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Processo n.º 857/03
2ª Secção Relator – Cons. Paulo Mota Pinto
Acordam em conferência na 2ª Secção do Tribunal Constitucional,
I. Relatório
1.Em 15 de Setembro de 2000, A., B., C. e D. intentaram, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, acção declarativa emergente do contrato individual de trabalho, em processo comum, contra E., (E.P.), pedindo o pagamento de diversas importâncias resultantes do enquadramento profissional a que se julgavam com direito, num total de 4 562 702$00. Já depois de marcada a audiência de julgamento, os 3º e 4º autores desistiram de todos os pedidos, tendo o Tribunal do Trabalho de Lisboa concluído, em 10 de Dezembro de 2001, pela improcedência da acção. Recorreram os 1º e 2º autores para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 26 de Junho de 2002, concedeu provimento parcial à apelação, condenando a apelada a reconhecer aos apelantes o nível invocado do Acordo de Empresa e o regime de progressão na carreira estabelecido no Regulamento de Carreiras, com o pagamento das retribuições daí resultantes.
2.Após indeferimento, por acórdão de 25 Setembro de 2002, do pedido de aclaração formulado pela Ré, veio esta apresentar recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Nesse Tribunal, porém, considerando-se os pedidos dos Autores independentes uns dos outros e a desistência de dois, concluiu-se, por despachos de 29 de Janeiro e de 20 de Maio de 2003 do Conselheiro-relator, que, tendo o valor da condenação do acórdão do Tribunal da Relação sido de 1.097.254$00, e ficando abaixo do valor da alçada dos tribunais da Relação, o recurso – já admitido no tribunal a quo – era inadmissível. Reclamou então a Ré para o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que, por despacho de 3 de Junho de 2003, não tomou conhecimento dessa reclamação, considerando, designadamente, que a única via ao dispor da reclamante “era a reclamação para a conferência (artigo 700º n.º 3 do CPC)” e não a reclamação dirigida ao presidente do tribunal superior – que, de todo o modo, ele não seria. Ainda intentou a Ré recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça, invocando o acórdão deste de 26 de Novembro de 1996 (publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 461, p. 379) e o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 25 de Novembro de 1973 (publicado no seu Boletim n.º 235, p.
332), segundo o qual a reclamação prevista no n.º 3 do artigo 700º do Código de Processo Civil seria convolável na prevista no artigo 688º do mesmo Código, e vice-versa, mas, por despacho de 24 de Junho de 2003, o presidente do Supremo Tribunal de Justiça decidiu não admitir o recurso. Entretanto, interpusera a Ré recurso para o Tribunal Constitucional, «por violação do art. 59º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa, ou seja, violação do princípio de “trabalho igual salário igual”, do acórdão de
26 de Junho de 2002 do Tribunal da Relação de Lisboa, “na parte em que condenou a ora Recorrente a manter o regime remuneratório estabelecido pela comunicação de 26.11.97 e o regime de progressão na carreira estabelecido no Regulamento de Carreiras do AEI”.» O Exm.º Conselheiro-relator no Supremo Tribunal de Justiça considerou, por despacho de 23 de Setembro de 2003, que o seu despacho de 20 de Maio de 2003 – que considerara inadmissível o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça intentado do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26 de Junho de 2002 – era irrecorrível sem prévia reclamação para a conferência. Em coerência, a Ré interpôs reclamação para a conferência que, por acórdão de 5 de Novembro de 2003, decidiu “revogar parcialmente o despacho do Relator, de fls. 228, e, não admitindo embora o recurso interposto do despacho de fls. 220 a
221, determinar que se sigam os termos próprios da reclamação para o Tribunal Constitucional.”
3.No Tribunal Constitucional pronunciou-se deste modo o Ministério Público:
“Não se mostrando endereçada a este Tribunal qualquer reclamação – já que a entidade reclamante, ao ser notificada da rejeição do recurso de constitucionalidade, interposto a fls. 225, optou por reclamar para a conferência, nos termos do art. 700º, n.º 3, do CPC, no âmbito da própria Relação – é duvidoso que este TC deva sequer pronunciar-se sobre o requerimento de fls. 231, não nos parecendo possível operar a ‘convolação’ de uma reclamação deduzida para o Colectivo de um Tribunal da Relação em reclamação endereçada ao Tribunal Constitucional. Acresce – para além de não se mostrar suscitada qualquer questão de constitucionalidade normativa, susceptível de fundar o recurso de fiscalização concreta – que o mesmo é interposto do acórdão proferido nos autos pela Relação
(cfr. fls. 225 verso), mediante requerimento endereçado ao Conselheiro Relator do STJ, tendo, pois, sido apreciado – por facto imputável ao recorrente – por entidade incompetente, a fls. 228. Tal compromete, conforme entendimento reiterado deste Tribunal, irremediavelmente a reclamação, já que nunca se poderia determinar ao autor do despacho de rejeição que admitisse um recurso reportado a acórdão proferido por outro Tribunal.” Cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentos
4.Como se tem escrito em muitas decisões deste Tribunal (v., por exemplo, os Acórdãos n.ºs 490/98, 24/99, 496/99, 46/02, 571/99, 641/99, 447/00, 46/02,
43/03, 67/93 e 370/03, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt), a função da reclamação para o Tribunal Constitucional de um despacho de não admissão do recurso de constitucionalidade não é reavaliar a fundamentação da decisão recorrida mas sim a de verificar a existência de uma indevida preterição do direito de recurso. Ora, esta preterição, no caso, patentemente não ocorre – não obstante a não indicação da norma da Lei do Tribunal Constitucional ao abrigo da qual o recurso foi interposto, uma vez que qualquer que ela fosse sempre se concluiria que não estão preenchidos os requisitos para a sua admissão. Certo é que durante o processo nenhuma norma foi arguida como inconstitucional, como a nenhuma norma foi recusada aplicação com esse fundamento. E tal, só por si, obstaria ao conhecimento do recurso, ainda que, na sequência de um despacho de aperfeiçoamento, pudesse agora a recorrente vir indicar – a destempo – os elementos exigidos no artigo 75º da referida Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, designadamente o tipo de recurso interposto e a norma cuja apreciação da conformidade constitucional pretendia. E, a mais de não identificar uma norma para apreciação e o tipo de recurso interposto, o requerimento de interposição do recurso apontou a inconstitucionaliade à própria decisão recorrida, quando é sabido que no nosso sistema de controlo jurídico da constitucionalidade só as normas jurídicas (e não as decisões dos tribunais) podem ser objecto de fiscalização pelo Tribunal Constitucional (cfr., v.g., Acórdãos n.ºs 199/88, 82/92 e 31/93, publicados, respectivamente, no Diário da República [DR], II série, de 28 de Março de 1989, de 18 de Agosto de 1992 e de 2 de Outubro de 1993). O que também, por si só, logo inviabilizaria o recurso.
5.Aliás, e como logo notou o Ministério Público, não se consegue encontrar propriamente uma reclamação dirigida ao Tribunal Constitucional, nem foi dado cumprimento ao n.º 1 do artigo 76º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional), que determina que a competência para apreciar a admissão do respectivo recurso cabe “ao tribunal que tiver proferido a decisão recorrida”. Na verdade, sendo esta decisão a do Tribunal da Relação de Lisboa de 26 de Junho de 2002, mesmo que, por mera hipótese, se admitisse que – ao contrário do que ocorreu no Acórdão n.º 268/94, publicado no DR, II série, de 7 de Junho de 1994
– o deferimento da presente reclamação contra um despacho proferido pelo Conselheiro-relator do Supremo Tribunal de Justiça (e, aliás, indevidamente confirmado pela conferência – cfr. v.g., Acórdão n.º 264/92, publicado no DR, II série, de 8 de Abril de 1993) pudesse vincular o Tribunal da Relação a admitir o recurso, sempre se violaria aquela norma. Em todo o caso, como se viu, faltando os requisitos para a interposição de um
(qualquer) recurso de constitucionalidade, é claro que o recurso não podia ter sido admitido, mesmo no tribunal competente para o admitir, sendo esta razão suficiente para – independentemente das questões acabadas de referir – se não poder deferir a presente reclamação.
III. Decisão
Pelos fundamentos expostos decide-se indeferir a presente reclamação e condenar a reclamante em custas, fixando em 15 (quinze) unidades de conta a taxa de justiça.
Lisboa, 19 de Dezembro de 2003
Paulo Mota Pinto Mário José de Araújo Torres Rui Manuel Moura Ramos