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Proc. n.º 746/99
3ª Secção Relator: Cons. Gil Galvão
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório.
1. Pelo acórdão deste Tribunal Constitucional n.º 175/2003, foi decidido não tomar conhecimento do objecto do recurso interposto por A. (ora reclamante), condenando-o em custas.
2. Transitada em julgado esta decisão e notificado da conta de custas, veio o ora reclamante aos autos “[...] nos termos do art. 60º, n.º 1, do Código das Custas Judiciais, apresentar a sua: RECLAMAÇÃO O que f[e]z de harmonia e com os seguintes fundamentos:
1) O Recorrente A. perante a notificação para pagamento da conta supra identificada, vem informar que a sua responsabilidade relativamente ao pagamento das custas é inexistente, porquanto o mesmo litiga com apoio judiciário.
2) Efectivamente foi requerido pelo Recorrente, nos Embargos de Executado que deduziu, apoio judiciário na modalidade de dispensa total de preparos e de custas finais, em todas as Instâncias e em todos os Incidentes, pedido que lhe foi inteiramente deferido e que se mantém.
3) Assim admitido em termos definitivos, goza o Recorrente de tal faculdade - isenção do pagamento de quaisquer custas, conforme se alcança dos autos - pelo que não se justifica nem surge fundamentado, o pedido de pagamento das custas, já que o requerido apoio judiciário se mantém, talqualmente se mantém também, a sua carência económica, aliás, com dos autos se vê, situação em que radicou o fundamento para a interposição de recurso para esse VºTC,
4) Assim dito e exposto, se deixa desde já requerido a V. Exa, se digne ordenar que seja dado sem efeito, o dever de depósito do montante das custas, [...]”.
3. Notificado para responder, disse o Ministério Público:
“O recorrente efectivamente requereu o apoio judiciário na petição de embargos que apresentou. Porém, como foi decidido que a dedução de embargos era intempestiva, não foi proferido qualquer despacho sobre o dito requerimento, não tendo sido, deste modo, sequer liminarmente admitido o pedido de apoio judiciário deduzido perante os tribunais judiciais. O recorrente nunca deduziu qualquer reacção contra a ausência de admissão liminar do pedido de apoio judiciário, que os tribunais judiciais terão implicitamente considerado precludido, em consequência da intempestividade do pedido principal – não sendo obviamente tempestivo vir deduzir agora tal questão perante este Tribunal Constitucional, pretendendo obter o suprimento de uma possível omissão – cometida aquando da tramitação da causa perante a ordem dos tribunais judiciais”.
4. Proferiu então o relator o despacho de fls. 131, indeferindo o requerido, nos seguintes termos:
“Requerimento de fls. 127. A condenação em custas constante do acórdão n.º 175/2003, que pôs termo ao recurso para este Tribunal Constitucional, transitou em julgado. Alega o ora requerente que não tem responsabilidade por custas, uma vez que litiga com apoio judiciário, o qual foi pedido nos embargos de executado e “foi inteiramente deferido e[...] se mantém.”. Acontece, porém, que não se encontra no processo qualquer decisão sobre tal requerimento, dado que, como salienta o representante do Ministério Público, a dedução de embargos foi rejeitada por intempestiva, “não tendo sido, deste modo, sequer liminarmente admitido o pedido de apoio judiciário”. Ora, não tendo havido qualquer decisão de concessão de apoio judiciário e não tendo o ora requerente reagido contra a não admissão liminar do seu pedido que, conforme igualmente sublinha o representante do Ministério Público, “os tribunais judiciais terão implicitamente considerado precludido, em consequência da intempestividade do pedido principal”, não há agora lugar a que tal questão seja suscitada perante este Tribunal, pelo que vai o requerimento indeferido.”
5. Inconformado, veio o ora reclamante aos autos com um requerimento do seguinte teor:
“[...] notificado do despacho que indeferiu a reclamação de conta de custas, com o número 260/2003, vem expor, esclarecer e a final, requerer o seguinte:
1) O Recorrente A., perante a notificação para pagamento da conta supra identificada, veio informar que a sua responsabilidade, relativamente ao pagamento das custas era inexistente, mantendo no presente a mesma posição, porquanto o mesmo litiga efectivamente com apoio judiciário Se não vejamos,
2) Foi requerido pelo Recorrente, nos Embargos de Executado que deduziu, apoio judiciário, na modalidade de dispensa de preparos e custas finais, em todas os Instâncias e em todos os Incidentes, conforme foi explicitado na Reclamação anteriormente deduzida, sendo que, salvo melhor opinião, é correcto o entendimento de que o pedido foi inteiramente deferido e que se mantém.
3) Na verdade, acertado é o plasmado no despacho que indeferiu a reclamação da conta na parte em que é afirmado: “não se encontra no processo qualquer decisão sobre tal requerimento”.
4) Já não é aceitável, no plano dos factos e do Direito, o que foi entendido pelo representante do Ministério Público, e transcrito no .despacho, quando foi salientado que a dedução de embargos foi rejeitada por intempestiva 'não tendo sido, deste modo, sequer liminarmente admitido o pedido de apoio judiciário” porquanto a sua admissão (Embargos de Executado) ficou dependente do pagamento de multa prevista no art. 145º, do CPC, o qual (pagamento) é efectuado de pronto, o que e face à carência económica do Recorrente, não lhe foi possível, aliás, escopo esse, tido como a génese de todos os recursos interpostos; sempre com o fundamento na inconstitucionalidade do referido preceito legal.
5) Ora, se não foi sequer apreciado o pedido de apoio judiciário, devia tê-lo sido explicitamente, na medida em que, desde logo os próprios embargos tinham subjacente, carência económica do Embargante e, porque não admitidos por falta de pagamento da multa prevista no art. 145º do CPC, os autos continuaram o seu percurso, através de recursos e, daí, porque autónomo o pedido de A.J., .deverá ser sempre apreciado e decidido, independentemente da decisão que recaia sobre os restantes questões.
6) Assim, salvo o respeito devido e melhor opinião, lavrou o Digno representante do Ministério Público em erro, arrastando para o mesmo equívoco, o Exmº Conselheiro Relator, porquanto é desajustada a conclusão retirada por aquele, em razão de não ter havido decisão de concessão de apoio judiciário sem que o requerente tenha reagido contra a não admissão liminar do seu pedido, ao afirmar, presuntivamente, que “...os tribunais terão implicitamente considerado precludido em consequência da intempestividade do pedido principal”,
7) Presumindo, ex-post, o que não é presumível, não só pelos actos constantes dos autos a que se fará alusão adiante, como fazendo quase que tábua rasa de uma faculdade, ónus e direito que assistia sempre ao requerente perante a decisão que lhe foi desfavorável, nem mais nem menos que a possibilidade de lançar mão do recurso, para reapreciação, da decisão da primeira instância o que de facto veio a suceder.
8) Pelo que, sem que tenha havido claro posicionamento sobre o pedido de apoio judiciário, deduzido em sede de embargos pelo requerente, apesar de se ter e entendido como intempestivo o pedido principal, por falta de pagamento imediato da multa prevista no art. 145º do CPC, sempre teria que ser tomada posição quanto àquele, porquanto haveria; como houve, possibilidade de não conformação com tal decisão e, daí, a interposição de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa,
9) E na ausência do referido posicionamento pela primeira instância, deveria ter-se como deferido o pedido aquando da admissão do recurso interposto e nunca, como agora é entendido, sob presunção, no despacho que indeferiu a reclamação de conta, que os “tribunais judiciais terão implicitamente considerado precludido, em consequência da intempestividade do pedido principal” (sublinhado e negrito nosso).
10) Na realidade, foi exactamente o oposto que se passou, isto é; o Tribunal da Relação de Lisboa entendeu como deferido o pedido de apoio judiciário formulado pelo agravante, ora requerente, conforme se alcança aliás, da própria folha de rosto que acompanhou o douto Acórdão, de que se junta cópia, onde à frente do nome consta o apócrifo: A.J., que corresponde indubitavelmente a Apoio Judiciário, e que é conclusivo quanto à inexistência de qualquer preclusão, por parte dos tribunais judiciais, do pedido de apoio judiciário em consequência da intempestividade do pedido principal, por falta do pagamento imediato da multa
(art. 145º, CPC).
11) Até porque foi, o mesmo pedido de apoio judiciário, sempre reiterado em todas as alegações de recurso apresentadas até ao momento, sem que fosse o mesmo indeferido, ou sequer fossem enviadas custas para serem pagas pelo requerente,
12) Isto até que foi enviada a conta de que se reclamou no anterior requerimento.
13) Destarte, são claros os sinais nos autos relativamente à admissão do pedido de apoio judiciário formulado pelo requerente, e que levaram o mesmo a recorrer sucessivamente na defesa dos seus interesses, porquanto, caso se tivesse verificado um indeferimento do pedido em causa, não teria porventura esgotado todas as possibilidades legais de fazer valer a sua posição em virtude do estado de carência económica em que se encontrava e encontra.
14) Diga-se que era, e é; a situação de carência económica que está e sempre esteve, na base de todo o processado, nomeadamente da possibilidade de acesso ao direito ser negada em virtude dessa mesma insuficiência, pelo que ao entender-se toda esta questão, nos termos constantes do douto despacho proferido em 21 de Maio de 2003, que se sustenta também na promoção do Digno representante do Ministério Público, debaixo dos pés do requerente abrir-se-á um verdadeiro e inusitado alçapão judicial tão inesperado quanto injusto, para além de economicamente insuportável e indevido.
15) Pelo que se mantém do predito, a reclamação da conta, no sentido de que deve ser julgado como deferido o pedido de apoio judiciário formulado na petição de embargos e admitida a dispensa do pagamento das custas em apreço por parte do ora Requerente A.. Assim dito e exposto, se deixa requerido a V. Ex.ª se digne ordenar que seja dado sem efeito o dever de depósito do montante das custas; atendendo-se à reclamação de conta anteriormente deduzida, porquanto ao Recorrente A. foi-lhe concedido efectivamente apoio judiciário, com dispensa de preparos e de custas finais.[...]”
6. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal, notificado da reclamação deduzida no processo em epígrafe, vem responder-lhe nos termos seguintes:
“1 - Reitera-se inteiramente a posição tomada na antecedente promoção.
2 - Apenas se aditando que a situação processual criada é de imputar ao próprio reclamante - que nunca suscitou, na sede própria, perante os tribunais judiciais, a nulidade por invocada omissão (total) de pronúncia sobre o pedido de apoio judiciário que deduziu.
3 - E apenas colocando tal questão perante este Tribunal, no momento em que foi elaborada a conta de custas.
4 - Ora - como está perfeitamente assente na jurisprudência constitucional não compete ao Tribunal Constitucional suprir nulidades que hajam, porventura, sido cometidas durante a tramitação do processo nas competentes instâncias judiciais”.
Dispensados os vistos, cumpre decidir.
II. Fundamentação
7. O requerimento de fls. 133 e 134, em que o requerente reage ao despacho de fls. 131, tem de ser interpretado como reclamação para a conferência daquele despacho, embora o requerente o não refira expressamente.
A reclamação é, porém, improcedente.
Com efeito, como se ponderou já na decisão reclamada e agora se reitera, nem se encontra no processo qualquer decisão que haja deferido o pedido de apoio judiciário formulado pelo ora requerente, nem o mesmo reagiu, na altura própria, contra uma eventual omissão de pronúncia quanto a esse pedido de apoio judiciário. Dessa forma, não pode considerar-se, ao contrário do que alegou o reclamante, que lhe tenha sido deferido o pedido de apoio judiciário. Por outro lado, sendo a questão apenas colocada perante o Tribunal Constitucional e já depois de ter transitado em julgado a decisão que pôs termo ao recurso para este Tribunal, é-o, manifestamente, fora de tempo, até porque - como, refere o Ex.mo Representante do Ministério Público – “está perfeitamente assente na jurisprudência constitucional que não compete ao Tribunal Constitucional suprir nulidades que hajam, porventura, sido cometidas durante a tramitação do processo nas competentes instâncias judiciais”.
III. Decisão
Nestes termos, decide-se indeferir a presente reclamação. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 (quinze) unidades de conta.
Lisboa, 6 de Junho de 2003 Gil Galvão Bravo Serra Luís Nunes de Almeida