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Procº nº 823/2003.
3ª Secção. Relator: Conselheiro Bravo Serra.
1. Não se conformando com o despacho proferido pelo Desembargador Relator do Tribunal da Relação do Porto, que lhe não admitiu o recurso de agravo intentado interpor para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão lavrado naquela Relação em 16 de Janeiro de 2003 e por intermédio do qual foi julgado improcedente o pedido de esclarecimento que suscitara o A., relativamente a anterior acórdão que não tomou conhecimento do objecto do recurso por si interposto, reclamou a dita associação para o Presidente daquele Supremo Tribunal.
Na peça processual consubstanciadora da reclamação, a então reclamante não suscitou qualquer questão de desconformidade com a Lei Fundamental reportada a normas constantes do ordenamento jurídico infraconstitucional.
Na verdade, nessa peça, para o que ora releva, apenas se divisam as seguintes asserções:
“........................................................................................................................................................................................................................................................................................
Sem prejuízo de se verificar ainda a previsão da segunda parte do nº
2 do art. 754 e a circunstância de o recorrente não abdicar de suscitar perante o Tribunal Constitucional as questões já levantadas em anteriores requerimentos, isto em última instância.
[Em nota a este parágrafo escreveu-se: “Por violação do art. 20º da Constituição e denegação de Justiça”]
..........................................................................................................................................................................................................................................................................................
Acresce que a não admissibilidade do recurso resulta da circunstância de ter sido decidida a questão prévia, exactamente referente à sua não admissibilidade, suscitada pela recorrida e que foi decidida sem o cumprimento do formalismo do art. 704º do CPC.
Ora, quando levantada na contra-alegação da apelada, o apelado não pode responder-lhe, só o podendo fazer após o despacho prévio do Juiz Relator, suscitando o incidente do art. 704º.
O nº 2 do art. 704º e o nº 2 do art. 702º, ex vi do primeiro dos preceitos, tem aplicação quando o incidente seja suscitado em momento e peça processual que admita resposta da parte contrária.
Não é esse o caso, quando existe uma contra-alegação, devendo aí aplicar-se o incidente do nº 1 do art. 704º.
Quando foi negado esse direito de resposta do recorrente e postergado o incidente do aludido nº 1 do art. 704º, a decisão violou frontalmente o princípio do contraditório, impondo a sua clara inconstitucionalidade.
São todas estas questões que deverão ser apreciadas pelo Supremo Tribunal de Justiça e que exigem a admissibilidade do recurso.
........................................................................................................................................................................................................................................................................................”
Tendo o Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, por despacho de 26 de Maio de 2003, indeferido a reclamação, o A. veio solicitar o respectivo esclarecimento.
No mesmo, escreveu-se a dado passo:
“........................................................................................................................................................................................................................................................................................
Por outro lado o mesmo despacho, a fls. 58, desenvolve a ideia de que é aplicável aos autos o caso de manifesta desnecessidade para que não seja obrigatório o princípio do contraditório, imposto no nº 3 do artº 3, nos artºs
264º e seguintes e imperativamente no artº 704, todos do C.P.Civil.
A fls. 58, o despacho é inteiramente exacto ao afirmar que a questão da admissibilidade do recurso vinha posta de longe... (sic).
Tem-lhe sido negada sempre a admissão desse recurso, embora o Exmo Presidente da Relação do Porto tenha opinado e decidido que ele é admissível.
Se não existir uma denegação de justiça, existe pelo menos uma inconstitucionalidade pela violação frontal de todos os preceitos referidos neste requerimento e nos anteriores, inconstitucionalidade essa que cabe no artº
70 da Lei nº 28/82 de 15 de Novembro, com a sua redacção actual.
........................................................................................................................................................................................................................................................................................”
O Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, por despacho de 4 de Julho de 2003, indeferiu o pedido de esclarecimento, anotando, em dada altura, que, “no respeitante ao art.º 704º, n.º 1 do CPC, esclarece-se o reclamante em conformidade com o que se disse no despacho ora questionado, que da observância ou inobservância do formalismo do art.º 704º, n.º 1 do CPC, não cabe cuidar, por a reclamação que nos foi dirigida só poder incidir sobre o despacho que não admitiu o recurso, nos termos do art.º 688º do CPC”, sendo que o que “se acrescentou, no desenvolvimento do princípio do contraditório, não constitui o fundamento nuclear da decisão tomada sobre esse ponto”.
Veio então o A. apresentar requerimento por intermédio do qual manifestou a sua vontade de, do despacho de 4 de Julho de 2003 e, bem assim, do acórdão tirado no Tribunal da Relação do Porto “que lhe não admitiu o recurso”, interpor recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82.
Como naquele requerimento o A. não indicou qual a norma ou quais as normas jurídicas a que se reportava o recurso, o Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do nº 5 do artº 75º-A da aludida Lei nº
28/82, convidou o impugnante “a precisar claramente qual a norma (ou normas) cuja inconstitucionalidade e/ou ilegalidade pretende ver apreciadas pelo Tribunal Constitucional” e “qual a peça processual em que tal inconstitucionalidade ou ilegalidade foi suscitada”.
Não obstante tal convite, o A. nada veio dizer.
O Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, por despacho de 17 de Setembro de 2003, não admitiu o recurso.
Disse-se nesse despacho:
“A. interpôs a fls. 71 recurso para o Tribunal Constitucional do despacho de fls. 68/69 e do Acórdão da Relação do Porto que lhe não admitiu o recurso.
Disse fazê-lo com fundamento na alínea b) do n.º 1 do artº 70º da Lei do Tribunal Constitucional que se reporta a decisões:
‘Que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo’
E invoca inconstitucionalidade e ilegalidade de uma forma confusa e imprecisa, quer quanto aos princípios constitucionais violados, quer, sobretudo, quanto a norma ou normas cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional.
Por isso foi convidado, nos termos do disposto no n.º 5 do artº
75º-A daquela lei, a precisar claramente:
- qual a normas (ou normas) cuja inconstitucionalidade e/ou ilegalidades pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional; e
- qual a peça processual em que tal inconstitucionalidade ou ilegalidade foi suscitada.
Não apresentou qualquer resposta.
Examinando os autos, vemos que:
- na reclamação de fls. 3 e segs., mais precisamente a fls. 4, em nota de rodapé refere violação do artº 20º da Constituição e denegação de justiça.
Mas fá-lo em termos inconclusivos, já que tal referência aparece desgarrada na seguinte frase:
‘Sem prejuízo de se verificar ainda a previsão da segunda parte do n.º 2 do artº 754 e a circunstância de o recorrente não abdicar de suscitar perante o Tribunal Constitucional as questões já levantadas em anteriores requerimentos, isto em última instância.
E é aqui que aparece a tal nota ‘2 Por violação do artº 20º da Constituição e denegação da justiça’.
É, manifestamente, insuficiente tal referência para suportar uma invocação de inconstitucionalidade.
Até porque a violação do artº 20º e a denegação de justiça, não aparece referenciada a qualquer norma aplicada.
Mostra-se, assim, mal cumprido o disposto no n.º 2 do artº 75º-A da lei do Tribunal Constitucional e de todo não cumprida exigência da parte final do seu n.º 1, ou seja, a indicação no requerimento de interposição do recurso da norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o Tribunal aprecie
Nestes termos, e sem necessidade de outras considerações, não admito o recurso interposto para o Tribunal Constitucional.
Notifique”.
Do transcrito despacho solicitou o A. o respectivo esclarecimento e “a sua submissão a reclamação para o Tribunal Constitucional, nos termos do nº 4 do artº 76º da Lei do Tribunal Constitucional”.
No requerimento em que tais pretensões foram deduzidas, após transcrever o requerimento em que corporizava a vontade de recorrer para este Tribunal, disse que, por intermédio do mesmo, “se vê positiva e concretamente que está a ser cometida ilegalidade e a denegação de justiça através do afastamento do contraditório imposto pelo artº 704 do C.P.Civil e da disposição expressa do nº 3 do artº 35 da Lei do Arrendamento Rural constante do Decreto-Lei nº 385/88, de 25 de Outubro”, sendo que as “peças processuais em que tal ilegalidade foi suscitada. são todas as que se referem na reclamação para o Presidente da Relação do Porto, no pedido de esclarecimento do despacho do Desembargador Relator que não admitiu o recurso, no requerimento para sobre tal despacho recair um acórdão e na reclamação apresentada perante” o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, e vincando que em tal requerimento constava “a indicação da norma ou princípio constitucional ou legal que se considera violado, bem como a pela processual em que o recorrente suscitou a questão da ilegalidade”, sendo invocados “expressamente os preceitos constitucionais constantes da alínea b) do artº 9, do nº 1 do artº 13, do artº 18, do artº 20, do artº 22, dos nºs 1 e 2 do artº 202, do artº 203, do artº 204 e do nº 1 do artº 205, todos da Constituição”, competindo ao Tribunal Constitucional
“apreciar essas ilegalidades por força do nº 1 do artº 233, do nº 1 do artº 277 e do nº 6 do artº 280º, todos também da Constituição”.
Ouvido sobre a reclamação, o Ex.mo Representante do Ministério Público junto deste órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa pronunciou-se no sentido do seu indeferimento, pois que, no caso, o reclamante, porque não respondeu ao convite formulado pelo Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, deveria ter incorrido na cominação a que se reporta o nº 7 do artº 75º-A da Lei nº 28/82.
Cumpre decidir.
2. É manifestamente destituída de razão a presente reclamação.
Na verdade, como deflui do relato supra efectuado, na peça processual em que foi deduzida reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o ora impugnante, de todo em todo, não assacou a qualquer normativo constante do ordenamento jurídico infraconstitucional vício de desconformidade com o Diploma Básico, limitando-se, de forma que, convenha-se, nem sequer é minimamente explícita, a brandir com o argumento segundo o qual o Tribunal da Relação do Porto, ao não tomar conhecimento do objecto do recurso para o mesmo interposto, assim acolhendo a questão prévia suscitada pelos recorridos, não cumpriu o disposto no nº 1 do artº 704º do Código de Processo Civil e, consequentemente, tal decisão violou o princípio do contraditório, incorrendo em “clara inconstitucionalidade”.
Significa isso que o vício de desarmonia com a Lei Fundamental, e suposto que um tal vício que foi explicitamente enunciado, dirigiu-se, não a qualquer norma, mas sim a uma decisão judicial.
Ora, como é sabido, objecto dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade são normas jurídicas e não quaisquer outros actos do poder público tais como, verbi gratia, as decisões judiciais qua tale consideradas.
Por outro lado, o despacho prolatado pelo Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça e por via do qual foi indeferida a reclamação, acentuou que aquela matéria não podia no mesmo ser decidida, pelo que nem sequer aquele normativo (o do nº 1 do referido artº 704º), que pelo então reclamante era tido por violado, constituiu suporte jurídico da decisão insita em tal despacho.
Desta sorte, no tocante ao recurso intentado interpor do despacho de 26 de Maio de 2003, não se congregam os requisitos referentes à suscitação da inconstitucionalidade normativa antes do proferimento da decisão judicial pretendida impugnar perante o Tribunal Constitucional e à aplicação, por essa decisão, da norma cuja apreciação se pretende venha a ser feita por este Tribunal.
De outro lado, ainda, é por demais evidente que, no processo de reclamação dirigido ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça não pode ser interposto recurso de constitucionalidade de um acórdão tirado num tribunal de relação e cujo recurso para aquele Supremo não foi admitido por despacho do Desembargador Relator, despacho esse que justamente foi objecto dessa reclamação.
Uma tal interposição só seria possível nos autos em que foi tirado o acórdão desejado recorrer para o Tribunal Constitucional, incumbindo ao Desembargador Relator do tribunal de 2ª instância aquilatar da sua admissão.
Sublinhe-se aqui que se entende, contrariamente ao sustentado pelo Ex.mo Representante do Ministério Público, que, no caso, não deveria cobrar aplicação o disposto no nº 7 do artº 75º-A da Lei nº 28/82, justamente porque o convite, dirigido ao então recorrente, para fazer a cabal indicação dos requisitos constantes dos números 1 e 2 do mesmo artº 75º-A, não promanou do relator do Tribunal Constitucional.
Uma última nota para se vincar que, sendo invocada a alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, é incompreensível a pretensão, agora indicada na reclamação, de serem apreciadas determinadas ilegalidades, sendo certo, de todo o modo, que nem sequer, no caso em apreço, se coloca qualquer situação inserível na alínea f) do nº 1 do mencionado artº 70º.
Neste contexto, indefere-se a reclamação, condenando-se o impugnante nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em quinze unidades de conta.
Lisboa, 19 de Dezembro de 2003
Bravo Serra Gil Galvão Luís Nunes de Almeida