Imprimir acórdão
Processo nº 307/2001
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. L... recorreu para o Tribunal Constitucional do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 6 de Fevereiro de 2001, de fls. 1855, ao abrigo do disposto na al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, pretendendo
'ver declarada a inconstitucionalidade material implícita da interpretação feita pelo Tribunal da Relação de Lisboa ao considerar não terem sido violadas as normas do artº 126º, ns 1, 2 e 4 do C.P.P., violando assim, por infracção as regras constitucionais inscritas no artº 32º, nºs 1 e 6 da CRP'. Esclarece ainda no requerimento de interposição de recurso que suscitou a questão de inconstitucionalidade 'na resposta à motivação de recurso do Ministério Público'. O recurso não foi admitido, pelo despacho de fls. 1898. Entendeu a Relatora, no Tribunal da Relação de Lisboa, que o mesmo era 'manifestamente infundado', porque no acórdão recorrido 'não foi aplicada ‘norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo nem o mesmo contém o juízo de não violação do artigo 126º do CPP ou qualquer interpretação desse preceito violadora de normas constitucionais. (...) no acórdão recorrido procedeu-se à ponderação e valoração da prova indiciária, para afirmar, apenas, a inexistência de elementos que permitissem fundamentar um juízo seguro sobre a nulidade das provas obtidas directa e indirectamente pela actuação da testemunha Ângelo Nascimento em colaboração com a Polícia Judiciária'.
2. Inconformado, L... reclamou para o Tribunal Constitucional deste despacho. Afirma, em síntese, ter havido aplicação da norma que impugna ('No entanto, conforme se pode comprovar pelo acórdão proferido, nomeadamente a pgs 20, 21, 27 e 35, é feita invocação do preceito constitucional consagrado no artº 32º, nº 8, bem como, a alusão ao artº 126º, nº 2 do C.P.P. em outros pontos do mesmo recurso. Pelo que, dificilmente se poderá concluir que não houve aplicação da norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada') e ter sido oportunamente suscitada a respectiva inconstitucionalidade ('Ao que acresce o facto de o ora recorrente ter invocado a exigência constitucional constante do artº 32, nº 8
(6) e do artº 126º, nº 1, 2 e 4 do C.P.P. na sua resposta à motivação de recurso'). Acrescenta ainda que, a não se entender então suscitada tal inconstitucionalidade, sempre se deveria considerar, dado 'o uso inesperado d[a] interpretação' adoptada pelo acórdão recorrido, que ainda poderia ser levantada no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional. Notificado para o efeito, o Ministério Público veio pronunciar-se no sentido da manifesta improcedência da reclamação, por não ter sido suscitada oportunamente
'qualquer questão de inconstitucionalidade normativa', não obstante o recorrente ter tido 'plena oportunidade processual para o fazer'. E diz ainda que nem no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional o reclamante 'curou de delinear, em termos adequados, uma questão de inconstitucionalidade ‘normativa’'.
3. Com efeito, não pode ser deferida a reclamação. Independentemente de saber se pode considerar-se definida no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal uma questão de cosntitucionalidade normativa susceptível de ser julgada, ou se, diferentemente, o reclamante questiona a aplicação ao caso concreto de uma norma cuja conformidade constitucional não discute, e, bem assim, de indagar da efectiva aplicação, como ratio decidendi, de qualquer norma que se pudesse referir ao artigo 126º do Código de Processo Penal (e que o reclamante tivesse impugnado), a verdade é que nunca o Tribunal Constitucional poderia conhecer do presente recurso, por não ter sido suscitada a inconstitucionalidade de qualquer norma durante o processo, conforme exige a al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro. O Tribunal Constitucional tem reiteradamente afirmado que este requisito da invocação da inconstitucionalidade de uma norma ou de uma sua interpretação durante o processo se traduz na necessidade de que tal questão seja colocada perante o tribunal recorrido, proporcionando-lhe desta forma a oportunidade de a apreciar (cfr. nº 2 do artigo 72º da Lei nº 28/82). Só nos casos excepcionais e anómalos, em que o recorrente não dispôs processualmente dessa possibilidade, é que será admissível a arguição em momento subsequente (cfr., a título de exemplo, os acórdãos deste Tribunal com os nºs 62/85, 90/85 e 160/94, publicados, respectivamente, nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 5º vol., págs. 497 e 663 e no Diário da República, II, de 28 de Maio de 1994). Ora, diferentemente do que sustenta o reclamante, não invocou a inconstitucionalidade de nenhuma norma constante do artigo 126º do Código de Processo Penal na resposta à motivação do recurso interposto pelo Ministério Público para o Tribunal da Relação de Lisboa da decisão instrutória proferida pelo tribunal de primeira instância, na parte em que decidiu não o pronunciar. Diferentemente, o reclamante apenas diz que 'as provas pelo agente provocador não [são] nulas não podendo ser utilizadas contra quem as produziu nos termos da exigência constitucional constante do artº 32º, nº 8 e do artº 126º, nº 1, 2 e 4 do C.P.P.' O que o reclamante assim pretendia era que fosse aplicado o disposto nos referidos números do artigo 126º do Código de Processo Penal – e não que quaisquer normas ali contidas fossem havidas por inconstitucionais.
4. Diga-se, finalmente, que o reclamante não pode pretender ter sido surpreendido com uma interpretação inesperada – que, aliás, não indica – que justificasse que a invocação da inconstitucionalidade viesse a constar apenas do requerimento de interposição de recurso. Como observa o Ministério Público na resposta à reclamação, o recurso interposto da decisão instrutória destinava-se, justamente, a discutir a questão da nulidade dessas mesmas provas. Nestes termos, indefere-se a reclamação. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 ucs. Lisboa, 16 de Maio de 2001 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida