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Processo n.º 586/12
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A., detido em cumprimento de pedido emitido pelas autoridades judiciárias alemãs (Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto, que aprovou o regime jurídico do mandado de detenção europeu – MDE), reclama, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 76.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), do despacho de 14 de agosto de 2012, que não lhe admitiu recurso que interpôs, para o Tribunal Constitucional, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de julho de 2012.
Sustenta que o recurso deve ser admitido, em síntese, com os seguintes fundamentos:
– O recurso foi interposto em tempo, uma vez que o reclamante foi notificado do acórdão do Supremo “em 8/VII/12 e apresentou o seu requerimento interpondo recurso para o T. Constitucional em 13/VIII/12, como se comprova pelo talão dos CTT, que se junta (Doc. 1)”, pelo que não haveria lugar ao pagamento da multa “em que vem condenado” ;
– Mesmo que assim se não entenda, deve ser considerado verificado o “justo impedimento” para o não pagamento da multa no prazo fixado.
2. O Ministério Público responde que a reclamação não merece deferimento, salientando que o recurso do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça foi interposto em 25 de julho de 2012, sendo o recorrente notificado no dia imediato para efetuar o pagamento da multa pela interposição fora de prazo. O recorrente não efetuou o pagamento no prazo fixado nas guias, tendo o seu advogado apresentado um novo requerimento em que solicitou a emissão de novas guias por ter tido de se ausentar do país, em serviço.
E, conclui:
“Ora, não pode deixar de concordar-se com a posição expressa pelo Ilustre Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça.
Desde logo, encontramo-nos no âmbito de um processo de natureza urgente, como é o relativo à execução de um mandado de detenção europeu, com prazos de intervenção processual particularmente curtos (cfr. art. 33º da Lei 65/2003).
– há de convir-se, por isso, que é, no mínimo, perturbador – para não dizer sumamente conveniente para os interesses do requerido A. – que o seu mandatário se haja justamente ausentado, de forma a – segundo alega - não se encontrar em Portugal no termo do prazo definido para efetuar o pagamento de multa prevista no art. 107º-A do CPP e art. 145º do CPC (10 de agosto de 2012), quando tal prazo lhe foi comunicado muito antes, ou seja, em 26 de julho.
Podia, pois – e devia – ter tomado todas as providências que o caso requeresse, para evitar uma situação como a ocorrida, que apenas poderia prejudicar o seu cliente.
É, também, sumamente interessante, que alegue ter-se visto forçado, “devido à grave crise financeira que o Pais atravessa, porventura despercebida para alguns mas sentida por muitos, nomeadamente as empresas e os profissionais liberais”, “a dispensar a sua Secretária” (cfr. fls. 5 dos autos).
Bem como a ter “o telefone fixo e o fax desligados”, por motivo de mudança de escritório (cfr. fls. 84 dos autos).
– O ardil é, por demais, evidente e apenas parece ter, como objetivo, o desejo de obter a eventual libertação do seu cliente, por não respeitados os prazos previstos na lei para a manutenção da sua detenção (cfr. designadamente o art. 26º da Lei 65/2003).
– Pelo exposto, crê-se que a presente reclamação não deve merecer deferimento por parte deste Tribunal Constitucional, ao abrigo do art. 76º, nº 2 da LTC, por extemporaneidade.»
3. Com utilidade para a decisão da presente reclamação consideram-se assentes as ocorrências processuais seguintes:
a) Por acórdão de 5 de julho de 2012, o Supremo Tribunal e Justiça julgou improcedente o recurso interposto pelo ora reclamante da decisão do Tribunal da Relação de Évora relativa à execução de mandado de detenção europeu contra si emitido (fls. 13-63);
b) O recorrente foi notificado deste acórdão por carta registada de 6 de julho de 2012 (fls 66);
c) O recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional por requerimento enviado sob registo postal em 24 de julho de 2012 (fls. 70) e registado no Supremo Tribunal de Justiça em 25 de julho de 2012 (fls. 69);
d) Por carta registada de 26 de julho de 2012, o advogado constituído do recorrente foi notificado para, nessa qualidade, efetuar o pagamento da multa nos termos do disposto no artigo 107.º-A, alínea a), do Código de Processo Penal (CPP), no prazo constante das guias anexas, que expirava em 10 de agosto de 2012 (fls. 71-72);
e) Com “marca do dia eletrónica” de “2012/08/13, pelas 16:16:40 horas”, registado no Supremo Tribunal de Justiça a 14 de agosto de 2012, foi apresentado o seguinte requerimento:
“B., mandatário nos autos à margem referenciados, vem requerer, a V. Exa., se digne ordenar a emissão de novas guias para o pagamento de multa, porquanto teve de se ausentar do País, em serviço, apenas regressando no dia passado 12 do corrente, no Domingo, pelo que não pôde efectuar o pagamento hoje.”
f) Seguidamente, o Ministério Público opôs-se ao pedido de passagem de novas guias.
g) Na mesma data, foi proferido o seguinte despacho:
«As condições de recebimento e prática do ato fora do prazo não foram respeitadas.
O pagamento da multa devida pela prática do ato (interposição do recuso) fora do prazo não foi efetuado no tempo devido e fixado na Lei, não tendo sido invocando “justo impedimento” – art. 145, 5; 146 CPC e 107, nº 2 CPP.
Consequentemente, por falta de pagamento da multa devida pela prática do ato fora de prazo, não admito, por extemporâneo, o recurso para o Tribunal Constitucional - art. 75, nº 1, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro.»
4. É deste despacho que vem deduzida a presente reclamação, recebida neste Tribunal em 27 de agosto de 2012, para julgamento nos termos do artigo 77.º da LTC. O que nela está em causa é a não admissão do recurso de constitucionalidade interposto do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de julho de 2012. O despacho de 14 de agosto de 2012 não admitiu esse recurso por extemporaneidade, uma vez que não foram respeitadas as condições de recebimento fora do prazo: não foi paga a multa devida, nem foi invocado justo impedimento. O reclamante pretende que o recurso seja admitido, revogando-se esse despacho com fundamento em que o recurso foi interposto em tempo e, se assim não se entender, porque se verifica justo impedimento quanto ao não pagamento das guias no prazo delas constante.
O primeiro dos fundamentos invocados assenta em afirmações contrárias à evidência certificada nos autos. O recorrente foi notificado do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça por carta registada de 6 de julho de 2012. Expediu o requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional a 24 de julho de 2012, indiscutivelmente fora do prazo estabelecido pelo artigo 75.º da LTC. Só ao propósito de iludir a verdade dos factos ou a lapso – cuja causa, porém, se não descortina – pode dever-se que na reclamação se afirme que “o recorrente foi notificado do acórdão do STJ em 8/VIII/12 e apresentou o seu requerimento interpondo recurso para o T. Constitucional, em 13/VIII/12, como se comprova pelo talão dos CTT, que se junta (Doc. 1)”. Aliás, a fotocópia junta pelo recorrente como doc. n.º 1, de resto parcialmente ilegível (fls. 7), corresponde ao registo postal n.º RD007803293PT, através do qual foi enviado o requerimento a pedir a emissão de novas guias para pagamento da multa (cfr. fls. 81).
Assim, sendo a interposição do recurso de constitucionalidade extemporânea e não tendo sido invocado para tanto “justo impedimento”, só mediante o pagamento, no prazo legal, da multa liquidada ao abrigo do artigo 107.º-A do Código de Processo Penal – sanção processual e não multa em que “foi condenado” como o recorrente incorretamente afirma – poderia o requerente ser admitido a praticar o ato. O que não sucedeu porque deixou expirar o prazo fixado nas “guias” sem que tenha procedido ao pagamento da quantia oficiosamente liquidada pela secretaria do Supremo Tribunal de Justiça (€ 63,75).
E igualmente improcede o segundo fundamento da reclamação.
Com efeito, no requerimento em que pediu a emissão de novas guias para pagamento da multa, o requerente – o mandatário constituído do recorrente - limitou-se a afirmar que “teve de se ausentar do País, em serviço, apenas regressando no dia passado 12 do corrente, no Domingo, pelo que não pôde efectuar o pagamento hoje”. Ora, como está implícito no despacho reclamado, não basta esta mera afirmação para que se considere invocado o “justo impedimento”, incidente que exige formulação expressa e uma alegação minimamente substanciada (artigo 146.º do CPC).
Mas, ainda que, na menos exigente das interpretações, pudesse considerar-se formalizado o incidente do “justo impedimento” relativamente ao pagamento da multa, a sua improcedência seria manifesta. Na verdade, ter o advogado de ausentar-se, em serviço, para fora do país, não constitui “evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do ato” (artigo 146.º do CPC). A alegada deslocação ao estrangeiro no âmbito da atividade profissional – cujo período, aliás, não foi sequer alegado –, para assistir um cliente nas negociações de um contrato é um evento imputável à vontade do advogado que assim atua, sem qualquer caráter de imprevisibilidade ou imperiosidade que o impeça de tomar as necessárias providências para assegurar a prática dos atos respeitantes aos processos em que intervém. Mais a mais, tratando-se de um processo de natureza urgentíssima e sendo o ato a praticar nele – pagamento da multa – inerente à apresentação de um requerimento fora de prazo e sendo, por isso, inteiramente previsível, agindo com a diligência exigível. As condições em que o advogado exerça a profissão (no caso e alegadamente, ter-se visto obrigado a dispensar a secretária por razões económico-financeiras, não ter a quem recorrer quando ausente) comportam riscos assumidos por quem assim se estabelece, de modo algum podendo converter-se em motivos atendíveis de “justo impedimento”.
Tanto basta para que, julgando a reclamação improcedente, se confirme o despacho que, com fundamento em extemporaneidade, não admitiu o recurso de constitucionalidade interposto pelo reclamante do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 5 de julho de 2012.
5. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar o recorrente nas custas, com 20 (vinte) UCs de taxa de justiça
Comunique, por “fax”, ao Supremo Tribunal de Justiça.
Lisboa, 4 de setembro de 2012.- Vítor Gomes – Carlos Fernandes Cadilha – Rui Manuel Moura Ramos.