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Processo n.º 813/03
2ª Secção Relator – Cons. Paulo Mota Pinto
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1.No presente recurso de constitucionalidade foi proferida em 7 de Janeiro de
2004, ao abrigo do artigo 78º-A, n.º 1, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional, decisão sumária pela qual se decidiu não tomar conhecimento do recurso, e, consequentemente, condenar o recorrente em custas. É o seguinte o texto dessa decisão:
«1. A. interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça na acção declarativa de condenação que lhe move B. (pedindo a condenação do réu ao reconhecimento da compropriedade desta sobre certos bens e a abster-se da alienação ou oneração desses bens), dizendo nas primeiras nove conclusões do recurso:
«1 – O incidente de apoio judiciário requerido foi indeferido. A execução dessa decisão implicava, ao contrário no caso de deferida, uma notificação para que fosse constituído mandatário – artigo 24º, n.º 2, conjugado com o artigo 31º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 387-B/87, na sua versão inicial aplicável ao caso sub judice.
2 – No período do que se julgou ser de “contestação” não havia patrono nomeado devido ao indeferimento, nem constituído e, quando não existe mandatário, as notificações são feitas às partes – arts. 253º e 255º, n.º 4, do C. P. Civil.
3 – O advogado indicado no pedido de apoio, por causa do indeferimento total, ficou sem designação e não estava constituído – não tinha poderes para a acção nem deveres de trabalhar.
4 – O patrocínio para o incidente de apoio não é o mesmo do que é necessário para a acção. Não havendo nomeação é indispensável ser constituído nos termos legais – arts. 32º e ss. do C. P. Civil.
5 – Quando o n.º 4 do art. 31º diz “sendo caso disso” é, justamente, para os casos em que não há mandatário constituído. Devia a parte ser notificada para tal. E não existiu esta notificação – nem sequer na pessoa do patrono indigitado/negado.
6 – Não começou, por isso, o prazo para contestar por falta de notificação na forma legal.
7 – O aliás douto acórdão não faz distinção entre apoio negado e apoio deferido, pois considera como prazo de contestação sempre o que se inicia com a decisão sem necessidade de notificação. É uma interpretação revogatória de parte de uma lei, justamente a que manda notificar para constituir Patrono (Advogado ou Solicitador), n.º 4 do art. 31º. Há violação do n.º 4 do art. 312º, do arts. 253º e 255º, n.º 4, do C. P. Civil.
8 – A solução/interpretação das disposições legais citadas no acórdão, dispensando notificação para reinício do prazo para contestar, gera uma inconstitucionalidade, pois inibe um cidadão de se defender – não soube da decisão de indeferimento pelo modo que permitisse exercer o direito de defesa com exercício do contraditório, princípio fundamental. Violou-se o art. 17º da Constituição da República Portuguesa.
9 – Basta reflectir no normativo – somente, em princípio, é que será patrono o
“indicado” – art. 18º, n.º 2, do Decreto-Lei citado.» Por acórdão datado de 12 de Junho de 2003, o Supremo Tribunal de Justiça não tomou conhecimento do recurso de agravo interposto, dizendo que “relativamente
às decisões de que cabe agravo na 2ª instância, dispõe o n.º 2 do art. 754º do C. P. Civil que não é admitido recurso do acórdão da Relação sobre decisão da 1ª instância”, sendo que não se verifica nenhum dos casos “previstos nos n.ºs 2 e 3 do art. 678º, e que o despacho agravado na 1ª instância não pôs termo ao processo (n.º 3 do mesmo art. 754º)”. Quanto ao mérito da acção, o Supremo Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso de revista.
2. Desta decisão o réu interpôs o presente recurso de constitucionalidade, nos seguintes termos:
«(...) Desde já se interpõe recurso para o Tribunal Constitucional nas bases em que se suscitou durante o Processo – Haver-se retirado o direito pessoal de defesa. Sem cominação, feita pessoal, para se reiniciar o ónus da defesa ou direito de contestar. Tudo lhe passou a latere. Realmente, O direito de defesa foi retirado ao recorrente, direito que, como muito bem referem Gomes Canotilho e Vital Moreira – pág. 162, 1º vol. – 2ª ed. Coimbra Editora – 1984 – ao comentar o art. 17º anotam “...devem entender-se abrangidos os direitos fundamentais que revistam a natureza de liberdade ou direito de defesa”.»
3. Admitido o recurso, o relator no Tribunal Constitucional proferiu despacho a convidar o recorrente, nos termos do artigo 75º-A, n.ºs 5 e 6, da Lei do Tribunal Constitucional, a, “no prazo de 10 (dez) dias, indicar os elementos exigidos pelo n.º 1 (e, se for o caso, pelo n.º 2) do mesmo artigo 75º-A.” Em resposta, o recorrente veio dizer:
«1º Para o efeito da alínea b) do n.º 1 do art. 70º ex vi do art. 75-A, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, a norma com o respectivo entendimento que lhe fora dado é a do artigo 24º - n.º 2, do Dec.-Lei n.º 387-B/87 (vigente na altura da decisão e em conjugação com o art. 18º), pois está ordenado o “reinício” do prazo da contestação com uma notificação do despacho que conhecer sobre o APOIO JUDICIÁRIO. Entendeu o Tribunal da Relação de Guimarães, confirmando o entendimento da 1ª instância, que essa “notificação” não é ao próprio interessado, bastando ao Advogado meramente indigitado e não constituído para a ACÇÃO.
2º Defendeu o ora suplicante que o simples patrono indigitado no requerimento do INCIDENTE DE APOIO JUDICIÁRIO POR NÃO TER SIDO ACOLHIDA A SUA NOMEAÇÃO, NÃO ESTANDO VINCULADO A FAZER A DEFESA SEM O APOIO. NENHUM DEVER IMPENDIA SOBRE ELE. PARA CONTESTAR, SEM APOIO, É NECESSÁRIO FUNDOS. AQUELA NOTIFICAÇÃO DE REINÍCIO DO PRAZO DEVIA TER SIDO PESSOAL.
3° Entendeu o Tribunal de modo diverso e veio a condenar de preceito aquele que pedia APOIO, justamente, para contestar. Solução diversa seria se tivesse sido concedido o Apoio e não houvesse patrono indigitado – art. 32º. Permite-se renovar a síntese do que alegou – NEGAÇÃO DE TODA A DEFESA – contra o art. 16º da C. da República, art. 6º da Convenção Europeia, arts. 2°, 3°, al. b), 18°, 2°, 13°, 2, e 205º e 17º da C. R. P. – Direitos Fundamentais. A “defesa” PERTENCE AO PRÓPRIO E O ENTENDIMENTO DO Tribunal retirou um direito sem AVISO ou intimação.» Cumpre apreciar e decidir.
4. O presente recurso foi admitido – em decisão que, como se sabe (artigo 76º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional), não vincula o Tribunal Constitucional
–, mas, analisados os autos, verifica-se que é de proferir decisão sumária, ao abrigo do artigo 78º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, por este Tribunal não poder tomar conhecimento do recurso.
5. Na verdade, o recurso vem intentado ao abrigo do disposto no artigo 70º, n.º
1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional. Ora, para se poder conhecer de tal recurso, torna-se necessário, a mais do esgotamento dos recursos ordinários, que a inconstitucionalidade da norma impugnada tenha sido suscitada durante o processo e que esta tenha sido aplicada como ratio decidendi pelo tribunal recorrido. No presente caso, porém, verifica-se que o recorrente identificou como norma para “o efeito da alínea b) do n.° 1 do art. 70° ex vi do art. 75º-A, n.º 1 da Lei do Tribunal Constitucional” – isto é, como norma cuja inconstitucionalidade pretende ver apreciada por este Tribunal no presente recurso – a “do artigo 24º, n.º 2, do Dec.-Lei n.º 387-B/87 (vigente na altura da decisão e em conjugação com o art. 18º)”. Ora, esta norma, relativa ao apoio judiciário, só poderia estar em causa no recurso de agravo, do qual, como se disse, o tribunal a quo não tomou conhecimento, por entender que tal recurso não tinha cabimento. Tal norma nada tem, na verdade, que ver com a decisão do recurso de revista, que se prendia com a matéria de fundo: a eficácia ou ineficácia da transmissão do direito de propriedade para a autora. A norma impugnada não foi, pois, aplicada pela decisão recorrida, o que logo obsta a que o Tribunal Constitucional possa tomar conhecimento do presente recurso de constitucionalidade, que em nada se poderia repercutir nessa decisão.
(...)»
2.Notificado dessa decisão, o recorrente veio apresentar reclamação, nos seguintes termos:
«I. O art. 280º da Constituição da República consigna o direito de recorrer das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo. O direito de defesa é pessoal, intransmissível e irrenunciável. FOI-LHE NEGADO no caso sub judice. Com este espírito da lei faz-se
1º Pedido de esclarecimento e (ou) reexame Por considerar existir uma negação total do direito de defesa – um direito fundamental de todo o cidadão – o ora suplicante, ainda que cindindo a matéria de Agravo e de Apelação, pensa que gizou um único recurso para o Supremo Tribunal de Justiça 721 e ss do C. P. Civil. Fez recurso – interposição – de REVISTA Certo que cindiu matéria do AGRAVO (mas do AGRAVO da 2ª instância) e matéria da APELAÇÃO (mas esta também da 2ª instância). Nunca de AGRAVO para o Supremo o qual não é permitido. O art. 721º - 2º e 3º permite o que se fez. Não ser assim entendido é matéria que não pode, agora, versar. Certo, no entanto, que a epígrafe “matéria do AGRAVO” (da 2ª INSTÂNCIA) termina com a invocação de inconstitucionalidade, dizendo-se que se “nega ao cidadão um direito fundamental – todo o cidadão tem direito de defesa – art. 2º do C. P. Civil, preceito com categoria de direito constitucional nos termos do artigo 17º da Constituição da República. Na epígrafe da “apelação, conforme se pode verificar – e tal se suscita – na folha 5, n.º 7 – e 8. Neste escreveu-se, em forma expressa, que a “inconstitucionalidade dos preceitos seguidos existe no entendimento das instâncias, pois fica SEM DEFESA o réu. Ele podia escolher – podia constituir outro Advogado – não o indigitado – e este podia não ser constituído”. O direito de defesa a sua plenitude, em igualdade de exercer o contraditório, são princípios fundamentais a que é aplicável o art. 17º da Constituição da República. [sic]
2º Como o direito sem factos é uma ficção, não se compreende como no recurso de revista não se tenham factos como confessados e esta atitude ofende um direito fundamental do cidadão. Ora o aliás douto despacho reclamado reza assim: “A norma impugnada não foi, pois, aplicada pela decisão recorrida, o que obsta a que o Tribunal Constitucional possa tomar conhecimento do presente recurso de constitucionalidade, que em nada se poderia repercutir nessa decisão”. A decisão do Supremo Tribunal foi a de confirmar a decisão da Relação. Desse modo, fez aplicação das normas arguidas de inconstitucionalidade perante o Tribunal da Relação e perante o Supremo. Pede-se que seja esclarecida a decisão de rejeição, justamente, no sentido de ter considerado ou não, como parece, embora com dúvidas, se se atentou na passagem das alegações acima sumariadas ou se, uma vez reexaminadas, venha a decidir-se com reforma do decidido. II. Por aplicação do art.º 669º, n.º 1 [alínea b)], pede-se a reforma da condenação em custas – cinco unidades de conta. Salvo o devido respeito, não há proporcionalidade. Parece um exagero no seu montante. III. Sem prescindir, reclama-se para a conferência, nos termos do n.º 3 do art.
78º-A da Lei do Tribunal Constitucional.» A recorrida não respondeu à reclamação, apesar de notificada para tal. II. – Fundamentos
3.Começando pelo “Pedido de esclarecimento e (ou) reexame” deduzido pelo reclamante, conclui-se pelo seu teor que este não pretende qualquer aclaração de pontos obscuros ou incompreensíveis da decisão sumária de não conhecimento do recurso, mas antes – como não deixa de referir ao pedir um “reexame” – que a verificação dos requisitos para se poder tomar conhecimento do recurso seja reexaminada. Ora, o mecanismo previsto na lei para tal “reexame” é o da reclamação para a conferência, nos termos do artigo 78º-A, n.º 3, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional, que o reclamante não deixa também de deduzir, no final da sua peça processual.
É como tal reclamação que, portanto, cumpre julgar o presente incidente.
4.Consultando a decisão de que o recorrente, e ora reclamante, pretendeu interpor recurso de constitucionalidade, conclui-se que o Supremo Tribunal de Justiça apenas tomou conhecimento do recurso de revista, relativo ao mérito da acção, que se prendia com a questão da eficácia ou ineficácia da transmissão do direito de propriedade para a autora. O recorrente identificou, porém, como norma cuja inconstitucionalidade pretendia ver apreciada pelo Tribunal Constitucional, no recurso de constitucionalidade, um preceito relativo ao regime do apoio judiciário – o “artigo 24º - n.º 2, do Dec.-Lei n.º 387-B/87 (vigente na altura da decisão e em conjugação com o art.
18º)”. Como se afirma na decisão sumária reclamada, esta norma não estava, porém, em causa na decisão do recurso de revista, mas só poderia ser aplicada na parte em que o tribunal recorrido não tomou conhecimento do recurso, por, bem ou mal, não competir a este Tribunal apreciar, considerar que se tratava de um recurso de agravo que não era admissível. Conclui-se, pois, tal como na decisão reclamada, que a norma que o recorrente impugnou perante o Tribunal Constitucional não foi aplicada pela decisão recorrida, o que logo obstava a que se pudesse tomar conhecimento do presente recurso de constitucionalidade. A decisão sumária neste sentido merece, pois, ser confirmada.
5.O reclamante pede também a reforma da condenação em custas, que reputa desproporcionada. Como se sabe, e tem sido repetidamente afirmado na jurisprudência deste Tribunal
(por exemplo, no Acórdão n.º 174/99, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt, a que pertence o trecho que se cita seguidamente), a «“reforma quanto a custas – sublinhou-se no Acórdão n.º 27/94
(publicado no Diário da República, II série, de 31 de Março de 1994, e no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 433, página 141) – representa uma abertura
à modificação do julgado (e, assim, uma excepção à regra enunciada no n.º 1 do artigo 666º do Código de Processo Civil). Tal reforma só pode ter lugar, quando tiver havido uma condenação ilegal em custas.” (Acórdão n.º 1173/96; ver ainda, além do citado Acórdão n.º 27/94, por exemplo, os Acórdãos n.ºs 27/96, 1173/96 e
652/98, inéditos)». Ora, verifica-se, quanto à graduação das custas em que o reclamante foi condenado, que, além de o montante fixado se situar abaixo da média da moldura para a condenação em custas prevista no artigo 6º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º
303/98, de 7 de Outubro (entre as 2 e as 10 unidades de conta), não incorrendo em qualquer ilegalidade, corresponde à normal graduação do montante de custas para decisões sumárias de não conhecimento do recurso. Nada há, pois, a alterar na condenação em custas.
III – Decisão Com estes fundamentos, decide-se: a) Indeferir a reclamação para a conferência e confirmar a decisão sumária de não conhecimento do recurso de constitucionalidade; b) Indeferir o pedido de reforma da decisão quanto a custas; c) Condenar o reclamante em custas, com 20 (vinte) unidades de conta de taxa de justiça (artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro).
Lisboa, 31 de Março de 2004
Paulo Mota Pinto Mário José de Araújo Torres Rui Manuel Moura Ramos