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Procº nº 688/2003.
3ª Secção. Relator: Conselheiro Bravo Serra.
1. Pela Secretaria-Geral dos Juízos de Pequena Instância Cível de Lisboa A., veio requerer, relativamente a B., providência de injunção com vista a este ser notificado para pagar a quantia de € 955,45, referente a serviços prestados pela solicitante.
Não tendo sido possível notificar o requerido, foram os autos distribuídos ao 1º Juízo daquele Tribunal, tendo o respectivo Juiz, por despacho de 12 de Maio de 2003, determinado o arquivamento dos autos, ponderando o disposto nos números 1 e 2 do artº 19º do Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro (redacção conferida pelo Decreto-Lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro) - recte, do Regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1ª instância, aprovado por intermédio daquele primeiro diploma -, e tendo em conta que a requerente não procedeu, em dez dias a contar da data da distribuição do autos, ao pagamento da taxa de justiça.
Veio então a requerente solicitar a reforma daquele despacho, tendo, no requerimento consubstanciador desse pedido, dito, a dado passo:
“...............................................................................................................................................................................................................................................................
23º O artigo 19º nº 2 do mencionado diploma legal [estava a reportar-se ao Decreto-Lei nº 269/98, na versão dada pelo Decreto-Lei nº 32/2003] estabelece a obrigatoriedade de Autor e Réu efectuarem o pagamento da taxa de justiça inicial no prazo de 10 dias a contar da data da distribuição, nos casos em que o procedimento de injunção houver de prosseguir como acção.
24° O Autor, para além de já ter pago taxa de justiça no montante que resulta das regras contidas no n° 1 do artigo 19°, terá ainda de proceder ao pagamento de nova taxa calculada nos termos do n° 2.
25° Por sua vez, não impende sobre o Réu contestante (não já o Réu cuja notificação se frustrou, por razões evidentes) a obrigação de pagamento de qualquer taxa pela apresentação da sua oposição, o que só por si configura um tratamento desigual sem paralelo no âmbito de qualquer outro procedimento judicial.
26° O regime ora aprovado não fez mais do que aumentar desmesuradamente essa desigualdade.
27° Efectivamente, o regime legal sub judice faz impender sobre o autor a obrigação de pagamento da taxa, estabelecendo para a falta de cumprimento de tal obrigação a cominação de ser desentranhada a petição inicial.
28° O diploma é omisso quanto à cominação a aplicar à falta de cumprimento do mesmo dever por parte do Réu.
29° Tal omissão conduz à aplicação das regras já anteriormente estabelecidas para a falta de cumprimento da obrigação de proceder ao pagamento de qualquer taxa de justiça.
30° Tal regra encontra-se vertida no artigo 28° do Código das Custas Judiciais que estabelece o seguinte: [n]a falta de junção do documento comprovativo das taxas de justiça inicial e subsequente, a secretaria notifica o interessado para, em 5 dias, efectuar o pagamento omitido, com acréscimo de taxa de justiça de igual montante, mas não inferior a 1 UC, nem superior a 5UC.
31° Resulta, do que vem de se expor, um tratamento claramente diferenciado no que respeita ao regime a aplicar ao Autor e ao Réu.
32° O Autor não só tem de proceder ao pagamento de duas taxas de justiça (uma quando dá entrada do procedimento de injunção; a outra, quando o procedimento de injunção é remetido à distribuição), como a consequência da falta do pagamento da taxa referida em segundo lugar é o imediato desentranhamento da petição inicial.
33° O Réu, por sua vez, apenas tem de proceder ao pagamento da taxa de justiça após a remessa dos autos à distribuição (nada devendo antes desse momento), sendo que a consequência da falta de pagamento é a que acima se referiu, ou seja, é-lhe conferida a possibilidade de mediante, o pagamento de uma multa, cumprir tardiamente a obrigação de pagamento da taxa.
34°
É por demais flagrante a desigualdade causada pelo novo regime aprovado pelo D.L. 32/2003.
35° O referido regime viola claramente o princípio da igualdade vertido no artigo
13° da Constituição da República Portuguesa, onde se pode ler: ‘Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.’
36° O referido preceito constitucional encontra-se claramente postergado pela entrada em vigor da presente alteração legislativa.
37° A clamorosa diversidade de regimes não tem qualquer justificação.
38° Que razão poderá eventualmente encontrar-se para penalizar desta forma o Autor que, como já acima se referiu, é duplamente tributado?
39° O Réu, não só paga um valor inferior ao que o Autor é obrigado a pagar, como é beneficiado desigualitariamente ao nível da cominação, sendo-lhe dada uma segunda oportunidade para, mediante o pagamento de uma penalização, pagar tardiamente ao pagamento da taxa devida.
40° O preceito constitucional referido encontra paralelo na Lei de Processo Civil, onde se estabelece que incumbe ao Tribunal assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente na aplicação de cominações. (cfr. Artigo 3°-A do Código de Processo Civil)
41° A Constituição estabelece igualmente a obrigação que impende sobre os Tribunais de não aplicar normas que infrinjam preceitos constitucionais (cfr. Artigo 204° C.R.P)
42° Sendo clamorosa a postergação do preceito constitucional que impõe a igualdade das partes perante a lei, o mencionado preceito, porque inconstitucional, deverá ser inaplicado.
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Tendo o citado Juiz desatendido o pedido de reforma, veio a A., interpor, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, recurso para o Tribunal Constitucional, por seu intermédio intentando a apreciação “do preceito vertido no artigo 19º n.º 3 do regime aprovado pelo D.L. 269/98 de 1 de Setembro, na versão aprovada pelo D.L. 32/2003 de 17 de Fevereiro”.
2. Admitido o recurso no tribunal a quo, foram as
«partes» notificadas, já neste órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa, para apresentarem as suas alegações.
Na sequência, a recorrente concluiu a por si formulada do seguinte jeito:
“1. O Princípio da Igualdade estatuído no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, impõe que ‘Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei’.
2. Decorre, nomeadamente, deste preceito que todos os cidadãos têm direito de acesso à justiça em iguais condições.
3. Este princípio deverá reflectir-se, não só na aplicação da lei, mas também na obrigação do legislador produzir normas que assegurem igual tratamento.
4. O art. 19º, n.º 3 do Regime aprovado pelo D.L. 269/98 de 1 de Setembro, na versão aprovada pelo D.L. 32/2003 de 17 de Fevereiro, vem violar este princípio.
5. Não só pelo facto de, por consequência deste preceito a Autora/Recorrente ver-se obrigada a liquidar duas taxas de justiça,
6. Como também pelo facto da consequência prevista para a falta de pagamento ser mais gravosa para a recorrente/autora, do que para o réu.
7. A recorrente/autora pagou a taxa de justiça no momento da apresentação do requerimento de Injunção.
8. Sendo obrigada, de acordo com este preceito, ao pagamento de nova taxa de justiça quando o processo foi remetido à distribuição.
9. Isto porque este regime impõe o pagamento de custas por parte tanto da autora, como do réu, no prazo de 10 dias após a distribuição do processo, nos casos em que o procedimento de Injunção prossiga como acção.
10. Facto este que não é constitucionalmente admissível à luz do Princípio da Igualdade, uma vez que este prevê que todos tenham acesso à justiça em condições idênticas.
11. Ora, como se pode facilmente verificar, esta Igualdade não se encontra respeitada.
12. A recorrente/autora vê-se obrigada a pagar duas Taxas de Justiça, para poder ter acesso aos tribunais e ver o seu direito reconhecido.
13. Por seu lado o Réu paga somente uma taxa de justiça.
14. Mas tal como foi referido não é só nesta dupla tributação que a recorrente/autora se vê discriminada em relação ao réu.
15. Esta situação é agravada quando a cominação para a falta de pagamento desta taxa por parte da recorrente/autora é o desentranhamento da petição inicial.
16. Não prevendo esta lei qualquer tipo de sanção para o réu caso este não proceda a esse pagamento.
17. Aplicando-se, assim, ao réu, o regime das regras estabelecidas para a falta de qualquer taxa de justiça.
18. Isto é, o previsto no artigo 28º do Código das Custas Judiciais: ‘na falta de junção do documento comprovativo do pagamento das taxas de justiça inicial e subsequente no prazo de 10 dias (...), a secretaria notificará o interessado para, em 5 dias, efectuar o pagamento omitido, com acréscimo de taxa de justiça de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC.’
19. O Réu, não só paga um valor inferior ao que a recorrente/Autora é obrigada a pagar, como é beneficiado desigualitariamente ao nível da cominação.
20. Sendo-lhe dada uma segunda oportunidade para, mediante o pagamento de uma sanção, proceder tardiamente ao pagamento da taxa devida.
21. Oportunidade que está vedada à recorrente/autora.
22. A consequência imediata da falta de pagamento da taxa de justiça devida por parte da recorrente/autora é o desentranhamento.
23. A recorrente/Autora não tem oportunidade de pagar a referida taxa, ainda que acrescida de uma sanção, continuando assim a ter possibilidade de ver a sua pretensão inicial - a condenação do réu - alcançada.
24. A recorrente/autora vê-se assim, numa posição muitíssimo desfavorável em relação ao réu.
25. Desfavorecimento este que é imposto pelo preceito aqui em causa.
26. Causando um prejuízo que é constitucionalmente inadmissível.
27. A Constituição estabelece igualmente a obrigação que impende sobre os Tribunais de não aplicar normas que infrinjam preceitos constitucionais (cfr. Artigo 204º da C.R.P).
28. Preceito que a requerente invocou no seu pedido de reforma de sentença, não devendo assim o ilustre julgador a quo aplicar uma norma que é inconstitucional, por violação do princípio da igualdade.
29. Sendo clamorosa a postergação do preceito constitucional que impõe a igualdade das partes perante a lei e na concepção desta.
30. Devendo ser concedido provimento ao recurso e, consequentemente, o artigo
19º n. 3 do Regime aprovado pelo DL 269/98 de 1 de Setembro na versão aprovada pelo D.L. 32/2003 de 17 de Fevereiro ser declarado inconstitucional.
31. Aplicando-se à autora/recorrente, o mesmo regime que se aplica ao réu, isto
é, podendo a recorrente/autora pagar, ainda que acrescido de uma sanção, a taxa a que se refere o n.º 2 do artigo 19 do regime aprovado pelo DL 269/98 de 1 de Setembro na versão aprovada pelo D.L. 32/2003 de 17 de Fevereiro”.
Por seu turno, o Representante do Ministério Público junto deste Tribunal rematou a sua alegação com as seguintes «conclusões»:
“1º - A norma constante do artigo 19º, nº 3, do Anexo ao Decreto-Lei nº 269/98, na redacção emergente do Decreto-Lei nº 32/03, de 17 de Fevereiro, ao impor ao requerente o ónus de pagamento da taxa de justiça inicial devida pela
‘conversão’ do procedimento de injunção frustrado em acção judicial e ao sancionar - com uma verdadeira extinção da instância - o não pagamento tempestivo pelo autor de tal taxa, não viola o princípio da igualdade das partes.
2º - Termos em que deverá improceder o recurso”.
Cumpre decidir.
3. Por intermédio do Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro, veio a concretizar-se a possibilidade, consagrada no artº 7º do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, de, sem prejuízo da aplicação do regime do processo sumaríssimo, ser criada, por diploma próprio, uma espécie processual, dotada de tramitação própria e referente a autos que corressem termos nos tribunais de pequena instância cível.
Aquele diploma, todavia, não se circunscreveu àqueles tribunais de competência específica, vindo a concretizar o propósito estatuído no aludido artº 7º generalizando-o ao conjunto dos tribunais judiciais e para o domínio do cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos que não excedessem o valor da alçada dos tribunais de 1ª instância ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei nº 32/2003, de
17 de Fevereiro.
Foi assim que veio a ser instituído o Regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1ª instância, publicado em anexo ao Decreto-Lei nº 269/98, revogando-se a providência de injunção introduzida pelo Decreto-Lei nº 404/93, de 10 de Dezembro.
De harmonia com este novo Regime, a injunção é uma providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1ª instância ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei nº 32/2003 (cfr. artº 7º desse Regime, na redacção dada pelo diploma referido em último lugar), requerimento esse apresentado, consoante a vontade do credor, quer na secretaria do tribunal do cumprimento da obrigação, quer na do tribunal do domicílio do devedor, e que, inter alia, deve indicar a taxa de justiça paga por intermédio de estampilha apropriada, de modelo aprovado por portaria do Ministro da Justiça
(o que veio a suceder, no que ora interessa, por intermédio da Portaria nº
233/2003, de 17 de Março), ou nos termos do nº 4 dessa mesma Portaria, no valor de um quarto de unidade de conta, quando o procedimento tenha valor inferior a metade da alçada do tribunal de 1ª instância, meia unidade de conta , se o valor for igual ou superior a metade daquela alçada, uma unidade de conta, se o valor for igual ou superior à alçada, ou duas unidades de conta, se o valor for igual ou superior à alçada do tribunal de relação [cfr. artigos 10º, nº 2, alínea f), e 19º, nº 1, do dito Regime, na redacção conferida pelo Decreto-Lei nº 32/2003].
No que ora releva, se porventura se frustrar a notificação do requerido, os autos são remetidos à distribuição, sendo o notificando (agora réu) citado para contestar no prazo de quinze dias (cfr. artigos 16º, nº 1, 17º, nº 1, e 4º, nº 2, do Regime).
Prosseguindo o procedimento (até então de injunção) como acção, por esta são devidas custas, calculadas e liquidadas nos termos do Código das Custas Judiciais, devendo as partes efectuar o pagamento da taxa de justiça inicial no prazo de 10 dias a contar da distribuição, e atendendo-se na conta ao valor da importância já paga naquele procedimento (cfr. nº 2 do artº 19º do Regime, na redacção do Decreto-Lei nº 32/2003).
Se acaso o autor (da acção e, anteriormente, requerente da providência), no mencionado prazo de 10 dias, não juntar aos autos documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial, determina o nº 3 daquele artº 19º que é desentranhada a respectiva peça processual.
É, pois, este preceito que constitui o objecto do vertente recurso.
3.1. Como deflui da alegação da ora impugnante, a mesma censura a norma sub specie numa dupla vertente, a saber:
- de um lado, porque a mesma vem a impor que o requerente da providência de injunção que, posteriormente, vem a «converter-se» em acção, pague duas taxas de justiça, sendo uma a atinente àquela providência e outra a respeitante à acção em que se «converteu»; e, com uma tal imposição, na perspectiva da recorrente, o direito de acesso aos tribunais por banda do requerente da providência postar-se-ia numa situação desigual - de «dupla tributação» - referentemente ao requerido, já que este, «convertida» que seja a providência em acção, somente estará sujeito ao pagamento das custas calculadas e liquidadas nos termos do Código das Custas Judiciais;
- de outro, porque a consequência advinda para o requerente da providência e posterior autor da acção de não pagar, no prazo de dez dias contados da distribuição, a taxa de justiça inicial, se mostra diferente daqueloutra respeitante ao réu da acção, colocando o primeiro numa situação desigual que, na óptica da recorrente, é violadora do princípio da igualdade postulado pelo artº 13º da Constituição.
3.2. No tocante à primeira vertente, fácil é verificar que a obrigação impendente sobre o requerente da injunção e posteriormente autor da acção, de pagamento de duas taxas de justiça, nos casos de «conversão» daquela providência em acção, não resulta do normativo em análise, mas sim do precipitado no nº 2 do artº 19º.
Ora, muito embora, aquando do pedido de reforma do despacho proferido em 12 de Maio de 2003 pelo Juiz do 1º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Cível de Lisboa, a impugnante tivesse terçado armas no sentido de considerar como conflituante com a Lei Fundamental o indicado nº 2, o que é certo é que, no recurso interposto para o Tribunal Constitucional, elegeu como seu objecto tão só a norma insita no nº 3 do mesmo artº 19º.
E que este tem um campo de aplicação que, afoitamente, se pode desligar do contido no precedente nº 2, isso é questão da qual se não pode duvidar.
Isto significa, pois, que a alegada «dupla tributação» em taxa de justiça não decorre minimamente da norma do nº 3 do artº 19º, não se podendo, em consequência, dizer que dela provenha - mesmo até indirectamente - tal «dupla tributação», que não incide sobre o requerido da providência e posterior réu na acção, e isso pela simples razão de acordo com a qual o preceito constante do nº 3 do artº 19º poderia perfeitamente subsistir ainda que não existisse qualquer normativo de onde resultasse que, no procedimento de injunção, haveria o requerente de pagar uma taxa de justiça.
Neste contexto, a invocada diferenciação que se surpreende quanto à obrigatoriedade de pagamento, a cargo do requerente e posterior autor, de duas taxas de justiça, nos casos em que a providência de injunção dá azo à acção (uma respeitante àquela providência, e outra devida a título de taxa de justiça inicial da acção), diferenciação essa resultante, no fundo, da circunstância de o requerido no procedimento injuntivo não pagar uma taxa inicial, não é assacável à regra contida no nº 3 do artº 19º.
3.3. De modo diverso se coloca a questão, reportada a esse nº 3, quando a recorrente brande o argumento de que a norma aí contida configura uma diversificação de tratamento tendo por referência os então já autor e réu da acção.
De facto, do normativo em apreço resulta que a falta de pagamento pelo autor da taxa de justiça inicial (calculada nos termos do Código das Custas Judiciais - cfr. seu artº 13º e Tabela anexa, hoje resultante do Decreto-Lei nº 323/2001, de 17 de Dezembro), no prazo de dez dias a contar da distribuição dos autos que, até então, seguiram seus termos como providência de injunção, implica o desentranhamento da peça processual respectiva (o próprio requerimento de injunção que, posteriormente, vem a servir como petição da acção).
Havendo contestação do réu, sobre o mesmo impende também a obrigação de pagamento de taxa de justiça inicial no prazo de dez dias a contar da sua apresentação [cfr. artº 24º, nº 1, alínea b), do Código das Custas Judiciais].
Simplesmente, se esta última obrigação não for cumprida, prescreve-se no artº 28º do referido Código (redacção do Decreto-Lei nº
320-B/2000, de 15 de Dezembro) que a secretaria notificará o interessado para, em 5 dias, efectuar o pagamento omitido, com acréscimo de taxa de justiça de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC (note-se que este dispositivo é, igualmente, aplicável aos autores, exequentes ou requerentes no comum das acções em que seja devida taxa de justiça inicial, só não se aplicando
à acção emergente do procedimento de injunção por força do preceito em análise).
É sabido que à «imposição tributária agravada» constante do citado artº 28º não foi alheia a revogação operada pelo nº 1 do artº 14º do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro (na redacção conferida pelo Decreto-Lei nº 180/96, de 25 de Setembro) das disposições relativas a custas que estabelecessem cominações ou preclusões de natureza processual como consequência do não pagamento de quaisquer preparos ou custas (excepção feita ao não pagamento dos denominados preparos para despesas) e a substituição dessas cominações ou preclusões nos termos dos números 2 e 3 do mesmo artigo.
Verifica-se, desta sorte, que existe uma diferenciação de consequências entre autor e réu quanto ao não pagamento da taxa de justiça inicial na acção em que se «converteu» o procedimento de injunção.
Ponto é saber se esse diverso tratamento afronta normas ou princípios constitucionalmente consagrados.
3.3.1. Num primeiro passo, mister é que se não passe em claro que o desentranhamento do requerimento de injunção não consequencia irremissivelmente que o seu autor deixe de ter acesso aos tribunais. Tal desentranhamento, na verdade, configura uma figura de extinção da instância, desta forma não precludindo a possibilidade de aquele autor vir, novamente, quer através de novo procedimento de injunção, quer através de nova acção, fazer valer o direito que se propôs com o anterior procedimento.
Aliás, anote-se que no próprio Código de Processo Civil, para a generalidade das acções, é recusado o recebimento pela secretaria da petição inicial quando à mesma não tenha sido junto documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial [cfr. artº 474º, alínea f)], dispondo-se ainda no nº 5 do artº 467º que será desentranhada a petição inicial se a taxa de justiça inicial não for paga no prazo de dez dias a contar da notificação da decisão definitiva que indefira o pedido de apoio judiciário, salvo se essa notificação ocorrer após ter o réu sido citado.
Depois, há que atentar que o não pagamento pelo réu da taxa inicial quando contesta a acção resultante da frustração do procedimento injuntivo, também não é desprovido de consequências, visto que um dos requisitos de atendimento da contestação é justamente o do pagamento de uma taxa equivalente ao dobro da em falta.
Trata-se, assim, de sancionamentos diversos que não deixam de atender ao diferente posicionamento do autor e do réu da acção em que se «converteu» o procedimento de injunção. E diz-se posicionamento diverso, já que, se porventura a consequência do não pagamento da taxa de justiça inicial por parte do réu quando contesta a acção fosse idêntica à prevista para o autor, o desentranhamento da contestação acarretaria a aplicação dos efeitos cominatórios decorrentes da falta de contestação, como óbvias repercussões no mérito da causa (cfr. artº 2º do Regime), sendo vedado ao réu, posteriormente (e não interessará aqui entrar em linha de conta com as hipóteses em que é possibilitado o recurso de revisão), o acesso ao tribunal para poder exercer de forma efectiva o seu direito de defesa.
Esta diferenciação de situações aponta, pois, para que se possa dizer que a estatuição de diversos regimes quanto às consequências do não pagamento da taxa de justiça por parte do autor e por parte do réu na acção a que se reportam os artigos 16º e 1º e seguintes do Regime aprovado pelo Decreto-Lei nº 269/98, tem um fundamento material e, assim, se não apresenta como arbitrária (cfr., sobre a configuração perfeitamente diferenciada das posições de autor e réu perante uma sanção processual pelo não pagamento tempestivo da taxa de justiça inicial, antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 183/2000, de 10 de Agosto, o Acórdão deste Tribunal nº 608/99, publicado na II Série do Diário da República de 16 de Março de 2000).
Ao tratar do princípio constitucional da igualdade, o Tribunal Constitucional tem assumido uma jurisprudência constante segundo a qual tal princípio postula que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento desigual para as situações de facto desiguais
(proibindo, inversamente, o tratamento desigual de situações iguais e o tratamento igual das situações desiguais), não impedindo que, tendo em conta a liberdade de conformação do legislador, se possam estabelecer diferenciações de tratamento razoável, racional e objectivamente fundadas - cfr., para maiores desenvolvimentos, o Acórdão nº 232/2003, publicado na I Série-A do jornal oficial de 17 de Junho de 2003.
Ora, tendo-se concluído que se apresentam como diferentes as posições de autor e réu no tipo de acção de que agora curamos, no particular das consequências que para cada um advêm do não pagamento da taxa de justiça, e sendo certo que a sanção vertida na norma que ora se analisa não vai, como se viu, precludir a valoração em juízo do direito que o autor se arroga, a solução legislativa consagrada que conduz a uma diversidade sancionatória pelo não pagamento da taxa de justiça inicial, independentemente da sua bondade ou não bondade, não pode ser fulminada com um juízo de desconformidade com o princípio da igualdade que se consagra no artigo 13º da Constituição, justamente porque tal solução não se antolha como carecida de fundamento razoável e, logo, arbitrária, não se divisando que, do ponto de vista constitucional, se houvesse de acolher, para autor e réu, um mesmo e único regime sancionatório.
4. Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso, condenando-se a impugnante nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em quinze unidades de conta.
Lisboa, 17 de Dezembro de 2003
Bravo Serra Gil Galvão Maria Helena Brito Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres Carlos Pamplona de Oliveira Benjamim Rodrigues Rui Manuel Moura Ramos Artur Maurício Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Paulo Mota Pinto Vítor Manuel Gonçalves Gomes Luís Nunes de Almeida