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Proc. nº 433/2003
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, em que figura como recorrente A. e como recorrido o Hospital B., a Relatora proferiu Decisão Sumária nos seguintes termos:
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal Central Administrativo, em que figura como recorrente A. e como recorrido o Hospital B., o recorrente instaurou acção para reconhecimento de direito contra o recorrido, pedindo o reconhecimento do direito a ser contratado como Assistente hospitalar de cirurgia plástica. O Tribunal Administrativo do Círculo do Porto, por sentença de 30 de Setembro de
2002 (fls. 54 e ss.), considerou que o meio processual utilizado (acção para reconhecimento de um direito) não é admissível no caso (tendo antes cabimento o recurso de anulação), nos termos do artigo 69º, nº 2, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos. O Tribunal considerou, por outro lado, que o Hospital B. era parte ilegítima. Com estes dois fundamentos a acção foi rejeitada.
2. A. interpôs recurso da sentença de 30 de Setembro de 2002 para o Tribunal Central Administrativo. Nas alegações de recurso apresentadas, o recorrente sustentou a inconstitucionalidade da não admissão do recurso à acção para reconhecimento de um direito, por violação do artigo 268º da Constituição. O Tribunal Central Administrativo, por acórdão de 28 de Abril de 2003, remeteu para a fundamentação da sentença de 30 de Setembro de 2002, negando provimento ao recurso.
3. A. interpôs recurso de constitucionalidade do acórdão de 28 de Abril de
2003, ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da conformidade à Constituição da norma do artigo 69º, nº 2, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, quando interpretada no sentido acolhido pelo acórdão recorrido, isto é, no sentido de não ser admissível a acção para o reconhecimento de um direito.
Cumpre decidir.
4. O acórdão recorrido nos presentes autos (acórdão do Tribunal Central Administrativo de 28 de Abril de 2003) negou provimento ao recurso da sentença que havia rejeitado a acção para reconhecimento de um direito com um duplo fundamento: a inadmissibilidade do meio processual utilizado; a ilegitimidade passiva do réu. O recorrente, no presente recurso de constitucionalidade, apenas impugna a norma subjacente ao primeiro desses fundamentos, ou seja, apenas submete à apreciação do Tribunal Constitucional a norma que fundamenta o entendimento segundo o qual não é admissível in casu a acção para reconhecimento de um direito (uma dada interpretação do artigo 69º, nº 2, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos). Nessa medida, qualquer juízo que o Tribunal Constitucional viesse a formular sobre a questão suscitada não teria a virtualidade de alterar a decisão recorrida, uma vez que esta sempre subsistiria com o fundamento alternativo autónomo e suficiente consistente na ilegitimidade processual do Hospital B.. Assim, esse juízo seria inútil, pelo que não se apreciará o objecto do presente recurso.
5. Alcançada esta conclusão, afigura-se inútil a averiguação dos demais pressupostos processuais do recurso interposto, nomeadamente do pressuposto que consiste na suscitação de uma questão de constitucionalidade normativa durante o processo.
6. Em face do exposto, decide-se não tomar conhecimento do objecto do presente recurso, por inutilidade.
2. O recorrente vem agora reclamar para a Conferência, ao abrigo do artigo
78º-A, nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
1. O recorrente interpôs o presente pedido de declaração de inconstitucionalidade do sentido interpretativo do Tribunal Central Administrativo quanto ao artigo 69º nº 2 da LPTA.
2. que vedando o acesso do Recorrente à Acção para o Reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido, violava o artigo 268º da Constituição,
3. porquanto seria esta via de Acção a única que permitiria a tutela jurisdicional do direito do Recorrente.
4. foi por esta douta decisão sumária decidido recusar a admissão do Recurso ora interposto porquanto a decisão em crise não só ter negado provimento às intenções do Recorrente por este motivo como também pelo da ilegitimidade passiva do Réu.
5. Concluiu a Douta Decisão Reclamada a pronúncia do Tribunal Constitucional sobre a questão colocada, na hipótese em que se acredita vir a ser achada procedente, não teria a virtualidade de alterar a decisão recorrida.
6. Salvo o devido respeito, e neste particular caso, tal conclusão silogística, não pode ser tirada.
7. Verdadeiramente importante será a declaração como inconstitucional do entendimento havido quanto às hipóteses de, no caso concreto, ser a acção para o reconhecimento de um direito não utilizável.
8. Isto porque a decisão quanto à ilegitimidade passiva do Hospital B. apenas determinará a absolvição da instância, o que facultará sempre a hipótese de nos
30 dias seguintes interpor uma nova acção.
9. Se existe resolução para a decisão da ilegitimidade passiva do Réu, podendo o ora Recorrente vir a propor uma acção, já solução não existirá se esta não for o meio próprio para o exercício dos seus direitos.
10. Ou seja, a pronúncia do Ilustre Tribunal Constitucional quanto à constitucionalidade do meio usado pelo Réu, ou melhor, quanto à inconstitucionalidade do entendimento que impede o uso da acção para o Reconhecimento de um direito, tem plena pertinência e torna-se útil pois,
11. a outra razão que motivou o indeferimento do Recurso pelo TCA é ultrapassável por previsão legal.
12. Será a negação do Ilustre Tribunal Constitucional em apreciar uma alegada inconstitucionalidade que vem vedar outro direito conexo, o de, aproveitando o próprio prazo, o Recorrente vir nos 30 dias seguintes a propor nova acção contra o titular do órgão achado competente.
13. Não se torna, pelo exposto, inútil a apreciação pelo Ilustre Tribunal Constitucional da inconstitucionalidade alegada,
14. antes é a mesma imprescindível para que possa o Recorrente vir a accionar quem o Tribunal Central Administrativo achou competente para que responda pelas suas ilegalidades.
15. Há, pois a mais profunda utilidade para o Recorrente defender o que pensa serem os seus direitos, na apreciação do presente Recurso.
O Hospital recorrido pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação.
Cumpre apreciar.
3. O recorrente sustenta que a apreciação da questão de constitucionalidade relativa à propriedade do meio judicial utilizado nos autos teria utilidade, uma vez que sempre poderia instaurar “nova acção” para reconhecimento de um direito contra a entidade com legitimidade passiva. Ora, se o Tribunal Constitucional viesse a formular um juízo de inconstitucionalidade, a decisão recorrida sempre subsistiria com o fundamento da ilegitimidade passiva do réu, fundamento não impugnado pelo recorrente, mantendo-se, desse modo, a decisão de “rejeição da acção” proferida nos autos – sublinhe-se que a decisão do Tribunal Administrativo do Círculo do Porto
(decisão confirmada pelo acórdão recorrido) considerou que ambos os fundamentos acolhidos (ilegitimidade passiva e inadmissibilidade do meio processual) têm por consequência a “rejeição da acção” (cf. fls 57). Nada impede, pois, que na “nova acção” que o recorrente afirma pretender instaurar se discuta a propriedade do meio processual utilizado, uma vez que se tratará efectivamente de uma acção para reconhecimento de direito ou interesse legítimo diversa da interposta nos presentes autos, instaurada contra uma entidade diferente [essa acção poderá, eventualmente, originar um novo recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional].
4. Não obstante, sempre se dirá que outro fundamento, mencionado na Decisão Sumária reclamada, existe para o não conhecimento do objecto do presente recurso. Com efeito, o recorrente não suscitou nos autos a questão de constitucionalidade que pretende ver apreciada, uma vez que apenas invocou, nas alegações de recurso perante o Tribunal Central Administrativo, a genérica violação do artigo 268º da Constituição, assim como do próprio artigo 69º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, imputando, nessa medida, o vício de inconstitucionalidade e de ilegalidade à decisão recorrida e não a uma norma jurídica. Tendo o presente recurso sido interposto ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, e não tendo sido proferida qualquer decisão objectivamente imprevisível ou inesperada (o acórdão recorrido confirmou a decisão do Tribunal Administrativo do Círculo do Porto), impendia sobre o recorrente o ónus da suscitação da questão de constitucionalidade normativa durante o processo. Assim, também por esta razão o Tribunal Constitucional não poderá tomar conhecimento do objecto do presente recuso de constitucionalidade. Improcede, pois, a presente reclamação.
5. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 UCs.
Lisboa, 10 de Dezembro de 2003
Maria Fernanda Palma Benjamim Rodrigues Rui Manuel Moura Ramos