou o aí Relator, em 19 de Maio de 2000, o despacho do seguinte teor:
'De acordo com a posição que tem sido defendida neste Supremo, o problema da prescrição do procedimento criminal, que havia sido suscitado nesta instância e havia sido objecto de apreciação pelo acórdão de 15 de Janeiro de 1998, de fls.
2002 a 2008, deveria ter sido conhecido pelo Tribunal Constitucional, na altura que foi proferido o mencionado despacho, ou, até, antes, atentas as datas indicadas no aludido acórdão, uma vez que o recurso que foi interposto para o Tribunal Constitucional o foi com efeito suspensivo e que, por tal motivo, este Supremo perdeu qualquer jurisdição nos presentes autos, enquanto tal recurso estiver pendente. Não se está, como parece óbvio, a dar qualquer a menor determinação [sic] ao Tribunal Constitucional, para a qual o Supremo Tribunal é, manifesta e funcionalmente incompetente, mas tão só a referir que, neste momento, não pode ser este Supremo a entidade a declarar a extinção, por prescrição, do procedimento criminal, com base em , enquanto os autos se encontravam fora da sua jurisdição, se ter verificado o condicionalismo temporal previsto no mencionado acórdão de 15 de Fevereiro de 1998 (ter sido ultrapassada a data limite de 23 de Junho de 1998, data esta em que, segundo a interpretação desse acórdão, ocorreria a mencionada prescrição). Pelo exposto e porque o Supremo, neste momento, não tem o menor poder para proferir qualquer decisão nestes autos, sobre os quais se acha subtraída a jurisdição que anteriormente detivera, devolvam-se os autos ao Tribunal Constitucional para decisão sobre a questão, sendo certo que, como já se referiu, e em harmonia com o já referido acórdão de 15 de Janeiro de 1998, existem todas as razões para considerar como prescrito o procedimento criminal contra os arguidos. Para melhor compreensão da questão, transcreve-se a parte do citado acórdão que se pronunciou sobre a matéria da prescrição: E, por último, vieram também arguir a nulidade da falta de conhecimento oficioso da prescrição do procedimento criminal, entretanto ocorrida, por entenderem que a mesma terá ocorrido, em virtude de:
-a) – os factos acusados terem tido lugar entre 1 de Abril de 1986 e 23 de Dezembro do mesmo ano;
-b) – os respectivos procedimentos criminais serem de 5 anos e de 2 anos, respectivamente para o crime de usurpação e para o de concorrência desleal;
-c) – os últimos factos que poderiam eventualmente ser havidos como interruptivos terem tido lugar em 23 de Dezembro de 1986, para o arguido B, e em
11 de Janeiro de 1989, para o arguido A;
-d) – ter ocorrido a suspensão do procedimento criminal por dois anos a partir da notificação do despacho de pronúncia, ocorrida em 14 de Julho de 1989, para o arguido B, e em 30 de Outubro de 1989, para o arguido A;
-e) – o prazo máximo da prescrição do procedimento, somado ao tempo da suspensão, não poderia exceder 9 anos e meio, contados desde a data do último facto ilícito, e teria ocorrido, assim, em 23 de Junho de 1996;
-f) – o acórdão impugnado foi proferido em 16 de Outubro de 1997, já depois, portanto, de ter ocorrido a invocada prescrição do procedimento.
.............................................................................. No que respeita à invocação da prescrição do procedimento criminal, cumpre esclarecer o seguinte: O regime do Código do Processo Penal de 1929, quer antes, quer depois das alterações introduzidas em 1977, determinava que a prescrição do procedimento criminal, como excepção que era, embora pudesse ser conhecida oficiosamente, tinha se ser invocada (e, portanto, conhecida) até decisão final, isto é, até à decisão da primeira instância, já que a expressão decisão final era usado no Código para exprimir essa realidade processual (artigos 155º e 139º do diploma em análise). Esse regime não foi expressamente alterado pelo artigo 7º do decreto-lei nº
78/87, de 17 de Fevereiro, que ressalvou a aplicabilidade do Código de 1929 aos processos pendentes à data da entrada em vigor do Código de 1987, aprovado por aquele decreto-lei. E, nessa medida, teria de se concluir que, como a prescrição do procedimento não foi invocada até à decisão final da primeira instância, até porque não poderia ter ocorrido até então, qualquer que fosse a interpretação da norma aplicável, não seria possível vir defender-se ter-se extinto posteriormente o procedimento contra os arguidos, por se encontrar esgotado o momento adequado para a invocação dessa excepção. Uma tal posição, no entanto, parece encontrar-se em conflito com a afirmação legal de que a prescrição do procedimento criminal é um instituto de natureza substantiva, cuja regulamentação tem assento no Código Penal (artigo 139º, primeira parte do Código de 1929), quando, no Código Penal, se afirma que ela ocorrerá sempre que, desde o seu início, e ressalvado o prazo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal, acrescido de metade (para as infracções cujo prazo de prescrição seja superior a dois anos (artigos 120º nº 3 do Código de
1982, e 121º nº 3 de 1995). Por isso, há que proceder a um aprofundamento do problema, a partir de outros dados jurídicos. Os factos trazidos a julgamento foram cometidos em 1986, isto é, no domínio da vigência do Código Penal de 1982, e, segundo este, o regime da determinação do cúmulo jurídico foi especialmente alterado em relação ao que estava consignado no Código de 1886, já que desapareceram os limites punitivos por escalões de penas que, neste último, balizavam a pena máxima aplicável nas situações de concurso de crimes, e se adoptou um esquema segundo o qual os únicos limites passaram a ser o da soma das punições parcelares e o do máximo da pena de prisão. Desta forma, um conjunto de crimes que, no domínio do Código de 1886, poderia não ter virtualidade de implicar a aplicação de uma pena superior ao limite máximo da pena mais grave, por exemplo, de 5 anos de prisão, passou, pelo Código de 1982, a ter a possibilidade de o vir a ser com pena correspondente ao somatório das penas parcelares, desde que esta não excedesse os 20 anos de prisão. Por tal motivo, a jurisprudência dividiu-se quanto à determinação do Tribunal competente para o julgamento das situações de concurso de crimes puníveis individualmente com prisão até três anos, uma vez que o possível somatório das respectivas penas concretas poderia vir a exceder o limite dos três anos que determinava a competência e a intervenção do Tribunal singular, e o conflito acabou por ser decidido por acórdão com força obrigatória no sentido de que, em tais casos, a competência para o julgamento cabia ao Tribunal colectivo (com a excepção dos processos por emissão de cheque sem provisão, por os mesmos disso se encontrarem expressamente excluídos, nos termos do artigo 16º nº 3 do Código de Processo Penal de 1987). No caso concreto, os arguidos estavam acusados, e foram condenados, pela comissão de um crime a que cabia pena de prisão até 3 anos, e multa de 50 a 150 dias, e pela de um crime a que cabia pena de multa, que poderia ser agravada com prisão de 15 a 6 meses, ou seja, o conjunto dos crimes podia, em cúmulo das penas, atingir os 3 anos e 6 meses de prisão. Desta forma, e por aplicação do preceituado no artigo 117º do Código de 1982, o prazo de prescrição do procedimento pelo conjunto dos crimes era de 5 anos, contados desde o seu início. Mas tal prazo ficaria suspenso a partir da notificação do despacho de pronúncia ou equivalente, e enquanto o processo estivesse pendente, mas sem que a suspensão pudesse exceder dois anos (artigos 119º, nº 1, alínea b), e 2), ou, se houvesse recurso, sem que pudesse exceder três anos (mesmos artigos). A apontada extensão do prazo de suspensão, quando haja recurso, compreende-se, pois o legislador quis evitar que, por força de um acto do próprio arguido, como o seria a interposição de recurso por este, se completasse o prazo da prescrição do procedimento, assim, como quis estabelecer um prolongamento daquele prazo, pela necessidade evidente de ser concedido um período razoável para a decisão do recurso. Estes fundamentos, porém, implicam que, nos casos regulados pelo Código do Processo Penal de 1929, em que havia sempre três instâncias de recurso, a subida do processo para cada uma dessas instâncias acarrete o alargamento da suspensão pelo prazo fixado na lei, isto é, 1 ano para o recurso para a Relação, e mais 1 ano para o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Desta forma, a suspensão do processo, operada pela notificação do despacho de pronúncia ou equivalente, terá a duração máxima de 4 anos, nos casos em que tenham sido interpostos recursos para a Relação e para o Supremo, o que significa que a prescrição se verificará, nesses casos, quando se cumpra o seu prazo normal, acrescido de metade, nos termos do nº 3 do artigo 120ºdo Código Penal de 1982, e acrescido ainda do período máximo da suspensão, o qual, no caso concreto, é de 4 anos. Os arguidos foram notificados do despacho de pronúncia, como bem referem na sua arguição de nulidade, em 14 de Julho de 1989, para o arguido B, e em 30 de Outubro de 1989, para o arguido A, e os factos ilícitos foram cometidos até 23 de Dezembro de 1986, pelo que a prescrição do procedimento , de 5 anos, acrescida do prazo máximo da suspensão do mesmo, de 4 anos, e de metade do prazo de prescrição (2 anos e meio) , só se verificará ao fim de 11 anos e 6 meses, contados da data da comissão do último facto ilícito (23 de Dezembro de 1986), isto é, em 23 de Junho de 1998, data esta a que, como é evidente, ainda se não chegou...............................................'
Por acórdão de 12 de Outubro de 2000, o Supremo Tribunal de Justiça, conhecendo da reclamação oportunamente apresentada pela Magistrada do Ministério Público naquele Alto Tribunal, defendendo que a eventual extinção do procedimento criminal compete ao Supremo Tribunal de Justiça e não ao Tribunal Constitucional, decidiu 'manter integralmente o despacho em causa' e determinar o envio do processo para o Tribunal Constitucional.
7. - É, deste aresto que vem interposto, agora pelo Ministério Público, ao abrigo da alínea b) do n.º1 do art. 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro
(LTC), o segundo recurso de constitucionalidade, tendo por objecto as normas dos artigos 6º, 70º, 71º, 78º, e 78º-B, da Lei n.º 28/82, de 15 de Fevereiro, no entendimento perfilhado no acórdão recorrido – segundo o qual, em virtude de o recurso para o Tribunal Constitucional ter efeito suspensivo, competir a este Tribunal decidir sobre outras questões que não as estritamente relativas à constitucionalidade de normas – o que, por traduzir uma ampliação da competência do Tribunal Constitucional, afronta o artigo 280º da Constituição.
Motivando o recurso, concluiu o recorrente Ministério Público do seguinte modo:
'1º- A competência e os poderes cognitivos do Tribunal Constitucional estão limitados – face ao preceituado no artigo 280º da Constituição da República Portuguesa e na Lei n.º 28/82 (lei com valor reforçado) – à estrita apreciação da questão de constitucionalidade normativa suscitada e à dirimição das vicissitudes processuais que afectem directamente a instância do próprio recurso de fiscalização concreta.
2º- Carece, deste modo, o Tribunal Constitucional de competência para dirimir, na pendência de tal recurso, quaisquer vicissitudes que directamente afectem o
'processo pretexto' que originou – e em que se insere – o recurso de constitucionalidade, as quais continuam a situar-se no âmbito dos poderes jurisdicionais do tribunal 'a quo'.
3º- Termos em que deverá proceder o presente recurso, em conformidade com o juízo de inconstitucionalidade da interpretação normativa, especificada no requerimento de interposição, e a que o mesmo se reporta.'
Não foram apresentadas contra-alegações.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir:
II
1. - Tendo em conta os respectivos requerimentos de interposição, estão em causa nos presentes autos dois recursos de constitucionalidade, com fundamento na alínea b) do n.º1 do art. 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), sendo:
O primeiro, interposto pelos arguidos A e B , tendo por objecto as normas dos
artigos 118º, n.º1, 117º n.º1, alíneas c) e d), 119º n.º1, alínea b), e n.º2,
e 120º, nº1, alínea c) e n.º3, todos do Código Penal de 1982, relativas à
prescrição do procedimento criminal, e do artigo 212º do Código da Propriedade
Industrial, esta referente ao crime de concorrência desleal, na interpretação
sufragada pelos acórdãos de 15 de Janeiro de 1998 e de 16 de Outubro de 1997,
respectivamente;
O segundo, interposto pelo Ministério Público com vista à apreciação das
normas dos artigos 6º, 70º, 71º, 78º, e 78º-B, da Lei n.º 28/82, de 15 de
Fevereiro, no entendimento perfilhado no acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça de 12 de Outubro de 2000, segundo o qual, em virtude de o recurso para
o Tribunal Constitucional ter efeito suspensivo, compete a este Tribunal
decidir sobre outras questões que não as estritamente relativas à
constitucionalidade de normas.
Relativamente ao primeiro recurso importa ponderar que o conhecimento da questão da interpretação normativa referente à matéria da prescrição do procedimento criminal implica, em caso de procedência, a prejudicialidade, por inutilidade, do conhecimento do recurso na parte respeitante à interpretação do artigo 212º do Código da Propriedade Industrial, como, aliás, os próprios recorrentes, e bem, salientam no ponto 5 das suas alegações de recurso. Importa ainda reter, que, nas conclusões das respectivas alegações, a questão da constitucionalidade referente à matéria da prescrição do procedimento criminal foi restringida pelos recorrentes à norma do artigo 119º, n.º2 do Código Penal de 1982 (embora com referência à alínea b) do n.º1 do artigo 119º), na interpretação dada pelo acórdão do STJ, segundo a qual o prazo máximo de suspensão do procedimento criminal em caso de recurso, no âmbito de aplicação do Código de Processo Penal de 1929, é de 4 anos (e não de 3 como indica a norma).
Previamente, porém, há que conhecer da questão suscitada pelo Ministério Público nas contra-alegações do primeiro recurso, que entende não terem os recorrentes invocado em tempo a questão da constitucionalidade daquelas normas.
2. - Os recorrentes só suscitaram a questão de constitucionalidade das normas relativas à prescrição do procedimento criminal no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, o que, em princípio, não é já o momento oportuno para se suscitar essa questão, como constitui jurisprudência reiterada e uniforme do Tribunal Constitucional no tocante à suscitação durante o processo a que faz referência a alínea b) do n.º1 do art. 70º da Lei n.º 28/82.
Na verdade, só nos casos excepcionais e anómalos em que o recorrente não tenha disposto processualmente da oportunidade de levantar a questão ou em que era de todo imprevisível a aplicação da norma ou a interpretação que lhe foi dada, será admissível uma tal arguição em momento subsequente (cfr., a título de mero exemplo, os acórdãos deste Tribunal n.ºs
62/85, 90/85 e 160/94, publicados, respectivamente, nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 5º vol., págs. 497 e 663, e no Diário da República, II Série, de
28 de Maio de 1994).
No caso dos autos, os recorrentes, notificados do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Outubro de 1997, apresentaram o requerimento de fls. 1969 a 1982, no qual, além do mais, arguiram a nulidade deste aresto por não terem sido convidados a apresentar as conclusões do recurso que estavam em falta, em conformidade com o disposto no artigo 690º, n.º3, do Código de Processo Civil, e não se ter conhecido da prescrição do procedimento criminal, que era de conhecimento oficioso.
Em resposta à questão da prescrição, entendeu o Ministério Público que:
'Relativamente ao crime de usurpação de obra intelectual, a prescrição do procedimento criminal ocorreu em 23 de Junho de 1996 – prazo de cinco anos, acrescido de metade, ressalvado o tempo de suspensão (dois anos). Quanto ao crime de concorrência desleal, a prescrição do procedimento criminal ocorreu em 23 de Dezembro de 1991 – prazo de dois anos, acrescido de metade, ressalvado o tempo de suspensão (dois anos). Assim, parece-nos assistir razão aos recorrentes A e B quando invocam a verificação do pressuposto processual negativo da prescrição, uma vez que à data da prolação do douto acórdão recorrido mostrava-se extinto, por prescrição, o procedimento criminal relativamente aos crimes por que foram condenados.'
O Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 15 de Janeiro de 1998, que julgou inexistentes as apontadas nulidades, quanto à matéria da prescrição do procedimento criminal, para além de ter somado as penas máximas abstractamente aplicáveis a cada um dos crimes em concurso para calcular o prazo de prescrição, mediante a convocação 'analógica' do complexo normativo atinente à determinação da competência do tribunal colectivo e singular – questão que, porém, está arredada da discussão do presente recurso de constitucionalidade –, entendeu que o prazo máximo de suspensão do procedimento criminal, previsto no n.º 2 do art.º
119º do Código Penal de 1982, era para os casos regulados pelo Código de Processo Penal de 1929, em que há três instâncias, de 4 anos, e não de 3 como previa a norma, fundamentando-se na argumentação já transcrita anteriormente:
'A apontada extensão do prazo de suspensão, quando haja recurso [refere-se ao alagamento do prazo de suspensão de 2 para 3 anos previsto no artigo 119º, n.º, com referência à alínea b) do n.º1], compreende-se, pois o legislador quis evitar que, por força de um acto do próprio arguido, como o seria a interposição de recurso por este, se completasse o prazo de prescrição do procedimento, assim, como quis estabelecer um prolongamento daquele prazo, pela necessidade evidente de ser concedido um período razoável para a decisão do recurso. Estes fundamentos, porém, implicam que, nos casos regulados pelo Código do Processo Penal de 1929, em que havia sempre três instâncias de recurso, a subida do processo para cada uma dessas instâncias acarrete o alargamento da suspensão pelo prazo fixado na lei, isto é, 1 ano para o recurso para a Relação, e mais 1 ano para o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Desta forma, a suspensão do processo, operada pela notificação do despacho de pronúncia ou equivalente, terá a duração máxima de 4 anos, nos casos em que tenham sido interpostos recursos para a Relação e para o Supremo, o que significa que a prescrição se verificará, nesses casos, quando se cumpra o seu prazo normal, acrescido de metade, nos termos do n.º 3 do artigo 120º do Código Penal de 1982, e acrescido ainda do período máximo da suspensão, o qual, no caso concreto, é de 4 anos'.
Deste modo, parece evidente que não era exigível aos recorrentes a previsão de uma tal interpretação para o efeito de se lhes impor o
ónus de suscitação da questão de constitucionalidade, tanto mais que à data em que entrou em vigor o Código Penal de 1982, era o Código de Processo Penal de
1929 que vigorava, não se podendo, assim, contar com a argumentação de que a norma do n.º 2 do artigo 119º foi pensada apenas para os casos em que só havia duplo grau de jurisdição.
Assim, haveria que conhecer do recurso nesta parte.
3. - Porém, o Supremo Tribunal de Justiça, no já citado acórdão de 15 de Janeiro de 1998, logo adiantou a data em que, na leitura que fez dos preceitos convocados atinentes a esta matéria, ocorreria a prescrição do procedimento criminal, ou seja, em 23 de Junho de 1998.
Tendo o presente processo sido recebido pela primeira vez no Tribunal Constitucional em 22 de Abril de 1998, aquela data de ocorrência da prescrição – 23 de Junho de 1998 – veio a verificar-se quando os autos se encontravam em fase de alegações.
Constatando este facto, o que implicava a inutilidade do recurso também na parte relativa à questão da prescrição, tendo em conta a instrumentalidade do recurso de constitucionalidade, o relator, como se referiu, determinou a remessa dos autos ao Supremo Tribunal de Justiça, vindo, então, a ser proferido o despacho de 19 de Maio de 2000, anteriormente transcrito, confirmado integralmente pelo acórdão de 12 de Outubro seguinte.
4.- Como se disse, o Ministério Público interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, de
15 de Novembro, deste último aresto, tendo por objecto a apreciação das normas dos artigos 6º, 70º, 71º, 78º, e 78º-B, do mesmo diploma, no entendimento aí perfilhado, segundo o qual compete ao Tribunal Constitucional, em virtude de o recurso ter efeito suspensivo, decidir sobre outras questões que não as estritamente relativas à constitucionalidade de normas, tais como a prescrição. Na tese da recorrente, semelhante entendimento significa uma ampliação da competência deste Tribunal, o que afronta o disposto no artigo 280º da Constituição da República Portuguesa.
Embora a questão suscitada implique a amplitude interpretativa proposta pelo recorrente, neste recurso está apenas em causa a interpretação normativa sufragada no acórdão recorrido relativa às normas da Lei n.º 28/82 que circunscrevem a competência e os poderes cognitivos do Tribunal Constitucional, no sentido de que, tendo ocorrido a data apontada pelo Supremo como sendo a da prescrição quando os autos se encontravam em recurso no Tribunal Constitucional,
é este Tribunal o competente para declarar extinto o procedimento criminal, por prescrição.
5. - Resulta claramente do exame dos autos que só a interpretação concedida ao nº 2 do artigo 119º do Código Penal permitiu considerar a prescrição do procedimento criminal como ocorrida anteriormente à consignada data de 23 de Junho de 1998. De qualquer modo, a remessa dos autos a esse Alto Tribunal ordenada pelo transcrito despacho de 11 de Fevereiro de 2000 do ora relator, emitido ao abrigo do nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, teve por objectivo submeter a esse Tribunal a apreciação da eventual extinção do procedimento criminal, por via da prescrição, questão entretanto suscitada no processo. Com efeito, entendeu-se assim por se considerar não ser o Tribunal Constitucional o competente para tomar conhecimento da problemática subjacente, sendo certo que é a ele que compete decidir – e definitivamente – sobre a sua própria competência, como, de resto, a jurisprudência vem afirmando (cfr., inter alia, os acórdãos nºs. 316/85 e 269/98, publicados no Diário da República, II Série, de 14 de Abril de 1996 e 31 de Março de 1998, respectivamente), e a Doutrina tem confirmado (cfr. Miguel Galvão Teles, 'A Competência da Competência do Tribunal Constitucional' in – Legitimidade e Legitimação da Justiça Constitucional, Coimbra, 1995, págs. 105 e segs.). Como quer que seja, o mencionado despacho foi notificado aos interessados (fls.
2086) e transitou em julgado (cota de fls. 2086-v.), constituindo, assim, uma questão fechada, no processo, que, sob pena de violação de caso julgado formal, não é passível de nova decisão a respeito dessa matéria – nem, naturalmente, de recurso dela a interpor.
Acresce que, como recordou o acórdão nº 532/99, publicado no citado Diário, II Série, de 27 de Março de 2000, nos termos do artigo 2º das Lei nº 28/82 as decisões do Tribunal Constitucional prevalecem sobre as dos outros tribunais, para os quais, aliás, são obrigatórias.
III
Em face do exposto, decide-se
- não tomar conhecimento dos recursos interpostos pelos recorrentes A B;
- na sequência do recurso do Ministério Público, revogar o acórdão recorrido, e determinar o cumprimento do despacho do relator, de 11 de Fevereiro de 2000. Lisboa, 3 de Julho de 2002- Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza José de Sousa e Brito Luís Nunes de Almeida