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Proc. n.º 99/04 TC - 1ª Secção Rel.: Cons.º Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
1 - Nos autos de recurso, supra identificados, em que é recorrente A. e recorrido B. foi proferida a seguinte decisão sumária:
'1 - A., recorre para este Tribunal, ao abrigo do artigo 70º n.º 1 alínea b) da LTC, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de fls. 314 e segs. pedindo a verificação da constitucionalidade das normas contidas nos artigos 1º, 10º, 13º e 21º da Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto (Lei da Arbitragem Voluntária), na interpretação que lhes foi dada no acórdão recorrido, normas essas que violariam o disposto nos artigos 20º, n.ºs 1 (primeira parte), 4 (in fine), e 5, 202º n.º 2 e 266º n.º 2 da Constituição.
O recurso foi admitido no tribunal 'a quo', o que não vincula o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 76º n.º 2 da LTC.
Cumpre decidir.
2 - De acordo com jurisprudência reiterada deste Tribunal, quando é questionada a constitucionalidade de normas com determinada interpretação, deve o recorrente especificar no requerimento de interposição de recurso essa mesma interpretação, não bastando, para o efeito, a mera remissão para a decisão recorrida.
No caso, o recorrente, questionando a constitucionalidade das citadas normas da Lei n.º 31/86, com a interpretação que lhes foi dada no acórdão do STJ, não cumpre aquele ónus, o que constituiria fundamento para despacho de aperfeiçoamento previsto no artigo 75º-A n.ºs 5 e 6 da LTC.
Tal, porém, constituiria no caso um acto inútil, uma vez que, qualquer que fosse a interpretação indicada, sempre seria - como é - de não conhecer do objecto do recurso, como se passa a demonstrar.
3 - O recorrente intentou nos tribunais cíveis da comarca de Lisboa acção de impugnação do acórdão da Comissão Arbitral Paritária (CAP) que decidira desfavoravelmente a sua pretensão de declaração de inexitência de justa causa de rescisão do contrato de trabalho com B. e rejeitar o incidente de suspeição concomitantemente deduzido relativamente a três dos árbitros que integravam a referida CAP.
No que ao caso interessa - o incidente de suspeição - o recorrente agravara de decisão da CAP que rejeitara o incidente, sucedendo que a CAP se reconheceu competente para conhecer do recurso e o indeferiu.
Na referida acção entendeu, em síntese, o Autor ,ora recorrente, que, de acordo com a Lei n.º 31/86 a competência para decidir o incidente era do Presidente da Relação, seguindo-se os trâmites previstos no as artigos 126º e segs. do CPC, não podendo, além do mais, esgrimir-se para fundamentar a competência da CAP com a impossibilidade de recurso judicial das decisões da Comissão, por força do artigo 48º do pertinente Contrato Colectivo de Trabalho e no regulamento (anexo II) do mesmo CCT.
Por sentença proferida pela 12ª Vara Cível de Lisboa foi dada razão ao A, com fundamento em que o processamento do incidente de suspeição de
árbitros deveria seguir os trâmites prescritos nos artigos 129º e 130º do CPC, considerando ainda ter plena aplicação o disposto no artigo 10º n.º 1 da Lei n.º
31/86, uma vez que os árbitros da CAP não eram designados pelas partes mas pela C. e pelo Sindicato D..
A CAP teria, assim, dirimido um litígio que não era susceptível de resolução pela comissão arbitral, proferido uma decisão para a qual não tinha competência, conhecido de questões que não poderia conhecer e deixado de praticar actos que estava obrigada a praticar. o que integrava os fundamentos de anulação da decisão previstos nas alíneas a), b) e e) do n.º 1 do artigo 27º da Lei n.º 31/86.
O requerido recorreu desta sentença para a Relação de Lisboa que, por acórdão de fls. 252 e segs., concedeu provimento ao recurso.
Neste acórdão escreveu-se:
'A Comissão Arbitral Paritária que proferiu as decisões postas em causa é um tribunal arbitral voluntário, constituído por árbitros designados pelas partes, num total de seis, três por cada uma das partes (cfr. Portaria n.º
809/91, de 13 de Agosto).
Foi criada pela C. (cfr. Contrato Colectivo de Trabalho dos Jogadores Profissionais de Futebol - BTE n.º 5, de 8.2.91) para dirimir os litígios laborais entre os jogadores profissionais de futebol e os respectivos clubes ou sociedade desportivas.
As partes, de acordo com o respectivo regulamento (cfr. Anexo II), estabeleceram uma cláusula comprimissória através da qual atribuíram competência exclusiva à CAP para dirimir todos os conflitos provenientes do contrato de trabalho desportivo pelo que as questões inerentes aos litígios resultantes deste contrato são da competência exclusiva da CAP.
Também, a aceitação pelas partes da arbitragem da CAP, em conformidade com o artº 10º do Anexo II do CCT implica a renúncia ao recurso das suas decisões.
Além disso, baseando-se a designação dos árbitros na confiança das partes, não nos parece curial a admissibilidade de incidente de suspeição relativamente a árbitros que componham a CAP, não só porque tal implicaria que deixasse de existir 'quorum' deliberativo, impedindo a decisão do litígio pelos
árbitros que as partes escolheram, como configuraria um verdadeiro 'venire contra factum proprium (cfr. artº 334º do C.C.) traduzido numa conduta anterior do requerente da suspeição (aceitação da arbitragem - designação dos árbitros) que, objectivamente interpretada face à lei, bons costumes e boa fé, legitima a convicção que assim não procederia (cfr. Ac. RC: CJ, 1997, 4º - 800).
Por outro lado, o facto de a CAP se haver pronunciado sobre a questão da suspeição, julgando-a improcedente, encontra-se no âmbito da competência que lhe é concedida pela Lei n.º 31/86 que não contempla a suspeição, afastando-a do regime da arbitragem (cfr. artºs 10º e 13º) e permite ao tribunal arbitral decidir sobre a sua própria competência (cfr. artº 21º) o que abrange, necessariamente, a competência para dirimir os incidentes suscitados pelas partes.
Logo, ao apreciar a questão da suspeição, a CAP procedeu dentro da competência que lhe confere a Lei n.º 31/86, o CCT, o Regulamento e a Cláusula Compromissória.'
O ora recorrente impugnou esta decisão em recurso dirigido ao STJ, pugnando pela tese que, no essencial, fora acolhida na sentença de 1ª instância e sustentando, em especial, que não foram as parte envolvidas que designaram os
árbitros, pelo que a situação se subsumiria ao disposto no artigo 10º n.º 1 da Lei n.º 31/86, não se verificando qualquer comportamento contraditório, ou abuso de direito na modalidade de 'venire contra factum proprium' referido no acórdão então recorrido.
Pelo acórdão ora recorrido, o STJ negou a revista.
No trecho que interessa, escreve-se no acórdão recorrido:
'(...), analisado o mesmo acórdão [da Relação, então sob recurso], constata-se que nele foi feita análise das disposições legais respeitantes às questões suscitadas nas alegações da apelação, bem como a sua adequada e correcta interpretação e aplicação àqueles mesmos factos, pelo que com ele inteiramente se concorda, quer quanto ao nele decidido, quer quanto aos respetivos fundamentos, a que se adere e para que se remete ao abrigo do disposto nos citados artºs 726º e 713º, agora no seu n.º 5 (...).'
E mais adiante, diz-se:
'Apenas haverá que salientar, em aditamento, que, para além de ser contraditório e inadmissível que o recorrente tenha acordado em submeter o pleito à CAP nos termos do artº 15º do referido contrato de trabalho desportivo
- o que implica aceitar a designação, como seus, de árbitros designados pela C., e sujeitar-se aos árbitros designados pelo D. - venha arguir suspeição dos membros da mencionada comissão arbitral, logo no respectivo requerimento inicial, a entender-se ser admissível a invocação da suspeição de membros de tribunal arbitral voluntário, deveriam ser indicados factos concretos e precisos susceptíveis de integrar fundamento legal da suspeição, como do disposto nos artºs 128º e 129º do Cód. Proc. Civil resulta claramente. Ora, na hipótese dos autos, nenhum dos factos referidos na petição inicial da presente acção como tendo sido invocados como fundamento da suspeição é susceptível de integrar qualquer dos fundamentos exigidos pelo artº 127º do Cód. Proc. Civil, nem sequer da alínea g) do seu n.º 1, único a que parece o recorrente pretender, embora de forma pouco clara aludir, pois decisões anteriores tomadas noutros processos, contrárias aos interesses do ora recorrente, não implicam inimizade ou falta de isenção e de imparcialidade mas interpretação de normas processuais ou substantivas divergente da ali defendida pelo A., o que tornava manifesta a improcedência dessa pretensão do ora recorrente.
Logo, para além de se considerar inadmissível a invocação de suspeição em face do disposto nos artigos 10º e 13º da Lei n.º 31/86, de 29/8, que a excluem da arbitragem voluntária, e tendo de se entender consagrada a competência do tribunal arbitral para o declarar bem como para decidir qualquer outro incidente suscitado por qualquer das partes, face ao disposto no artº 21º da mesma Lei, sempre teria que se considerar correcta a decisão de indeferimento do incidente de suspeição, nada obstando sequer a que fosse tomada no momento em que o foi e pela forma em que o foi, até porque, mesmo que a invocação de suspeição fosse admissível e a falta de alusão à mesma constituísse apenas um caso omisso em matéria de arbitragem, tal seria permitido pelo disposto no artº
11º do regulamento que constitui o Anexo II do CCT dos Jogadores Profissionais de Futebol in BTE, 1ª Série, n.º 5m de 8/2/91 .
.....................................................................................................................'
Do texto transcrito resulta, assim, que o acórdão recorrido, para além de decidir que, no caso em preço, as normas citadas da Lei n.º 31/86 consentem que seja afastada da arbitragem voluntária a admissibilidade do incidente de suspeição - e esta acaba por ser, no essencial, a interpretação que o recorrente questiona sub specie constitutionis - pronuncia-se - bem ou mal, com competência, ou não, para o fazer - sobre os factos alegados pelo recorrente como fundamento da suspeição deduzida, considerando que eles não são susceptíveis de integrar qualquer dos fundamentos exigidos pelo artigo 127º do CPC.
Por outro lado, o acórdão recorrido não deixa de conferir relevância ao facto de o artigo 10º do regulamento anexo (II) ao CCT estabelecer a renúncia ao recurso das decisões da comissão arbitral, o que, no caso, já nada tem a ver com a interpretação das citadas normas da Lei n.º 31/86.
Por último, tendo em conta que, face ao disposto no artigo 10º n.º 1 da Lei n.º 31/86, e no ponto em que esta disposição manda aplicar 'aos árbitros não nomeados por acordo das partes' 'o regime de impedimentos e escusas estabelecido na lei do processo civil para juízes' era decisivo responder à questão de saber se, no caso, os árbitros haviam sido nomeados por acordo das partes (defendendo o recorrente que não, por se tratar de uma nomeação da C.), inequívoco é que o acórdão recorrido lhe responde negativamente. Tal também não deriva de qualquer interpretação das referidas normas da Lei n.º 31/86, mas das circunstâncias do caso, iluminadas pelos termos do artº 15º do contrato de trabalho desportivo.
Ora, estes últimos fundamentos acabam por ser razões alternativas da decisão recorrida sendo certo que o seu enquadramento normativo não se integra no âmbito do recurso interposto pelo recorrente limitado á interpretação das referidas normas da Lei n.º 31/86.
Daqui resulta que a eventual procedência do recurso não teria incidência substancial no decidido pelo STJ, por se manterem os fundamentos alternativos, o que é contrário à instrumentalidade do recurso de constitucionalidade em fiscalização concreta
Deste modo, o recurso, com o âmbito delimitado pelo recorrente, é inútil.
3 - Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se não conhecer do objecto do recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 Ucs'.
O recorrente pediu a aclaração desta decisão, o que veio ser indeferido por despacho de fls. 353 e segs..
Vem, agora, o recorrente reclamar para a conferência da mesma decisão sumária.
Na sua reclamação, limita-se o recorrente a pôr em causa o que supostamente foi decidido no que concerne à escolha dos árbitros da CAP, confrontando a tese do reclamante (no sentido de que os árbitros não foram escolhidos por ele) e a que teria sido a tese dos acórdãos da Relação e do STJ e da própria decisão sumária
(a de os árbitros terem sido escolhidos pelo reclamante).
A questão relevaria para efeitos do disposto no artigo 10º n.º 2 da Lei da Arbitragem Voluntária (Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto), uma vez que, de acordo com a norma ínsita naquele preceito legal, a parte não pode recusar o árbitro por ela designado.
O recorrido sustenta que a reclamação deve ser indeferida.
Cumpre decidir.
2 - Começa por se assinalar que o reclamante labora em erro na interpretação da decisão sumária reclamada.
Com efeito, nela não se sufraga qualquer tese acolhida no acórdão recorrido sobre a escolha dos árbitros - se ela foi ou não feita pelo recorrente.
Não o fez e - adiante-se - não o podia fazer, já que se trata de matéria fora dos poderes de cognição do Tribunal Constitucional no ponto em que ela resulta de uma ilação extraída no estrito âmbito do direito infraconstitucional.
Por outro lado, é de assinalar, ainda, que na decisão sumária se fazem relevar, para o não conhecimento do objecto do recurso, o que se consideraram fundamentos alternativos do acórdão recorrido, designadamente o facto de neste se terem apreciado as razões do impedimento ou escusa alegadas pelo ora reclamante, concluindo-se pela sua improcedência.
E sobre este fundamento nada se diz em contrário na presente reclamação, o que, desde logo, constituiria razão para se manter e confirmar a decisão sumária.
Mas, como se disse - e cingindo-nos ao teor da reclamação - não se vê na decisão sumária qualquer apoio, explícito ou implícito, à tese acolhida no acórdão recorrido sobre a escolha dos árbitros por parte do recorrente.
O que ali se faz é apenas constatar o facto de naquele acórdão se entender que o recorrente 'aceitou' a 'designação, como seus, de árbitros designados pela C. e sujeitar-se aos árbitros designados pelo D.'.
Foi este passo do acórdão recorrido que permitiu a afirmação feita na decisão sumária no sentido de que 'tal também não deriva de qualquer interpretação das referidas normas da Lei n.º 31/86, mas das circunstâncias do caso, iluminadas pelos termos do artº 15º do contrato de trabalho desportivo'.
Ou seja, questionando o recorrente a constitucionalidade de normas da Lei n.º
31/86 (nomeadamente a do artigo 10º da LAV) o punctum saliens em causa não resultava da interpretação dessas normas, mas de outras razões de direito, cuja constitucionalidade não era objecto do recurso.
E, sobre este fundamento da decisão sumária, nada diz também o reclamante com relevância para o infirmar, ao que não terá sido alheio o assinalado erro de interpretação da mesma decisão.
Não pode, assim, proceder a presente reclamação.
3 - Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 Ucs.
Lisboa, 13 de Abril de 2004
Artur Maurício Rui Manuel Moura Ramos Luís Nunes de Almeida